MT 11: ACERCA DO SOFRIMENTO E O QUE NÓS TEMOS A VER COM ISSO...

Autores/as

  • Eleonora Torres Prestrelo
  • Magda Dudenhoeffer
  • Luciana B. Cavanellas

Resumen

MT 11: ACERCA DO SOFRIMENTO E O QUE NÓS TEMOS A VER COM ISSO... Eleonôra Torres Prestrelo Magda Dudenhoeffer Luciana B. Cavanellas -------------------------- O QUE NA DOR DO OUTRO ACALMA A MINHA? A escolha da psicologia como profissão: a possibilidade da escuta de si mesmo. Eleonôra Torres Prestrelo Esse trabalho busca a compreensão do que configura a escolha de uma profissão tão mitificada como a Psicologia. Mergulhar nas imagens contemporâneas que a subsidiam. Curioso notar o poder dos mitos, os que em pleno século XXI ainda persistem: o mito do possuidor da “bola de cristal”, por exemplo. O psicólogo, especialmente o clínico, vai “ver” o que se passa “dentro” de você, dele você nada pode esconder. Sua analogia com pajés, curandeiros, figuras com poder de cura, enfim, a mítica do especialista em cuidar se faz presente em leigos e profissionais (GUEDES, 1985). Nela existe uma aura de poder e mistério, explicitado tão bem na fala de uma ex-aluna: “O mundo da Psicologia é um mundo encantado. As pessoas são encantadoras, a profissão é encantadora; e você, claro, quer ser também uma dessas pessoas encantadoras...um encantador...(XISTO, 2006, p.224) Em que reside o encantamento desse ofício nos dias de hoje? A possibilidade de superação? Alguns autores já nos falam disso, o exercício da psicologia clínica como espaço de elaboração de seu próprio sofrimento (MILLER,1986; RIBEIRO, 1998), a necessidade de cuidar daquele que deveria ser seu cuidador, satisfazendo suas necessidades de atenção e afeto, “Dessa forma, o filho assegurava o “amor” dos pais. Ele sentia que necessitavam dele e essa necessidade lhe garantia alguma segurança existencial. A capacidade adaptativa será ampliada e aperfeiçoada, e essas crianças mais tarde se tornarão mais do que mães (confidentes, consoladoras, orientadoras, apoios) de suas próprias mães... Não é de estranhar que, no futuro, com certa freqüência, escolham a carreira de psicoterapeutas (MILLER, 1997, p.20).” Na mitologia também encontramos o Quíron, o curador ferido, aquele que, capaz de curar os outros não consegue curar a si mesmo, fadado a lidar com sua dor até o fim de seus dias. Como Gestalt-terapeuta acredito na implicação de uma história de vida na escolha profissional. Ana Verônica Mautner, em depoimento, faz a brilhante ressalva “São poucas as profissões onde tudo que sou, tudo que sei é usado sem parar, no quotidiano (1985, p.35)”. Chamando a atenção para um aspecto crucial desse ofício “... para mim o que me acompanha é a solidão, porque a minha experiência com os meus pacientes é tão única que o relato dela numa supervisão é quase ainda um monólogo (MAUTNER in BARROS e PORCHAT, 1985, p.36)”. No acompanhamento de alunos, no convívio com colegas, presencio seus sofrimentos, feridas profundas nunca ou muito pouco tratadas, estariam eles reproduzindo essa perspectiva? O que na dor do outro acalma a minha? ------------------------- EM CADA CANTO UM ENCANTO EM CADA CANTO UMA DOR Magda Dudenhoeffer A proposta deste trabalho surge a partir da experiência de atendimento psicoterápico voluntário, num ambulatório para o pacientes de baixa renda. As observações entre as semelhanças e diferenças entre as questões trazidas e como elas chegam passam a ser o alvo de interesse comparativo com o mesmo tipo de trabalho desenvolvido no consultório particular. Em ambos os lugares a grande maioria dos clientes é composta por mulheres passando a ser este o foco de reflexão. Desmitificar algumas idéias populares tais como; “ O pobre agüenta mais o sofrimento.” “ As classes populares estão mais acostumadas à dor.” “Os migrantes são antes de tudo uns fortes.” Sem contudo esquecer “que todo ser humano sofre influência direta do grupo social a que está inserido. A sociedade e a cultura em que vivemos influenciam nossas formas de sentir, de nos comportar, pensar,desejar, nos relacionarmos conosco e com os outros.” (CIORNAI, 1999, p.20) levam a olhar os dois grupos de clientes, pertencentes à classes sociais distintas, percebendo que o aspecto mais importante para os dois grupos é o fato de se sentirem escutadas, acompanhadas no processo individual de exposição das suas dores. “Os acontecimentos e traumas, queiramos ou não são patrimônio da pessoa o que muda radicalmente é o olhar que se tem deles. Durante o processo terapêutico há uma contínua circumambulação ao redor destas histórias, desta feita em companhia (JULIANO, 2010, p.25)”. A atenção na forma da exposição daquilo que é trazido, no conteúdo de dor mais ou menos explícito, na presença de um sofrimento social mais ou menos contundente, na esperança da capacidade de mudança, nos vínculos estabelecidos com o processo individual e com o processo psicoterápico, fazem o terapeuta assumir o papel de “ escuta-dor ”, tornando-se presença interessada capaz de favorecer a elaboração e a organização da experiência singular de cada indivíduo. A realidade em que estamos inseridos é carente de um lugar de escuta, de ouvidos que não julguem, de disponibilidade e de interesse de uns pelos outros e é aí que a psicoterapia assume o papel de suprir estas necessidades, se tornando o lugar onde não é preciso se envergonhar das dores sofridas, onde as feridas podem ser expostas sem julgamentos, onde a elaboração da realidade social e pessoal a que se está inserido é capaz de instrumentalizar o indivíduo a encontrar caminhos novos, a reconfigurar situações vividas. A importância da qualidade da escuta psicoterápica é o ponto sublinhado neste trabalho que propõe uma reflexão sobre este papel , nos atendimentos aos dois grupos fica claro a explicitação de um pedido que podeser parafraseado de Clarice Lispector: “Ouça-me, ouve o meu silêncio. O que falo nunca é o que falo e, sim outra coisa... Capta a outra coisa de que na verdade falo porque eu mesma não posso”. ----------------------- O CUIDADO EM SITUAÇÕES-LIMITE: SOFRIMENTO OU BUSCA DE SENTIDO NO TRABALHO HUMANITÁRIO? Luciana B. Cavanellas Sofrimento que, intrínseco ao humano, muitas vezes revela-se em elos Como enfrentar situações tão difíceis, às vezes arriscando a própria vida, para levar ajuda e cuidados a um outro, desconhecido? Como lidar com tamanho sofrimento do outro, sem sucumbir à dor? Que apoios e suportes são fundamentais para viabilizar este tipo de enfrentamento? O que move essas pessoas que optam por um tipo de trabalho humanitário, em condições tão adversas e o que as faz suportar? Qual o sentido deste trabalho para estes profissionais, que sofrem “na carne”, para salvar o outro? Perguntas como essas manifestam inquietação e perplexidade diante do sofrimento. Sofrimento que, intrínseco ao humano, muitas vezes revela-se em elos de ligação entre quem sente, “possui” a dor e quem vem em busca de cuidar - o cuidador. Nos trabalhos humanitários, cada vez mais expressivos nos tempos em que vivemos, queremos compreender o sofrimento desses “cuidadores” e os recursos de que dispõem para suportar a dureza do trabalho, muitas vezes arriscando a própria vida. Com a intenção de abordar essa temática, aproximamo-nos da Ong Médicos sem Fronteiras e do trabalho desses profissionais, que atuam em situações-limite, levando ajuda humanitária a diferentes países e povos. Médicos Sem Fronteiras (MSF) é uma organização internacional, criada em 1971, que conta com cerca de 22 mil profissionais de diferentes áreas, espalhados por mais de 60 países, atuando diariamente em situações de desastres naturais, fome, conflitos, epidemias e combate a doenças negligenciadas (www.msf.org.br). Nas análises dos “diários de bordo” – relatos onde os profissionais publicam suas experiências, dificuldades e conquistas no trabalho – o sofrimento parece dar lugar a um sentimento de “utilidade” ou de solidariedade que dá sentido à atividade, colaborando com a manutenção de sua saúde. Parece-nos que MSF traz elementos novos tanto ao campo do cuidado em saúde, da saúde do trabalhador como das clínicas do trabalho, oferecendo-nos possibilidades de repensarmos o trabalho em Saúde e o cuidado com o cuidador. Assistimos mais recentemente ao crescimento da atenção voltada para a saúde do trabalhador da Saúde, o “cuidador”, incluindo-o na pauta das discussões preocupadas com o futuro das instituições e da assistência propriamente dita. No âmbito do SUS, a Política Nacional de Humanização - PNH - do Ministério da Saúde, torna-se porta-voz da necessidade de criação de novos territórios existenciais, novos modos de produzir saúde, sujeitos e conhecimentos, pertinentes ao caráter sempre enigmático e singular do trabalho. (BARROS e BARROS, 2007). Entendendo que novas questões devam ser lançados sobre a constituição e o funcionamento dos serviços de saúde, pretendemos, a partir de uma pesquisa sobre um sistema não-governamental de prestação de cuidado, apoiado na solidariedade, (MSF), dialogar com iniciativas que valorizem a dimensão subjetiva e intersubjetiva das práticas de saúde, considerando as vivências dos trabalhadores como fonte essencial e necessária à possibilidade de reformulações conseqüentes para a coletividade. Referências Bibliográficas CIORNAI, S. Da contracultura à Menopausa. São Paulo: Oficina de Textos ,1999. GUEDES, A. in PORCHAT, I.; BARROS,P. (orgs.) Ser Terapeuta: depoimentos. São Paulo: Summus, 1985. JULIANO,J.C. A vida, O Tempo, a Psicoterapia, São Paulo: Summus Editorial, 2010. LISPECTOR, C. Água Viva, Rio de Janeiro: Editora Arte Nova, 1973. MAUTNER, A. V. in PORCHAT, I.; BARROS,P. (orgs.) Ser Terapeuta: depoimentos. São Paulo: Summus, 1985. MILLER, A. O drama da criança bem dotada: como os pais podem formar (e deformar) a vida emocional dos filhos. São Paulo: Summus, 1997. Ed. revista e atualizada. VASCONCELOS, E. (org.) Perplexidade na universidade: vivências nos cursos de saúde. São Paulo: Editora Hucitec: Edições Mandacaru, 2006.

Publicado

2014-09-19