O
medo da intimidade, o medo do encontro. [1]
Marcos Bueno [2]
RESUMO
A proposta do artigo é a de nos levar a uma reflexão critica a cerca do medo do encontro autêntico, despir-se de modelos autoritários, castradores e cuja única verdade ao longo de séculos tem sido a do sujeito que usa e abusa do direito de ensinar e de acolher no espaço familiar ou do seio social.
Palavras-chave: o medo, a intimidade, o encontro, educação integral.
"Creio
que a melhor dádiva que concebo receber de alguém é:
Ser vista, ser ouvida, ser compreendida, ser reconhecida.
A maior dádiva que posso oferecer é:
Ver, ouvir, compreender e reconhecer outro ser humano.
Quando isso acontece, sinto que houve contato entre nós".
(Virgínia Satir - Estabelecendo Contato)
O genial psicólogo e educador Emílio Mira y Lopes falava em suas conferências que o maior inimigo do homem é o medo.O medo nos faz distanciarmos de nós mesmos.Intimidade significa encontro consigo e com o outro. O ser humano no dizer de Martin Buber o grande filosofo da fenomenologia, explicou de forma mágica a relação humana a luz do fenômeno, do encontro autêntico, afirmava que as pessoas vivem em relação, em contato, em encontro.
Para o terapeuta
Osvaldo Shimoda intimidade é essa liberdade de ser o que se é,
sem "máscaras", sem "disfarce", sem manipular as
pessoas ou ser manipulada por meio de jogos de sedução ou poder.
É a expressão livre e prazenteira do que eu penso e sinto, sem
reservas ou ressalvas.
Virginia Satir uma das grandes psicoterapeutas de família e que contribuiu
com a criação da Programação Neurolingüística
na década de 70 cuja proposta era conhecer os mistérios da comunicação
humana, cita as questões essenciais que todo ser humano necessita para
viver e deseja para ter dignidade existencial: ser percebida, compreendida e
reconhecida. Uma boa parte das pessoas mal percebe a si próprias, muito
menos o outro, da mesma forma também não nos preocupa em nos compreender
as nossas necessidades e desejos.Quando compreendemos as razões, as emoções
tornam-se inteligentes e é possível conversarmos com nosso coração,
com nossas paixões indomáveis. Reconhecimento, esta é infelizmente
uma das misérias humanas, pois fazemos uma economia brutal em reconhecermos
até mesmo as pequenas virtudes, uma pequena ação, um pequeno
gesto amigo de uma pessoa próxima ou mais difícil ainda às
pessoas aparentemente estranhas a nós.
Por que somos assim, tão econômicos com a percepção,
a compreensão, o reconhecimento o amor. Tudo leva a crer segundo os estudiosos
que são frutos de uma cultura e educação antiga, cristalizada
que se mantém, que se acomoda, que se transfere de geração
para geração.Por que iremos mudar aquilo que recebemos de graça
sem esforço, mesmos que seja para nos escravizar?
Izabel Telles em seu livro feche os olhos e veja cita "Aprendi que a gente nasce livre, original, criativo, amoroso. Mas não independente. E, devido à nossa dependência dos adultos, somos manipulados e moldados por eles de acordo com o sistema de crenças e de padrões que eles também receberam dos seus pais, da religião, da mídia, do mundo enfim. E ai de quem tenta escapar desse sistema. Perde o carinho dos pais, o respeito dos amigos, quando não ganha um castigo. Desde criança aprendemos que a liberdade tem um preço e que ser diferente dos outros pode nos custar o isolamento. Felizmente, chega o dia em que o ser humano sente saudades do seu eu verdadeiro. O encontro solitário consegue mesmo, o seu próprio deserto. Ninguém sai de um padrão pelo discurso. É preciso mexer com a emoção, tocar os limites do corpo, limpar de cada célula a memória daquele comportamento".
A intimidade pode ocorrer numa amizade profunda entre pais e filhos, marido e mulher, irmãos, companheiros de trabalho ou até em encontros ocasionais onde há reciprocidade de abertura e honestidade entre as pessoas. John Powell cita que quando me desnudo para você, não me faça sentir vergonha.Isso é intimidade autêntica.Embora a experiência da intimidade seja a forma mais rica de relacionamento entre as pessoas, é, por outro lado, a mais temida forma de relacionamento.
Homens e mulheres na sua maioria não sabem como ser íntimos, não têm amizades intimas. Vejo mulheres que na frente de suas amigas, agem de uma forma e na frente dos maridos são outras. Não se permitem serem verdadeiras.O encontro intimo é um encontro com o autêntico, é o que somos, não o que desejamos.
Lembro-me de um grande amigo que quando eu ia a sua casa, eu ficava surpreso com a qualidade afetiva do relacionamento de sua família, a amorosidade entre eles e com os amigos, os convidados que por lá apareciam, era realmente uma cena bonita de se ver, perceber e sentir. O carinho dos pais com os filhos e estes retribuíam da mesma forma. Eu já me perguntava naquela ocasião, então estudante de psicologia, por que todo mundo não era daquele jeito de ser, inclusive a minha própria família e por que os cursos de psicologia, pedagogia e medicina não ensinavam a se relacionar daquela forma tão humana.
Por que muitas pessoas agem de uma forma com os seus familiares e com outros atuam bem diferentes. É comum nas relações amorosas e familiares a pessoa conversar assuntos triviais do cotidiano e não expressarem sentimentos de calor, ternura e proximidade ou mesmo discutirem seus conflitos, anseios e preocupações pessoais. Eu costumo perguntar aos meus clientes e alunos: "Você conhece verdadeiramente o seu filho (a), a sua esposa, o seu marido, os seus pais, os seus irmãos? E eles, o conhecem verdadeiramente?" Você se permite ser conhecido autenticamente? A maioria pensa, mas não diz, alguns poucos arriscam que vivem na rotina e que se sente "presa", "amarrada" "acostumada" nesses relacionamentos e conversa só o essencial.Será que isso é uma exceção ou é quase um padrão universal?
Muitos vivem num verdadeiro "torpor" mental, emocional e espiritual e não percebem que estão "anestesiados" e condicionados emocionalmente como acontece toda noite na frente da telinha das telenovelas que vão nos condicionando em doses homeopáticas todas as noites e o pior é que não percebemos o que estão fazendo com a gente. As pessoas atualmente são incapazes de sentarem à beira de um rio e sentirem o vento no rosto. Diante de um pôr de sol não se permitem se extasiar. Não percebem "as mensagens" do seu próprio corpo, não sabem quando estão tensos, relaxados, abertos ou fechados. Corpo e alma estão dissociados e fragmentados. Seus corpos agem de uma forma enquanto suas palavras dizem o contrário. Dizem, por exemplo, palavras cheias de raiva com um sorriso nos lábios. Fazem amor com alguém pensando nas contas a pagar, no carro que querem trocar, na roupa que querem comprar, etc. Como resultado da qualidade de vida: levam uma vida limitada, sem paixão e nem compaixão, despida de encanto, espontaneidade e alegria, sem sentido existencial como dizia o terapeuta da esperança Viktor Frankl.
O Dr. Eric Berne, psiquiatra canadense, criador da Análise Transacional que foi recusado pelos psicanalistas de sua época, dizia: "O homem nasce livre, mas a primeira coisa que aprende é agir conforme o que ensinam e passa o resto da vida fazendo isso". Significa ter a coragem de mudar o padrão, buscar algo melhor para si. Quando fazemos algo de bom para nós, normalmente fazemos para o mundo. Quando nós mudamos o mundo muda.A referência do mundo externo está dentro de nosso mundo interno.
Daí a primeira escravização ser feita pelos pais. O psicoterapeuta Ângelo Gaiarsa adoraria esse tema, pois tanta Gaiarsa quanto Ronald Laing abordaram muito a influência familiar na saúde dos indivíduos. Os pais muitas vezes de forma inconsciente nos obrigam a seguir as suas instruções para sempre, conservando somente em alguns casos o direito de escolher seus próprios métodos e consola-se com uma ilusão de autonomia.Os pais dão o melhor que eles tem, cabe a cada um transformar o que recebeu em algo melhor. É uma posição muito cômoda e mesquinha só criticar os pais, a família. O que fizemos para nos tornarmos livres, mudar para melhor, esta é a questão essencial.
Libertar-se, portanto, do condicionamento familiar, educacional, religioso, moral, cultural e político e se tornar um livre pensador - assumindo e aceitando a responsabilidade de suas próprias escolhas, livrando-se da compulsão de viver de forma programada e rígida - seria o desejável. É necessário perder o medo do encontro com a maturidade. Maturidade humana é percebermos o que somos e mudarmos para melhor. Como diz o teólogo Leonardo Boff, somos seres desejantes, insaciáveis e queremos muito e tudo, por isso sofremos. Precisamos lapidar nossa alma.Mahatma Gandhi (1869 - 1948) líder pacifista indiano e principal personalidade da independência da Índia foi chamado pelos hindus de Mahatma significa "grande alma" nos deixou um grande legado sobre a compreensão do comportamento humano. Formou-se em direito em Londres e, em 1891, voltou para a Índia a fim de praticar a advocacia e iniciar a libertação de seu povo do jugo britânico. Churchill talvez não percebendo a grandeza de Gandhi costumava chamá-lo de "faquir despido". Einstein era um de seus maiores admiradores. Martin Luther King inspirou-se nele. Mahatma Gandhi é um dos grandes homens do século XX que preconizava três palavras: A Moral - A Verdade - A Vida.Gandhi citava "Uma coisa lançou profundas raízes em mim: a convicção de que a moral é o fundamento das coisas, e a verdade, a substância de qualquer moral. A verdade tornou-se meu único objetivo. Ganhou importância a cada dia. E também a minha definição dela se foi constantemente ampliando". A não-violência (Ahimsa) é o meio. A Verdade (Satyagraha), o fim.
Afinal temos um prodigioso cérebro "Nosso cérebro é o melhor brinquedo já criado: nele se encontram todos os segredos, inclusive o da felicidade" Charles Chaplin.
Precisamos ter intimidade com a nossa vida e fazê-la um meio de chegarmos à auto-realização como defendia um dos maiores psicólogos do século XX que foi Abraham Harold Maslow, quando no nos anos 60 disse que a psicologia estava caminhando em direção errada. Praticamente desde o inicio, a maior parte do questionamento psicológico explorou e tentou entender a natureza patológica emocional, comportamental e psicológica dos seres humanos. Maslow disse que, em vez disso, deveríamos estar estudando os melhores e mais saudáveis espécimes humanos, para aprender o que de melhor desejamos saber sobre as pessoas, cita William O'Hanlon em seu livro Em busca de soluções. Finalizando com um mestre da intimidade humana Drummond "A cada dia que vivo, mais me convenço de que o desperdício da vida está no amor que não damos, nas forças que não usamos, na prudência egoísta que nada arrisca, e que, esquivando-se do sofrimento, perdemos também a felicidade".
A dor é
inevitável. O sofrimento é opcional.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICAS
O'HANLON, William. Em busca de soluções.São Paulo, Psy II, 2000,
GAIARSA, José Ângelo. Amores perfeitos. Ed. Gente.São Paulo, 1994.
TELLES, Izabel. Feche os olhos e veja.Ed. Agora, 2003.
ROGERS, Carl R. Sobre o poder pessoal. Livraria Martins Fontes editora, São Paulo, 1978.
FREIRE,
Paulo.Educação como prática da liberdade. Ed.Paz e terra,
São Paulo,1978.
[1] Referência da Publicação: www.psicopedagogia.com.br – www.psicologia.com.pt e Revista Psicologia Brasil,junho/2004. Publicado em 05/04/2004. www.psicopedagogia.com.br - www.psicologiabrasil.com.br - www.pedagogobrasil.com.br
[2] Psicólogo de orientação gestáltica e ericksoniana, fundador do NUP-GT de Uberlândia/MG, professor universitário, Mestre em Gestão da Inovação Tecnológica e Ambiental pelo PPGEP/UFSC, Especialista em Administração pela FGV e UFU/Université du Quebèc a Trois Rivières e formação em Psicologia pela UnG, ex-gerente de RH e Qualidade, fazendo formação em psicoterapia e hipnose ericksoniana no Instituto Milton Erickson de BH entidade filiada a The Milton H. Erickson Foundation, Inc., de Phoenix, AZ, EUA, foi um dos membros fundadores Núcleo de Gestalt-Terapia de Uberlândia e do Instituto Milton Erickson de Uberlândia e membro da Academia Catalana de Letras. E-mail: mlbueno@brturbo.com; mbueno@cesuc.br