TL 04: O VALOR ARTÍSTICO DA FORMAÇÃO DO GESTALT-TERAPEUTA

Resumen

TL 04: O VALOR ARTÍSTICO DA FORMAÇÃO DO GESTALT-TERAPEUTA Leonor Domingues da Costa Falcão RESUMO Pretendemos nesta apresentação problematizar a formação do gestalt-terapeuta pelo viés da experiência compartilhada. Partiremos da ênfase da Gestalt-Terapia no caráter criativo do self, considerando a existência como um tipo de obra artística colocada em diálogo. A exposição "O mundo mágico de Escher" apresentada no CCBB - RJ em 2011 despertou-nos para a reflexão de como a arte constitui uma fundamentação válida para pensarmos a formação clínica do gestalt-terapeuta como um processo permanente, criativo e em mutualidade. A gravura 'Desenhando-se' de Escher ilustrará nossa explanação ao indicar o encontro de singularidades como co-construção e co-criação. Palavras–chave: Gestalt-terapia, Formação Clínica, Arte. REDAÇÃO DO TRABALHO Partindo da ênfase da Gestalt-Terapia no caráter criativo do self, consideramos a existência como um tipo de obra que pode ser colocada em diálogo. Se considerarmos a neurose como um estilo de vida, então é possível pensar no desenvolvimento de outro estilo, outra forma de se relacionar consigo mesmo e com os outros. Aqui nos propomos a pensar a partir do artista gráfico e artista plástico holandês M. C. Escher (1898-1972), esse processo infinito do desenho de si mesmo. Como ilustração, escolhemos sua obra ‘Desenhando-se‘ (1948). Para Escher a vida só pode ser percebida pelos contrastes, e esta paixão quase barroca espanhola o leva a explorar várias leis da Psicologia da Gestalt, contrastando massas pretas e brancas em gravuras com anjos e demônios, imagens que dão a idéia de infinito, por exemplo. Pode-se pensar a partir da Gestalt-terapia, que esse desenho de si mesmo, é impossível, pois nunca se faz sozinho, mas a metáfora de Escher me parece instigante para mostrar que quando nos inventamos fazemos isso a partir de uma perspectiva relacional. Nunca é um processo solitário; a existência é sempre solidária – é sempre algo que passa pelo outro, assim como entendemos em Gestalt-terapia, no qual se vê a existência individual como criação, os arranjos possíveis como formas criativas conferidas ao existir, ao relacionar-se. A vida como a construção de uma obra, que instaura um sentido para si e para o mundo, sentido este sempre incompleto, imperfeito, em processo. Na obra de Escher percebemos a idéia de continuidade no processo da construção do ser, ou seja, uma mão construindo a outra em uma relação de interdependência. Em nossa prática, cliente e terapeuta desenham-se mutuamente, de modo que um é para o outro como não é para ninguém mais. Nesse sentido, o quanto que ser terapeuta é oferecer ao outro a possibilidade de narrar, a seu modo, sua própria história acompanhando-o cuidadosamente em sua harmonia ou desarmonia. É ter a capacidade de penetrar na vida do outro, continuamente, de modo que possa sentir o mesmo que ele, acompanhando suas experiências com a sensibilidade de quem abre campo para um processo psicoterápico, deixando de lado seus valores e pontos de vista. Com essa capacidade empática nós terapeutas deixamos que a história do outro ressoe e produza efeitos no nosso corpo de terapeuta. Deixando-nos envolver a partir de um lugar humano, mostramos que estamos compreendendo e, sem a necessidade de julgamentos ou interpretações, propiciamos que aquilo que está sendo verificado se torne parte da consciência do nosso cliente, onde este terá maior compreensão e controle sobre si mesmo. O quanto que a relação terapêutica é fruto do encontro entre as necessidades de um com a disponibilidade do outro. Nossos romances familiares e sociais estão repletos de individualismos, cisões e diálogos abortados em favor de uma estética do apaziguamento dos conflitos gerados pelas diferenças entre humanos e pelas frustrações de expectativas. As mãos são simbolicamente mostradas como ferramentas para a ação, criação, transformação e reinvenção da realidade; mãos que surgem da superfície do papel vindo de direções opostas, mas com a intenção da complementariedade, concretizam o possível e o impossível naquele momento. São duas partes cúmplices que, numa perspectiva de continuidade, criam o inesperado, e produzem as próprias mãos, indicando um ‘fazer sendo feito’. O desenho é composto por mãos, que embora mantendo autonomia, harmonizam-se em plena heteronomia, na medida em que elas mesmas se relacionam e se constroem, no mais pleno encontro de singularidades. Escher transpõe para mãos que se desenham a idéia de que o homem não é um mero telespectador no seu ambiente. Dessa forma, o homem é vislumbrado como um agente criador e não apenas como uma conseqüência da criação - superando a velha noção de que o homem é apenas resultado de suas interações com o meio. A mão ao surgir do papel, encontra ou faz surgir outra mão, que tanto pode ser sua quanto de outro, mas são mãos para o desenho da mutualidade do existir. Assim constatamos o quanto nosso ofício tem de artístico; o quanto a formação do gestalt-terapeuta consiste um processo artístico impossível de ser visto com um desenho pronto. Não termina, é processual, é relacional, e depende das relações no grupo, das muitas mãos desenhando-se mutuamente. Seguindo essa linha e tomando a proposta gestáltica de atenção à forma e de orientação por critérios estéticos, construímos um diálogo entre a relação terapeuta-cliente e a relação espectador-obra. Não há folha de papel que comporte este desenho, tanto quanto não há como definir os limites e as possibilidades de um processo terapêutico. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS FAGAN, Joen; SHEPHERD, Irma Lee. Gestalt-terapia: teoria, técnicas e aplicações. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1980. FONSECA, A. Psicoterapia e arte: considerações sobre um nexo desencontrado. Maceió: texto não publicado, 1989. KOFFKA, Kurt. Princípios de Psicologia da Gestalt. São Paulo: Ed. Cultrix, Edusp, 1975, (ed. orig. 1935).