GESTALT-TERAPIA: REVISITANDO AS NOSSAS HiSTÓRIAS
Jean
Clark Juliano
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Paulo - SP
INTRODUÇÃO
Tenho consciência de que
contar estórias é equivalente a contar-se também. A percepção pessoal organiza
e seleciona os eventos, conferindo a eles significado e coerência.
Laura Perls, por
ocasião da celebração de seus 80 anos, conta a seguinte estória, baseada no filme japonês "A Mulher nas Dunas":
" Um
homem, amante da natureza,andando numa
praia, passou o dia coletando e classificando insetos. Assim, entretido, perdeu
o onibus que o levaria de volta à
cidade. Ao procurar um lugar para passar a noite, ele perambula pelo topo do
penhasco, até que consegue enxergar uma luz bem lá embaixo, nas dunas. Enxerga
escadas de corda penduradas no penhasco e
desce até aquela casa, onde ele encontra uma mulher andrajosa e solitária que o recebe para passar a noite.
Quando
ele se levanta de manhã, descobre que as escadas foram recolhidas pelo povo do
vilarejo, que estão dançando e comemorando no alto do penhasco, e ele se conscientiza
de que caiu numa armadilha. Suas tentativas de encontrar uma saída o deixam
zangado e desesperado. Gradualmente ele se torna consciente daquilo que
épossível dentro desta situação confinada. Sua relação com a mulher se
transforma em ligação e resulta numa gravidez e sua necessidade de atividade e
curiosidade científica resultam na invenção de um instrumento que retém água da
neblina e orvalho. Quando chega o tempo da mulher dar à luz, o povo do vilarejo
dança as escadas de corda e a levam até a parteira. Eles deixam as escadas
penduradas, e nosso homem, se quisesse, poderia agora sair de lá. Mas ele
escolhe ficar..."
LAURA PERLS: Sua
presença na Gestalt-Terapia
Laura sempre disse que
cada Gestalt-terapeuta desenvolve seu próprio estilo e que qualquer elemento
integrado na personalidade se torna suporte para o trabalho que realizamos.
Quanto mais amplo nosso contexto, maior fica a quantidade de recursos de que
dispomos. Laura falava da própria experiência, uma vez que era possuidora de
uma formação muito rica quando encontrou Frederick Perls em 1926 e iniciaram um longo trabalho de colaboração que
resultou na Gestalt-Terapia.
Laura Posner Perls nasceu em 5 de agosto de 1905,
em Pforzheim, Alemanha, uma pequena cidade perto de Frankfurt e da Floresta
Negra. Sua família era amorosa, encorajadora, suportiva e protetora. Uma
família bem pouco habitual para um psicoterapeuta...
Sua família era de
classe média alta e eram judeus que cultivavam sua tradição. Laura começou
tocar piano aos 5 anos de idade, tendo aulas com sua mãe, que era boa pianista.
Ao chegar aos 18 anos, já tocava num nível profissional. Ela também estudou
dança moderna desde criança e desta maneira, durante toda sua vida esteve
envolvida com dança e musica. Frequentou o ginásio clássico, uma escolha
pioneira, uma vez que escola era masculina e ela foi a primeira mulher a
frequenta-la. Estudou línguas: Grego, Latim, Francês e Literatura Alemã.
Escreveu estórias e poemas. A escrita também se tornou parte de sua vida.
Profundamente comprometida com a tradição intelectual e cultural de sua época,
estudou na Universidade de Frankfurt,
na área do Direito. Ali desenvolveu uma consciência política e a vontade de
realizar algo que fosse socialmente útil. Entrou em contato com a Psicanálise,
que na época era a vanguarda do estudo da mente e se submeteu a uma análise completa com Otto Fenichel, tornando-se
ela própria analista.
Seu interesse por
Psicologia se tornou evidente com Adhemar Gelb; foi num curso dado por ele que
encontrou Frederick Perls, que na época trabalhava como assistente de Kurt
Goldstein, num centro de tratamento de lesionados neurológicos de guerra. Ela
também era uma estudante de Goldstein, onde estudava as mudanças
comportamentais advindas de lesão cerebral; estudou também com Max Wertheimer,
Paul Tillich e Martin Buber, que exerceram profunda influência sobre ela. Sua
tese de doutoramento foi em Psicologia da Gestalt.
Então, quando iniciou
sua prática como analista, ela era pianista, dançarina, tinha diploma de
línguas e literatura, diploma de Direito, doutoramento em Gestalt-Psicologia,
além de estudo intensivo de Filosofia.
Sua natureza rebelde
aparece quando se casa, em 1930, com Frederick Perls, contra a vontade da
família. Ele tinha 36 anos de idade e ela 24. O casal frequentava o grupo
"Bauhaus", que era composto de artistas, poetas, filósofos e
arquitetos . Esse grupo tinha posições politicas radicais, lutando por mudanças drásticas dos códigos vigentes.
Logo se tornou alvo dos grupos nazistas que estavam em ascenção. Através da participaçao política, tinham rápido
acesso à informações, e perceberam que a situação era grave. Na época moravam
em Berlim, com sua filha Renata, quando em 1933, decidiram que era hora de sair da Alemanha. Deixaram tudo para
trás e com apenas 33 dólares, escondidos na cigarreira de Fritz, foram para
Holanda onde ficaram mum campo de refugiados, enfrentando uma vida de miséria.
Foi quando Ernest Jones veio ter com eles, e ofereceu a Fritz a chance de praticar Psicanálise na
Africa do Sul, para onde se mudaram em 1934.
Laura descreve seu
período de Africa do Sul como sendo muito confortavel. Levou 3 meses para
aprender ingles;ambos estabeleceram uma
prática psicanalítica bem sucedida, moravam numa linda casa, tinham vários
empregados, e aí nasceu o segundo filho, Steven. Nos anos do pós-guerra, o
governo da Africa do Sul começou a se transformar, tornando-se cada vez mais
fascista com o apartheid; começam a
fazer planos para ir aos Estados Unidos. Nessa época, ambos se identificavam
como psicanalistas. Frederick Perls, saudoso da Europa e querendo quebrar seu
isolamento cultural,vai em 1936 ao
Congresso Internacional de Psicanálise, na Checoslovaquia apresentar suas
idéias sobre "Resistências Orais". Para sua decepção não foi bem
recebido por Freud, teve acolhida fria por parte de Reich, que havia sido seu
analista e suas idéias foram consideradas inadequadas pelos seus companheiros.
A partir desta ferida começa a dissenção da teria freudiana, culminando com a publicação de Ego, Hunger and Aggression, em
Durban, Africa do Sul em 1942, na Inglaterra em 1947, com o subtitulo "Uma
revisão da teoria e método de Freud", e em 1969, nos Estados Unidos, com o
subtítulo "O início da Gestalt-Terapia". Esse livro, assinado por
Fritz, foi resultado da colaboração e reflexão do casal, sendo que Laura
escreveu dois capítulos. Foi bem recebido por profissionais de renome, como
Karen Horney, Erich Fromm, que os auxiliaram a se colocarem como analistas.
Ao se estabelecerem em
Nova York, ligaram-se a pessoas de vanguarda e à políticos de esquerda. Foi
dessa população que vieram seus primeiros pacientes. Laura, para espanto geral,
já trabalhava face à face com o paciente. Fritz tenta se inscrever no Instituto
Psicanalítico de William Allonson e é recusado. Esta recusa e o encontro com
Paul Goodman são fundamentais na história da Gestalt-Terapia.
O Instituto de Gestalt
de Nova York foi fundado em 1951 por iniciativa de Fritz. No incio Laura estava
totalmente desinteressada. Sentia-se sobrecarrega com seus horários de
atendimento preenchidos, somando-se obrigações familiares e domésticas. Um
grupo de pessoas, membros de um grupo seu de terapia, iniciado em 1949, acabou
se envolvendo no movimento. Essas pessoas incluiram Paul Weiss, Paul Goodman e
Elliot Shapiro. Isadore From, que tinha estado com Fritz na Califórnia se
tornou membro um tempo depois. As reuniões do Instituto por muito tempo foram
feitas em sua sala de visitas, regadas a café e bolachas feitas por ela. Laura
se contagiou com o entusiasmo que essas pessoas trouxeram ao Instituto. Na
primeira aula que Fritz deu apareceram 40 pessoas. Ele dividiu o grupo em dois
e Laura tomou para si 20 alunos. Assim foi o inicio. Até hoje o Instituto
postula uma maneira informal de fazer formação, fiel aos seus princípios
anarquistas.
Apesar de sua relutância
em tomar parte significativa no Instituto, Laura se tornou indispensável.
Infelizmente para nós, Laura pouco escreveu, mas seu impacto é profundo. Ela
era perfecionista e tudo que escreveu era claro e elegante. Escreveu muita
poesia . Sua experiência com dança a fazia lidar com facilidade com movimentos
expressivos e creatividade. Integrava no seu trabalho os métodos de Alexander e
de Feldenkreis.
Em suas palestras pelo
mundo seus grandes temas foram contato e suporte. Enfatizava o interpessoal;
Fritz dava ênfase à awareness e ao individualismo. Laura se dizia profundamente
influênciada pelo encontro pessoal com Buber
e dizia que a verdadeira essência da Gestalt-Terapia estava na relação
estabelecida entre terapeuta e cliente.
A não ser por poucas
viagens para dar treinamento, Laura permaneceu em Nova York até 4 meses antes
da sua morte, na sua cidade natal, Pforzheim, em 1990, aos 85 anos de idade.
Fritz era um andarilho,
Laura tinha raizes sòlidamente plantadas. Foi sòmente após a morte de Fritz
que Laura começou a tomar posse de seu papel de co-fundadora da Gestalt-Terapia,
e então numerosos autores começaram a se remeter a suas contribuições práticas
e teóricas.
ORIGENS DA
GESTALT-TERAPIA: Uma questão controvertida
Ao perguntar a
qualquer Gestalt Terapeuta a respeito da origem de sua abordagem podemos obter
duas respostas bastante divergentes e polêmicas: para alguns, o fundador é
Fritz Perls; para outros, não se pode falar de um fundador, mas
de um grupo de fundadores: " o grupo dos sete " que
compreendia um médico, um educador, dois psicanalistas, um filósofo, um
escritor e um especialista em estudos orientais. Não se trata, no caso, de uma
divergência puramente histórica, mas sim de duas maneiras diferentes de se
pensar e praticar a Gestalt-Terapia.
Além dessa divergência quanto à
origem, temos também a questão de qual o livro que melhor representa a
abordagem. O livro da discórdia, o mais discutido e certamente o que expressa
as várias contraposições, permanece sendo o Gestalt Therapy: Excitement
and Growth in the Human Personality (1951) de Perls, Hefferline e
Goodman. Estamos falando mais precisamente da segunda parte desse livro,
escrito por Paul Goodman a partir de apontamentos de Fritz Perls, na época com
58 anos.
O chamado "grupo dos
sete", que era constituído por Fritz Perls, sua esposa Laura, Paul
Goodman, Isadore From, Paul Weisz, Elliot Shapiro e Sylvester Eastman, muito
experimentou e aprofundou esta parte do livro, sempre o considerando como
" a Bíblia " da Gestalt.
O "Gestalt
Therapy" foi publicado há 40 anos . É razoável considerar este
evento como o o nascimento da Gestalt. Foi aí que o termo foi usado pela
primeira vez, apesar das discussões entre o grupo. Para Laura, devia chamar-se
"Psicanálise Existencial". Esse nome foi recusado por questões
mercadológicas (na época o existencialismo de Sartre era considerado demasiado
niilista nos Estados Unidos). Hefferline queria que o livro se chamasse
"Terapia Integrativa", o grupo dos sete como um todo queria chamá-lo
"Terapia Experiencial"; Perls queria chamá-lo "Terapia de
Concentração", para se opor à associação livre da Psicanálise. O nome
"Gestalt-Terapia" provocou acalorados debates, principalmente com
Laura, que conhecia muito bem a Psicologia da Gestalt e nåo achava que esse
nome era pertinente. Paul Goodman, por sua vez, como bom anarquista, achou o
termo muito "esotérico e estranho", mas por isso mesmo o apoiou. Esse texto veio propor uma nova
teoria e mudança em alguns paradigmas teórico-clínicos da psicoterapia da
época.
PRINCIPAIS
IDÉIAS:
Para Perls, a tarefa central da terapia
não é fazer com que os pacientes aceitem interpretações arcaicas de sua
história passada, mas é ajudá-las a se tornarem vivas para a experiência
imediata no momento presente. É acordar para a imediatez e simplicidade do agora.
O clássico por que da Psicanálise dá lugar ao o que
e ao como. Preocupa-se mais com a estrutura do que com o conteúdo
da fala.
Este sistema modifica radicalmente o
que o terapeuta e o cliente vão focalizar, tornando possível começar a partir
de qualquer ponto, com qualquer material disponível um sintoma, um sonho, um
suspiro, uma expressão facial, um modo de se sentar, etc. Em Gestalt-Terapia,
qualquer elemento desses é o núcleo do trabalho.
Meio e mensagem, forma e
conteúdo tem relação quase que oposta à da psicanálise tradicional, onde o
relato do paciente e a interpretação do terapeuta são o material básico. A
maneira pela qual o paciente se apresenta permanece periférica.
A busca de uma solução terapeutica
trabalhável no presente dá à Gestalt-Terapia seu ímpeto para improvisar e
experimentar, mais que explicar. A vivência, o acontecimento são as melhores
explicações.
Ao trocar o local da descoberta, do
passado para o presente, da lógica das causas para o drama dos efeitos, Perls
foi mais além: ele tornou possível para o paciente em terapia revisar todo o
seu padrão de existência a partir da perspectiva do agora. Então
a construção que o paciente faz da sua vida se torna uma escolha, não um fato
do destino.
O que dá coerência a todos os
conceitos alheios que Perls toma emprestados é a sua focalizaçåo na qualidade
de vida do presente. Ele se utiliza de conceitos teóricos como lentes para
examinar a dificuldade das pessoads em contatar a situação imediata.
A medida de saúde, para Perls, é a
habilidade de experimentar o que é novo, como novo.
Essas elaborações teóricas
integraram diversos modelos de psicoterapia e as principais orientações do
horizonte cultural da época (1951).
No período de publicação
deste livro nasce, em Nova York, o primeiro Instituto de Gestalt. No ano
seguinte é fundado o Instituto de Cleveland, de onde se originam, entre outros,
os Erv e Miriam Polster e Joseph
Zinker, que são reconhecidos como a primeira geração de Gestalt-terapeutas.
DA GESTALT-TERAPIA ÀS GESTALT-TERAPIAS (1952-1970)
A Gestalt nessa época suscita
muito interesse. Fritz começa a viajar pelos Estados Unidos e pelo mundo
inteiro para apresentar seu próprio modelo e para conhecer outras idéias. Pouco
a pouco, do ponto de vista afetivo e teórico-clínico, vai-se criando uma
distância cada vez mais profunda entre Fritz e Laura e entre Fritz e o
Instituto de Nova York. De 1964 à 1969 Perls se estabelece em Esalen na
Califórnia, onde encontra a celebridade ao oferecer demonstrações quase
miraculosas de seus poderes terapeuticos. As idéias que Perls tinha
pioneiristicamente reunido e elaborado são agora advogadas por muitos adeptos:
- o primado da experiência como instrumento de conhecimento- a valorização da
subjetividade- o lugar central que o corpo e as emoções ocupam- a postura ativa
na psicoterapia
O gênio e a criatividade de Perls
cavalgam essa oportunidade e se desenvolve ao redor dele e de sua maneira de
fazer terapia um interesse e um sucesso incríveis. Tantos sintomas que
resistiam a anos de Psicanálise pareciam se dissolver quase mágicamente em
contato com este terapeuta genial e com maio século de experiência
psicoterápica. Nessa época ele está com mais de 70 anos de idade.
Mas... a incapacidade (ou falta de
paciência!) de Perls de se aprofundar e de sistematizar sua próprias idéias não
lhe permite elaborar, a partir das próprias intuições, uma teoria coerente. Ele
está interessado em criar técnicas cada vez mais eficientes e espetaculares,
integrando e transformando no seu estilo de trabalho terapeutico. teorias e
técnicas de todos os tipos, ocidentais e orientais. Aqueles que presenciavam as
suas demonstrações recebiam idéias, slogans, técnicas miraculosas e a sensação
de que seria possível desta maneira, evitar o longo tempo que é necessário para
se solidificar uma mudança.
O grupo de Nova York se distancia de
Fritz e lhe faz críticas pesadas, entre as quais a de haver transformado
psicoterapia em teatro, de haver confudido workshops com terapia a longo prazo,
e de haver encorajado a introjeçåo. (Que ele tanto criticava em relação à
Psicanálise).
Em 1969, aos 75 anos, publica Gestalt-Terapia
Explicada, que contém relatos de alguns de seus workshops de
demonstração em Esalen, um instituto na Califórnia que representa a vanguarda
do pensamento filosófico e psicoterápico. Neste livro aparecem, principalmente,
relatos de trabalhos com sonhos feitos com clientes que são, em sua maioria
profissionais da área de saúde mental.
Na introdução desse livro sai a
"Oração da Gestalt" que ficou altamente popularizada. Ela traz uma
proposta de um individualismo marcante, válido para adolescentes em fase de
diferenciação em relação a seus pais, mas absolutamente ineficaz para um adulto
que pretenda se vincular efetivamente a um projeto afetivo ou profissional a
longo prazo.
Para quem não conhece, esta
oração é a seguinte:
------------------------------------------------------------------------------------------------
Eu faço minhas coisas, você faz as suas. Não estou nesse mundo para viver de
acordo com suas expectativas. E você
não está neste mundo para viver de acordo com as minhas. Você é você, e eu sou eu. E
se por acaso nos encontrarmos, é lindo.Se não,nada há a fazer
.-------------------------------------------------------------------------------------------------
Neste meio tempo, o grupo de Nova
York continua aprofundando teórica e clinicamente o texto de Perls e Goodman.
A imagem que me vem é que Perls vai
na frente abrindo picadas, e o grupo vai atrás fazendo o trabalho de
pavimentação dessa estrada. Eles desenvolvem uma grande competência na teoria e
prática do contato, uma habilidade de trabalhar sobre aspectos sutís da
interação paciente-terapeuta, desenvolvendo um uso da linguagem de forma mais
apropriada e eficaz para provocar fortes mudanças a nível do comportamento.
Laura se interessa muito por literatura, incluindo-a com grande criatividade no
seu trabalho.
O interesse do grupo de Nova York
pelo contato mais uma vez é uma resposta e uma adesão ao contexto
sócio-cultural. É uma época efervescência. De 1952 aos anos 70, o contato, as
relações e a comunicação interpessoal se tornaram os "temas da
geração". São desta época os escritos de Buber e os estudos de Bateson
sobre a comunicação. Neste mesmo contexto se inserem as grandes transformações
de perspectiva no mundo da Física: da atomística para a teoria de campo, da
observação neutra à observação participante, e também grandes transformações na
literatura e na arte.
Nestes 20 anos se desenvolveram dois
modos diferentes de entender e praticar a Gestalt-Terapia: a assim chamada
"Gestalt da Cabeça" que se praticava em Nova York e a "Gestalt
Visceral", o estilo californiano, reproduzindo uma antiga rivalidade entre
o pensar e o fazer. Para além dos clichês, os estilos dessas duas escolas se diversificaram
muito.
No estilo da "Gestalt
Visceral", o foco era o trabalho com a awareness do paciente.
Todos aqueles que conheceram Perls concordam com a capacidade que ele tinha de
intuir rápida e lucidamente, aquilo de que o paciente necessitava no momento.
Outro elemento que caracterizava este estilo era uma certa dureza de linguagem
e o uso da frustraçåo do paciente à guisa de frustrar a resistência...
Foi somente em 1972, após a morte de
Fritz ocorrida em 1970, que se começou a prestar atenção e a recuperar a
contribuição significativa de Laura Perls e de Paul Goodman. É uma pena que
Laura tenha escrito tão pouco!. Ela advogava uma constante pesquisa para dar
fundamento ao trabalho.
Com o passar dos anos, a primeira
geração de Gestalt-Terapeutas elabora uma outra perspectiva, chamada
"Gestalt do Coração". Parece adequada a comparação com aquelas
situações familiares em que os filhos tentam encontrar um acordo entre as
divergências paternas. As expressões significativas deste terceiro modelo são os
textos Gestalt-Terapia
Integrada de Erv e Miriam Polster (1973) e o de Joseph Zinker, O Processo Criativo em
Gestalt-Terapia (1977), com a colaboração de Sonia Nevis.
Nesse estilo, a proposta é integrar a
focalização da awareness do paciente com a sua maneira de entrar em contato,
especialmente na sua interação no grupo. Uma atenção particular e dada à ação,
não só como instrumento da awareness, mas também como representante da ligação
entre o sistema sensorial e o motor. Joseph Zinker e Sonia Nevis passam também
a pesquisar e a trabalhar com a aplicação da teoria do contato com casal e
família.
Os Polsters se mudam para San Diego,
na Califórnia, e surgem mais dois grupos importantes para Gestalt : o de São Francisco e o de Los
Angeles, que irão nos influenciar diretamente aqui no Brasil.
ENQUANTO
ISSO, AQUI NO BRASIL...
Nos anos 60 fomos profundamente
influenciados pelas idéias de Carl Rogers, um homem que falava na primeira
pessoa do singular, privilegiando o vivido.
Idéias libertárias nos chegavam dos
movimentos europeus, por exemplo: Summerhill, uma escola revolucionária na
Inglaterra que apostava na liberdade
como melhor fonte de aprendizagem; na participação conjunta nos processos de
decisão como forma de amadurecimento; a Revolta da Primavera de 68 em Paris,
quando os estudantes tomaram a Sorbonne, exigindo reformas estruturais; os
Grupos de Encontro nos Estados Unidos, onde o investimento mais sério era feito
na busca do crescimento pessoal, como estratégia de se construir um mundo
melhor
. A partir de 1970, em plena vigência
da eclosão de movimentos estudantis no mundo todo e da ditadura militar aqui no
Brasil, Thérèse Tellegen e eu trabalhávamos no Departamento de Psiquiatria da
Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. Tomadas pelo
"espírito da época", nossa preocupação era direcionada a problemas de
comunicação na interação entre as pessoas. A Thérèse trabalhava também
ativamente no Gepsa (Grupo de Estudos de Psicologia Social Aplicada, do qual
Walter Ferreira da Rosa Ribeiro também fazia parte); eu me dedicava a esse
trabalho nas principais Faculdades de Medicina de São Paulo. Na Santa Casa
tínhamos, entre outras tantas atribuições através de trabalhos grupais. Primeiro
fazíamos grupos com professores, depois grupos com alunos, em seguida
misturavamos os dois grupos, integrando-os em uma nova unidade.
Acreditávamos que, se os professores
aprendessem a se perceber melhor na interação com seus companheiros, poderiam
ter uma comunicação mais efetiva com seus alunos; a partir desse suporte, o
conteúdo a ser transmitido seria mais facilmente veiculado. A própria estrutura
da situação grupal proposta era já uma revolução: o sentar-se frente a frente
num círculo, numa escola em que as aulas eram tradicionalmente dadas num
anfiteatro; onde o professor ficava no pódio e os assistentes se manifestavam
em ordem hierarquica, já se constituia numa mudança. Chamar os companheiros
pelo primeiro nome, dando igual espaço para todos era uma ruptura com o modelo
autoritário vigente.
Íamos às enfermarias com professores
e alunos; intermediávamos a sua comunicação entre si e com os pacientes. O
treinamento da relação professor-aluno e médico-paciente era feito ao vivo e in
loco. Este trabalho foi muito bem sucedido e começavamos a ser solicitadas por
diferentes clínicas. O trabalho grupal, nosso grande interesse na época, nos
dava muita satisfação e já provocava muitas indagações.
O início do movimento gestáltico no Brasil
se dá em 1972, quando a Thérèse , partindo em sua busca de maior lastro para o
trabalho com grupos, vai a Londres para uma reciclagem e volta entusiasmada com
o workshop que fez lá, onde o que se destacou foi a forma com que a
terapeuta-coordenadora se colocava no grupo, isto é, de forma pessoal e
criativa, deixando clara a sua presença. Isso provocava uma igual resposta do
grupo, que se dispunha então a correr o risco de ultrapassar um pouco seus
limites habituais, e de experienciar formas alternativas de se relacionar e
estar no mundo.
Nós, amigos e profissionais que
estavamos próximos dela, ficamos contagiados com a sua descoberta, que tinha o
frescor de coisa nova. Foi o início de uma fase muito fecunda, onde apesar da
insegurança de se estar desbravando um território desconhecido, tudo estava por
ser feito. Isso trouxe consigo o entusiasmo do pioneirismo.
Neste mesmo ano a Thérèse publica
ELEMENTOS DE PSICOTERAPIA
GESTÁLTICA, no Boletim de Psicologia da Sociedade de Psicologia de São
Paulo, que se constitui na nossa primeira publicação nacional.
Mobilizamo-nos,
buscando pessoas representativas da Gestalt americana para contribuir com a
nossa formação. Em primeiro lugar, em 1973 ela trouxe a Silvia Peters para um
workshop de 12 horas. Em 1976, junto com um grupo amigo de profissionais, entre
os quais Walter Ferreira da Rosa
Ribeiro, Paulo Barros, Abel
Guedes, Lilian Frazão e eu, ela
conseguiu trazer um Gestalt-Terapeuta dos Estados Unidos, Robert Martin, do Instituto de Gestalt de
Los Angeles para dois pequenos workshops em São Paulo.
O
que eu vi no trabalho do Robert Martin foi a imagem da liberdade, da permissão
para ser criativo, onde o terapeuta entrava por inteiro, utilizando voz,
expressão corporal, materiais variados como tinta, argila, papel, música, enfim
tudo o que lhe fornecesse uma porta de entrada para o mundo interno da pessoa.
O terapeuta era seu próprio instrumento segundo a expressão dos Polters. Ele se
utilizava de sua própria ressonância ao cliente para ajudá-lo a se ver melhor.
Entrava no trabalho de corpo inteiro, e não somente com um papel.
Esse
trabalho se desenvolvia no sentido de uma terapia individual em grupo, um por
um entrava na roda, o grupo funcionando como caixa de ressonância, vibrando a
cada movimento, a cada aprofundamento...
Entusiasmados,
começamos a planejar outro workshop, desta feita com intenção de iniciar uma
formação. Isso seria feito num workshop residencial em tempo integral, com
quinze dias de duração.
Esse
trabalho foi muito intenso e muito novo. Durante o grupo terapeutico,
trabalhavamos diretamente com aquilo que estava disponível no momento, usando a
linguagem e o veículo dos sentidos. Nosso conflitos pessoais eram trabalhos
digamos, num sentido transversal. Haviam períodos de silêncio e meditação, nos
quais algumas vezes era possível chegar a uma perspectiva longitudinal de
nossas vidas, de forma que o trabalho do grupo terapeutico se redimensionava.
Fazíamos também trabalho corporal. Na época, a focalização no corpo era mais um
tabu que se rompia, pois terapia era algo que se fazia com a cabeça, através da
veiculação de idéias e sensações.
Este
workshop inaugural de treinamento foi definitivamente, uma experiência global,
abrangente...
Passado
o deslumbramento inicial nos deparamos com um sem número de questões. Sabíamos
que tínhamos de descer do Olimpo e voltar à estrada poeirenta da busca e
retomar o caminho, tentando nomear, perguntar, compartilhar e trabalhar muito.
A
partir desse momento, já com o grupo inicial ampliado por profissionais que
vieram se engajar conosco nesta trajetória passamos por uma fase necessária de
aculturaçåo. tentando extrair, do modelo importado, aquilo que era compatível
com o nosso modo de ser brasileiro.
Nós
brasileiros somos muito influenciados por padrões europeus de indagação
filosófica e de pensar a prática. Queríamos buscar
para além do brilho, um
sentido para aquelas intervenções terapeuticas. Sabíamos que a
nossa população, de maneira geral, se comporta de modo muito mais suave e
recatado em público, daí o fato de nunca termos nos utilizado de trabalho de hot
seat num grupo. Ao contrário, ouvíamos atentamente a manifestação de
cada participante no grupo, para daí extrairmos um tema ou pessoa
emergente a ser trabalhada. O estilo confrontativo ou abrasivo não teve
aceitação em nosso meio.
Infelizmente para nós, o material
bibliográfico traduzido existente era o livro de Stevens,
Tornar-se Presente, o que
dava ao público geral a idéia errônea de que a Gestalt se constituia em uma
série de exercícios, e o livro Gestalt-Terapia Explicada, que
transcrevia trabalhos de workshop de Perls em Esalen. Nesse livro, a teoria e o
relato dos trabalhos eram feitos em linguagem amena, tornando o seu conteúdo
disponível também a leigos e iniciantes. Pareciam descrições de cura
instantânea. Muitos profissionais ficaram entusiasmados com essa leitura e se
puseram a "aplicar as técnicas de Gestalt" em seus consultórios, com
resultados desastrosos. Eles desconsideravam o fato de que Perls nessa época
contava com 76 anos de idade, tinha feito 4 análises e 50 anos de prática
psicoteápica. Sua fantástica intuição era bem fundamentada.
Instalou-se,
uma fase em que recebíamos inúmeros convites para falar sobre a
Gestalt-Terapia. Lembro-me que na época impunha-se a tarefa de trazaer a
público o que a Gestalt não
é. A maioria das palestras foram feitas nos sentido da
contraposição. Diziamos a quem quisesse nos ouvir:-"Não, Gestalt não é uma
terapia que se faz nú na piscina" (Isso foi publicado em uma de nossas
revistas semanais de maior circulação).-"Não, não usamos drogas para
aumentar nossa awareness cósmica";-"Não, terapia de grupo não é
equivalente a sexo em grupo";-"Não, pegar o livro do Stevens e ao
acaso propor "exercícios" de Gestalt, não é o que nós entendemos como
Gestalt-Terapia" -"Não,
atuações sádicas por parte do terapeuta em relação ao seu cliente não é
Gestalt", e assim por diante.
Em 1981, Thérèse
Tellegen, Lilian Frazão, Abel Guedes e eu fundamos o Centro de Estudos de
Gestalt de São Paulo. A principal motivação para a criação do Centro foi a de
servir como ponto de referência para a comunidade, peneirando o que era
saudável e honesto na prática da Gestalt daquilo que era sòmente caricatura,
para usar uma expressão amena.
Conseguimos alguns poucos exemplares
do livro Gestalt-Therapy
do Perls, Hefferline e Goodman que começamos a estudar com avidez; texto
difícil de ser metabolizado. Depois chegou as nossas mãos o Ego, Hunger
and Agression, o primeiro livro escrito pelo casal Perls, na Africa do
Sul em 1942, marcando a ruptura deles em relação ao movimento psicanalítico da
época. O caminho das leituras foi feito ao contrário do gênese das idéias de
Perls.
Ao mesmo tempo, como grupo,
continuamos nossa formação em Gestalt importando outros terapeutas e trabalhando
intensamente entre nós para o nosso desenvolvimento e para desvendar estilos e
habilidades específicas a cada um. O encanto dessa abordagem residia justamente
nisso, na possibilidade de experimentar, de usar materiais "quentes"
para cada um, de poder fazer a própria síntese. Reuníamo-nos semanalmente em
São Paulo para estudar e praticar a Gestalt Terapia. Ocasionalmente tínhamos um
convidado americano para um workshop intensivo de Treinamento.
Simultaneamente, Walter Ribeiro, que
participava desse grupo em São Paulo, inicia em Brasília em 1977 um pequeno
grupo de 3 pessoas para veicular a Gestalt; esse grupo em 1978 se amplia e
então se cria o primeiro grupo de formação, tarefa em que é auxiliado por
Maureen Miller, terapeuta gestáltica de origem rogeriana, residente em San
Diego, Califórnia.
Uma coleção de livros da nossa
abordagem é traduzida pela Summus, graças ao empenho de Paulo Barros.
Em São Paulo uma parte do grupo que
participou dessa formação se reuniu com a finalidade de começar a passar
adiante, de forma mais organizada, aquele projeto que nos entusiasmava tanto.
Foi criado o curso de especialização Abordagem Gestáltica em Psicoterapia, de 3 anos de
duração, no Instituto Sedes Sapientiae.
Cuidadosamente,
o curso foi sendo feito e planejado passo a passo: a cada final de semestre nos
reuniamos para ouvir os alunos e discutir as idéias a partir da necessidade
grupal, tentando sempre caminhar de acordo com o fluxo emergente.
A
experiência de vários anos de ensino nos permite hoje elaborar um curriculum
mínimo que estabelece conteúdos e sequências de matérias necessárias. Ex-alunos
se integraram à nossa equipe, emprestando o seu talento na composição dinâmica
do curso.
Nessa
época, recorriamos a abordagens colaterais, importando textos de outras
abordagens, acreditando que o problema da Gestalt era que nåo tinha teoria
suficiente. Era a época em que demos espaço para o surgimento entre nós e
nossos alunos, da fase Gestalt
e..., com as mais variadas, improváveis e bizarras
combinações. Neste movimento, perdemos muitos companheiros talentosos que se
transferiram para outras abordagens mais estabelecidas. Continuamos nossa busca, ampliada pelo
surgimento de outros grupos nacionais, que estavam se deparando com a mesma
questão. Começavam a se esboçar grupos no Rio de Janeiro, em Minas Gerais,
Paraná, Pernambuco, Ceará, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Espírito Santo e
Goiás, alguns com Centro de Estudos organizados.
Tivemos uma primeira reunião de
pessoas de várias partes do Brasil no verão de 81.
Em 1984 a Thérèse publica
Gestalt e Grupos: uma perspectiva
sistêmica, o primeiro livro
brasileiro de Gestalt. Em 1985 Jorge Ponciano Ribeiro publica o Gestalt-Terapia:
Refazendo um caminho, a respeito das diversas fontes de nossa abordagem.
Começamos uma fase de viagens
internacionais para buscar novos subsídios para o nosso trabalho. Nessa época,
vários de nós viajamos com a finalidade de fazer workshops específicos na
Europa e Estados Unidos citando em ordem cronológica: Thérèse Tellegen, Tessy
Hantchel, eu, Walter Ribeiro, Lilian Frazão, Selma Ciornai, Virginia Costa,
Maria Celisa Barbalho e Alcides Ignácio. O resultado destas viagens, além do
enriquecimento pessoal nos trouxe valiosas contribuições quanto ao material
bibliográfico mais recente publicado pelos vários grupos do exterior.
Qual não foi a nossa surpresa,
gratificante e desalentadora ao mesmo tempo, ao constatarmos que os grupos
americanos e europeus estavam se debatendo com as mesmas questões. A parte
gratificante, é que tinhamos chegado a elas mesmo funcionando num sistema
auto-didata, e a desalentadora, descobrir que não tínhamos um grupo que fizesse
a função "paterna" de ir na frente abrindo trilhas para nós.
Em fevereiro de 1987 trouxemos a São
Paulo, para um Grupo de Estudos Avançados, o Gary Yontef, um dos maiores
teorisadores da Gestalt-Terapia atual, com uma sólida formaçåo em Fenomenologia
e Existencialismo. A sua presença catalisadora e amiga veio adicionar energia
para prosseguirmos em nossas buscas. Hoje, 15 anos depois daquele primeiro
workshop de treinamento, a Gestalt tal como a conhecemos, passou por muitas
transformações (e
nós também). Podemos afirmar que para nós também existem
Gestalt-Terapias, dependendo do aspecto que mais se
privilegia no trabalho clínico. Se nossos fundadores, de saída, já se dividiam
em dois grupos, que dirá o nosso movimento, composto de uma verdadeira colcha
de retalhos de influências.
Nós, que sofríamos as influências americanas
provenientes das duas escolas, a da Califórnia e a de Nova York, também
passamos pelas mesmas crises deles. As profundas dissenções entre "o
fazer" e o "pensar" também se refletiam entre nossos diversos
grupos, criando dificuldades ideológicas, grupais e muitas vezes pessoais, sem
que nos déssemos conta de que havia um forte componente contextual maior nesses
conflitos.
Da ênfase estrita ao processo de
awareness passou-se à ênfase no contato, e depois a ênfase na relação
terapêutica. Abriu-se o espaço para um genuíno diálogo Eu-Tu.
Transitamos amplamente,
experimentando a polaridade terapeuta-cliente. De uma arrogante terapia
centrada no cliente (afinal, é ele o doente), passamos a uma narcísica terapia centrada
no terapeuta (que experimento criativo que eu inventei ! ) a um
humilde estar com (vamos ver o que nós conseguimos clarear em
conjunto...).
Hoje
redirecionamos o trabalho para dentro, saindo do "acting-out"
catártico, e muitas vezes catastrófico para um "acting-in", ou seja,
retornando a energia para um aprofundamento das questões pessoais do cliente.
Com
o esforço de tradução de vários textos básicos, o material teórico tornou-se
disponível a um número maior de pessoas, ampliando aos poucos a nossa
comunicação nacional. A Gestalt-Terapia passou a ser ensinada nas principais
faculdades de Psicologia do país. Hoje contamos com um vasto material
bibliográfico próprio da Gestalt.
Hoje
já contamos com a publicaçåo de duas revistas brasileiras: o
Gestalt-Terapia Jornal,
publicação do Centro de Estudos de Gestalt do Paraná e a Revista de
Gestalt, publicada pelo Departamento de Gestalt do Instituto Sedes
Sapientiae. Além disso, temos disponíveis
teses de Mestrado e Doutoramento, defendidas na Universidade de São
Paulo: Thérèse Tellegen, Lilian Frazão
sobre trabalho em Grupos; Maria de
Lourdes Kato sobre a Abordagem Dialógica;
Sérgio Zlotnic sobre a Transferência;
Alberto Pereira Lima sobre o trabalho com sonhos; Ana Maria Loffredo
resgatando a influência psicanalítica na Gestalt-Terapia e Rosana Zanella com o
estudo de terapia infantil na abordagem gestáltica.
O movimento floresceu em várias
partes do mundo, e ao consultar o Gestalt Directory, que faz a listagem dos
profissionais internacionais da área, podemos constatar a amplitude dessa rede.
O Gestalt Journal, que no
momento é a mais importante publicação de artigos de nossa comunidade, está
deixando de ser uma revista unicamente americana para tornar-se uma revista
internacional, se expandindo para dar conta dos temas estudados em diversas
partes do mundo. O movimento está vicejante na Europa; na América Latina, está
se expandindo por iniciativa do grupo mexicano.
Em junho de 1987 houve, por
iniciativa de profissionais do Rio, o I Encontro de Gestalt-Terapeutas no Rio de Janeiro. Ainda tenho guardada a cena da abertura,
quando se abriram as portas do salão. Imaginávamos a reunião de um pequeno
grupo e ao nos depararmos com a quantidade de pessoas presentes fomos tomados
por susto e alegria. Alguns ainda com sua bagagem ao lado, chegando sem aviso
prévio; pessoas das mais diversas regiões do país; foi entusiasmante.
Foi então que assistimos a transição
de um grupo de Gestalt-Terapeutas para um movimento de Gestalt-Terapia no
Brasil .Veio daí a energia para montagem do segundo Encontro pelo grupo de São
Paulo, coordenado pelo Ari Rehfeld, pela Lilian Frazão, e por mim.
O II Encontro Nacional de Gestalt-Terapia se propos a debater
as questões de identidade, Quem
somos?, Em que acreditamos?, O que fazemos? A questão básica que se
colocava era:- "O que nos une debaixo dessa mesma abordagem?".
Em Caxambu, de saída, o clima social
e afetivo vigente falava de uma comunalidade entre nós. Os trabalhos
apresentados demostraram a preocupação dos gestaltistas em refletir criticamente
sobre a teoria e a prática da Gestalt-Terapia no Brasil. Os debates a respeito
da identidade se desmembraram em questões teóricas e práticas mais específicas.
A ausência de workshops de cunho apenas vivencial durante o encontro marcou a
nossa posição contra um possível "happening" emocional inflamável e
de rápida combustão em prol de um caminho reflexivo mais árduo, porém mais
fecundante.
No segundo semestre de 1990, o
nordeste se fez presente, organizando sua reunião regional. Essa reunião contou
com a colaboração de profissionais de outras regiões do país e obteve ótima
participação local. Daí saiu a proposta de manterem uma continuidade dessas
reuniões a cada dois anos, intercalando com nossos encontros nacionais.
IIIo
Encontro Nacional de Gestalt-Terapia foi organizado pelo grupo
de Brasilia em 1991 que buscou também continuar o debate sobre as nossas
questões de identidade e enfatizou a postura dialógica na relação terapeutíca.
Contou com a presença internacional de Richard Hycner e de mais 600 pessoas participantes.
Ao
rever criticamente todo esse longo percurso, gostaria de ressaltar a nossa
falta de disciplina (nisso eu me incluo) para registrar por escrito nossas
idéias (nem que seja para alterá-las no momento seguinte...). Bem sei que o
fazer é muito mais gratificante, mas hoje já temos condições de nos debruçarmos
reflexivamente sobre a nossa experiência e de passá-la adiante. Hoje dispomos
de diversos fóruns em que podemos nos expressar: os Seminários, o Projeto
Intercâmbio, os Encontros regionais, palestras e os Encontros Nacionais. Vamos
aproveitá-los.
Nesse
momento, depois de haver contado várias estórias que se entrelaçam, volto a
buscar as palavras de Laura Perls ao celebrar seu aniversário de 80 anos. Em
seguida ao relato do filme "A
Mulher das Dunas", citado na introdução deste trabalho,ela prossegue :
"...Por que será que eu estou contando
esta estória para voces? É uma parábola a respeito de compromisso.
Quando se está realmente comprometido, é para valer, com tudo que se possa
ocorrer no confinamento da situação; não somente no casamento e família, mas em
qualquer relação na qual voce tenha assumido responsabilidade, seja ela uma
profissão, arte, uma vocação, não há saída. Na medida em que o nosso homem na
estória não consegue aceitar as limitações da situação, ele se sente preso numa
armadilha. Quando ele aceita seu confinamento, as possibilidades dentro de suas
fronteiras se tornam realidades: o deserto se torna fértil, a mulher se torna
mãe. Isto abre a armadilha, as fronteiras se expandem. Ao se comprometer
novamente com a situação agora um pouco alterada, mas ainda limitada e difícil,
o homem assume responsabilidade pelas consequências de suas atividades
criativas. Ele mesmo abre a porta da armadilha de suas limitações pessoais,
hábitos condicionados, atitudes e preconceitos, das gestalten fixas de sua vida
passada. Ao aceitar e lidar com "aquilo que é" ele transforma
e transcende a situação e alcança a verdadeira liberdade...
" Laura foi uma pessoa essencialmente
compromissada com tudo em que se engajou.
Que a sua trajetória nos sirva de inspiracão.
REFERÊNCIAS
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apresentada à Universidade de São Paulo, 1990.
§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§
Sumário:
Neste trabalho, a autora relata as origens históricas da Gestalt-Terapia, ressaltando a relevância da
contribuição de Laura Perls; relaciona a gênese das idéias com o contexto
histórico em que elas surgiram; comenta o impacto que essa abordagem
trouxe para o panorama geral da
psicoterapia no mundo e no Brasil, e cita os desdobramentos da prática clínica
que nos trazem até o momento atual.
Summary:
In this article, the author relates the
origins of Gestalt-Therapy, underlining Laura Perls' relevant contribution to
the context in which the main ideas were brought forth; comments on the impact
of the new ideas on the therapeutic scenery in the world and among us in Brazil
and describes the recent developments
of our clinical practice.
** Uma parte desse trabalho foi apresentada na
abertura do IIIo Encontro
Nacional de Gestat-Terapia (Brasilia,
outubro de 1991). A outra parte, onde a autora salienta a relevância da
contribuição de Laura Perls, foi apresentada no Seminário do Departamento de
Gestalt do Instituto Sedes Sapientiae, em junho de 1992.
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