ARTIGO

Contextualização da Gestalt Terapia no universo das abordagens psicoterapêuticas do novo paradigma.

Gestalt-Therapy contextualization in the universe of psychotherapeutic approaches to
the new paradigm.

Patrícia Albuquerque Lima (Ticha)


RESUMO

Diante de todas as mudanças acontecidas no panorama das ciências físicas que desestabilizaram as noções de linearidade, causalidade e ordem advindas do pensamento mecanicista e reducionista, os alicerces sobre os quais se apoiavam todas as ciências foram chacoalhados e até mesmo as ciências sociais precisaram repensar e reformular suas bases teóricas e conceituais. A psicologia, mais especificamente, também padeceu da instabilidade deste cenário, encontrando as diversas escolas psicológicas saídas diferentes para lidar com esta crise. Muitas abordagens mantiveram-se atreladas ao pensamento essencialista, localizando na consciência o “local” onde estaria contida a subjetividade. A Gestalt Terapia assumiu o pensamento sistêmico e fenomenológico como suas bases conceituais para compreender e descrever o homem da atualidade. Podemos dizer então que nos alinhamos às escolas psicológicas sistêmicas e também às psicoterapias de base fenomenológico-existencial dentro do panorama da diversidade de linhas em psicoterapia. Abaixo passaremos a descrever os aspectos mais importantes de ambos os lados deste “alinhamento” e das implicações disto quanto a esta visão de subjetividade encapsulada e aprisionada em uma instância psíquica.

Palavras-chave: psicoterapia; pensamento sistêmico; fenomenologia.


ABSTRACT

Regarding all the changes that have taken place in the field of the physical sciences, which destabilized the notions of linearity, causality and order as a result of the mechanistic and reductionist schools of thought, the very foundations of all sciences were overturned and even the social sciences had to rethink and reformulate their theoretical and conceptual bases. Psychology, specifically, was also upset by the instability of this scenario, having the various psychological schools found different ways to deal with the aforesaid crisis. A number of approaches remained close to the essentialist line of thought, pinpointing in the conscience the ‘location’ of subjectivity. The Gestalt Therapy assumed the phenomenological and systemic thought as its conceptual bases in order to comprehend the present-day man. It can be affirmed, therefore, that we’re aligned with the systemic psychological schools and different kinds of psychotherapy of phenomenological-existential basis in the multiform panorama of psychotherapy lines. The most important aspects of both sides of such ‘alignment’ and its implications as for this conception of encapsulated and confined subjectivity in a psychic instance will be described below.

Keywords: psychotherapy, systemic thought, phenomenology.


1 – Psicoterapias de base fenomenológica-existencial e sistêmicas

1.1 - As psicoterapias de base fenomenológica e existencial

Um dos aspectos mais relevantes nos modelos de psicoterapia de base fenomenológico-existencial é relativo ao conceito de subjetividade que estes adotam. O sujeito, dentro deste enfoque, não é entendido como um sistema fechado e autônomo, estável e finalizado, mas sim uma estrutura em permanente transformação e fluxo, intercambiando informações e ações no seu campo de experiências. Neste sentido seria impossível tratar de um Eu e um Tu de modo excludentes e descartados, de um dentro e de um fora como separações bem definidas de um limite de fronteira dos aspectos inter e intra-subjetivos. As ditas “doenças psicopatológicas” aproximam-se muito mais do que poderíamos considerar como perda de flexibilidade nesta permanente interação com o meio do que a apresentação de um quadro sintomatológico padronizável, ou seja, incapacidade de permitir que as mudanças ocorram espontaneamente. Conforme definição dada pela professora e psicoterapeuta Ana Maria Feijoó (2000) em seu livro publicado sobre a visão de homem adotada pelas psicoterapias fenomenológico-existenciais:

“Nesta visão, o homem constitui-se como abertura com possibilidade de estar-no-mundo em sua cotidianidade mediana, imprópria e impessoal e, ao mesmo tempo, própria e singular. Portanto, não é tomado como encapsulado, fechado em si mesmo, em termos de subjetividade, tal como é criticada por Heidegger”. (p.97)

Grande parte destas propostas está apoiada nos ideais da Psicologia Humanista, e traz uma visão de sujeito cujos atributos mais valorizados seriam a liberdade, a privacidade, a autenticidade e a singularidade. De um modo geral, procuraremos descrever abaixo os principais conceitos adotados pelos adeptos deste modelo fenomenológico-existencial, tentando destacar o que há de comum em todas elas:
- Compreensão da angústia como um caminho para a revelação de um projeto existencial e não como um sintoma psicopatológico a ser suprimido;
- Conceitos interacionais/relacionais são vistos como mais importantes do que os processos meramente isolados e individuais;
- Sentido de compromisso e de responsabilidade em relação ao todo, ao ambiente e as outras pessoas;
- Compreensão de que a vida realmente se dá no aqui-agora, mas que o momento não é desvinculado de um sentido de historicidade, de construção de um projeto de vida inserido dentro de um contexto situacional. O que eu faço com a minha vida traz sim implicações no global e num projeto de sociedade maior. A perda de si mesmo, o distanciamento que o homem vinha sofrendo de seus projetos e ideais e também de um sentido de realização pessoal e social mais aprofundados, as decorrências desta alienação e o isolamento tal qual um mero sobrevivente são temas considerados e valorizados para todos aqueles que se identificaram com as reflexões filosóficas dos autores da psicologia fenomenológico-existencial. Portanto, os psicoterapeutas que adotam esta linha de orientação, estão bastante disponíveis para uma escuta acolhedora destas angústias e reflexões por parte daqueles que chegam aos seus consultórios e clínicas. Estes temas não lhes causam estranheza e, uma busca de desocultamento, de contato genuíno do ser-com-o-outro, de aceitação das queixas do outro sem uma tentativa de adaptação ou de modificação de seus comportamentos, um respeito profundo à liberdade e ao projeto existencial da pessoa e, ao mesmo tempo, uma compreensão de que o ser é sempre ser-no-mundo trazida pela fenomenologia heideggeriana, conferem um sentido de responsabilidade ao homem consigo mesmo e com sua passagem pelo mundo e na vida social.

O ser humano tem vivido um distanciamento das suas experiências do cotidiano e se perdido em um sentido de individualidade como um padrão de mera repetição de papéis sociais. Este processo vem ocorrendo em paralelo ao enorme desenvolvimento tecnológico das últimas décadas, que leva a cobrança pela extrema eficiência e rapidez de assimilação de informações. Um ponto em comum entre os profissionais que atuam segundo este modelo (bases filosóficas fenomenológicas e existencialistas), é a preocupação com estas questões da perda do sentido de individualidade na contemporaneidade.

Na obra de Heidegger “Ser e Tempo” (2004), ele se refere ao seu método como sendo uma hermenêutica. É partindo do conceito de fenomenologia adotado por este autor, que referencia-se na palavra grega originária phainomenon como aquilo que se mostra, se revela, que chega-se ao conceito heideggeriano de desvelamento. Pelo desvelamento torna-se aparente, revelado, aquilo que se mostra, tal como é. Para Heidegger o sentido do fenômeno se dá naquilo que aparece, na manifestação da própria coisa, mas para isto precisamos deixar que a coisa revele-se por si própria. Ao ser pertence o poder de se revelar. A revelação não vem da interpretação de categorias prévias que possam ser imputadas ao fenômeno, mas da compreensão que ocorre na própria relação que se dá. O sentido de compreensão em Heidegger é bastante específico, diz respeito a um modo do ser-no-mundo, modo este que possibilita apenas ao homem revelar diversas possibilidades de ser humano. A compreensão, portanto, vai além da simples captação de uma situação, se dá enquanto revelação das possibilidades de sentido dos entes inseridos no mundo.

A proposta da hermenêutica heideggeriana diz respeito ao modo de ser do homem, em geral, não se restringindo apenas aos aspectos psico-sócio-culturais, embora para a clínica estes sejam sempre essenciais. A hermenêutica heideggeriana não busca tratar dos seres humanos como uma mera junção de subjetividades isoladas. Sendo assim, o diálogo que se estabelece entre o psicoterapeuta e aquele que lhe busca não é passível de um modo de interpretação preso a códigos previamente determinados. A figura do psicoterapeuta não é a de alguém que, através de uma posição autoritária, poderá elucidar o sentido daquilo que está sendo enunciado pelo outro. Um novo modo de interpretação faz-se necessário para tratar deste ser-no-mundo que, segundo Heidegger, seria a proposta da hermenêutica fenomenológica.

1.2 – As escolas sistêmicas em psicoterapia

Outros autores fizeram uso da Teoria Geral dos Sistemas e da cibernética para pensar o funcionamento das relações dos indivíduos nos grupos humanos. Podemos destacar o trabalho inicial dos pesquisadores de Palo Alto (Núcleo de Pesquisas em Teoria de Sistemas e Comunicacionais surgido a partir das pesquisas de Gregory Bateson) e o grande desenvolvimento que foi dado a partir deste grupo para as escolas de Teoria Sistêmica em clínica psicológica. Os primeiros modelos surgidos na terapia sistêmica de família utilizavam os conceitos da fase mais mecanicista da cibernética adotando, em grande parte, o padrão da terapia comportamental. Estes modelos são hoje nomeados de modelos de terapia sistêmica de primeira ordem, relativos ao modelo cibernético de primeira ordem. Foi Gregory Bateson quem duramente criticou estes modelos, apontando para a necessidade de revisão dos mesmos, segundo as visões de sistema de segunda ordem, ou seja, visões que englobam o estudo dos sistemas mais complexos e menos passíveis de serem avaliados em termos de comportamentos esperados.

O trabalho inicial de Bateson e de seu núcleo de pesquisadores culminou na criação do instituto de pesquisas na área de saúde mental em Palo Alto na década de 50. Estas pesquisas inicialmente estavam voltadas para os modelos comunicacionais adotados pelos esquizofrênicos. O conceito de duplo vínculo surgiu a partir das mesmas para explicar um padrão de comunicação repetitivo e baseado em injunções contraditórias, bastante freqüentes entre os pacientes portadores de sintomas esquizofrênicos. Bateson percebeu que algo no comportamento das famílias destes pacientes parecia encorajar que os mesmos repetissem este padrão comunicacional. É como se o sistema familiar se reorganizasse de modo adaptativo em torno dos sintomas dos pacientes. Estas pesquisas ainda se centraram sobre o conceito de homeostase para explicar um modo de funcionamento dos sistemas familiares visando a manutenção de um determinado tipo de equilíbrio.

No ano de 1967, Watzlawick, outro dos pesquisadores de Palo Alto, publica um livro cujo intuito era apresentar as principais propostas relativas à teoria comunicacional deste núcleo. Este livro intitulado “Pragmática da Comunicação Humana” pretendia sistematizar uma abordagem terapêutica adequada ao atendimento de famílias. A partir do final da década de 70 o próprio Bateson propôs uma adequação deste modelo às teorias construtivistas. Deste modo, alguns psicoterapeutas continuaram adotando as propostas iniciais do grupo de Palo Alto que ficou nomeada como a linha de terapia familiar sistêmica estratégica, ainda centrada sobre o conceito de homeostase como o mecanismo principal de equilibração do sistema. Outro grupo adotou o modelo construtivista, mais de acordo com o pensamento da segunda cibernética.

No artigo mencionado acima da Dra. Dora Schnitman (1996) ela expõe que, como uma evolução desta busca dentro do campo de pesquisas da Terapia Familiar Sistêmica, alguns autores se propuseram a abandonar a metáfora da cibernética para adotar a hermenêutica como suporte à prática clínica. A hermenêutica é aqui entendida como uma ramificação da interpretação textual, sendo que o meio básico da psicoterapia é a conversação. As teorias do Construtivismo e do Construcionismo Social formaram uma base comum para as práticas clínicas sistêmicas, definindo a linguagem como um modo de representação e tendo sido construída, assim como o conhecimento, no intercâmbio social. “Abandona-se, assim, uma perspectiva essencialista do si mesmo, da identidade, e traz-se ao centro de interesse para a terapia aqueles processos de construção dos sujeitos que se constroem ao construir práticas, conhecimento, cultura, dinâmicas sociais” (p. 249).

Na tese de mestrado relativa ao tema da Terapia Sistêmica de Família, defendida na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro em 1996 e publicada pelo Instituto Noos, a psicóloga Rosana Rapizo pondera que os modelos clínicos recentes privilegiam então o estudo da linguagem enquanto conversação e narrativa. O papel do psicoterapeuta é de co-construtor de realidades alternativas. Segundo suas palavras: “A terapia passa a ser considerado um domínio de conversação e a proposta é abrir mão de técnicas diretivas, como tarefas, rituais, prescrições ou técnicas não verbais, originalmente ligadas às modalidades terapêuticas de primeira ordem, notadamente às terapias conhecidas como estratégicas”. (Op. Cit., p. 16)

Esta autora aponta que na sua modalidade de terapia as principais influências teóricas vieram de autores que são pesquisadores das mais diversas áreas de conhecimento, como por exemplo, o biólogo Humberto Maturana, o antropólogo Gregory Bateson, o físico Heinz von Foerster, o químico Ilya Prigogine etc. Todos estes se dedicaram ao questionamento dos fundamentos da ciência clássica procurando uma visão sistêmica que pudesse integrar os diversos campos do conhecimento. O papel da transformação no estudo dos grupos humanos, dos fenômenos da natureza, foi um dos elos que Rosana percebeu entre todos os autores citados acima. Eles procuraram basear seus estudos em uma noção de ordem e de estabilidade inovadoras. A busca pela aplicação dos conceitos da cibernética e da Teoria Geral dos Sistemas ao estudo das relações humanas tem sido uma tentativa da psicoterapia em direção ao pensamento sistêmico e complexo. Neste sentido, as terapias sistêmicas de família estão procurando evoluir em busca de explicações para o funcionamento da dinâmica familiar não lineares e mecanicistas.

Desde o primeiro modelo da cibernética o conceito de mudança já estaria sendo revisto, não sendo mais a mudança apontada como antagônica à constância mas, como um movimento complementar na manutenção do sistema. Ainda assim, o padrão de estabilidade era valorizado para explicar os mecanismos homeostáticos como mecanismos geradores de equilíbrio. “É ainda uma descrição que traz implícita a idéia de que os sistemas funcionam com uma meta, um propósito de funcionamento ótimo que equivale ao equilíbrio”. (0p. Cit., p.27)

O modelo da primeira cibernética valorizava a mudança mas, percebendo-a como responsável por um mecanismo adaptativo. As mudanças descontínuas não podiam ser tratadas por esta ótica.

“Na verdade, sempre se descreveu a mudança descontínua nos sistemas vivos. Sempre se soube de sua importância e singularidade. Bateson e Watzlawick, usando os mesmos conceitos, descrevem a mudança descontínua como uma mudança de segunda ordem. Dentro de um sistema vivo, esta mudança significa reorganizar o contexto ou as próprias leis de conhecimento e apreensão do mundo... Este tipo de mudança contrapõe-se àquelas reversíveis e adaptativas que mantém o sistema próximo ao seu padrão e que são relacionadas aos mecanismos de correção do desvio. Estas últimas foram chamadas de mudanças de primeira ordem”. (ibid., p. 30)

A cibernética de segunda ordem, conforme denominação dada por von Foester, se afirmou como uma nova proposta de modelo sistêmico, voltada para os sistemas mais complexos, nos quais os padrões homeostáticos de estabilidade e de equilíbrio não corresponderiam à realidade destes sistemas. O princípio da ordem através do ruído de von Foerster (1960) e da ordem através da flutuação de Prigogine (1979) pareceram mais adequados à segunda cibernética. Na segunda cibernética o papel do observador é de extrema importância para o estudo dos sistemas, entendendo que estes observadores trocam informações através do uso da linguagem. “O observador é entendido como agente contextualizado biológica, histórica e culturalmente... a observação é construída contextualmente, por outro, os observadores constroem o contexto que os constrói como observadores” (in Rapizo, p. 37).

O papel da linguagem ganha destaque na segunda cibernética e também nos modelos de psicoterapia sistêmica que a adotam. A linguagem, em uma visão bastante próxima da heideggeriana, não é apenas um veículo de comunicação, pois tem a capacidade de re-criar o mundo quando o nomeia. O uso da linguagem e o conhecimento caminham paralelamente e o mundo vai sendo construído e re-construído pelo homem que o descreve, lingüisticamente, procurando explicá-lo. Esta noção de um processo constante de criação e transformação da realidade através da relação entre o homem e o mundo é a base do construtivismo enquanto um modelo teórico. “Podemos concluir assim que o construtivismo... não é um ‘relativismo’, já que isto implicaria na existência de algo independente da observação, um a priori que pudesse ser visto de diversos ângulos. Também não se trata de considerar ingenuamente que qualquer construção é válida, que o que vemos ou pensamos está na ‘cabeça’ de cada um. (Op. Cit., p. 39)

Os modelos de terapia familiar sistêmica de segunda ordem rompem com a idéia de que a terapia seja um veículo com a intenção de promover uma mudança interna nos sistemas, desconsiderando o meio social como um todo. Na realidade, parte de um novo paradigma que implica em uma nova forma de conhecer e atuar no mundo, tirando o foco do sintoma do indivíduo (ou da família) para se focar na observação das relações que o produzem e o mantém. A noção de homeostase, valorizada na primeira cibernética, é substituída pelo conceito de auto-organização, mas apropriado aos sistemas humanos que funcionam distanciados do equilíbrio:

“Não é possível para estes sistemas a regra ideal, a norma pré-concebida, que assegure sua otimização. A resolução da crise gera soluções novas, mas nem sempre significa “progresso”... Conseqüentemente, para os terapeutas, o papel da variedade, da novidade e do acaso no funcionamento familiar vai merecer mais atenção. Os terapeutas buscam não mais apenas redundâncias e regularidade no sistema, mas seus recursos para gerar soluções alternativas aos seus padrões relacionais habituais”. (ibid., p. 68)

Muitos dos questionamentos apontados por esta autora em sua tese de mestrado sobre terapia familiar sistêmica são extremamente pertinentes para pensarmos na Gestalt Terapia. O que implica substituir a noção de homeostase pela de auto-regulação para descrever e compreender os mecanismos patológicos do homem? Qual é realmente o papel do psicoterapeuta, dado que ele não pode controlar nem determinar o processo de mudança do cliente? Será o seu papel o de ser um facilitador da mudança ou esta acontecerá, inevitavelmente? Parece impossível encontrar respostas para estas questões sem que se busque embasamento nos autores, como von Foerster e Prigogine já discutidos acima, para melhor conceituar as noções de ordem e desordem, de autonomia e mudança:

“Conseqüentemente, neste momento, quase todos os baluartes sobre os quais a terapia sistêmica de família se apoiava, começam a ruir. Nem homeostase, nem intervenções que “causam” mudanças, nem possibilidade de controle. Impossível a observação objetiva. Os sistemas evoluem descontinuamente, usam a desordem para alcançar novas ordens, não são determinados pelo meio, mas sim por sua estrutura; no caso dos sistemas sociais, são sistemas de linguagem, e ainda por cima, apenas distinções de um observador que não tem nenhuma fundamentação objetiva para seu conhecimento. O conhecimento revela propriedades do observador”. (Op. Cit., p. 70)

Esta autora deixa evidente de que a noção de que poderíamos consertar uma estrutura (no caso, a família), promovendo algum tipo de mudança na mesma, é hoje totalmente inadequada diante das contribuições de todos os pesquisadores já citados neste capítulo.

Conclusões

É uma realidade indiscutível, tanto para os psicoterapeutas sistêmicos quanto para os de base fenomenológico-existencial que os problemas não estão nas pessoas individualmente, ou nos casais, ou nas famílias, ou em alguns grupos em específico, mas estão nas relações que estes estabelecem com o meio. “O que interessa ao terapeuta é a ecologia de idéias que determina o sistema que vem à terapia” (ibid., p.71). É a linguagem que revela os sistemas interacionais envolvidos para o estudo de qualquer situação humana.

Neste sentido, parece que a solução apontada para as terapias sistêmicas é a mesma que Heidegger já declarava. Só através da hermenêutica entendida enquanto um recurso de interpretação fenomenológica do discurso, é que podemos vislumbrar este ser que está aí, este ser-no-mundo. “A atividade terapêutica é concebida como lingüística e dialógica, mais do que como intervenção de um agente sobre um sujeito individual ou coletivo, como realidade sobre a qual se deve operar”. (Op.Cit., p. 72)


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


FEIJOÓ, A. M. A Escuta e a Fala em Psicoterapia – Uma Proposta Fenomenológico-Existencial. São Paulo: Vetor, 2000.

FERREIRA, Y. E LIMA, P. – Pólaridade em Gestalt-Terapia como Mosaico deIsomorfos Não-Triviais da Teoria das Estranhezas.Rio de Janeiro,CNPQ - Imago - UFRJ, ABP, 47 (3/4): 81-92, 1995.

FONSECA, A. – Gestalt Terapia Fenomenológico Existencial. Maceió: Pedang, 2005.

FRICK, B. Psicologia Humanista. Zahar Editores, Rio de Janeiro, 1975.

HEIDEGGER, M. – Sôbre o Humanismo. Edições Tempo Brasileiro Ltda., Rio de Janeiro, 1967.

______ - Ser e Tempo – Partes I e II. Rio de Janeiro: Vozes, 2002.

PESSIS-PASTERNACK, G. - Do Caos à Inteligência Artificial. São Paulo: UNESP, 1993.

PRIGOGINE, I. - O Fim das Certezas. São Paulo: Editora UNESP, 1996.

RAPIZO, R. - Terapia Sistêmica de Família – Da Instrução à Construção. Rio de Janeiro: Noos, 1996.

SÁ NOVAES, R. - Hermenêutica e Clínica Psicoterápica. Anais do I Seminário de Pesquisa e Extensão. Cadernos do CEG, vol 7, pág. 27/32. Niterói: Eduff, 1998.

SCHNITMAN, D. (org) - Novos paradigmas, cultura e subjetividade. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.

SIGELMANN, E. - A Ciência Pós-Moderna Na Psicologia Clínica. Rio de Janeiro: CNPQ - Imago – UFRJ, ABP, 43 (3/4): 36-44, 1991.

TÁVORA, C. - Do Self Encapsulado aos Selves Processuais e Construídos. São Paulo: Instituto Sedes Sapientiae, Revista de Gestalt, n.8, p. 7-15, 1999.

______ - The Theory of Self in Gestalt Therapy: Re-Establishing a Relationship Between Subjectivity and Temporality. New York: Gestalt Review, 8 (2):229-244, 2004.

TELLEGEN, T. - Gestalt e Grupos – Uma Perspectiva Sistêmica. São Paulo: Summus, 1984.

VASCONCELLOS, M. - Pensamento Sistêmico – O Novo Paradigma da Ciência. São Paulo: Papirus, 2005.WATZLAWICK, P; BEAVIN, J.; JACKSON, D. (1967) – Pragmática da Comunicação Humana. São Paulo: Cultrix. Original inglês.