WR 4: PSICOSE COMO AJUSTAMENTO DE BUSCA: UMA LEITURA GESTÁLTICA SOBRE A GÊNESE PSICOSSOCIAL DAS FORMAÇÕES PSICÓTICAS

Autores

  • Marcos José Granzotto
  • Rosane Lorena MÜLLER-GRANZOTTO

Resumo

WR 4: PSICOSE COMO AJUSTAMENTO DE BUSCA: UMA LEITURA GESTÁLTICA SOBRE A GÊNESE PSICOSSOCIAL DAS FORMAÇÕES PSICÓTICAS Marcos José MÜLLER-GRANZOTTO Rosane Lorena MÜLLER-GRANZOTTO RESUMO Trata este curso de apresentar os estudos críticos e os casos clínicos que constituem a base para o estabelecimento de uma leitura das formações psicóticas clássicas a luz das hipóteses presentes na teoria do self de Perls, Hefferline e Goodman. Segundo tais hipóteses, os isolamentos comportamentais, as alucinações, os delírios e as identificações maníaco-depressivas são ajustamentos criadores, formas de fixação à realidade (função personalidade), como se a realidade pudesse substituir os excitamentos (função id) demandados na relação social, mas que, por causas diversas, não podem ser suportados pelos corpos de atos (função de ego). Palavras-chave: psicose; ajustamento; ética PROPOSTA Trata este curso de apresentar os estudos críticos e os casos clínicos que constituem a base para o estabelecimento de uma leitura das formações psicóticas clássicas a luz das hipóteses presentes na teoria do self de Perls, Hefferline e Goodman. Segundo tais hipóteses, os isolamentos comportamentais, as alucinações, os delírios e as identificações maníaco-depressivas são ajustamentos criadores, formas de fixação à realidade (função personalidade), como se a realidade pudesse substituir os excitamentos (função id) demandados na relação social, mas que, por causas diversas, não podem ser suportados pelos corpos de atos (função de ego). METODOLOGIA No presente curso, vamos apresentar, a partir de casos clínicos reais, as diferentes hipóteses testadas com o objetivo de estabelecer uma compreensão sobre a gênese e sobre as possibilidades de intervenção no campo das formações psicóticas, de sorte a promover a inclusão pacífica dos sujeitos daquelas formações. Submeteremos à crítica da anuência as hipóteses fenomenológicas e psicanalíticas utililzadas e, especialmente, a leitura que construímos a partir das pistas legadas por Perls, Hefferline e Goodman na literatura de base da Gestat-terapia. Ilustraremos nossos êxitos e fracassos com casos clínicos, que deverão poder ser apreciados criticamente pela anuência ao curso. REDAÇÃO Contra as representações sociais compartilhadas pelo senso empírico relativamente ao que desencadearia em um sujeito um comportamento psicótico, não acreditamos que tais comportamentos sejam aleatórios, espontâneos ou imotivados. Ao contrário, sempre podemos identificar nas formações psicóticas um tipo de efeito desencadeador, geralmente uma demanda insistente, frente a qual os sujeitos não sabem como se comportar. Trata-se de demandas por excitamento e desejo, frente às quais o sujeito parece fracassar. Noutras palavras, as respostas psicóticas sempre são precedidas por uma demanda social, cuja característica é a ambiguidade marcante das representações sociais utilizadas, ao mesmo tempo destinadas a conteúdos objetivos (realidade) e a excitamentos (afetivos) e desejos (faltantes), quando estes dois últimos tornam-se a figura dominante. É neste ponto que recuperamos a hipótese formulada por PHG (1951, p. 235), segundo a qual, nos comportamentos psicóticos, podemos perceber uma clara vulnerabilidade da função id, a qual diz respeito a emergência dos excitamentos. Não obstante as demandas e os esforços dos sujeitos demandados, nos contextos sociais em que percebemos formações psicóticas, tudo se passa como se os excitamentos e desejos requeridos não se apresentassem, não se fariam disponíveis ou, na via oposta, apresentar-se-iam em demasiado. Conforme PHG (1951, p. 235), pode suceder que, em uma experiência de contato, as orientações temporais que a constituam não compareçam. Ou o passado se furta (o que é o mesmo que dizer que o fundo de excitamentos não se apresenta), ou o futuro parece impossível para o sujeito (uma vez que há excitamento demais para articular como um horizonte de desejo). E que efeitos esta configuração então produz? Os sujeitos - quando a função id não se apresenta no campo ou quando se apresenta de maneira demasiada – procuram fixar-se à realidade, como se a realidade pudesse fazer as vezes do excitamento que não veio, ou do desejo que não podem articular por conta do excesso de excitamentos. De onde se segue a impressão de uma certa “rigidez” (PHG, 1951, p. 34), como se os sujeitos das formações psicóticas procurassem estabilizar-se na repetição de suas criações. E eis então os ajustamentos psicóticos. Em cada um deles (trate-se de um ajustamento alucinatório, delirante ou identificatório), o que os sujeitos fazem é fixarem-se à realidade. E o fazem não para sentirem o que antes não sentiam. Eles se fixam à realidade para poder substituir o que deveriam poder sentir, mas que efetivamente não sentem, precisamente, os afetos e as faltas (os excitamentos e os desejos). Alcançamos aqui uma nova matriz para pensarmos a psicose; a psicose a partir de sua gênese psicossocial. Conforme já nos haviam indicado PHG (1951, p. 235), a partir e mais além de uma possível enfermidade anatomofisiológica, a psicose é a falência ou vulnerabilidade desta dimensão ética da experiência de campo, que é a copresença de um fundo de excitamentos (apresentem-se eles como perdas ou como falta articulada na forma de uma ficção ou desejo). Os sujeitos da psicose seriam aqueles que precisariam criar suplências a este fundo quando ele fosse exigido na relação social. E aqui cabe destacar a peculiaridade de nossa leitura sobre as teses de PHG. É nossa responsabilidade frisar que a hipótese de PHG precisou ser complementada por uma mirada pragmático-social que nós mesmos introduzimos e sem a qual as formulações de PHG não teriam aplicabilidade clínica. Afinal, a ausência (ou excesso) de um fundo afetivo e desejoso somente pode se denunciada pela presença de demandas sociais ambíguas. De onde se segue uma definição provisória, segundo a qual, a psicose, talvez por conta da peculiar condição anatomofisiológica que acomete aos seus sujeitos, seja uma determinada forma de criar a partir da realidade, como se a realidade pudesse fazer às vezes dos excitamentos e desejos demandados no laço social, quando estes excitamentos e desejos não comparecem. Se a quantidade de excitamentos evocados é tão grande que os sujeitos demandados não conseguem autorizar em si nenhuma fantasia (ou desejo) por cujo meio pudessem operar com aqueles excitamentos, eles respondem às demandas (por excitamentos) servindo-se da própria realidade social de que dispõem ou em que estão inseridos (seja esta realidade lúdica, cinematográfica, literária, laboral, educativa etc.), para com ela simular os excitamentos, afetos e desejos exigidos pelo(s) interlocutor(es). Quando a simulação passa pela escolha de uma parte da realidade, como se tal parte correspondesse a um excitamento, temos as alucinações. Quando o sujeito agente (ou função de ato) do ajustamento associa ou dissocia deliberadamente a realidade, visando simular um desejo, temos um ajustamento delirante. Mas quando o desejo simulado decorre de uma escolha arbitrária por uma totalidade já estabelecida na realidade, temos as identificações. É ainda possível que a função de ato demandada sirva-se da realidade para se defender da demanda, estabelecendo assim um ajustamento de isolamento. De todo modo, em cada um destes ajustamentos há uma criação a partir da realidade, como se a realidade pudesse suprir o interesse do interlocutor por algo que, entretanto, não está na realidade. Apesar de estarem firmemente calcadas em elementos da realidade antropológica em que seus sujeitos estão inseridos, as respostas psicóticas não deixam de ser extremamente precárias do ponto de vista das demandas por excitamento e desejo. Isto significa dizer que, apesar de poderem ser remetidas a elementos sonoros, visuais, gráficos, ficcionais, literários e inclusive científicos do cotidiano, as respostas psicóticas raramente fazem “sentido”; o que significa dizer: elas dificilmente dão abertura suficiente para que o interlocutor lhes empreste uma nova interpretação, um matiz diferente que represente, para esse mesmo interlocutor, a possibilidade de uma repetição ou novidade, a possibilidade de uma redescrição ou descoberta de hábitos e desejos ocultos até ali. Por conta disso, é freqüente que, diante de uma formação psicótica, os interlocutores percam o interesse, frustrem-se, afinal, nunca conseguem roubar do sujeito da formação psicótica o protagonismo. E eis, então, uma situação de precariedade comunicacional, porquanto boa parte de nossa comunicação está justamente sustentada por esse horizonte faltoso e afetivo, que nos permite tomar lugar na fala do outro como se fosse a nossa, criando a ilusão de entendimento. O discurso alucinatório, delirante ou identificatório não permite este cambio, este entrecruzamento de leituras, porquanto ao psicótico não interessa perder o controle da situação. Ora, a tarefa ética dos clínicos – compreendendo-se ética em sua acepção originária – é primeiramente acolher a produção do consulente que se ajusta no modo da busca. Tal significa, simplesmente, permitir que o ajustamento aconteça – desde que isso não abarque a aniquilação de uma das partes ou de um valor ao qual estejam identificados. Trata-se simplesmente de escutar, observar, sem a pretensão de compreender, interpretar, ajudar ou o que quer que seja. Este é um trabalho muito difícil, tendo em vista que não implica nenhuma sorte de excitamento ou desejo. BIBLIOGRAFIA FOUCAULT, Michel. 1963. O Nascimento da Clínica. Trad. Antônio Ramos Rosa. Rio de Janeiro: Forense Universitária. 1998. MÜLLER-GRANZOTTO, M.J; MÜLLER-GRANZOTTO, R. L. Psicose e Sofrimento. São Paulo: Summus, 2012. [PHG] PERLS, F.; HEFFERLINE, R.; GOODMAN, P. 1951. Gestalt Terapia. Trad.Fernando Rosa Ribeiro. São Paulo: Summus, 1997.

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Publicado

2014-07-29