TL 16: AUTOIMAGEM NEURÓTICA: A VISÃO MÍOPE DE SI MESMO

Autores

  • FELIPE FONSECA DE FREITAS

Resumo

TL 16: AUTOIMAGEM NEURÓTICA: A VISÃO MÍOPE DE SI MESMO Felipe Fonseca de Freitas RESUMO O presente trabalho parte da ideação da aparência física vinculada ao sucesso pessoal e profissional para compreender, a partir da Gestalt-terapia, a construção pelo indivíduo de representações de si neuróticas, que subjugam necessidades pessoais em favor às valorações sociais introjetadas. E é na crença da potencialidade presente na visão de homem da Gestalt-terapia, que o olhar deste mesmo homem ao recair sobre si, demonstra capacidade de enxergar além das exigências sociais para se ver de forma integral, substituindo o apoio ambiental pelo autoapoio. Palavras chave: Autoimagem, Aparência física, autoapoio PROPOSTA Diante de uma sociedade contemporânea que prima acentuadamente pela valorização estética, com ideais de beleza vinculados ao sucesso na ordem profissional e afetiva, o indivíduo, como um ser em relação, presentifica em suas representações de si composições repletas de preconceitos. Perls em Isto é Gestalt (1977, p.20) expõe o quanto a exigência social submete o indivíduo a uma autoimagem neurótica, muito dissociada de suas próprias necessidades, onde “[...] cada cultura e os indivíduos que a compõem criaram certos conceitos e imagens do comportamento social ideal [...].”. Ideal este traduzido no modo comum de vida em nosso meio, objetificando o próprio homem, que cada vez mais se distancia de suas necessidades em função da vida social, herdeiro de valores e normas que perpetuam gerações. A partir das intojeções de valores sociais, esse mesmo homem responde e manipula sua própria energia para manutenção e defesa destes padrões, tornando-os parte do próprio self. E assim, “[...] as pessoas tornam-se meramente pessoas em lugar de serem também animais em contato.” (PHG, 1997, p. 123). E é em meio às abstrações das funções de orientação e manipulação, mantendo o indivíduo distante da percepção das suas próprias sensações, que a satisfação se posiciona simbolicamente com recompensas de prestígio e posse (PHG, 1997). Desta forma, o presente trabalho estabelece um recorte focado na construção da autoimagem física, respondendo as dimensões discriminativas ou não da simbólica ideação da beleza e da boa forma enfatizada em nossa sociedade atual, mas com raízes datadas de séculos A.C. Beleza bastante valorizada desde o período Helênico, ativa nos costumes principalmente dos atenienses com os cuidados com o físico e a aparência, e transportados para a própria arte clássica com o prestígio da simetria na arquitetura e das figuras perfeitas, modeladas com exatidão. Atualmente vemos o culto à aparência fomentada de maneira discreta como nas figuras de princesas e príncipes dos contos infantis e nas belas modelos de campanhas publicitárias, ou em formas mais impositivas, como na seleção de profissionais para emprego com o requisito aparência em foco. Vemos a busca pela perfeição nas academias, nos espaços de estética, nos consultórios de cirurgiões plásticos. A exigência da perfeição repousa em conceitos prontos, bloqueando a capacidade de autorrealização e aumentando as chances de fracasso (PERLS, 1977). Como forma ilustrativa do conteúdo, dando maior embasamento à apresentação, foi proposto um experimento com retratos fotográficos retirados de um grupo de voluntários, incorporando o resultado do click para observar a reação dos indivíduos (voluntários) na relação de sua autopercepção já formada ao longo de suas interações organismo/ ambiente com o olhar imediato direcionado ao registro de si em fotografia. Com isso, podemos compreender que diante do olhar sobre si recaem os próprios desejos “pessoais” como aqueles constituídos socialmente, apresentando equilíbrio entre os mesmos, ou conflito e desconforto frente expectativas e espontaneidade. O experimento é dividido em dois momentos principais, com exercícios para explorar o foco da consciência, que John Stevens (1988) divide em consciência do mundo externo, interno e da atividade da fantasia. Inicialmente busca-se a consciência presente a partir da autopercepção de cada participante, ou seja, a imagem que já trazem de si; e posteriormente o contato sensorial pela função visão, estimulando a experiência direta com os retratos e a reação que surge internamente, ou seja, o que é sentido pelos mesmos. Para Barthes (1984), a fotografia se apresenta para o sujeito não como ele é, mas como ele se torna diante de seus olhos. Diante da máquina fotográfica, o homem é ao mesmo tempo aquele que se julga e aquele que gostaria que o julgassem. Segundo Andrade (2002, p.26), ao longo da história do pensamento encontramos inúmeras comparações e reflexões acerca dos olhos e o espírito, dos olhos e o saber, dos olhos que contemplam e dos olhos que sentem. “Do erudito ao popular, a visão reflete a alma do homem e espelha o mundo em que vive.”. Usamos a palavra “olhar” para expressar funções de outros sentidos, como do olfato (“veja como cheira!”), como do tato (“vê como é macio!”), etc. Mas o quanto, por mais usual que o sentido visão esteja presente, principalmente em uma atualidade onde somos constantemente bombardeados por imagens, consigamos realmente nos enxergar? A partir disso, podemos nos referir a Yontef (1988, p. 145) que diz que “as imagens, incluindo as imagens de si mesmo, são produtos ou representações e não o evento relacional real do existir no mundo humano.”. Ou seja, embora as imagens sejam uma sinopse conveniente da natureza da pessoa, elas são vulneráreis a distorções. (POLSTER e POLSTER, 2001). PHG (1997) nos sinaliza que ao contatarmos imagens que fogem das que já nos identificamos, tendemos a inibi-las, dificultando a awareness, e mantendo a identidade prévia e segura. De acordo com Guy Debord em seu livro Sociedade do Espetáculo (2003), a aparência torna-se uma afirmação social em uma sociedade onde a imagem apresenta-se como a mediadora das relações das pessoas. Desta forma, a aparência física transforma-se em uma mercadoria, acumulando possíveis ganhos sociais. Com isso, ao observamos as autorrepresentações da aparência isoladas da própria satisfação, a função personalidade forma-se por muito com incorporações de material alheio inassimilável, mantendo a lealdade com o status quo. Assim, “quando o comportamento interpessoal é neurótico, a personalidade consiste em alguns comportamentos errôneos a respeito de nós próprios, introjetos, ideais de ego, etc.” (PHG, 1997 p.187). Vale grifar que o indivíduo não é um simples receptor, mas sim uma função do campo organismo/ambiente, que mesmo engolindo sem mastigar, escolhe permanecer com sensações do não pertencimento deste alimento. E é diante da frustração, da continua dificuldade em atingir a perfeição, que o indivíduo pode perceber, diante do próprio excitamento, sua possibilidade em abrir mão de respostas obsoletas e experimentar novas formas mais integradas com suas necessidades. Integração que coerentemente aproxima o homem do próprio meio, mas conseguindo diferenciar o que é seu, daquilo que surge a partir do ambiente, sendo capaz não só de distinguir como de escolher a necessidade mais dominante. Desta forma, o trabalho psicoterapêutico possibilita a expansão das fronteiras, incentivando o desenvolvimento do próprio autoapoio. Ou seja, promover a integração e não “tentar aprender a se mal-ajustar a sociedade.” (PGH, 1997, p.117). Como nos lembra Perls (1988, p.40), o homem que consegue viver em contato íntimo com sua sociedade, sem ser tragado por ela ou nem dela se afastar, é um homem bem integrado. BIBLIOGRAFIA ANDRADE, R. Fotografia e Antropologia: Olhares fora/ dentro. São Paulo: EDUC, 2002. BARTHES, R. A Câmara clara: Nota sobre a fotografia. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984. CHAUI, Marilena. Janela da alma, espelho do mundo. In: NOVAES, A (org.). O olhar. São Paulo: Cia. das Letras, 1999. DEBORD, G. A Sociedade do Espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto. 1997. PERLS, F. A Abordagem Gestáltica e Testemunha Ocular da Terapia. 2 ed. Rio de Janeiro: LTC, 1988. PERLS, F. Gestalt – Terapia e Potencialidades Humanas. In: PERLS, F. et al. Isto é Gestalt. São Paulo, Summus, 1977. PERLS, F.; HEFFERLINE, R.; GOODMAN, P. Gestalt-Terapia. 2 ed. São Paulo, Summus, 1997. POLSTER, E. e POLSTER, M. Gestalt-terapia Integrada. São Paulo, Summus, 2001. STEVENS, J. O. Tornar-se Presente. 7 ed. São Paulo, Summus, 1988. YONTEF, G. M. Processo, Diálogo e Awareness: ensaios em Gestalt-terapia. 2 ed. São Paulo, Summus, 1988.

Publicado

2014-09-18