Dependência digital: uma abordagem biopsicossocial
Keywords:
dependência comportamental, dependência tecnológica, dependência digital, abordagem biopsicossocialAbstract
A utilização dos dispositivos digitais pode ter como consequência a dependência digital (DD), que afeta negativamente o bem-estar psicológico, a saúde física, as relações sociais, o sono, a qualidade e o desempenho profissional. Esse tipo de dependência tem chamado cada vez mais atenção dos pesquisadores de diversos países em função do aumento expressivo do uso de dispositivos em todo o mundo, tornando-se uma questão de saúde pública. Assim, os objetivos deste trabalho são capacitar os alunos a compreenderem as complexidades da DD, explorar suas causas, impactos e implicações, e equipá-los com ferramentas analíticas para investigar e contribuir para estratégias de prevenção e intervenção em diversos contextos. A DD é definida pela American Society for Addiction Medicine e pela Associação Psiquiátrica Americana como uma doença crônica que envolve circuitos cerebrais de recompensa, motivação, memória e outros circuitos relacionados. A disfunção nestes circuitos cerebrais leva a alterações no funcionamento biológico (ritmo circadiano, frequência cardiorrespiratória), psicológicas (alterações do humor) e sociais (isolamento). Essas alterações são desfechos de uma busca excessiva por recompensa e/ou alívio. Apesar de as dependências comportamentais serem frequentemente vistas como distintas das dependências de substâncias, muitos pesquisadores consideram que ambas possuem várias similaridades. Por exemplo, estudos recentes de neuroimagem revelaram que dependências comportamentais ativam muitas das mesmas áreas cerebrais que as dependências de substâncias. Assim como nos transtornos por uso de substâncias, alterações nas redes cerebrais relacionadas ao processamento de recompensas, funcionamento executivo, atribuição de importância e formação de hábitos, bem como em vias neuroquímicas que podem incluir dopamina, serotonina, opióides e outros neurotransmissores, podem representar fatores neurobiológicos envolvidos no desenvolvimento e manutenção de comportamentos viciantes. Devido à sua crescente prevalência, a DD emergiu como uma área de pesquisa significativa nos últimos anos. Em uma meta-análise realizada com 504 estudos e um total de 2.123.762 indivíduos de 64 países sobre DD, estimou-se que 26,99% dos participantes apresentaram dependência de smartphones, 17,42% vício em mídia social, 14,22% em Internet, 8,23% em cibersexo e 6,04% em jogos on-line. Vários estudos têm associado a DD a diversos problemas, entre eles: depressão, ansiedade e solidão, ansiedade social, narcisismo e baixa autoestima, baixo desempenho acadêmico, estresse, má qualidade do sono, insônia e irritabilidade. Além disso, a DD tem sido relacionada à impulsividade, déficit de atenção e transtorno obsessivo-compulsivo, problemas com o autocuidado, realização de atividades diárias e relações sociais, bem como problemas físicos como enxaquecas, dores nos pulsos e pescoço e visão turva. Alguns pesquisadores declararam que a DD é uma “epidemia do século XXI” e uma “pandemia na nova era”. Como um fenômeno complexo e interdisciplinar, é fundamental que seja pensado a nível biológico, psicológico e social. Deste modo, a perspectiva biopsicossocial pode ser de grande relevância para orientar o trabalho de pesquisadores e psicólogos clínicos na avaliação, prevenção e intervenções relacionadas à DD.