O Corpo Ideal vs. Corpo Real: Estética, Aceleração e Sofrimento Feminino
A estética como tecnologia de poder e resistência clínica na contemporaneidade.
Palavras-chave:
normatização estética, sofrimento psiquico, corpo feminino, autoconsciênciaResumo
A presente pesquisa analisa criticamente a normatização estética como um dispositivo biopolítico central na produção de sofrimento subjetivo em corpos femininos na contemporaneidade, partindo de um arcabouço teórico feminista materialista e anticapitalista. A investigação se inicia no contexto da “sociedade do desempenho”, conceito de Byung-Chul Han que descreve um regime neoliberal onde o sujeito, tornado empresário de si, é compelido a uma auto-otimização incessante. Nesse cenário, o corpo da mulher é capturado como um projeto de performance contínua, uma tela para a inscrição das demandas de um mercado que se estende à própria subjetividade. A relevância do trabalho, especialmente para o eixo temático “Corpo, Autoconsciência em Tempos de Alta Velocidade”, reside em desvelar a função política do “mito da beleza”, conforme cunhado por Naomi Wolf, demonstrando que a tirania estética não é um fenômeno cultural inofensivo, mas uma reação direta aos avanços feministas e uma ferramenta de aceleração que aprofunda a exploração capitalista. A metodologia adotada consiste em um ensaio teórico, sustentado por uma revisão de literatura crítica que articula o pensamento de Simone de Beauvoir sobre o “tornar-se mulher” e de Michel Foucault sobre o poder disciplinar com as análises de autoras como Silvia Federici, sobre o trabalho reprodutivo não pago, e Judith Butler, sobre a performatividade de gênero e a materialidade do corpo. A análise aponta que as práticas estéticas (dietas, exercícios, procedimentos) funcionam como tecnologias de poder que produzem “corpos dóceis”, disciplinados para o consumo e para a performance social. Este processo de busca por um corpo idealizado gera uma profunda alienação, na qual o corpo vivido, fenomenológico, é suplantado por um corpo-imagem, fragmentado e objetificado. Conclui-se que o trabalho de se “tornar bela” é uma forma de mais-valia subjetiva, um trabalho não remunerado que exaure psíquica e materialmente as mulheres, ao mesmo tempo que alimenta a multibilionária indústria da beleza. Como contraponto e caminho de resistência, a conclusão explora a potência da clínica da Gestalt-terapia. Propõe-se que, através da promoção da awareness (dar-se conta) e do trabalho com a desconstrução das introjeções dos ideais estéticos, é possível facilitar um ajustamento criativo. Este ajustamento permite à mulher reapropriar-se de seu corpo real, validando-o como espaço legítimo de existência e expressão, em um ato micropolítico de recusa à lógica produtivista do capital.
Referências
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