INTERFACES ENTRE A GESTALT-TERAPIA E O PARADIGMA DA ATENÇÃO PSICOSSOCIAL: revisitando o modo de cuidado em saúde mental.
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Fundamentado em correntes que compreendiam a loucura como um mal que colocava em risco a sociedade, o cuidado em saúde mental, foi, durante muitos anos, marcado por uma assistência que oferecia, basicamente, longas internações em hospitais psiquiátricos, administração de medicamentos, além de diversas práticas discriminatórias e até desumanas, as quais conferiam ao considerado “louco” o afastamento do convívio social e consequentemente, um distanciamento do seu direito à saúde, bem estar e qualidade de vida (AMARANTE, 2007). No entanto, o que passou a se perceber com tal abordagem, foi a constante produção de doença, ou seja, de sujeitos cada vez mais desrespeitados enquanto humanos e cidadãos distantes da capacidade de produzir benefícios para si e para a sociedade, pois a eles não eram oferecidas condições suficientes para tanto. Pensando num novo modelo de cuidado para essa demanda clínico-social, fundou-se, no Brasil, a Reforma Psiquiátrica, que apresentou como objetivo: construir práticas promotoras de saúde, através da escuta subjetiva do sofrimento humano e de sua realidade singular, mantendo assim, o convívio do paciente junto à família e comunidade; o que proporcionou um novo lugar para a loucura na sociedade (PEREIRA, 2008). Hoje, é possível perceber a mudança desse quadro para uma nova realidade, a qual é norteada por ferramentas que viabilizam o desenvolvimento da cidadania, da autonomia e da capacidade do sujeito de lidar com sua própria rede ou sistema de dependências. Característica também fundamental da perspectiva da clínica da Gestalt, uma vez que sua ação interventiva busca percorrer o caminho onde o gestalt-terapeuta aparece como um apoio ambiental, para que, junto ao cliente/usuário, possam construir o próprio cuidado (autocuidado) deste. Através dessa mudança de paradigma que se distanciou do anterior modelo hospitalocêntrico, passou a existir uma rede de serviços direcionados pela lógica da Atenção Psicossocial, oferecendo cuidado através de diversas especialidades e não mais concentrado nos hospitais psiquiátricos; muito menos, centrados exclusivamente nos conhecimentos da Psiquiatra. No entanto, tal perspectiva não pode ser confundida como sendo uma mera mudança nos serviços de saúde, mas deve ser entendida pela “ousadia de inventar um novo modo de cuidar do sofrimento humano, por meio da criação de espaços de produção de relações sociais pautadas por princípios e valores que buscam reinventar a sociedade[...]” (YASUI, 2009). Dessa forma, um novo modo de cuidar, trouxe inerente a si, uma nova ótica para o sujeito em questão, que deixa de ser reduzido à doença e passa a ser considerado em seu sofrimento psíquico - contextualizado no plano de sua existência e em toda sua dimensão social (PAULO AMARANTE apud HOSPODAR, 2007). Agora, visto em sua integralidade, esse sujeito também alcança o olhar da Gestalt-terapia, uma vez que esta abordagem compreende a vivência como sendo singular e construída a partir das relações estabelecidas no campo vivencial (a partir das experiências que acontecem neste). Isso caracteriza o conhecido processo pela busca constante de crescimento, através da autorregulação organísmica; no qual, por meio de ajustamentos criativos, buscamos nos adaptar ao ambiente. Vale lembrar que este é o ponto onde ocorrem as trocas na fronteira de contato - que afetam e provocam transformações no sujeito e, ao mesmo tempo, no ambiente. Nessa ótica, tudo que o sujeito apresenta faz parte de um campo. Logo, para a Gestalt-terapia não faz sentido pensar de forma isolada aspectos da existência. Assim também deve ser para a Atenção Psicossocial: as particularidades do sujeito precisam ser pensadas de modo articulado com a totalidade que constitui este ser (território, família, comunidade, dentre outros). É de acordo com essa crença do modo de funcionamento humano, que o gestalt-terapeuta pauta o seu modo de cuidado no âmbito da saúde mental: compreendendo a produção do adoecimento em relação com o corpo social em que este emerge (MELMAN, 2006). Sendo assim, a busca pela causa do adoecimento é relegada para que nos detenhamos ao como ele se apresenta em sua singularidade. A partir deste mesmo entendimento, se acredita na possibilidade de ressignificar o modo de existir para além do diagnóstico. A lógica é fazer com que diante do processo de adoecimento psíquico, possam se desdobrar mecanismos que tornem a existência mais saudável, como o foco da clínica gestáltica: de experimentação de novos modos de ser no mundo. Neste sentido, a aborgadem psicológica em questão, que investe em espaços de produção e ampliação de possibilidades, serve como inspiração para a ação no âmbito da atenção psicossocial. Sendo a relação dialógica um dispositivo facilitador para a resolução de conflitos, a partir da presença por si interventiva do terapeuta, acredita-se - sob a ótica da construção compartilhada, voltada para a emergência de atitudes criadoras e inovadoras - que é na relação terapêutica que se estabelece a principal ferramenta no trabalho em saúde mental. Ressaltando que esta relação deve reconhecer e possibilitar que o paciente se reconheça como responsável por suas escolhas. Neste sentido, atuar “gestalticamente” com os usuários dos serviços de Saúde Mental seria praticar intervenções psicossociais pautadas na construção de um espaço terapêutico dialógico; capaz de proporcionar práticas terapêuticas que estimulem suas habilidades individuais, promovendo assim, a prevenção e redução dos fatores de risco. Nesse sentido, no diálogo entre a Atenção Psicossocial e a Gestalt-terapia, podem emergir pontos em comum, como o de [...] uma práxis de libertação, auxiliando o indivíduo a se constituir como sujeito condutor da própria história, e também um elemento ativo, participante dos processos sociais [...] apontando para a necessidade e a possibilidade de criar e recriar a realidade [...] (IANNACCONE in HOLANDA E FARIA, 2005). Assim, considera-se o quão próximas podem ser a clínica gestáltica e o modelo da atenção psicossocial; ambas capazes de produzir espaços de trocas entre si e o mais importante: de possibilitar um novo modo de cuidado para aqueles que dessas práticas usufruem: profissionais e usuários. REFERÊNCIAS: AMARANTE, P. Saúde mental e atenção psicossocial. 1 ed. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2007. HOLANDA, A. F. (Org)., FARIA, N. J. (Org). Gestalt-terapia e contemporaneidade: contribuições para uma construção epistemológica da teoria e da prática gestáltica. Campinas: Livro Pleno, 2005. HOSPODAR, P. Ressocializar é possível? Uma contribuição da Gestalt-Terapia nas atividades de um hospital-dia de uma instituição psiquiátrica. Revista IGT na Rede, v6, nº 11, 2009, Página 282 de 301. Disponível em HTTP://www.igt.psc.br/ojs/. Acessado em: 01/08/2013. MELMAN, J. Família e doença mental: repensando a relação entre profissionais de saúde e familiares. São Paulo: Escrituras Editora, 2006. PEREIRA, M. Gestalt-terapia e saúde mental: contribuições do olhar gestáltico ao campo da atenção psicossocial. Revista IGT na Rede, v. 5, n° 9, 2008, p.168-184. Disponível em http://www.igt.psc.br Acessado em 10/07/2013. YASUI, S. A atenção psicossocial e os desafios do contemporâneo: um outro mundo é possível. Cad. Bras. Saúde Mental, vol 1, nº 1, jan-abr. 2009. Modalidade de apresentação: Comunicação/tema livrePublicado
2015-12-01
Número
Sección
Temas-Livres