ARTIGO

Reflexões sobre a postura fenomenológica diante do morrer.

Reflections of phenomenological posture facing death.

Marina Machado Paulini

Orientadora: profª Gláucia Rezende Tavares



RESUMO

O presente estudo compromete-se em reunir informações e detalhes sobre a postura fenomenológica adotada pela equipe assistencial diante do processo de adoecimento e de morte enfrentado por pacientes fora de possibilidades de cura. A maioria deles, portadores de câncer ou aids. Observa-se, num primeiro momento, a necessidade de aprofundar conhecimentos a respeito da Fenomenologia e de como ela contribui para compreendermos melhor essa postura fenomenológica que visa minimizar o sofrimento vivido por eles e proporcionar momentos de maior integração e consciência de si mesmos, através de encontros abertos, pautados no carinho, atenção, reflexão e na disponibilidade. Posteriormente a essa descrição, torna-se importante considerar o contexto hospitalar fragilizante e repleto de significações marcantes no qual esses pacientes se inserem, tendo em vista as suas condições físicas, psíquicas e sociais. As emoções que envolvem o luto antecipatório, as fases finais da vida e a vivência posterior à morte. E por fim, o trabalho enfatiza a importância de pensarmos na humanização do cuidado como forma de disseminar a idéia de que, enquanto membros inseridos na equipe assistencial de saúde, precisamos, indubitavelmente, rever nossa postura não só frente aos pacientes que não terão a vida propriamente dita por muito tempo e buscam viver bem e com qualidade, os dias que lhes restam, mas também em relação aos que cuidam dos fatores externos incluídos nesse momento.

Palavras-chave: Doente Terminal, Cuidados Paliativos, Atitude Frente à Morte, Qualidade de Vida, Qualidade da Assistência à Saúde.


ABSTRACT

This paper intend to gather information and details about the phenomenological posture adopted by the heath care team, about the illness and death process faced by out of possibility of cure patients. Most of them carry SIDA and Cancer. First of all, it is observed the need to obtain deeper knowledge about Phenomenology and how it contributes to our understanding of phenomenological posture. It aims to minimize suffering of the patients and to provide moments of a greater integration and awareness of themselves through open meetings surrounded by care, attention, reflections and availability. After this description, it is important to consider the fragility hospital context, full of meanings which patients are involved considering their physical, psychical and social condition. In addiction there are the emotions that involves anticipate mourning, the final phases of live and after death leaving. Finally, the paper emphasizes the importance to think about humanization of care as a way to spread the idea that, being members of health care team, it is doubtless necessary to review our posture not just in front of patients that will not live for a long time and intend to live with quality their last days, but also with the ones who take care of external factors among this moment.

Keywords: Terminally Ill, Hospice Care, Attitude to Death, Quality of life, Quality of Health Care.



CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Atualmente, a evolução da tecnologia no ramo da medicina contemporânea tem provocado uma influência positiva, fazendo com que muitas pessoas vivam por mais tempo. E diante dessa realidade, é fato que, num contexto de hospitalização, o cuidado disponibilizado ao paciente gravemente enfermo tornou-se um elemento de estudo importante, seja na rede pública ou privada. Especialmente em casos de pacientes com prognóstico reservado, sendo a maioria deles, portadores de doenças como o câncer ou a aids. Entretanto, este cuidar é considerado uma tarefa complexa, difícil, de muitas particularidades e pouco documentada. A maioria dos estudos avalia o momento após a morte, o período de luto vivenciado pelos familiares ou até mesmo o luto antecipatório vivido pelo paciente. Nesse contexto, abre-se um espaço para novas considerações, questionamentos e possíveis caminhos. Torna-se instigante compreender as atitudes de quem se encontra à frente desses pacientes, ou seja, os fatores institucionais e emocionais que envolvem a equipe de saúde em contato com esses pacientes em estado avançado de suas doenças.

A proposta deste trabalho surge da vontade de aprofundar conhecimentos e leituras acerca de um determinado tema que tem se mostrado intrigante e diferenciado no dia-a-dia de um psicólogo clínico hospitalar. Diante da experiência que vem sendo vivenciada por mim no contato com pacientes em estado grave, uma pergunta se faz presente e essencial nesse contexto: qual deve ser a postura desse profissional diante do processo de adoecimento e de morte de pacientes fora de possibilidades de cura?

Vale ressaltar, inclusive, que o sistema envolvido nos cuidados a esses pacientes inclui não só o psicólogo, mas a equipe de assistência, o próprio paciente, sua família e toda a rede afetiva e social. O trabalho da equipe deve ser interdisciplinar, apontando para uma transdisciplinaridade. Dessa forma, acredito poder ampliar esse questionamento lembrando da importância de zelar pelo nível da qualidade das interações a serem construídas.

O foco não se restringe ao paciente internado, mas se amplia às relações entre todos os elementos envolvidos no que se pode denominar sistema terapêutico. A equipe assistencial compreende todos os profissionais que estão no cotidiano desse trabalho da família e do paciente: médicos, profissionais da enfermagem, fisioterapeutas, farmacêuticos, nutricionistas, fonoaudiólogos, psicólogos e os profissionais nas funções de recepção, administração e faxina (Tavares, 2005).

A psicologia, como parte integrante dessa equipe, se insere nesse contexto de forma muito positiva e com objetivos claros de co-laborar com o restabelecimento clínico, físico e emocional desses pacientes frente a momentos tão delicados, impostos pelo adoecimento.

Como psicóloga de uma instituição hospitalar privada de grande porte, e com a responsabilidade de acompanhar os pacientes que se encontram nos mais diversos setores do hospital, percebo que a minha prática de atendimento clínico tem me despertado muitas inquietações a respeito desse trabalho tão peculiar. O setor de internação do hospital, por exemplo, tem características próprias para um acompanhamento mais próximo ao paciente, uma vez que o clima é mais calmo e as rotinas da equipe são mais estruturadas. Ou seja, não se observa tanta intercorrência nas internações como se vêem nas UTIs. As visitas externas são mais acessíveis e o espaço para o paciente, mais particularizado. Zelar por uma privacidade que se faz essencial no atendimento psicológico é uma atitude primordial. As equipes assistenciais, nas internações, são mais abertas a conhecer o serviço e capazes de colaborar para o bom andamento dos acompanhamentos psicológicos. Elas entendem com mais facilidade a importância da construção de um vínculo mais pessoal e específico, ou seja, de maior qualidade, e as necessidades para que isso aconteça. Prezam por um ambiente tranqüilo e harmônico.

Dentre os setores de internação existentes no hospital, a Oncologia configura-se, hoje, como o setor mais solicitante. Os atendimentos são realizados de forma contínua e freqüente, uma vez que os pacientes oncológicos são acompanhados desde o diagnóstico de suas doenças, passando pelo processo do tratamento, que varia entre a cirurgia, quimioterapia e/ou radioterapia, até muitas vezes, a fase final da vida. O tratamento de quimioterapia é o mais comum e requer que esses pacientes internem com certa freqüência permitindo um contato mais qualificado com a equipe assistencial, ou seja, um contato mais próximo, pessoal e permitindo trabalhos reflexivos mais produtivos. As sessões quimioterápicas podem acontecer com intervalos variados, porém, na maioria dos casos, faz-se quinzenalmente e por um período de, no mínimo, seis meses.

Estar com esses pacientes tem sido muito gratificante para mim pelos ensinamentos que eles transmitem e pelo trabalho que penso desenvolver nessas situações de extrema fragilidade, tornando-se assim, um tema muito instigante.

A prática nessa instituição tem provocado inquietações que merecem estudos e reflexões. O prognóstico reservado dos pacientes, a proximidade da morte, a própria vivência desta, o envolvimento dos familiares, todos esses acontecimentos, diariamente, me despertam sentimentos ainda obscuros e a necessidade de compreender melhor de que forma podemos atuar com qualidade, isto é, de que forma podemos estar presentes, genuinamente, com esses pacientes. Ou ainda, que postura seria mais apropriada diante de uma situação de morte iminente.

A partir dessas questões, observo a necessidade de uma atitude humanizada. Uma atitude que dê abertura e conforto ao desvelamento da singularidade de cada pessoa, de cada paciente, tornando-se prioridade na construção de novas relações. Certamente trata-se de uma conquista a ser construída, diariamente, por parte da equipe assistencial.

Escolhi a Fenomenologia como o alicerce que dará sustentação teórica ao estudo proposto, levando sempre em consideração as reflexões a respeito do contexto vivenciado pelos pacientes fora de possibilidades de cura.

Como um desdobramento inicial, vale lembrar que a Fenomenologia é um método de investigação, utilizada pelos gestalt-terapeutas, que busca a compreensão baseada no que é óbvio ou revelado pela situação, incluindo tanto o paciente quanto seu ambiente. Não é, portanto, uma mera interpretação do observador. Trabalha entrando na situação experiencialmente e permitindo que o paciente viva momentos de awareness, isto é, momentos de plenitude, de contemplação do que é relatado por ele.

Vários são os conceitos dentro da Fenomenologia que contribuem para um melhor entendimento do tema proposto. Contudo, pensar na descrição do que seria o fenômeno, propriamente dito, embasa de forma muito positiva a construção das reflexões posteriores.

A palavra fenômeno vem do grego, phainomenon, isto é, o que aparece, tudo o que é percebido, que aparece aos sentidos e à consciência quando se entra em contato com a realidade. É a manifestação de algo que é sempre novo. Segundo Rudio (1998), os fenômenos se encontram na consciência do paciente/cliente à maneira como este percebe e sente a sua realidade. Ou ainda, como se fosse uma “apreensão imediata”, incluindo as significações e avaliações que são atribuídas naturalmente pelo indivíduo que vivencia determinada experiência. É uma espécie de tradução vivencial que as pessoas fazem dos fatos. Rudio (1998) ainda complementa afirmando que “conhecer e compreender o mundo interior do cliente é conhecer e compreender os fenômenos que povoam a sua consciência tal como ele os conhece, compreende e sente” (p. 130).

É a partir deste conceito que pretendo desenvolver o tema principal, a fim de começar a compreender o mundo dos pacientes através da sua ótica, da forma específica e particular como eles compreendem.

Com base nesse enfoque e nessa descrição, poderemos nos cercar de conhecimentos que facilitarão e abrirão novos caminhos para uma compreensão mais detalhada dessa postura diferenciada, pois é por meio dela que acredito encontrar uma forma de proporcionar aos pacientes momentos mais dignos de se viver uma vida que chega ao fim.

PERCURSO TEÓRICO


A Atitude Fenomenológica Diante da Proximidade da Morte

Ao refletir sobre o contexto vivenciado pelos pacientes quando se encontram em um estágio avançado de suas doenças, penso, quase que simultaneamente, numa prática em busca de uma atitude fenomenológica diante do morrer. Sobre atitude fenomenológica entende-se uma postura diferenciada, singular, que possibilite a equipe assistencial trabalhar com qualidade e proporcionar momentos de dignidade e paz para o paciente que aguarda o seu momento final.

Com base nos estudos realizados, nas revisões bibliográficas, muitos são os autores que podem contribuir para a compreensão das vivências desse tipo de paciente. Segundo Kübler-Ross (2002),


“Eles ficam à espera das visitas dos médicos, ou do resultado de uma radiografia, ou da enfermeira que vem trazer a medicação, e seus dias e noites parecem monótonos e intermináveis. E então surge, dentre outros, aqueles que lhes permitirão falar disso, desvelar-se, contar de si, calar quando desejar, resignificar para ressurgir. Em meio a esta monotonia que se arrasta, aparece um visitante interessado que os conforta, que procura saber as reações, a força, a esperança e as frustrações que têm. Alguém que não fala com eufemismos, mas vai direto ao assunto, numa linguagem simples e clara, falando das coisas que povoam a mente deles, coisas que serão reprimidas de vez em quando, mas vêm sempre à tona” (p. 269).


De acordo com Fonseca (2004), devido ao impacto negativo causado pela referência “terminal”, e entendendo que todos nós somos terminais, atualmente há uma corrente de profissionais substituindo este termo pela expressão “fora de possibilidades terapêuticas”. Ainda assim, não se configura numa terminologia apropriada, uma vez que se pode considerar terapêutica, toda e qualquer atitude em prol de uma morte digna. Uma terceira possibilidade que tem sido utilizada é “doença em estágio avançado”, porém o mais recente termo tem sido “fora de possibilidades de cura”. Ao longo do estudo, entretanto, ainda faremos algumas referências a estas terminologias e seus significados.

O paciente fora de possibilidades de cura tem necessidades muito especiais e que podem ser atendidas se a equipe assistencial tiver tempo para ouvir e descobrir quais são. Uma postura fenomenológica, por se pautar em pressupostos fundamentados na filosofia existencial e na fenomenologia propriamente dita, se dá através do diálogo, de uma relação que se constrói e que se estabelece entre a equipe e o paciente. Tal como descreveu Buber (1979, apud Cardoso, 2002), o diálogo existencial pode ser entendido como aquele que compreende a relação Eu-Tu. Ou seja, como ressalta Yontef (1998), é o encontro caracterizado pela presença genuína do Eu e do Tu que nele se revelam.

Cardoso (2002) ainda nos ajuda a entender a escuta fenomenológica como uma escuta cuidadosa, instigante, esclarecedora e descontaminada por parte do gestalt-terapeuta. A partir da qual se estabelecerá a relação dialógica fundamental para o desenvolvimento do processo de compreensão e aceitação do adoecimento pelo paciente. Contudo, o mais importante, talvez, seja deixá-lo perceber que estamos prontos e dispostos a partilhar algumas de suas preocupações.

O atendimento psicológico a esses pacientes é realizado no próprio leito buscando oferecer conforto e tranqüilidade, e quando suas condições físicas permitem, estabelece-se um diálogo por meio do qual a relação de contato vai se fazendo, re-fazendo, em suas múltiplas facetas. É como descreve Kübler-Ross (2002) diante da situação de encontro:


“Para os pacientes que não tem um problema único e simples para resolver, é útil a terapia de curta duração, que não requer necessariamente a intervenção de um psiquiatra, mas de uma pessoa compreensiva, que disponha de tempo para se sentar e ouvir. As sessões são irregulares na freqüência e na duração. São programadas individualmente, dependendo do estado físico do paciente, da capacidade e da disposição de falar num determinado momento. Geralmente, incluem visitas curtas, de poucos minutos, para certificá-los de nossa presença, mesmo nas ocasiões em que não desejam conversar” (p. 279).


Percebo que o trabalho com o paciente fora de possibilidades de cura requer uma certa maturidade que só vem com a experiência. Não digo apenas do aspecto teórico e técnico envolvido, mas também da extrema necessidade de zelarmos pela nossa própria organização emocional. É importante mantermos um nível de equilíbrio emocional interno que nos permita atuar de forma ética e verdadeira. Devemos examinar, sempre e detalhadamente, a nossa posição diante da morte e do morrer, antes de nos disponibilizarmos de forma tranqüila e sem ansiedade ao lado de um paciente que se encontra sem chances reais de cura.

Saber escutar, segundo Romero (1999) é “deixar que o outro se expresse colocando-nos numa atitude de receptividade cordial; significa também saber omitir-se para não interferir na livre fluência da outra pessoa” (p. 55). E para que essa escuta diferenciada seja possível e se concretize como a matéria-prima da relação a ser estabelecida é preciso estar muito atento a um conceito importante dentro da Fenomenologia, que é a Redução Fenomenológica.

Edmund Husserl, como seguidor e aluno de Franz Brentano, citado por Massimi (2000), propõe, ao falar desse conceito, uma ausência de pressupostos pessoais ou pré-concepções acerca da realidade. Ou seja, para o pensamento se libertar dos pré-conceitos, dos juízos pré-concebidos, temos que olhar para as próprias coisas e para os problemas e se deixar desafiar por eles, deixar-se desafiar pela realidade. Para ficar mais claro, Husserl, citado ainda por Massimi (2000), ressalta suas idéias acerca da atitude de olhar para as coisas; que uma pura experiência significa se manter livre de todos os preconceitos que, sendo originados não pelas esferas da experiência, podem nos tornar cegos diante do que a reflexão fenomenológica propõe. Para que essa proposta se concretize, Husserl define como caminho, a redução fenomenológica da qual estamos falando.
A redução ou epoché se caracteriza como uma atitude de colocar entre parênteses qualquer história anterior que possa interferir na autenticidade do encontro. Isso não quer dizer que ela esteja errada, mas não se pode deixar determinar por ela, antes de termos feito e vivenciado uma experiência direta do próprio fenômeno. É sair de uma realidade mundana sem usar a razão de uma forma adequada, como os Positivistas faziam, para olhar, de fato, a experiência que está sendo relatada.

Segundo Yontef (1998), a redução fenomenológica é essencial para que se escute genuinamente o paciente. Ela integra tanto o comportamento observado quanto os relatos pessoais e experienciais, objetivando uma descrição detalhada e cada vez mais clara do que realmente é, não enfatizando o que foi ou poderia ter sido sobre o que é relevante.

Se a intenção proposta pela Fenomenologia é chegar à essência dos fenômenos trazidos pelos pacientes fora de possibilidades de cura, Rudio (1998) ainda contribui afirmando que:


“Para que se possa ir diretamente às coisas, mas de uma forma sistemática, a Fenomenologia utiliza um método - o método fenomenológico - que é regido por dois princípios: o primeiro determina que se apreenda intuitivamente a essência do fenômeno. O segundo estabelece que, para intuir a essência, torna-se necessário a libertação de qualquer interferência alheia ao fenômeno que possa desviar a atenção do ato de observá-lo” (p. 139).


Essa redução acontece de forma a jogar luz no fenômeno trazido para que ele apareça genuinamente para a pessoa. E dessa forma, permitir que ela comece a se reconhecer, como sujeito, na sua própria experiência, no seu próprio adoecimento. E ainda, que ela viva momentos de awareness, isto é, um momento integrativo, pleno com ela mesma. Que ela busque o contato vigilante com o elemento mais importante no seu campo vivencial num determinado momento, com total suporte.

Hycner (1997) aprofunda nossos conhecimentos lembrando que os pacientes querem ser ouvidos não apenas em suas palavras, mas naquilo que não estão dizendo. Precisam ser ouvidos além do nível literal, do que é dito. Querem ser encontrados em um nível mais profundo. Isso não poderá acontecer se minha própria perspectiva ocupar muito do espaço psicológico entre nós, ou se ela for exposta em detrimento da experiência do outro. Não devemos manter contato com a experiência do paciente e procurar sentí-la, se estivermos presos a nossa própria experiência. Por isso, suspender, mesmo que temporariamente as pressuposições pessoais aumenta a possibilidade de estar mais disponível para os pacientes num nível mais profundo.

Fica claro perceber que, uma vez colocado entre parênteses toda e qualquer idéia pré-concebida a respeito do mundo, deparamo-nos com a possibilidade de vivenciar um novo tipo de relação com o paciente. Uma relação pautada no diálogo autêntico, na presença genuína. Uma relação que pode ser denominada dialógica. Martin Buber foi o grande filósofo precursor dessa idéia. Ele construiu toda sua obra em torno do encontro dialógico.

Yontef (1998) define o diálogo como um “conversar juntos”. Um diálogo existencial é o que acontece quando duas pessoas se encontram como pessoas, mesmo sem palavras; em que cada uma é “impactada por” e “responde ao” outro. O relacionamento dialógico é uma forma especializada desse contato mútuo. Nesse contato, a figura de interesse de ambas as partes é a interação com a outra pessoa. O dialógico acontece entre as pessoas envolvidas e o seu sentido está na interação, no intervalo de duas palavras.
Zuben (2003) lembra que para que surja o diálogo autêntico é necessário que cada pessoa veja o outro como ele é. Este ver implica em conhecimento íntimo do fato de que ele é outro, um outro que não eu, diferente de mim. Reconhecer e administrar as diferenças são atitudes primordiais.

O relacionamento dialógico pode ser caracterizado como um processo de encontro que é construído entre duas pessoas e que engloba movimentos de conectar-se e separar-se. Na Gestalt-Terapia, o movimento de conectar-se se constitui em torno da tarefa de alcançar a awareness e é moldado pela relação Eu-Tu. Já o movimento de separação é configurado por uma relação Eu-Isso.

A relação Eu-Tu, descrita por Buber, citada por Hycner (1997),


“É uma atitude de conexão natural. É estar tão plenamente presente quanto possível com o outro, com pouca finalidade ou objetivos direcionados para si mesmo. É uma experiência de apreciar a “alteridade”, a singularidade, a totalidade do outro, enquanto isso também acontece, simultaneamente, com a outra pessoa. É uma experiência mútua; é também uma experiência de valorizar profundamente, estar em relação com a pessoa - é uma experiência de encontro” (p. 33).


A presença verdadeira diante de um paciente é uma atitude difícil de definir. Entretanto, sua ausência é facilmente notada. Mais do que uma qualidade, estar presente genuinamente é uma postura existencial. É trazer tudo de mim para dirigir-me, num determinado momento, a uma outra pessoa. Nenhuma outra preocupação deve ser mais importante.

A outra atitude primária que um ser humano pode assumir em relação a outro, é a atitude Eu-Isso, que, ao contrário, se dirige a um propósito. Há um objetivo em mente. O “ser” da pessoa se distancia do outro “ser” e submete-se a este objetivo. E segundo Hycner (1997), é uma coisificação do outro. Em determinadas ocasiões, todos precisam fazer isso a fim de atingir uma meta. O autor ainda ressalta que as duas atitudes são essenciais e a existência humana é caracterizada pela alternância delas. O modo Eu-Isso é vital e necessário para a sobrevivência e o Eu-Tu para a realização da condição de pessoa.

A postura fenomenológica é muito baseada na aceitação. Pacientes que aceitam a si próprios não terão necessidade de julgar ou condenar suas experiências. Na relação dialógica, a aceitação da equipe assistencial parece abrir a possibilidade de aceitação do próprio paciente e isso o permite aprofundar seus conhecimentos sobre seu processo de adoecimento e vivenciar de forma mais natural a proximidade da morte.

Ultrapassando momentos de contato, de tato, nos deparamos com situações em que surge o silêncio, o que, muitas vezes, vai muito além das palavras que poderiam ser ditas. Segundo Kübler-Ross (2002), há um momento na vida do paciente em que a dor cessa, a mente entra num estado de torpor, a necessidade de alimentação torna-se mínima e a consciência do meio ambiente quase que desaparece na escuridão. É o momento em que é tarde demais para palavras. É o momento mais difícil para os parentes. A equipe assistencial pode ser muito importante se souber entender que o sofrimento é algo vivenciado de forma única e muito pessoal para cada uma das pessoas envolvidas e ligadas a esse contexto. E por isso o respeito ocupa um lugar extremamente importante nesse momento.

Kübler-Ross (2002) descreve muito bem o tipo de reflexão que merece ser feita por aqueles que vivenciam, cotidianamente, momentos finais de pacientes fora de possibilidades de cura:


“Aqueles que tiverem a força e o amor para ficar ao lado de um paciente moribundo, com o silêncio que vai além das palavras, saberão que tal momento não é assustador nem doloroso, mas um cessar em paz do funcionamento do corpo. Ser terapeuta de um paciente que agoniza é nos conscientizar da singularidade de cada indivíduo neste oceano imenso da humanidade. É uma tomada de consciência de nossa finitude, de nosso limitado período de vida. Poucos dentre nós vivem além dos setenta anos; ainda assim, neste curto espaço de tempo, muitos dentre nós criam e vivem uma biografia única, e nós mesmos tecemos a trama da história humana” (p. 282).


Certamente a postura fenomenológica descrita até então merece ser aprofundada e construída, dia-a-dia, ao longo de experiências vividas, por todo sistema terapêutico.

O Contexto Vivenciado pelo Paciente Fora de Possibilidade de Cura

De fato, o termo “fora de possibilidades de cura” é o mais recente e o que tem sido realmente mais utilizado pela comunidade científica atual. Porém, é necessário que levemos em consideração os estudos que foram realizados antes dessa terminologia se concretizar.

Segundo Kovács (2003),


“O conceito de paciente terminal é historicamente relacionado com o século XX, por causa da alteração na trajetória de doenças que, no passado, eram fulminantes; observa-se sua cronificação, graças ao desenvolvimento da medicina, da cirurgia e da farmacologia. Muitas ainda não têm cura, como alguns tipos de câncer, aids e moléstias degenerativas, o que faz com que alguns pacientes vivam anos com necessidades de cuidados constantes” (p. 107).


Rolland (1995, apud Fonseca, 2004), relata que o termo terminal refere-se à fase em que a inevitabilidade da morte torna-se evidente e domina a vida familiar, abrangendo os períodos de luto e resolução da perda, onde predominam questões que envolvem separação, morte, tristeza, elaboração do luto e retomada da vida.

Segundo Gutierrez (2001), a terminalidade de um paciente é detectada quando se esgotam as possibilidades de resgate das suas condições de saúde e a possibilidade de morte próxima parece inevitável e previsível. O paciente se torna irrecuperável e caminha para a morte, sem que se consiga reverter este percurso. Um paciente é terminal em um contexto particular de possibilidades reais e de posições pessoais, sejam de seu médico, sua família e suas próprias. Esta colocação implica em reconhecer esta definição, situada além da biologia, inserida em um processo cultural e subjetivo, ou seja, humano.

Kovács (1991, apud Amaral, 2005), afirma que “paciente terminal” ou “fora de possibilidades terapêuticas” são rótulos dados a pacientes com doenças as quais não vislumbram nenhuma possibilidade de cura. São as doenças progressivas como o câncer, a aids e as doenças neurológicas degenerativas. O tratamento desses pacientes não implica mais em cura, e sim no alívio de sintomas e na preservação da dignidade.

Baron (1996, apud Fonseca, 2004), contribui apontando alguns critérios diagnósticos que indicam a fase terminal: doença causadora de evolução progressiva, perspectiva de vida não superior a dois meses, ineficácia comprovada dos tratamentos, ausência de tratamentos alternativos úteis para a cura ou aumento da sobrevida e complicações irreversíveis finais.
Segundo Weismann (apud Kovács, 1991), os pacientes nessas condições podem apresentar vivências de aniquilação e alienação, manifestações da auto-estima rebaixada, sentimentos de inutilidade e estranhamento. A ansiedade de aniquilação pode estar relacionada ao medo da morte, da desintegração, da perda de identidade ou mesmo da sanidade.

Kovács (1991) ainda ressalta que um dos fatores mais comuns em pacientes com doenças graves é o chamado sofrimento secundário. Muitos pacientes não vêem o medo da morte como dificuldade maior, e sim, alguns dos seguintes problemas relatados por eles próprios: separação dos familiares, problemas financeiros, isolamento, não realização de metas, dependência e vergonha, medo do sofrimento físico, medo do desconhecido, medo do que pode acontecer com os dependentes e a inveja de quem tem saúde. Para cada paciente, um dos pontos citados pode se configurar como o mais difícil de suportar.

Um trabalho muito reconhecido nessa área foi o da enfermeira Cicely Saunders, que também trabalhava como médica e assistente social na Inglaterra, durante a década de 1960, quando ocorreu o início do movimento dos hospices. Instituições destinadas a aliviar o sofrimento ligado a doenças sem prognóstico de cura, oferecendo às pessoas a possibilidade de morrer em paz, dignamente e com qualidade de vida. Esse cuidado com os pacientes fora de possibilidades de cura é realizado através de uma visão holística, com uma equipe multiprofissional, composta por médicos, enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais, religiosos, voluntários e outros profissionais quando necessário.

Segundo Carvalho (2004),


“A palavra hospice significa abrigo, albergue. Sua origem vem da Idade Média, quando, nas longas peregrinações aos lugares santos, os viajantes aí encontravam hospedagem, alívio e apoio para os seus males. Cansados e doentes, os viajantes muitas vezes morriam nos hospices, terminando sua árdua caminhada nesses albergues” (p. 90).


O movimento hospice, iniciado por Saunders, possui uma estreita relação com a filosofia dos Cuidados Paliativos, que se preocupa não em promover a cura física, mas em disseminar a importância de saber cuidar, focado nas necessidades do binômio paciente-família.

Dessa forma, o termo paliativo configura-se num novo conceito a ser estudado no que diz respeito ao contexto vivido pelos pacientes fora de possibilidades de cura. Pessini (2001) revela que esse termo deriva do latim pallium, que significa manta ou coberta. Assim, quando doenças não podem ser curadas, os sintomas são tapados ou cobertos com tratamentos específicos. Em inglês, palliate pode ser traduzido como aliviar, suavizar.

A principal característica desse tipo de cuidado é o desvio do foco principal. Não havendo mais a possibilidade de cura total, uma vez que a doença já se encontra numa fase progressiva, irreversível e não responsiva aos tratamentos propostos, o foco passa a ser prezar, constantemente, pela manutenção da qualidade de vida de quem espera seu fim.

Pessini (2001) afirma que é necessário adotar uma postura que nos permita confirmar a vida e encarar o morrer como um processo normal; não apressar e nem adiar a morte; procurar aliviar a dor e outros sintomas angustiantes; integrar os aspectos psicológicos e espirituais nos cuidados do paciente; oferecer um sistema de apoio para ajudar os pacientes a viverem ativamente tanto quanto possível até a morte e oferecer um sistema de apoio para ajudar a família a lidar com a doença do paciente e com o seu próprio luto.

Cuidados Paliativos, segundo Figueiredo (2006), é um conjunto de atos multiprofissionais que têm por objetivo efetuar o controle dos sintomas do corpo, da mente, do espírito e do social, que afligem o homem na sua finitude, isto é, quando a morte dele se aproxima.

Ao falar de cuidados paliativos, simultaneamente pensamos em pacientes fora de possibilidades de cura e junto a isso, um tema também muito discutido e extremamente relevante nesse contexto é o conceito da dor. Alguns questionamentos recorrem à consciência diante desse assunto: que tipo de dor é essa sentida por esses pacientes? De onde ela vem? Será que ela pode ser controlada?

Pessini (2001) ressalta que “...a dor tem duas características importantes. A primeira é que estamos diante de um sofrimento dual: de um lado, a percepção da sensação e, de outro, a resposta emocional do paciente a ela. A segunda característica é que a dor pode ser sentida como aguda e passageira, ou crônica e persistente” (p. 288).

Muitos pacientes admitem, ainda, que não tem tanto medo de morrer quanto o de enfrentarem uma dor terrível.

Carvalho (2004) ressalta que os estágios avançados das doenças freqüentemente envolvem muitas dores. Nos casos de câncer, por exemplo, as pesquisas revelam entre 60% e 90% de pacientes com dor intensa. Porém, quando se trata de doentes gravemente enfermos, nos deparamos com dores muito mais complexas e profundas, as existenciais, que se referem ao significado da vida e da morte. Carvalho ainda comenta que Cicely Saunders, na década de 60, na Inglaterra, criou um conceito interessante, o de dor total. Configurando a presença de um estado complexo de sentimentos dolorosos no paciente fora de possibilidades de cura. Seus componentes são: dor física associada a lesões reais; dor psíquica, relacionada a medos do sofrimento, da morte, do desconhecido, tristeza, raiva e depressão; dor social, apontando para o isolamento, rejeição, abandono e inutilidade e a dor espiritual, refletindo a falta de sentido na vida e na morte.

Percebe-se que o contexto em que vive um paciente em fase final de sua vida é extremamente delicado e permeado de particularidades. Aguiar (2005) nos ajuda a entender ainda melhor esse contexto quando afirma que esses pacientes, por exemplo, os portadores de câncer, passam por problemáticas em três esferas: intrapsíquica (ansiedade, depressão, medo, raiva, revolta, insegurança, perdas); social (isolamento, estigma, mudança de papéis, perda de controle, perda de autonomia) e relacionada ao câncer (processo da doença, mutilações, tratamentos, dor, efeitos colaterais, relação problemática com o médico). Ressalta ainda que, em maior ou menor grau, ou em diferentes momentos do processo de adoecimento, eles podem apresentar um ou vários desses aspectos. Evidenciando, dessa forma, a importância do apoio psicológico.

Torna-se importante pensar, associado à postura fenomenológica, no contexto que eles vivenciam, enquanto sujeitos únicos, quando se deparam com a impossibilidade de cura.

É de fundamental importância que toda a equipe assistencial esteja bastante familiarizada com os estágios pelos quais esses pacientes passam, lembrando que podem se intercalar e repetir durante todo o processo da doença. Kübler-Ross (2002) nos ajuda a compreendê-los ao falar sobre o processo que fica evidenciado durante as cinco etapas pelas quais passam os paciente com um prognóstico reservado. Seu estudo permite uma visão real da complexidade vivida pelo paciente diante da sua terminalidade. Na verdade, terminais, todos nós somos, os pacientes, no entanto, passam por um processo de morte, de luto, do qual seguem estágios que antecipam a passagem até seus momentos finais.

Segundo Kübler-Ross (2002), a negação é o estágio mais freqüente no início da doença. É quando o paciente nega a sua doença e a gravidade do seu estado. Recusa-se a falar sobre o assunto e tende ao isolamento. A negação funciona como um amortecedor depois de notícias inesperadas e chocantes, deixando que o paciente se recupere com o tempo, mobilizando outras medidas menos radicais.

No estágio da raiva, da revolta, o paciente se pergunta: “Por que eu?”, “Por que comigo?”. Durante esse estágio faz exigências, reclama, critica o seu atendimento e solicita atenção contínua. Se for respeitado e compreendido, logo cessarão suas solicitações, pois será assistido sem necessidade de explosões temperamentais. Ressaltamos a importância de tolerarmos a raiva, racional ou não, do paciente. Precisamos ouví-lo e até, às vezes, suportar alguma raiva irracional, sabendo que o alívio proveniente do fato de tê-la externado contribuirá para melhor aceitar as horas finais.

Na barganha o paciente tenta negociar geralmente com Deus. Quase sempre almeja um prolongamento de vida ou deseja alguns dias sem dor ou sem males físicos. Faz promessas. Promessas que geralmente não cumpre.

A depressão aparece quando o paciente não pode mais negar sua doença, quando é forçado a submeter-se a mais uma cirurgia ou hospitalização, quando começa a apresentar novos sintomas e tornar-se mais debilitado e mais magro, não podendo mais esconder a sua realidade. Sua revolta e raiva cederão lugar a um sentimento de grande perda.

E a aceitação é quando não mais sente depressão e nem raiva. É o momento em que encontra paz e aceita o que está acontecendo. Os momentos de silêncio são maiores e seus interesses diminuem. Neste momento é a família que mais precisa de ajuda e o paciente percebe que se encaminha para o fim.

Tavares (2005) associa esses cinco estágios a algumas emoções que, muitas vezes, se desvelam durante essa passagem. Na negação, segundo a autora, há o medo explícito diante do desconhecido e existe um potencial de coragem a ser desabrochado. Na raiva, há a revolta por não poder voltar o tempo e há a energia disponível para a criação de novos caminhos. Na barganha, há a vulnerabilidade para pedir o que é impossível e também a busca de negociações, afetivas e efetivas. Na depressão, há a evidência do fracasso e também a possibilidade de um mergulho interior, orientando novos valores e escolhas. E, por fim, é na aceitação que se dá o encontro com a gratidão e com a alegria de poder ter vivido uma história. Para a família, em especial, há a aposta num futuro do que é ainda possível de se viver.

De posse do conhecimento destes estágios e das emoções associadas, sem dúvida, torna-se muito mais viável para o profissional que assiste ao paciente, lidar com os sentimentos que afloram, ajudando-o na compreensão e na transitoriedade dos mesmos, bem como respeitar cada momento vivido por ele, sem julgá-lo e sem lhe impor sua perspectiva.

Segundo Gutierrez (2001),


“Admitir que se esgotaram os recursos para o resgate de uma cura e que o paciente se encaminha para o fim da vida, não significa que não há mais o que fazer. Ao contrário, abre-se uma ampla gama de condutas que podem ser oferecidas ao paciente e sua família. Condutas no plano concreto, visando o alívio da dor, a diminuição do desconforto, mas sobretudo a possibilidade de situar-se frente ao momento do fim da vida, acompanhado por alguém que possa ouví-los e sustente seus desejos. Reconhecer, sempre que possível, seu lugar ativo, sua autonomia, suas escolhas, permitir-lhe chegar ao momento de morrer, vivo, não antecipando o momento desta morte a partir do abandono e isolamento” (p. 92).


Lembrando sempre, que a idéia da morte ou sua proximidade deve fazer parte da vida, como diz o poema de Tagore: “a morte permanece à vida, assim como pertence o nascimento. O caminhar tanto está em levantar o pé como em pousá-lo no chão”.

A Humanização do Cuidado

Tendo como base a literatura estudada, pode-se observar que o foco na postura fenomenológica diante do morrer possui uma estreita relação com o Programa de Humanização da Saúde, criado pelo Governo Federal.

O projeto-piloto de Humanização Hospitalar foi proposto pelo Comitê Técnico de Humanização da Assistência Hospitalar em resposta à solicitação do Ministro José Serra, em 2001, diante do reconhecimento da necessidade de melhorar a qualidade do atendimento prestado nos Hospitais Públicos que integram o Sistema Único de Saúde. Segundo as idéias que regem o programa, a experiência cotidiana dos atendimentos nos serviços de saúde e os resultados de pesquisas de avaliação têm demonstrado que a qualidade da atenção ao paciente é uma das questões mais críticas.

A noção de qualidade do trabalho em saúde compõe-se tanto da competência técnica, quanto da competência para interagir, isto é, para se relacionar. A experiência mostra que um grande número de queixas e demandas dos usuários pode ser resolvido, ou pelo menos, bastante minimizado, quando o usuário se sente ouvido, compreendido, acolhido, considerado e respeitado pelos profissionais que o estão atendendo, segundo o Programa Nacional de Humanização da Assistência Hospitalar (PNHAH, 2001).

O termo usuário pode ser entendido também como paciente, já que se refere a todas as pessoas que usufruem a assistência de saúde no país. E neste trabalho a instituição de saúde escolhida é um hospital geral privado.

Uma equipe de saúde é composta pelos profissionais que trabalham diretamente nas unidades de saúde e não apenas médicos e paramédicos (PNHAH, 2001). O psicólogo, dessa forma, é considerado um profissional de saúde ativo e responsável por disseminar as idéias desse programa, bem como capaz de vivenciar, no encontro com seus pacientes, os benefícios desse projeto.

A fim de contextualizar o psicólogo nas instituições hospitalares, Romano (1999) nos ajuda a compreender que, dentre outras funções, o psicólogo hospitalar deve ter uma formação apropriada para tal função e que exerça seu olhar como um clínico, no sentido mais estrito da palavra, isto é, “à beira do leito”, diretamente voltado ao paciente. O psicólogo é o profissional especializado para lidar com as questões emocionais emergentes em todo processo de adoecimento, até mesmo com a proximidade da morte.

A equipe assistencial é considerada o carro-chefe desse projeto, uma vez que o trabalho desenvolvido por ela será o de maior evidência nas avaliações de qualidade, seja técnica, seja relacional. Diante disso, é nítido que o campo para a psicologia cresce cada vez mais nessa área e ela se insere nesse programa tendo como uma de suas responsabilidades, a reformulação e a transformação das relações internas existentes entre os membros da própria equipe assistencial e destes no contato direto com os pacientes.

Reformular e transformar relações são ações que englobam um conceito muito importante descrito nesse programa: Humanização.

Segundo o projeto do Ministério da Saúde do Governo Federal (2001),

“Humanizar é aceitar esta necessidade de resgate e articulação dos aspectos subjetivos indissociáveis dos aspectos físicos e biológicos. Mais do que isso, humanizar é adotar uma prática em que profissionais e usuários considerem o conjunto dos aspectos físicos, subjetivos e sociais que compõem o atendimento à saúde. Humanizar, refere-se, portanto, à possibilidade de assumir uma postura ética de respeito ao outro, de acolhimento do desconhecido e de reconhecimento dos limites” (p. 52).


Para Romano (1999), humanizar significa particularizar, atender às circunstâncias e necessidades individuais. Não se trata apenas da qualidade do serviço, mas de um algo a mais. Humanização é obrigação, é exigência do consumidor, é revitalização de preceitos éticos e morais.

O ponto principal do trabalho de humanização está em fortalecer este comportamento ético de articular o cuidado técnico-científico ao cuidado que incorpora a necessidade de acolher e compreender o imprevisível, o incontrolável, o diferente e singular. Trata-se de um agir inspirado em uma disposição para aceitar e respeitar o outro como um ser autônomo e digno. É necessário refletir sobre a postura adotada no atendimento aos pacientes em estado grave, por exemplo, buscando sempre atuar de forma ética no contato pessoal e no desenvolvimento das competências relacionais.

Humanização diz respeito à postura, atitudes. Para humanizar é essencial que os relacionamentos sejam refeitos. O Ministério da Saúde alerta que é preciso rever a postura com que os profissionais de saúde estão lidando com os usuários ou pacientes. É direito de todo cidadão receber um atendimento de qualidade.

Um primeiro passo para que seja possível essa transformação é observar que no processo de habilitação dos profissionais de saúde, deve-se considerar a fragilização física e emocional provocada pela doença e as suas conseqüências na relação entre o profissional e o paciente. Sentimentos como afeição, respeito, simpatia, empatia, angústia, raiva, medo e outros, são inevitáveis em qualquer contato humano. Estarão, portanto, presentes no sistema terapêutico. Para que haja profissionalismo e um bom atendimento, esses aspectos precisam ser reconhecidos e estar disponíveis a serviço da compreensão das necessidades do paciente (PNHAH, 2001).

Tomando como base um conceito clássico nessa área, a Organização Mundial da Saúde (OMS, 1947), citada por Pessini (2001), atribui ao termo saúde, o significado de um completo bem estar físico, mental e social. No entanto, ao pensar numa prática diante da proposta feita pelo Governo Federal, a busca por essa completude esbarra em algumas questões complicadoras que merecem atenção para que se tenha um melhor entendimento. Isto é, o termo “completo”, remete a totalidade, fechamento, total possibilidade. O que difere da realidade dos dias de hoje, em que é observada uma dificuldade em proporcionar todo esse bem estar nas esferas citadas pela OMS.

Essa procura por viver invariavelmente bem todos os aspectos da vida, mesmo no adoecimento, começa a dar lugar às possibilidades de se viver bem diante das situações em que pacientes graves se encontram. Ou seja, em se tratando da proximidade da morte, alcançar esse completo bem-estar físico, psíquico e social torna-se uma questão comprometida. Dessa forma, um novo termo surge diante desse embate: a busca pela qualidade de vida, uma prática mais acessível e possível no contexto de pacientes fora de possibilidades de cura.

Pensando no contexto vivenciado por esses pacientes, neste momento é importante que se tenha clareza dos estágios e emoções já mencionados para ajudá-los a superar momentos de angústia e tristeza, e não tomar para si o que pode ser bastante incômodo. É importante também conhecer os problemas biopsicossociais implicados no processo do adoecer e do morrer, para contribuir na busca de um sentimento de bem-estar ao final da vida. Não desistir do tratamento do paciente é fundamental. O paciente pode desistir, mas os profissionais de saúde não. Quando o paciente se sente abandonado à própria sorte, sem assistência, ele se entrega e desiste também, antecipando sua própria morte. Para o paciente é reconfortante sentir que não foi esquecido mesmo quando nenhuma realidade de cura física pode ser alcançada. É gratificante inclusive para quem o acompanha, pois isto vem mostrar que a morte não é uma coisa horrível, que tantos querem evitar.

Kovács (1998) nos mostra que aqueles profissionais que se dispõem a trabalhar com programas de cuidados paliativos, deverão ter sempre como seu objetivo a minimização de sintomas incapacitantes, a promoção de uma boa qualidade de vida e não um prolongamento da vida a todo custo.

A prioridade tem sido, então, a busca por uma qualidade de vida tanto para o paciente como para seus familiares, atribuindo valor fundamental ao controle da dor e ao contato com outros sintomas psicológicos, sociais e espirituais. Ao buscar o significado do termo qualidade de vida, Fonseca (1994) nos lembra que diz respeito a algo que tem sido muito discutido nos dias atuais pois há que se avaliar o que ele significa no contexto de cada pessoa, de acordo com suas concepções sobre o assunto e não de acordo com aquilo que nós, observadores e cuidadores, consideramos que possa ser bom para o outro.

Um outro ponto de vista complementar é o de Kovács (1998), quando ela afirma que qualidade de vida relaciona-se a fatores físicos, psíquicos, sociais e espirituais, tendo cada uma destas dimensões, um valor e peso diferentes para cada pessoa.

Estar atento ao processo da doença e do adoecer em toda sua complexidade exige muito mais do que um aprendizado acadêmico, exige um dever ético e humano de todos que cuidam daqueles que carecem da nossa assistência.

Kübler-Ross (2002) ainda aponta para a importância de se acompanhar o paciente, perceber suas necessidades e detectar o sentimento presente em cada momento, promovendo um processo de escuta ativa.

A partir da minha vivência no hospital, alguns relatos mostram-se bastante interessantes, permitindo algumas reflexões. Muitos pacientes relatam sentirem-se mais acolhidos ao se depararem com essa postura diferenciada, a postura fenomenológica. Eles dizem: “é tão bom quando você senta aqui perto de mim e me olha dessa forma, só querendo ajudar. Às vezes eu nem falo nada e você fica presente aqui como se estivéssemos conversando sobre tudo”. Outros ainda falam: “minha família não me escuta assim, desse jeito todo especial. Sinto que posso falar sobre o que quiser quando vem aqui”. Muitos deles também solicitam a nossa presença por sentirem que podem contar com alguém, que podem contar suas histórias e confidências a alguém em quem aprenderam a confiar, acreditando no encontro verdadeiro e sem julgamentos. “Se você puder, você volta mais vezes? Me faz tão bem quando converso com você! Quando você vai embora, sinto-me mais leve, mais tranqüilo para enfrentar o dia”. Pedem o suporte à família e amigos no momento que sentem não poderem mais fazer esse papel. Diante dessa postura, eles vêem a equipe assistencial como colaboradora no momento do seu sofrimento.

Muitos pacientes vêem a equipe assistencial como suporte de suas angústias e se entregam, literalmente, aos seus cuidados. Muitas vezes já escutei um paciente falando para uma técnica de enfermagem em meio aos cuidados básicos num dia normal de internação: “Você me conhece mais que minha própria família. Não tenho como agradecer tudo o que você faz por mim e todo o carinho que você me dá. Que bom que eu tenho você aqui por perto, fico mais seguro”. Pura e simplesmente pela forma carinhosa e acolhedora com que essa técnica de enfermagem aplicava-lhe a medicação.

Quando o paciente sente-se capaz e quer estabelecer um vínculo com o psicólogo, o trabalho pode se desdobrar com mais produtividade. O fato de tomar consciência da finitude da vida, muitas vezes, traz reflexões importantes que até permitem encerrar questões pendentes há anos. E o psicólogo, através da atitude que este adota diante do atendimento, é um dos profissionais que pode ajudar o paciente a alcançar essa consciência de que a vida é mesmo marcante para todos. Nesses casos são as vivências do paciente que interessam ao processo. Elas são evocadas para serem re-experienciadas e progressivamente compreendidas, a fim de que possam ter insights que os permitam alcançar a descoberta de novos significados para essa experiência. Dessa forma, mudado o significado, muda a percepção, e mudada a percepção, muda o modo do paciente sentir a realidade e de se comportar diante dela.

A postura adotada deve ser, então, de redução e escuta fenomenológica. Olhar para o paciente e dar conta do que ele realmente é, e do momento pelo qual está passando. Essa escuta que é mencionada se faz presente também como um componente essencial e insubstituível no atendimento a esses pacientes. Ela se configura no reconhecimento e na valorização dos elementos e dos significados presente na fala do paciente, desprovida de preconceitos por parte do psicólogo. É necessário, portanto, aceitar o que está sendo revelado, sem medos, desqualificações, ou qualquer outra variável que possa interferir no momento em que o paciente se desvela.

A qualidade da presença, estar aberto ao ser do outro, a disponibilidade, o interesse, o acolhimento e o respeito às escolhas que podem ser diferentes fazem parte de uma postura fenomenológica que, certamente, contribui para o crescimento que estes pacientes relatam experimentar quando escutados dessa forma singular. Muitos deles vivenciam o auge de sua plenitude num momento tão delicado, mas nem por isso, restritos a reflexões e aprendizagens. Viver bem consigo mesmo, nos últimos dias de vida, torna-se algo digno e de direito de quem está para morrer a qualquer momento. É dever da equipe assistencial prezar pelo ambiente harmônico e assistir às necessidades mais básicas e particulares dos pacientes de forma atenciosa e pessoal. Assim como é dever do psicólogo, enquanto membro ativo da equipe assistencial, proporcionar momentos de privacidade e abertura ao ser do outro, em que o paciente se sinta livre e à vontade para ser autêntico, procurando buscar sempre a conscientização interna do momento vivido e o bem-estar emocional.

Através dessa postura fenomenológica, de escuta, presença, aceitação do outro como se mostra, acredito poder contribuir, no atendimento a pacientes fora de possibilidades de cura, para que estes se reconheçam cada vez mais nas experiências relatadas, a fim de proporcionar um momento menos sofrido nessa fase tão delicada e marcante de suas vidas. Entendendo, sempre, que dessa forma, estarei mostrando e eles como sua singularidade é especial e importante no decorrer do nosso encontro.

REFLEXÕES FINAIS

Podemos perceber, a partir dessa revisão, que a maneira com que a equipe assistencial se relaciona com os pacientes fora de possibilidades de cura, assim como as reações emocionais despertadas por essa relação, estão intimamente ligadas a aspectos pessoais e à formação profissional de cada um.

Como foi possível observar, a forma como a morte e o processo de morrer são percebidos e enfrentados por cada profissional é peça fundamental para definir o tipo de postura a ser adotada no contato com esses pacientes que se encontram num estado final de suas vidas.

Lidar com a proximidade da morte não é uma das tarefas mais simples. É preciso maturidade, conhecimento, tato, sensibilidade. E ainda mais, é necessário estar preparado emocionalmente para enfrentar o sofrimento intenso de um outro. Tendo em vista todo o contexto peculiar que vive um paciente sem chances de cura, é essencial que todo sistema terapêutico concentre atenções em proporcionar momentos repletos de cuidados especiais e marcados por uma presença verdadeira, genuína.

A filosofia dos cuidados paliativos aponta uma maneira particularizada de assistir aos pacientes fora de possibilidades de cura, através do conceito do “cuidar”. Cuidar não significa apenas prestar assistência, no sentido físico. A expressão busca ampliar a idéia dessa ação, levando em consideração os outros aspectos que integram o bem-estar dos pacientes. Isto é, o estado emocional, psíquico, espiritual, e também as necessidades que, por ventura, apareçam no contexto de internação, tendo em vista a proximidade da morte.

A Fenomenologia contribui, com seu vasto arcabouço teórico, para que compreendamos melhor de que forma esse cuidado especial pode se configurar num benefício a ser usufruído por todo o sistema terapêutico.

Ao se propor uma presença genuína diante daqueles que estão internados e distantes da possibilidade de cura, não podemos esquecer que essa forma de estar presente configura-se numa postura fenomenológica pautada na redução, ou epoché. Ou seja, é preciso estar, de fato, ao lado desse paciente. Perto de suas necessidades. É preciso que haja uma interligação das relações. E para que isso aconteça, nossos juízos e pré-concepções devem ser colocados de lado diante da presença e da fala do outro.

Rubem Alves (1999) se aproxima muito do conceito de redução fenomenológica ao afirmar que “não basta ter ouvidos para se ouvir o que é dito. É preciso também que haja silêncio dentro da alma” (p. 65). Aí surge a dificuldade: nós normalmente não conseguimos ouvir o que o outro nos diz sem logo dar um palpite melhor, sem misturar o que ele diz com aquilo que nós temos a dizer. Como se aquilo que um outro diz não fosse digno de descansada consideração e precisasse ser complementado por aquilo que nós temos a dizer, julgando ser muito melhor.

Não é uma postura fácil a ser construída. Pelo contrário, praticar a redução fenomenológica requer, principalmente, um entendimento dos propósitos que se quer alcançar com essa atitude. É um exercício diário de entender o outro como um ser diferente, com pensamentos, sentimentos, expectativas e uma forma própria de viver. E a partir desse entendimento, procurar se colocar da forma mais aberta e disponível possível para que o paciente se sinta tranqüilo e à vontade para se desvelar, quando quiser e da forma que quiser.

A relação que se estabelece é um ponto importantíssimo a se pensar diante desse contexto designado como um final de vida. Além de configurar uma situação de extrema fragilidade e muito marcante, a relação paciente e equipe assistencial deve ser cuidada de forma a preservar o “entre”, a interação propriamente dita. A qualidade dessa relação vai determinar pontos positivos para ambas as partes. Se, por um lado, buscamos uma maior serenidade para que esses pacientes enfrentem seus momentos finais, por outro, esses momentos de encontro nos mostra quão frágeis somos diante da vida, e a importância de pensarmos na morte como parte fundamental da nossa existência. E por isso, a relação dialógica é de extrema importância, configurando-se numa relação de troca.

Para que proporcionemos momentos de paz aos pacientes a fim de que eles vivenciem seus últimos dias de uma maneira menos sofrida, há que se considerar todo o contexto que se faz presente nesses encontros. Delicado, incerto, cheio de dor, frágil, duvidoso e carregado de sofrimento emocional. Geralmente esse é o contexto principal em que se encontram os pacientes fora de possibilidades de cura e suas famílias.

Nossa educação para a morte é ainda um tabu nos dias atuais. Por isso, é natural que as famílias, os pacientes e toda a equipe assistencial sintam-se perdidos, esquecidos ou até mesmo confusos nesse momento. Não sabendo como agir, muitas vezes são tomados por sentimentos de profunda tristeza e abandono. Já observei, na minha prática, como reagem determinados técnicos de enfermagem quando cuidam de pacientes fora de possibilidades de cura. Muitos deles, entram nos quartos e cumprem com a rotina de forma rápida e sem criar vínculos afetivos. Acredito que esse tipo de conduta retrate muito bem a dificuldade de lidar com a proximidade da morte de um outro. Acabam passando uma imagem de não envolvimento para evitar o sofrimento, caracterizando um contato frio.

É nesse contexto que proponho refletirmos sobre a postura fenomenológica. Entrar em contato direto com o paciente é viver, ao invés de falar sobre a vida. É fazer e experienciar, ao invés de analisar o conteúdo que ele traz. É ter uma experiência com o paciente, no presente, no momento crítico pelo qual ele passa. O principal é deixar emergir todo e qualquer fenômeno resultante do encontro mútuo entre quem cuida e quem é cuidado.

Abordar o paciente com carinho, de forma direta, aberta e atenciosa. Oferecer uma atenção verdadeira é uma qualidade de poucos, e quando alcançada, vai diretamente ao encontro da pessoa do paciente, como pessoa. É mais que uma atitude diretiva, é estar com ele da forma dele, entendendo suas aflições e compartilhando suas experiências. A presença genuína implica em promover o encontro de forma a permitir que o paciente traga o que há de mais íntimo seu, a plenitude.

Humanizar o cuidado é tarefa obrigatória de cada um, e tem um significado amplo. Além de preocupar-se em vivenciar junto ao paciente suas dores e anseios, tem como prioridade zelar para que ele experimente um atendimento de qualidade técnica, sem deixar de lado, obviamente, o aspecto emocional interligado. O psicólogo, nesse sentido, também contribui cuidando das relações que são estabelecidas entre os membros da equipe de saúde e destes com os pacientes. Todos devem ter a chance de usufruir uma singular e especial forma de lidar com o outro e com o contexto delicado no qual esses pacientes se encontram. Humanizar envolve um processo de conscientização da necessidade de transformar as relações de contato internas do sistema terapêutico.

Diante deste estudo, acredito ter agregado conhecimentos aos profissionais de saúde no que diz respeito ao entendimento da necessidade de uma abordagem mais diferenciada no tratamento dos pacientes fora de possibilidades de cura. Tendo em vista o objetivo de proporcionar momentos de maior interação, contato interior, awareness e serenidade diante da morte.

Na minha experiência como psicóloga de um hospital geral, a busca por aperfeiçoar essa postura fenomenológica diante dos pacientes tem sido tarefa diária e de grande responsabilidade. Tenho observado que, ao abordar os pacientes com essa atitude diferenciada, proporciono mais qualidade de vida e um encontro mais pessoal, priorizando o bem-estar deles, segundo seus próprios relatos. São momentos mais profundos e verdadeiros. A morte chega, muitas vezes, num ambiente tranqüilo e consciente. Sem esquecer que é uma tarefa interligada com a rotina da equipe assistencial. Não adianta somente o psicólogo estar disponível a essa nova conscientização, mas a equipe também deve estar integrada nesse projeto de mudança.

Seria interessante, ainda, como um trabalho posterior, a realização de pesquisas com pacientes, familiares e equipe responsável, com objetivo de conhecer melhor as vivências dos momentos finais de um ser humano sob os três olhares específicos e de que forma podemos contribuir, efetivamente, para a conscientização da importância de pensar a morte como parte fundamental da vida.

Além de confirmar a importância da atitude fenomenológica diante do morrer, procurar ir à campo para, de fato, observar e buscar dados mais concretos a respeito de como a morte é entendida e vivenciada por cada um, de forma única e pessoal. Promover encontros de discussão a respeito do tema para levantarmos as maiores dificuldades para o enfrentamento da morte nos dias atuais. E abrir espaços para disseminar nas instituições hospitalares novos conceitos sobre a proximidade da morte, seus cuidados e cuidadores. Além de pensar em articular projetos internos voltados para uma educação sobre a morte no contexto hospitalar de quem cuida desses pacientes. Dessa maneira, seria de grande valia o desenvolvimento de publicações referentes a esse tema visando trabalhos futuros.


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