TL 03: DROGADIÇÃO: UMA FORMA DE NÃO SER?

Authors

  • Celia Regina Mendes

Keywords:

DROGADIÇÃO

Abstract

Trabalho como médica psiquiatra num CAPS ad em Florianópolis há três anos e sou também gestalt-terapeuta em formação. Nesse período observando e vivendo os ajustamentos que apareceram no campo na convivência com pessoas que apresentam dependência química, pensei em compartilhar aqui minhas impressões. No curso de especialização em Gestalt-terapia, os professores Marcos e Rosane Müller-Granzotto apresentaram uma teoria sobre esse tipo de ajustamento, com base na teoria do self de Pelrs e Goodman (1951). Para eles o uso da droga aparece como uma forma de substituir o excitamento. O desejo pela droga e a satisfação imediata que ela provoca, cria o hábito de se alienar nessa sensação, abrindo mão de viver e de buscar outros prazeres. Observo que o uso compulsivo pela droga leva geralmente a um “desaprender” e a não reconhecer em si mesmo o próprio excitamento ou o excitamento não se apresenta mais. No decorrer do tratamento, a vida sem a droga é relatada como uma vida em “preto e branco”, sem o colorido que o uso da droga proporcionava. Existe uma angústia, um buraco, um vazio freqüente em seus relatos e isso os leva às recaídas na droga. Percebo essa ausência do excitamento no campo como uma falta de vontade, de curiosidade, de interesse e de energia vital. Os planos e projetos de vida precisam ser reconstruídos, mas parecem não saber mais como fazer isso. Apresentam normalmente uma acomodação ou aceitação diante de tudo. Quando não estão alienados na droga podem estar alienados na figura de um doente ou de um “drogadito” em recuperação. É muito difícil para ele abrir mão de permanecer na alienação. Num mundo cada vez mais demandante aonde o posicionamento social e material é fundamental para poder ser aceito e para poder ter um lugar, ficar fora disso parece ser o mais confortável ou o único lugar possível. Assim o uso da droga pode aparecer também como uma forma de revolta e como uma agressão ao sistema, mas também como uma chance de fugir dessa demanda social. “Eu me recuso a me submeter, mas não sei como enfrentálo, então me escondo na droga”. A grande maioria afirma não poder ter dinheiro e alguns chegam ao extremo do abandono de si mesmos. Como Capsad atendemos pessoas em situação de rua com grave comprometimento do estado físico, psíquico e social. Na grande maioria das vezes estão completamente descrentes de que algo possa ser feito por eles, preferindo permanecer no esquecimento ou “invisíveis” e insistem em ser desagradáveis, provocando mal estar e repulsa em quem tenta se aproximar. O que significa esse abandono de si mesmo, esse desejo de não se reconhecer como humano,de permanecer à margem da sociedade e de querer se tornar invisível? Essa condição de não humanidade, de não fazer parte da sociedade de se alienar num lugar de não existência, de tentar aniquilar qualquer resquício de semelhança com o humano? Seria uma forma de luta passiva contra um sistema perverso, que por princípio já é excludente do humano? Que vê o homem apenas como um objeto de consumo, e se utiliza dele como meio de produção e que quando não funciona mais é descartado? E como intervir nessa situação aonde a sensação de descrença e até repulsa muitas vezes nos paralisa? Parece que a falta de um excitamento, provocado talvez pelo hábito da drogadição, os tenha levado a essa situação de não humanidade. Mas ainda acredito que a intervenção nessa situação seja buscar alguma fagulha de excitamento e tentar alimentá-la. Fazer crescer o desejo e principalmente encorajar esse desejo no sentido dele acreditar ser possível sair desse lugar. Nesse trabalho pretendo apresentar o resumo de um caso clínico aonde esse ajustamento aparece e como a intervenção no sentido de encorajar o excitamento, o levou a resgatar um sentido de humanidade e desejo de participação na vida, podendo vivenciar o prazer de Ser Humano.

Published

2014-01-10