CARVALHO, S. V – Psicologia em cuidados paliativos: da vida à morte, a importância do cuidado essencial no fim da vida.
Psicologia em cuidados paliativos:
da vida à morte, a importância do cuidado essencial no fim da vida
Psychology in palliative care:
from life to death, the importance of essential care at the end of life
Sara Vitória de Carvalho
Faculdade do Futuro
Adieliton Tavares Cezar
Resumo
O objetivo dessa pesquisa é analisar o papel do psicólogo diante do processo de vida à morte, e como essa intervenção psicológica em Cuidados Paliativos tem gerado impacto na importância do cuidado de fim de vida dos pacientes. É uma pesquisa qualitativa, exploratória com o procedimento de uma revisão literária acerca dos Cuidados Paliativos psicológicos em pacientes em fases terminais. Foi possível concluir que a intervenção psicológica em pacientes em final de vida proporciona uma melhor aceitação da morte, ameniza o sofrimento dos envolvidos no processo, e promove qualidade de vida, conforto e dignidade aos pacientes até seus últimos momentos.
Palavras-chave: Cuidados Paliativos; Vida e Morte; Intervenção psicológica.
Abstract
The objective of this research is to analyze the role of the psychologist in the process of life and death, and how this psychological intervention in Palliative Care has impacted the importance of end-of-life care for patients. It is a qualitative, exploratory research with the procedure of a literary review about psychological Palliative Care in terminally ill patients. It was possible to conclude that psychological intervention in patients at the end of life provides better acceptance of death, alleviates the suffering of those involved in the process, and promotes quality of life, comfort and dignity for patients until their last moments.
Keywords: Palliative Care; Life and death; Psychological intervention.
Introdução
Ao longo da vida temos diversas perdas: perdemos lugares, perdemos diversão, perdemos tempo, perdemos objetos, perdemos trabalhos e também perdemos pessoas. A maioria dos seres humanos tem dificuldades em lidar com a perda, principalmente se for uma perda acompanhada da morte. Porém, a única certeza que todos nós temos é que um dia morreremos, ainda assim, falar sobre a nossa mortalidade pode trazer medo, preconceitos, fragilidade e temores.
Para Melo, Valero e Menezes (2013, p 453):
Com o avanço da ciência e tecnologias no cuidado à saúde, produziu-se a ideologia de salvar vidas e o sentido de cuidar confundiu-se com o de curar. Assim, a morte é vista como um fracasso, algo que deve ser evitado a qualquer tempo e custo. Isso se reflete também nas ações de saúde, com a futilidade diagnóstica e a obstinação terapêutica, gerando custos desnecessários.
Neste contexto, a medicina teve um grande avanço tecnológico que permitiu que muitas vidas de pacientes em estados críticos fossem salvas, porém nos deparamos com o outro lado, que são aqueles pacientes que estão em fases terminais, sem possibilidade de recuperação, que são submetidos a procedimentos sem benefícios, invasivos, e que acabam causando mais dor e sofrimento. Muitas vezes o que essas pessoas almejam é apenas aliviar a dor que sentem.
Desta forma, por mais que esta tecnologia pareça estar ao nosso lado, ela pode acabar negligenciando esses pacientes, tirando toda a dignidade humana ainda existente e tornando esse processo ainda mais doloroso. As práticas paliativistas entram nesse cenário, mostrando que o paciente em final de vida ainda deve ser considerado como um ser humano único, que merece dignidade, respeito e empatia até o fim, que este paciente tem sua própria história de vida, tem experiências vividas e compartilhadas com pessoas que são importantes para ele, e que não é apenas um corpo vazio à espera da morte.
Cuidar do morrer implica em buscar assegurar dignidade e conforto até o último minuto da vida do paciente. Para isso, é preciso que haja um ambiente apoiador e acolhedor, que ajude a minimizar as dores, a aliviar a angústia e a reduzir toda a sorte de danos evitáveis, decorrentes de um corpo em declínio progressivo, permitindo uma travessia serena (SILVA, 2016).
Assim “a importância da humanização nos cuidados paliativos se faz essencial, pois esses cuidados se iniciam a partir do entendimento de que cada paciente tem sua própria história, relacionamentos, cultura e que merecem respeito, como um ser único” (MELO, VALERO, MENEZES, 2013, p. 24).
A partir deste contexto, o presente trabalho tem como foco abordar, o que são os cuidados essenciais de fim de vida, como se é vista a transição da vida à morte e qual a importância dos Cuidados Paliativos junto à Psicologia na vida do paciente que se encontra em fim de vida e sua família.
Trata-se de uma pesquisa bibliográfica de caráter exploratório, utilizando como método a revisão narrativa de literatura, com o objetivo analisar informações sobre o papel do psicólogo diante do processo de vida à morte, e como essa intervenção psicológica em Cuidados Paliativos tem gerado impacto na importância do cuidado de fim de vida dos pacientes.
Cuidados Paliativos
As doenças ameaçadoras da vida, sejam agudas ou crônicas, com ou sem possibilidade de reversão ou tratamentos curativos, trazem a necessidade de um olhar para o cuidado amplo e complexo em que haja interesse pela totalidade da vida do paciente com respeito ao seu sofrimento e de seus familiares. Este tipo de cuidado foi definido em 2002 pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como Cuidados Paliativos (OMS, 2002 apud D’ALESSANDRO et al. 2020, p 13).
Os cuidados paliativos têm como sua característica principal promover a qualidade de vida dos pacientes em estágio terminal e seus familiares por meio do alívio do sofrimento. Eles se concentram na qualidade e não na duração da vida, fornecendo dignidade a este paciente até o momento de sua morte.
Para Arantes (2016, p 24):
Diante de uma doença grave e incurável, as pessoas entram em sofrimento desde o diagnóstico. A morte anunciada traz a possibilidade de um encontro veloz com o sentido da sua vida, mas traz também a angústia de talvez não ter tempo suficiente para a tal experiência de descobrir esse sentido. Os Cuidados Paliativos oferecem, então, não apenas a possibilidade de suspender tratamentos considerados fúteis, mas a realidade tangível de ampliação da assistência oferecida por uma equipe que pode cuidar dos sofrimentos físicos, sintomas da progressão da doença ou das sequelas de tratamentos agressivos que foram necessários no tratamento ou no controle da doença grave e incurável. O sofrimento emocional é muito intenso. Nele, o doente toma consciência de sua mortalidade. Essa consciência o leva à busca de sentido de sua existência.
Esse cuidado é realizado através de uma abordagem que acolha as diferentes dimensões necessárias para um cuidado humanizado, visando proporcionar uma forma de viver o mais confortavelmente possível e com a máxima qualidade para esses pacientes que estão com doenças em fases terminais fora de possibilidades terapêuticas de cura. Essa abordagem funciona de forma multidisciplinar, proporcionando suporte em questões físicas, psicológicas, sociais, espirituais, entre outras áreas que possam provocar sofrimento.
Para uma adequada prática de cuidados paliativos são necessários conhecimento e compreensão dos seguintes princípios norteadores (MATSUMOTO, 2003 apud D’ALESSANDRO et al. 2020, p 13):
1. Iniciar o mais precocemente possível o acompanhamento em cuidados paliativos junto a tratamentos modificadores da doença. Incluir toda a investigação necessária para compreender qual o melhor tratamento e manejo dos sintomas apresentados; 2. Reafirmar a vida e sua importância; 3. Compreender a morte como processo natural sem antecipar nem postergá-la.; 4. Promover avaliação, reavaliação e alívio impecável da dor e de outros sintomas geradores de desconforto; 5. Perceber o indivíduo em toda sua completude, incluindo aspectos psicossociais e espirituais no seu cuidado. Para isso é imprescindível uma equipe multidisciplinar; 6. Oferecer o melhor suporte ao paciente focando na melhora da qualidade de vida, influenciando positivamente no curso da doença quando houver possibilidade e auxiliando-o a viver tão ativamente quanto possível até a sua morte; 7. Compreender os familiares e entes queridos como parte importante do processo, oferecendo-lhes suporte e amparo durante o adoecimento do paciente e também no processo de luto após o óbito do paciente.
Os Cuidados Paliativos possuem algumas definições como os Cuidados Paliativos Precoces e Cuidados em fim de vida. O primeiro refere-se a um modelo atualizado em cuidados paliativos no qual a definição altera o conceito original que seria voltado apenas a pacientes terminais, ou seja, que se aproximam da morte, pois essa definição não se limita apenas a pacientes que já estão em estado terminal, próximos ao fim da vida. O conceito atual propõe oferecer cuidados paliativos com o objetivo de aliviar o sofrimento em fases precoces, de preferência logo após o diagnóstico de uma doença incurável. Já o segundo refere-se ao cuidado de fim de vida, sendo uma parte importante dos Cuidados Paliativos no qual se atribui o cuidado dos pacientes que estão em processo de fim da vida, onde se torna evidente que o paciente alcançou um estágio terminal, no qual os tratamentos não apresentam mais eficácia, e as intervenções voltadas para a extensão da vida se tornam inúteis. Nesse ponto, o foco se desloca progressivamente para os Cuidados Paliativos (VATTIMO et al. 2023).
Os Cuidados Paliativos se apoiam fortemente em uma equipe multidisciplinar para oferecer suporte holístico aos pacientes enfrentando doenças graves, crônicas ou terminais. Uma equipe multidisciplinar pode ser composta por profissionais de diversas áreas, tais como médicos, enfermeiros, assistentes sociais, psicólogos, terapeutas ocupacionais, fisioterapeutas e conselheiros espirituais, entre outros (VATTIMO et al. 2023; MELO; VALERO; MENEZES, 2013).
Carvalho e Parsons. (2012, p. 26-29) reafirmam em seu texto que os princípios que regem a atuação da equipe multidisciplinar de Cuidados Paliativos são:
Promover o alívio da dor e outros sintomas desagradáveis [...] Afirmar a vida e considerar a morte como um processo normal da vida [...] Não acelerar nem adiar a morte; Integrar os aspectos psicológicos e espirituais no cuidado ao paciente [...] Oferecer um sistema de suporte que possibilite o paciente viver tão ativamente quanto possível, até o momento da sua morte [...] Abordagem multiprofissional para focar as necessidades dos pacientes e seus familiares [...] incluindo acompanhamento no luto [...] Oferecer sistema de suporte para auxiliar os familiares durante a doença do paciente e a enfrentar o luto [...] Melhorar a qualidade de vida e influenciar positivamente o curso da doença [...]
Esta equipe multidisciplinar trabalha em conjunto para oferecer cuidados abrangentes e holísticos para pacientes enfrentando doenças graves e avançadas. Eles visam não apenas o tratamento dos sintomas físicos, mas também o suporte emocional, psicológico, social e espiritual, visando proporcionar qualidade de vida ao paciente e à sua família. Os Cuidados Paliativos reconhecem a importância de cuidar do paciente como um todo, não apenas da doença em si.
História dos Cuidados Paliativos
Em princípio, o termo paliativo não esteve associado a cuidados dedicados às pessoas com doenças ameaçadoras da vida. Porém, a essência do termo revela sinais de cuidado e atenção, uma vez que, “paliativo” é derivado do latim “pallium”, que significa capa, manto e está relacionado ao casaco de lã que os pastores de ovelhas utilizam para enfrentar o frio e o clima inconstante (KOVÁCS, 1999 apud ALVES et al. 2019, p. 3)
O surgimento dos cuidados paliativos, na sua perspectiva mais moderna, combinando cuidados clínicos, formação e investigação, reporta-se ao final dos anos 50 e início dos anos 60 do século passado (CAPELAS et al., 2014 p. 8). Historicamente os Cuidados Paliativos tiveram suas origens quando o Movimento Hospice, introduzido na Inglaterra em 1970 com Cicely Saunders, que era enfermeira e assistente social e posteriormente se formou em medicina e desenvolveu um modelo de cuidado interdisciplinar que promovia assistência, educação e pesquisa voltadas para pacientes que estavam falecendo de câncer. Ela foi responsável por abrir o St Christopher’s Hospice, que foi o primeiro hospice moderno (CAPELAS et al. 2014; VATTIMO et al. 2023).
Em 1973, o urologista e cirurgião oncológico Balfour Mount, visitou o St Christopher’s Hospice, pois passou a se interessar por melhorias os cuidados no fim de vida de seus pacientes. Assim, quando retornou ao Canadá seu país de origem, ele fundou uma unidade de cuidados paliativos no Royal Victoria Hospital, em Montreal, seguindo o modelo de hospice. Em 1974 devido ao significado diferente de hospice em francês que significaria hospício, Mount criou pela primeira vez, o termo derivado da língua inglesa “palliative care” que seria Cuidados Paliativos (CAPELAS et al. 2014; VATTIMO et al. 2023).
Para Vattimo et al. (2023, p 6):
Desde suas origens no movimento hospice, os cuidados paliativos evoluíram para uma disciplina acadêmica, que passou a ser reconhecida como uma área de atuação médica. Seu alcance também se ampliou, partindo de um foco relativamente limitado, restrito ao fim da vida de pacientes com câncer, para uma abordagem muito mais ampla, que tem como objetivo cuidar de pacientes com qualquer doença incurável desde o momento do diagnóstico. Atualmente, os cuidados paliativos buscam adotar uma conduta proativa, com o objetivo de prevenir o sofrimento e melhorar a qualidade de vida dos pacientes. Contudo, ainda há dificuldades para convencer pacientes, o público e até mesmo os provedores de saúde quanto a essa ampliação conceitual, pois muitos ainda associam a prática dos cuidados paliativos ao enfoque limitado ao fim da vida.
Cuidados Paliativos no Brasil
Segundo o Atlas Mundial de Cuidados Paliativos (2020) publicado pela Worldwide Hospice Palliative Care Alliance (WHPCA) em conjunto com a OMS, o Brasil se encontra na categoria 3b. É considerado um país com desenvolvimento do ativismo em cuidados paliativos em vários locais. Há o crescimento de apoio local, ofertando múltiplas formas de investimentos, disponibilidade de morfina, vários serviços de hospice oferecidos por diversos provedores e provimento de treinamentos e iniciativas de educação pelos serviços de cuidados paliativos. Sendo assim nos últimos anos o Brasil tem evoluído na oferta de cuidados paliativos.
Em 1980 os cuidados paliativos começaram se consolidar no Brasil. Porém, nessa época ainda predominava o modelo de saúde hospitalocêntrico e curativo no país e a formação dos profissionais da saúde era voltada à priorização apenas de aspectos biológicos. Assim, os pacientes que se encontravam com doenças terminais, sem qualquer possibilidade de cura, eram deixados de lado. Geralmente esses pacientes morriam sozinhos, sem a presença de sua família, e muitas vezes até mesmo sem saber qual o estado de sua condição clínica. Desta forma foi vista a necessidade de cuidados específicos, voltados para além de um olhar clínico ou biológico, surgindo assim o início dos Cuidados Paliativos. (VATTIMO et al. 2023; KÜBLER-ROSS, 1981).
No Brasil os Cuidados Paliativos só tiveram um salto institucional em 2005, quando foi criada a Academia Nacional de Cuidados Paliativos em conjunto a Associação Médica Brasileira. Porém, ainda em 1997 os cuidados paliativos tiveram um marco com a fundação da Associação Brasileira de Cuidados Paliativos pela Psicóloga Ana Geórgia de Melo. (D’ALESSANDRO et al. 2020; VATTIMO et al. 2023).
Atualmente os principais serviços brasileiros em Cuidados Paliativos são: no Rio de Janeiro, o Instituto Nacional de Câncer; em São Paulo, o Hospital Emílio Ribas, o Hospital do Servidor Público Estadual e o Hospital do Servidor Público Municipal; em Curitiba o Grupo Interdisciplinar de Suporte Terapêutico Oncológico do Hospital Erasto Gaertner; em Foz do Iguaçu, o Hospital Costa Cavalcanti; o Hospital do Câncer em Londrina; e em Florianópolis, o Centro de Estudos e Pesquisas Oncológicas (RODRIGUES, 2012 apud ALVES et al. 2019, p. 5).
Atualmente no Brasil existem por volta de 88 serviços dedicados à prática dos Cuidados Paliativos, distribuídos entre ambulatórios, assistência domiciliar e enfermarias. Além disso, há serviços que contam com uma equipe multiprofissional de Cuidados Paliativos para atender a pacientes em seus leitos conforme solicitação de outras especialidades. Também existem serviços que oferecem uma casa de internação, onde a assistência em Cuidados Paliativos é realizada. Encontram-se ainda serviços que mantêm atendimento em Cuidados Paliativos de um dia de internação para algum procedimento de urgência. Serviços ligados ao ambulatório, como hospital dia além de serviços especializados que atendem exclusivamente Cuidados Paliativos. “Tais Serviços funcionam em hospitais públicos e clínicas privadas, que muitas vezes iniciaram suas atividades apenas com o controle da dor, aderindo posteriormente aos Cuidados Paliativos” (PEIXOTO & RODRIGUES 2004 apud ALVES et al. 2014, p. 81-82).
Em 19 de julho de 2001 o Ministério da Saúde do Brasil, como forma de regularizar os Cuidados Paliativos, lançou a portaria de n° 881, que instituiu o programa nacional de humanização e assistência hospitalar que estimulou a criação de outras organizações de saúde com equipe multidisciplinares para pacientes que precisam dos Cuidados Paliativos. E em janeiro do ano seguinte foi lançada a portaria de n°19, que ajudou no aumento da implantação dos Cuidados Paliativos na saúde (ALVES et al. 2014; ALVES et al. 2019).
A população brasileira ainda precisa se conscientizar sobre a importância dos Cuidados Paliativos que são uma necessidade humanitária e de saúde pública. Assim sendo, é essencial que o sistema de saúde brasileiro mude sua abordagem aos pacientes em fim de vida e com doenças terminais, tendo em vista que no Brasil estima-se que de 1 a 2% da população na atenção primária esteja próxima ao último ano de sua vida, taxa que sobe para 30% entre os pacientes que estão hospitalizados. Dessa forma, calcula-se que de 2 a 4 milhões de pessoas necessitem de Cuidados Paliativos no país, o que suscita debates sobre a melhor forma de abordar e ofertar esses cuidados (VATTIMO et al. 2023, p. 3).
O paciente que necessita de Cuidados Paliativos
O avanço da ciência e o aumento das tecnologias em saúde, principalmente a partir da metade do século XX, trouxe como consequência o aumento da expectativa de vida. Uma vida longeva corrobora para o aumento da incidência de doenças crônicas e, com isso, a ampliação do número de doentes fora do alcance terapêutico de cura.
Para Vattimo et al. (2023) os Cuidados Paliativos são indicados para todos os pacientes (e familiares) com doenças ameaçadoras à continuidade da vida, independente de diagnóstico, prognóstico e idade, podendo inclusive, ser complementares e paralelos aos tratamentos modificadores da doença ou tornar-se o foco do cuidado. Pacientes que se encontram nos quadros de doença avançada, progressiva e incurável, relacionado com a presença explícita ou não da morte, sem um tratamento específico e muitas vezes acompanhado de numerosos sintomas intensos e multifatoriais que geram grande impacto emocional necessitam dos Cuidados Paliativos.
O paciente de Cuidados Paliativos costuma se encontrar num momento de fragilidade, angústia e incertezas, sendo mergulhados num mar de sentimentos, que acaba aflorando ainda mais os sintomas físicos, psicológicos, sociais e espirituais. Receber o diagnóstico de uma doença incurável causa grande impacto no paciente fazendo sua vida ser repensada em vários aspectos. Por isso, os Cuidados Paliativos se tornam úteis em qualquer fase da doença, do diagnóstico à morte, pois são um olhar complexo para muito além da doença (ARANTES, 2016; SILVA, 2016).
Em todo o mundo, estima-se que cerca de 56,8 milhões de pessoas precisam de Cuidados Paliativos anualmente, incluindo 25,7 milhões de pessoas no último ano de vida. A maioria delas é composta por adultos acima de 50 anos (67,1%) e ao menos 7% são crianças. Entre os adultos que necessitam de cuidados paliativos, 76% vivem em países de baixa e média renda, onde o acesso a esse tipo de cuidados é escasso (VATTIMO et al. 2023).
As principais doenças associadas à indicação de Cuidados Paliativos em adultos, de acordo com a OMS são: câncer; HIV/AIDS; doenças cerebrovasculares; Alzheimer e outras demências; trauma, intoxicações e causas externas; doenças pulmonares; doenças hepáticas; doenças degenerativas do sistema nervoso central; tuberculose; cardiopatias não isquêmicas; insuficiência renal e cardiopatias isquêmicas. Já as principais doenças associadas à indicação de Cuidados Paliativos em crianças são: câncer, doenças cardiovasculares, cirrose hepática, anomalias congênitas, doenças hematológicas e do sistema imunológico, HIV/AIDS, meningite, doenças renais, distúrbios neurológicos e condições neonatais (VATTIMO et al. 2023).
Benefícios dos Cuidados Paliativos para pacientes e familiares
Entre os pacientes que necessitam dos Cuidados Paliativos, a maioria se encontra em situações de extremo sofrimento. O mesmo ocorre com seus familiares, que acabam vivenciando e compartilhando junto ao paciente a angústia, os medos, preocupações e dificuldades.
Atualmente muitos estudos têm apontado a importância dos Cuidados Paliativos em pacientes com doenças terminais e seus familiares, tratando não somente os aspectos clínicos, mas também psicológicos, pois os Cuidados Paliativos fornecem gerenciamento dos sintomas, comunicação aberta, alívio de angústia e sofrimento, atuação multidisciplinar e suporte à família durante todo o processo de adoecimento e morte (SILVA, 2016).
Para Vattimo et al. (2023, p 15):
[...] a principal questão a ser enfrentada por pacientes, familiares e equipe não é se o paciente é candidato ou não a cuidados paliativos, mas sim qual o foco prioritário do tratamento, que irá variar de acordo com as necessidades de cada um em relação ao momento em que se encontra na curva evolutiva da doença, bem como com os seus valores pessoais e história de vida. Para isso, sempre devem ser respeitados os princípios bioéticos da autonomia, justiça, beneficência e não maleficência.
Para o paciente, os Cuidados Paliativos contribuem para aprimorar a capacidade funcional, uma vez que seu objetivo fundamental é estimular o alcance do potencial máximo do indivíduo, mesmo diante dos desafios impostos pela doença. A abordagem integral do sofrimento do paciente, que inclui não apenas as questões físicas, mas também as psicológicas, sociais, espirituais e de ordem prática, permite-lhe lidar com seus medos, expectativas, necessidades e esperanças. Os benefícios dessa abordagem, portanto, também envolvem aspectos psicológicos, como melhora do humor e menor sofrimento emocional. Em relação aos aspectos espirituais, os cuidados paliativos podem evitar a piora na qualidade de vida e o aumento da mortalidade associados a quadros de angústia espiritual (VATTIMO et al. 2023).
Os Cuidados Paliativos oferecem uma série de benefícios significativos para pacientes que enfrentam doenças graves, crônicas ou em estágio avançado. Alguns desses benefícios incluem alívio de sintomas como dor, náusea, falta de ar, fadiga e outros, melhorando a qualidade de vida do paciente. Promovem ainda melhor qualidade de vida, ajudando os pacientes a manter o maior nível de funcionalidade e independência possível, permitindo-lhes desfrutar de suas atividades diárias (SILVA, 2016; ALVES et al. 2019; GIMENEZ, SANGOI, 2021).
O suporte psicológico oferece apoio emocional tanto ao paciente quanto à família, ajudando a lidar com o estresse, ansiedade e depressão associados à doença. Há o respeito às escolhas do paciente, que são incentivados a participar ativamente no planejamento de seus cuidados, incluindo a definição de metas e desejos para o final da vida, garantindo que suas preferências sejam respeitadas. Assim, fundamentados na promoção da autonomia do paciente no final da vida e ao lidar com o processo de morte, os Cuidados Paliativos abrangem a implementação de diretivas antecipadas de vontade. Isso conduz a uma melhoria na qualidade do atendimento, ao adotar abordagens menos intrusivas durante esse estágio delicado (CARVALHO, PARSONS, 2012; ALVES et al. 2019; SILVA, 2016).
Os Cuidados Paliativos oferecem suporte contínuo ao longo do curso da doença, adaptando o tratamento às necessidades em constante mudança do paciente. Há uma redução de hospitalizações quando os sintomas são gerenciados de forma eficaz, evitando hospitalizações frequentes e prolongadas, permitindo que o paciente permaneça em casa ou em um ambiente mais familiar. Os cuidados paliativos também incluem o apoio espiritual, ajudando os pacientes a encontrar significado e conforto espiritual em sua jornada (ALVES et al. 2019; VATTIMO et al. 2023; CARVALHO, PARSONS, 2012).
Para os familiares que estão enfrentando desafios emocionais significativos ao lidar com a doença grave de um ente querido, os Cuidados Paliativos oferecem uma série de benefícios como o apoio psicológico e emocional, que os ajuda a enfrentar o estresse e a ansiedade; apoio espiritual e existencial aos familiares que desejam explorar questões de fé e significado na vida durante esse período desafiador (MELO; VALERO; MENEZES, 2013; CARVALHO, PARSONS, 2012).
Complementando o trabalho em Cuidados Paliativos, há a educação e orientação, onde as equipes de Cuidados Paliativos educam as famílias sobre a condição do paciente, o que esperar durante o processo de cuidados e como melhor apoiar o ente querido. Ocorre a redução do ônus do cuidado, pois cuidar de um paciente com uma doença grave pode ser física e emocionalmente desgastante. Assim os Cuidados Paliativos oferecem alívio para as famílias, fornecendo assistência profissional na gestão dos cuidados (CARVALHO, PARSONS, 2012; D’ALESSANDRO et al. 2020).
A família, ao receber apoio adequado e informações, pode sentir mais confiante em seu papel de cuidador, o que pode melhorar a qualidade de vida de ambos, paciente e familiares. O empoderamento na tomada de decisões, envolvendo a família no processo de tomada de decisões, permite que eles participem ativamente do plano de cuidados do paciente, respeitando suas preferências (D’ALESSANDRO et al. 2020).
Em muitos casos os Cuidados Paliativos permitem que as famílias passem mais tempo juntas, tendo conversas significativas, o que fortalece os laços familiares. Além disso, há a preparação para o luto, auxiliando as famílias a enfrentarem a possibilidade de perda iminente, oferecendo suporte durante o processo de luto e fornecendo recursos para seu enfrentamento. (VATTIMO et al. 2023; CARVALHO, PARSONS, 2012; D’ALESSANDRO et al. 2020).
Os Cuidados Paliativos não apenas aliviam o sofrimento do paciente, mas também têm um impacto positivo nas vidas dos familiares, proporcionando apoio emocional, educação, alívio do estresse e a oportunidade de cuidar de seus entes queridos de maneira mais significativa e compassiva. Isso pode contribuir para um processo de fim de vida mais digno e menos traumático para todas as partes envolvidas. (SILVA, 2016; ALVES et al. 2019; GIMENEZ, SANGOI, 2021).
Desta forma, assim como o paciente, familiares e cuidadores também necessitam de informação e suporte para sustentar a tarefa de cuidar daquela pessoa que passará, gradativamente, a depender de ajuda para a realização das atividades mais simples, como se alimentar, fazer a higiene, se locomover, tomar os medicamentos nos horários previstos, entre outras coisas fundamentais para o seu bem-estar. Todo o processo, apesar das limitações progressivas que se impõem, tende a ser bem-sucedido no que se refere ao cuidado mais adequado, quando o paciente encontra na família e em seus cuidadores o apoio eficaz para atenção às suas necessidades (SILVA, 2017, p. 254-255).
O Processo de vida à morte
A vida para o ser humano é uma experiência única e preciosa. Envolve a jornada desde o nascimento até a morte, repleta de emoções, desafios, aprendizados e relacionamentos. O conceito de vida é multifacetado e pode variar de acordo com a perspectiva e o contexto. Ele abrange desde os aspectos biológicos e físicos até os aspectos filosóficos, culturais, religiosos e éticos.
Segundo Morin (1998, apud GIMENEZ; SANGOI, 2021) é quase impossível definir a vida, uma vez que ela pode se apresentar com diferentes enfoques, sendo difícil congregá-los em um único conceito. Para muitos envolve a busca de significado e propósito, a construção de identidade e a busca por felicidade e realização. Contudo, a única certeza é que a vida humana é finita, tornando a morte parte da nossa existência. O nascimento é o marco inicial da vida, e a morte o fim dela. Sendo assim, a morte é o encerramento de todo processo de existência humana.
Para Barbosa, Francisco e Efken (2008 apud GIMENEZ; SANGOI, 2021, p. 27):
Desde o instante em que nascemos, começamos a morrer e cada dia vivido, torna-se um dia a menos no calendário da existência. Essa é a nossa condição humana, a nossa marca existencial. Porém, ainda que a morte e o morrer sejam fenômenos inevitáveis, refletir sobre a finitude humana é algo desafiador, principalmente quando se trata de pacientes em situação de risco de vida, cuja morte, senão iminente, de alguma forma está anunciada.
A morte é uma parte integrante da condição humana. Falar da morte se torna complexo porque, queiramos ou não a reconhecer, sabemos que nascemos e vivemos em um corpo no qual algum dia irá morrer. O sofrimento da morte não começa somente no processo súbito de morrer, ele começa muita das vezes com uma idade avançada ou um diagnóstico terminal que geralmente vem acompanhado de falsas falas como “não há nada mais a fazer”, “vamos sedar o paciente e esperar a morte chegar”.
Para Rubem Alves (2003 apud ALVES et al. 2019, p. 2):
[...] o morrer pode vir acompanhado de dores, humilhações, aparelhos e tubos enfiados no meu corpo, contra a minha vontade, sem que eu nada possa fazer, porque já não sou mais dono de mim mesmo; solidão, ninguém tem coragem ou palavras para, de mãos dadas comigo, falar sobre a minha morte, medo de que a passagem seja demorada. Bom seria se, depois de anunciada, ela acontecesse de forma mansa e sem dores, longe dos hospitais, em meio às pessoas que se ama, em meio a visões de beleza. Dizem as escrituras sagradas: “Para tudo há o seu tempo. Há tempo para nascer e tempo para morrer”. A morte e a vida não são contrárias. São irmãs. A reverência pela vida exige que sejamos sábios para permitir que a morte chegue quando a vida deseja ir. Cheguei a sugerir uma nova especialidade médica, simétrica à obstetrícia: a “morienterapia”. O cuidado com os que estão morrendo. A missão da morienterapia seria cuidar da vida que se prepara para partir. Cuidar para que ela seja mansa, sem dores e cercada de amigos, longe de UTIs.
Esse trecho retirado de um texto de Rubem Alves faz uma reflexão sobre o sentimento de medo da morte que há anos é compartilhado na sociedade. Estamos inseridos num contexto sócio-histórico de negação da morte, onde ela ainda é vista como inconcebível, associada a uma má ação, a um acontecimento terrível, ou como forma de castigo. Porém, de um ponto de vista biológico, a morte é natural, pois assim como o nascer, a morte faz parte do processo de vida de todo ser humano, pois somos seres finitos. Assim, mais cedo ou mais tarde ela irá nos alcançar.
Antigamente a morte era considerada um processo que não necessitava de intervenção. Ela ocorria em casa, num ritual familiar, tornando a passagem da vida para a morte tão confortável quanto possível. Atualmente, com a evolução da tecnologia, o processo de morrer segundo Amorim e Oliveira (2010, p.198) “tornou-se “medicalizado”, sendo prática comum o uso compulsivo da tecnologia para manter a vida dos pacientes que estão morrendo”.
Existem diversas motivações para não encararmos a morte com serenidade. Uma das principais reside no fato de que, atualmente, o ato de morrer se tornou uma experiência profundamente desoladora em múltiplos contextos, caracterizada pela solidão, mecanização e falta de humanidade. Ocasionalmente chega a ser desafiador identificar de maneira precisa o momento exato em que a vida deixa de existir. Desse modo, hoje a pessoa morre em hospitais, rodeada de máquinas, de solidão e muitas das vezes esquecida pela família, pelos amigos, e de forma desumanizada, tornando assim o processo de tomada de consciência de que somos seres finitos ainda mais difícil (ALVES et al. 2019; KÜBLER-ROSS, 1981; GIMENEZ; SANGOI, 2021).
Para Elisabeth Kübler-Ross (1981, p. 19):
Morrer se torna um ato solitário e impessoal porque o paciente não raro é removido de seu ambiente familiar e levado às pressas para uma sala de emergência. Qualquer um que tenha estado muito doente e necessitado de repouso e conforto se lembrará de ter sido posto numa maca sob o som estridente da sirene, e da corrida desenfreada até se abrirem os portões do hospital. Só quem sobreviveu a isto é que pode aquilatar o desconforto e a fria necessidade deste transporte, começo apenas de um longo tirocínio, duro de se suportar quando se está bem, difícil de traduzir em palavras quando o barulho, a luz, as sondas e as vozes se tornam insuportáveis. É provável também que devêssemos dar mais atenção ao paciente sob os lençóis e cobertores, pôr talvez um ponto final em nossa bem intencionada eficiência e correr para segurar a mão do paciente, sorrir ou prestar atenção numa pergunta. O caminho para o hospital é aqui o primeiro capítulo da morte como, de fato, acontece com muitos.
Dessa forma, é necessário tratar os temas de ética de vida no processo de morrer e morte, em uma perspectiva cultural e biológica. Se na atual sociedade é importante saber lidar com o nascimento, saber morrer em uma perspectiva biopsicossocial também se torna extremamente essencial para aqueles que estão em processo de fim de vida. É a partir da nossa tomada de consciência de que somos seres finitos que o processo de mudança na prestação de cuidados a pacientes terminais ocorrerá (CANASTRA, 2007).
Não é apenas porque um paciente está em um estado de saúde grave que deve ser deixado de lado como alguém sem poder de escolha, sem sentimentos, apenas fadado a esperar a morte e muitas vezes de forma tão desumana e banalizada. Deve-se lembrar que mesmo em processo de fim de vida todos têm o direito de expressar seus sentimentos, de ter opiniões, de ser ouvido, de ter vontades, qualidade de vida e acima de tudo uma morte digna.
Abordar sobre a morte assim como a vida é algo muito profundo devido a vários fatores. Quando nos deparamos com o cenário no qual temos que passar a compreendê-la mesmo ainda em condição de vida, torna-se algo mais complexo e desafiador.
O psicólogo e seu papel nos Cuidados Paliativos
A terminalidade de vida é definida quando se esgotam as possibilidades de resgate das condições de saúde e a possibilidade de morte próxima parece inevitável e previsível. A assistência ao paciente e à família deve contemplar todas as etapas da doença terminal com o objetivo de proporcionar alívio ao sofrimento e evitar medidas fúteis diante da irreversibilidade da doença (ALVES et al. 2019, p. 1).
Desta forma, os Cuidados Paliativos trabalham com uma equipe multidisciplinar, já que consiste em cuidar do indivíduo em todos os aspectos: físico, mental, social e espiritual. Para assim proporcionar cuidados abrangentes e de alta qualidade a pacientes em fim de vida, bem como a suas famílias. Essa equipe é composta por profissionais de diversas áreas de saúde, cada um desempenhando um papel específico que tem como o mesmo objetivo aliviar o sofrimento, melhorar a qualidade de vida e fornecer suporte emocional e prático em um momento desafiador. Dentro dessa equipe encontra-se o psicólogo e percebe-se a importância do seu papel na equipe multidisciplinar de Cuidados Paliativos (VATTIMO et al. 2023; CARVALHO, PARSONS, 2012; MELO; VALERO; MENEZES, 2013).
Para Arantes (2016, p. 24) “o percurso entre a certeza do diagnóstico de uma doença ruim e incurável e a morte é acompanhado de sofrimento”. Nesse contexto, o papel do psicólogo em cuidados paliativos é de extrema importância pois abrange várias dimensões do cuidado integral ao paciente e à família que enfrentam doenças terminais.
A maioria dos psicoterapeutas e clínicos utilizava-se de dois conceitos básicos universalmente aceitos como base da intervenção psicoterapêutica com pacientes terminais: Apoio e Não-Abandono, sendo o objetivo mais ousado da psicoterapia com pacientes terminais, a possibilidade de ajudá-los a atingir um senso de aceitação da vida vivida e assim, de aceitação da morte (BREITBART, 2009, apud MELO; VALERO; MENEZES, 2013, p. 460).
Comas et al. (2003, apud MELO; VALERO; MENEZES, 2013) sugerem como intervenções desenvolvidas pelo psicólogo:
a) a avaliação e diagnóstico do paciente; b) avaliação do contexto familiar que inclui o cuidador principal do paciente; c) o contato com a equipe para informar verbalmente o diagnóstico e o plano de ação previsto; d) enfatizar a utilidade das habilidades de enfrentamento trabalhando as mesmas; e) trabalhar a elaboração da informação sobre seu estado de saúde; f) manejar a aproximação sociofamiliar.
Visto isso, o psicólogo em Cuidados Paliativos vai sempre buscar desempenhar um papel fundamental no apoio emocional, no bem-estar psicológico e no alívio do sofrimento de pacientes que enfrentam doenças terminais, bem como de suas famílias. O psicólogo deve oferecer apoio emocional, escuta ativa e empatia aos pacientes, ajudando-os a lidar com as emoções complexas que surgem durante a doença terminal, como angústia, medo, tristeza e raiva. Ele poderá realizar sessões de aconselhamento individual ou terapia, se necessário, para ajudar os pacientes a desenvolverem estratégias para enfrentar os desafios emocionais e a aumentar o conforto e a qualidade de vida (VATTIMO et al.,2023).
Outra função essencial do psicólogo é fornecer apoio à família do paciente, os auxiliando a lidar com o estresse, o luto e a incerteza. Isso pode envolver aconselhamento familiar, orientação sobre como apoiar o paciente e mediação de conflitos. Também pode auxiliar na preparação para o luto, ajudando não somente o paciente com a questão emocional e aceitação de sua finitude, mas preparando também os familiares para enfrentar o luto e a perda, de maneira saudável e construtiva. O psicólogo deve fornecer uma fala empática e aberta, facilitando a comunicação entre o paciente, sua família e a equipe de saúde, garantindo que as preferências do paciente sejam compreendidas e respeitadas. Deve também fornecer informações e orientações sobre questões psicológicas, éticas e emocionais relacionadas aos cuidados paliativos (VATTIMO et al.,2023).
Outro papel do psicólogo é fornecer planejamento de cuidados em final de vida ao paciente, ajudando-o a expressar seus desejos de fim de vida, incluindo tratamentos médicos, diretivas antecipadas e decisões de cuidados paliativos. O psicólogo pode também ajudar esses pacientes a explorarem questões existenciais e espirituais, como o sentido da vida, o propósito e as crenças pessoais (VATTIMO et al.,2023).
As possibilidades de atuação da psicologia no contexto dos Cuidados Paliativos são vastas. Os profissionais qualificados em Cuidados Paliativos buscam minimizar o sofrimento que é inerente a esta fase da vida e ajudam na superação das possíveis consequências emocionais resultantes desse processo. O psicólogo deve fazer o atendimento de forma mais humanizada possível, promovendo a assim a comunicação eficaz, a escuta ativa e empática, a resolução de questões pendentes e melhorando as relações entre a equipe de saúde, pacientes e familiares (SILVA, 2016; CARVALHO, PARSON, 2012; MELO; VALERO; MENEZES, 2013).
Os profissionais de psicologia assumem um papel de grande importância no cuidado essencial de fim de vida. Nesse contexto, a psicologia vem contribuindo não apenas na promoção do conforto, na qualidade de vida e na dignidade do paciente em Cuidados Paliativos, mas também para o reconhecimento e a valorização dessa prática.
Resultados e discussão
Quando retrocedemos no tempo e estudamos culturas e povos antigos, temos a impressão de que o homem sempre abominou a morte e, provavelmente, sempre a repelirá, é inconcebível para o inconsciente imaginar um fim real para nossa vida na terra e, se a vida tiver um fim, este será sempre atribuído a uma intervenção maligna fora de nosso alcance. Explicando melhor, em nosso inconsciente só podemos ser mortos (KÜBLER-ROSS, 1981, p. 13).
Nesse contexto, percebemos que nos últimos anos, o conceito de morte tem sido modificado. O que antes era considerado um ritual que tinha um foco cultural e religioso tornar a passagem da vida para a morte o mais confortável possível, sem precisar de outras intervenções, se tornou um processo desumano e repleto de sofrimento. Esse fato se deve ao crescimento da ciência e da tecnologia nos últimos anos que causou grande impacto na saúde. Os avanços tecnológicos voltados ao cuidado da saúde se tornaram tão mecanizados, que o processo entre salvar vidas e curar se confundiu, acabando por prolongar o processo de morrer, causando ainda mais sofrimento não só ao paciente que se encontra em fim de vida, mas também aos familiares (CANASTRA, 2007; AMORIM; OLIVEIRA, 2010; KÜBLER-ROSS, 1981).
Pacientes com doenças sem possibilidades de cura experimentam várias perdas ao longo do tratamento, além de estarem expostos aos efeitos colaterais que podem gerar desconfortos e frustrações. E ainda dependendo do momento, podem afetar o humor, a funcionalidade e a capacidade do paciente em lidar adequadamente com a situação (KOVÁCS, 2006 apud MELO; VALERO; MENEZES, 2013, p. 453).
Rubem Alves (2003 apud ALVES et al. 2019) faz uma reflexão sobre uma nova forma de cuidar, nomeada pelo mesmo de “morienterapia” que seria um cuidado específico voltado à pessoa que está morrendo, assim ajudando em seu sofrimento. Nesse trecho o autor se refere aos Cuidados Paliativos, que são os cuidados que buscam proporcionar alívio de sintomas e proporcionam qualidade de vida, dignidade e respeito até os últimos momentos da vida.
Infelizmente em nosso país os Cuidados Paliativos ainda não têm tanta disponibilidade. Em 2010 uma pesquisa realizada pela publicação britânica The Economist avaliou a qualidade de morte em quarenta países:
O Brasil ficou em terceiro lugar como pior país do mundo para se morrer. Estamos à frente (por bem pouco) de Uganda e da Índia. A qualidade de morte foi avaliada mediante índices como disponibilidade de acesso a Cuidados Paliativos; formação na área para os profissionais de saúde na graduação; número de leitos de Cuidados Paliativos disponíveis etc. Em 2015, a pesquisa foi refeita em oitenta países, e ficamos em 42º lugar (ARANTES, 2016, p. 27).
Isso evidencia o quanto o nosso país está despreparado e como os profissionais da área de saúde e os integrantes dessa sociedade que evita encarar a realidade da morte, não estão prontos para orientar o processo de fim de vida de seus pacientes, que é uma parte natural do ciclo da vida humana. Esse fenômeno deve-se também ao fato de uma visão cultural. Porém, quando pegamos anos de avanços da ciência e mesmo assim notamos a carência de disciplinas que tratem sobre a morte, os cuidados de fim de vida nos estudos e a falta de preparação para os profissionais no acolhimento, escuta e respeito à autonomia do paciente, percebemos que abordar este tema é cada vez mais urgente, visto que a expectativa de vida também tem aumentando e consequentemente, crescido o número de pessoas idosas e com tendências a doenças que necessitam de Cuidados Paliativos e intervenções psicológicas considerando a intensidade do sofrimento que esses pacientes e familiares apresentam com a proximidade da morte.
Considerações Finais
O presente trabalho teve como objetivo analisar a importância dos Cuidados Paliativos junto à psicologia no cuidado essencial no fim da vida. Em seu decorrer foi abordado o que são os Cuidados Paliativos, os seus princípios e fundamentos para proporcionar o entendimento do que seriam esses cuidados específicos em fim de vida.
Foi possível perceber que os Cuidados Paliativos desempenham um papel vital no sistema de saúde. Por meio deles é possível garantir que os pacientes que enfrentam doenças graves tenham a melhor qualidade de vida possível, aliviando seu sofrimento e promovendo o respeito pela sua dignidade e autonomia até o fim.
Além disso vemos que as intervenções em Cuidados Paliativos beneficiam não somente os pacientes, mas também seus familiares e cuidadores, proporcionando todo o suporte necessário em todos os estágios da doença. Isso é crucial, uma vez que as doenças graves afetam não apenas o paciente, mas também sua rede de apoio.
Foi possível observar ainda como se é dada a transição da vida à morte, e a percepção de que somos seres finitos, e que os últimos momentos da vida deveriam ser tão valorizados quanto os primeiros momentos da vida. Porém, a morte continua sendo um tabu em nossa sociedade, tornando ainda esse momento mecanizado, solitário e desumano.
Nesse contexto, os profissionais da saúde deveriam abordar, de modo claro, a inevitabilidade da morte, que muitas vezes vem acompanhada de um diagnóstico terminal, de dor e sofrimento, angústia e ansiedade. Cumprir esse papel tem se tornado um desafio para muitos desses profissionais, pois durante a sua formação, muitos não tiveram materiais suficientes para desenvolver habilidades de comunicação adequadas que o qualificassem para abordar esse tema delicado.
Ainda nesse contexto percebemos como as intervenções psicológicas são importantes para o cuidado essencial de fim de vida diante do sofrimento, ansiedade e angústia experimentada tanto do paciente quanto da família que o acompanha durante todo o processo. Torna-se indispensável a presença do psicólogo junto à equipe multidisciplinar para promover ao paciente dignidade, qualidade de vida e acolhimento até o final de seu processo existencial.
Por fim, foi possível concluir que, apesar de realmente não haver tratamentos disponíveis para a cura do paciente que se encontra em fim de vida, existe sim muito mais a fazer pela pessoa que está passando por esse processo. Existem cuidados que aliviam o sofrimento, proporcionam qualidade de vida e respeito à dignidade ao ser humano até os últimos momentos de sua existência. Esses cuidados são chamados Cuidados Paliativos e junto à Psicologia se tornam imprescindíveis no cuidado essencial no fim de vida.
REFERÊNCIAS
ALVES, Railda Fernandes. et al. Saberes e práticas sobre cuidados paliativos segundo psicólogos atuantes em hospitais públicos. Lisboa: Psicologia, saúde e doenças, v. 15, p. 78- 96, 2014.
ALVES, Railda Sabino Fernandes. et al. Cuidados Paliativos: alternativa para o cuidado essencial no fim da vida. Brasília: Psicologia: Ciência e Profissão, v. 39, p. e185734, 2019.
AMORIM, Welma Wildes; OLIVEIRA, Márcio Galvão. Cuidados no final da vida. São Paulo: Saúde Coletiva, v. 7, p. 197-198, 2010.
ARANTES, Ana Claudia Quintana. A morte é um dia que vale a pena viver. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2016.
CANASTRA, Cilena. A morte: abordagem interdisciplinar. 2007. 171 fls. Dissertação (Mestrado em Bioética Teológica). Universidade Católica Portuguesa. Porto, 2007.
CAPELAS, Manuel Luís. et al. Desenvolvimento histórico dos Cuidados Paliativos: visão nacional e internacional. Lisboa: Revista Cuidados Paliativos, v. 1, n. 2, p.7-13, 2014.
CARVALHO, Ricardo Tavares de; PARSONS, Henrique Afonseca. Manual de Cuidados Paliativos ANCP. 2ª Edição. São Paulo: ANCP, 2012.
D’ALESSANDRO, Maria Perez Soares. et al. Manual de Cuidados Paliativos. São Paulo: Hospital Sírio-Libanês; Ministério da Saúde; 2020.
GIMENEZ, Charlise Paula Colet; SANGOI, Kelly Cristina Meller. Olhares interprofissionais sobre vida e morte: mediação entre a vida e a terminalidade pelo Direito, Saúde e Bioética. Porto Alegre: Fi, 2021.
KÜBLER-ROSS, Elisabeth. Sobre a morte e o morrer. São Paulo: Martins Fontes, 1981.
MELO, Anne Cristine de; VALERO, Fernanda Fernandes; MENEZES, Marina.. A intervenção psicológica em cuidados paliativos. Lisboa: Psicologia, saúde e doenças, v. 14, n. 3, p. 452-469, 2013.
SILVA, S. M. Os Cuidados ao Fim da Vida no Contexto dos Cuidados Paliativos. Rio de Janeiro: Revista Brasileira de Cancerologia, p. 253-257, 2016.
VATTIMO, Edoardo Filippo de Queiroz. et al. Cuidados Paliativos: da Clínica à Bioética. São Paulo: CREMESP, 2023.
Sara Vitória de Carvalho
Faculdade do Futuro
Correspondência: saracarvalho532001@gmail.com
Adieliton Tavares Cezar
Correspondência: atcezar@outlook.com
Revista IGT na Rede, v. 22, no 43, 2025, p.1-32 DOI 10.5281/zenodo.17427929
Disponível em http://www.igt.psc.br/ojs ISSN: 1807-2526