SILVA, Felipe Mendes da; PIMENTEL, Adelma do Socorro Gonçalves. – “Autossuporte de mães de crianças autistas na pandemia de Covid-19”
ARTIGO
Autossuporte de mães de crianças autistas na pandemia de Covid-19
Self-support of mothers of autistic children in the Covid-19 pandemic
Felipe Mendes da Silva
Adelma do Socorro Gonçalves Pimentel
RESUMO
O autossuporte na abordagem gestáltica é um processo de autorregulação em prol do crescimento pessoal. Considerando que as mulheres que são mães têm uma rotina de múltiplas tarefas; e as que tem filhos autistas estão expostas a afetação da saúde psíquica, devido a busca, muitas vezes solitária, de tratamento para o filho. Assim, elaboramos uma revisão narrativa de literatura sobre as estratégias de autossuporte adotadas por mães de crianças autistas durante a pandemia de Covid-19 no Brasil. Os materiais foram estudos empíricos e relatos de casos localizados em periódicos, entre os anos de 2020 a 2024. As análises das temáticas destacam a importância de as mães enfrentarem os desafios impostos pelo isolamento social e a pandemia. As pesquisas mostram como a organização da rotina, o envolvimento criativo dos filhos nas atividades diárias, o compartilhamento de experiências e sentimentos, e a espiritualidade foram recursos importantes para lidar com o estresse e promover o bem-estar emocional. Concluímos que, mesmo em tempos de crises, é possível encontrar aspectos positivos e promover o autossuporte das mães de crianças autistas, contribuindo para o fortalecimento do vínculo afetivo familiar e a saúde em geral.
Palavras-chave: Autismo, Mães, Autossuporte, Covid-19, Abordagem Gestáltica.
ABSTRACT
Self-support in the Gestalt approach is a process of self-regulation for personal growth. Considering that mothers have a multi-tasking routine and those with autistic children face psychological strain due to the often solitary search for treatment, we conducted a narrative literature review on self-support strategies adopted by mothers of autistic children during the Covid-19 pandemic in Brazil. Materials comprised empirical studies and case reports from journals between 2020 and 2024. Thematic analyses underscore the importance of mothers confronting challenges posed by social isolation and the pandemic. Research demonstrates how organizing routines, creatively involving children in daily activities, sharing experiences and feelings, and spirituality were crucial resources for coping with stress and promoting emotional well-being. We conclude that, even in times of crisis, it's possible to find positive aspects and promote self-support among mothers of autistic children, contributing to strengthening familial bonds and general health.
Key words: Autism, Mothers, Self-Support, Covid-19, Gestalt Approach
INTRODUÇÃO
A abordagem Gestáltica concebe o autossuporte como um processo de autorregulação e crescimento pessoal, com base na auto-responsabilidade. Isso implica reconhecer e aceitar as próprias necessidades, sentimentos e experiências, bem como tomar decisões e agir de forma autônoma em direção ao crescimento e à realização pessoal. O autossuporte também enfatiza a importância do contato autêntico com as pessoas e com o mundo, promovendo uma maior conexão e autenticidade nas relações interpessoais (Andrade, 2014).
No início de 2020, a pandemia de Covid-19, desencadeada pelo vírus SARS-Cov-2, ocasionou síndromes respiratórias graves, resultando em milhões de mortes em todo o mundo. As medidas implementadas para combater o vírus, como o uso de máscaras e o distanciamento social, alteraram significativamente a vida cotidiana das pessoas, apresentando desafios ainda maiores para famílias com crianças diagnosticadas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) (Jones, et al., 2020; World Health Organization - WHO, 2020; Brasil, 2020).
O isolamento social, as interrupções nos serviços de saúde e educação e a incerteza generalizada aumentaram as dificuldades já enfrentadas por essas famílias, exigindo adaptações rápidas e eficazes (Cusinato et al., 2020). Ainda que os tratamentos de saúde, incluídos os serviços de assistência às pessoas autistas, estivessem sendo considerados serviços essenciais, isto é, durante o isolamento social, esses serviços continuaram funcionando com protocolos de biossegurança, muitos pais sentiram-se receosos de levar os filhos às terapias e ficarem expostos ao vírus. Essa medida de controle da pandemia, agravou alguns sintomas relacionados ao TEA como dificuldades de comunicação e de interação interpessoal, comportamentos repetitivos e resistências às alterações nos padrões de rotina (Almeida et al., 2023).
Nesse cenário, como forma de lidar com as problemáticas impostas pelo isolamento social e pela pandemia, o desenvolvimento do autossuporte tornou-se relevante para as mães de crianças autistas. No entanto, a sobrecarga de demandas relacionadas ao cuidado dos filhos muitas vezes resulta na abdicação das próprias necessidades das mães, que se encontram em constante estado de alerta para atender às necessidades específicas de seus filhos. Essa dedicação intensa pode levar ao esgotamento físico e emocional, dificultando o desenvolvimento do autossuporte, especialmente quando o suporte ambiental não está disponível (Alves et al., 2022)
Além disso, o sofrimento psíquico decorrente das dificuldades de comunicação dos filhos, dos comportamentos desafiadores e da falta de apoio familiar e social adequado pode comprometer ainda mais a capacidade das mães de cuidarem de si mesmas. Outros fatores como, as dificuldades econômicas e a realidade social das mulheres no Brasil, marcada pela desigualdade de gênero, acesso limitado a recursos financeiros e oportunidades de emprego, podem agravar ainda mais essa situação (Tinoco et al., 2022).
Portanto, essa revisão de literatura descreve as formas de ajustamento criativo e autossuporte adotadas pelas mães de crianças com TEA durante a pandemia de Covid-19, por meio da exploração de estudos empíricos e relatos de casos realizados no Brasil entre 2020 e 2024. A escolha de focar neste campo temático é relevante pela colocação da mulher que é mãe no centro da reflexão gestáltica, colaborando para desvelar fatores históricos, sociais e culturais enraizados na estrutura da sociedade sobre a atribuição do cuidado com os filhos as mulheres. Esperamos, também contribuir para o desenvolvimento de intervenções clínicas e políticas públicas que apoiem as famílias de pessoas com TEA.
MÉTODO
Esta revisão narrativa de literatura focaliza as estratégias de autossuporte adotadas por mães de crianças autistas durante a pandemia. Realizamos uma busca por estudos publicados em bases de dados como Scielo, Pepsic, Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) e Portal de Periódicos da CAPES. Foram utilizados os descritores: "autismo", "mães", "família", "autossuporte", "pandemia" e "isolamento social". A busca abrangeu artigos científicos, dissertações e teses publicados no período de 2020 a 2024. Após uma triagem inicial dos títulos e resumos dos estudos identificados, selecionamos aqueles que atendiam aos critérios de inclusão e exclusão, priorizando pesquisas que abordassem diretamente o tema, realizadas no Brasil. Desse modo, os dados relevantes foram extraídos de cada estudo de forma temática, destacando as principais estratégias de autossuporte utilizadas pelas mães de crianças autistas durante a pandemia. Por fim, discutimos os resultados em relação às implicações práticas, visando fornecer compreensões úteis para o desenvolvimento de intervenções e políticas de apoio às mães nesse contexto.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é uma condição que impacta o desenvolvimento da comunicação, interação social e comportamento. As dificuldades em estabelecer e manter relações sociais, comportamentos repetitivos e interesses restritos podem apresentar desafios significativos no cotidiano da pessoa com autismo e de seu círculo social. Diante disso, o diagnóstico de autismo pode ter um impacto profundo na dinâmica familiar, especialmente para as mães, que frequentemente desempenham um papel central no cuidado e na educação da criança. A notícia do diagnóstico pode evocar uma variedade de emoções, incluindo tristeza, preocupação e incerteza quanto ao futuro da criança. Além disso, as mães enfrentam desafios na busca por serviços e apoio adequados para seus filhos, como acesso a tratamentos especializados, terapias e suporte emocional (Costa, Picharillo e Elias, 2023).
Segundo Pondé et al. (2023), durante a pandemia de Covid-19, as famílias de pessoas autistas enfrentaram inúmeras adversidades durante o período de isolamento social. Com a interrupção dos serviços de saúde e educação, muitas se viram obrigadas a lidar com uma série de demandas adicionais em casa. Isso resultou na necessidade de assumir múltiplos papéis, como educadoras, terapeutas e cuidadoras em tempo integral, ao mesmo tempo em que enfrentavam as incertezas associadas à pandemia.
Além disso, a suspensão de terapias e atividades extracurriculares essenciais pode ter agravado os sintomas do autismo e contribuído para um aumento da ansiedade e do estresse familiar. Assim, a busca por estratégias de autossuporte e apoio emocional tornou-se essencial para ajudar as famílias a enfrentarem os novos desafios decorrentes da pandemia. Apresentamos as categorias decorrentes das análises
Impactos da pandemia de Covid-19 na vida das mães de crianças autistas:
Em Barbosa et al. (2020) identificamos que o confinamento imposto como medida de proteção à pandemia da Covid-19 impôs repercussões significativas sobre as condições apresentadas por indivíduos autistas, afetando negativamente as vivências das famílias, especialmente no que diz respeito aos comportamentos dos filhos. O lazer em ambiente externo foi substituído por atividades realizadas em casa, e tanto a rotina escolar quanto as terapias foram interrompidas, gerando ansiedade e desconforto nas crianças, que já enfrentavam dificuldades em lidar com mudanças. A redução da interação com pares da mesma idade e a falta de compreensão sobre o isolamento contribuíram para uma percepção negativa do confinamento sobre os comportamentos das crianças autistas.
Antes da pandemia, as famílias podiam desfrutar de momentos sem obrigações diretas, como ao deixar a criança na escola ou em terapias, o que possibilitava um tempo para trabalho e atividades domésticas. No entanto, a pesquisa de Givigi et al. (2021) mostrou que a maioria das famílias de crianças autistas, especialmente as de classes socioeconômicas mais vulneráveis, enfrentou uma redução de renda durante a pandemia, evidenciando a realidade da desigualdade econômica no Brasil e suas implicações no acesso a recursos e manutenção de suporte adequados.
Saad e Bastos (2024) ressaltam que o impacto da condição autista sobre a saúde mental dos pais varia de acordo com fatores como o nível de suporte necessário para o filho e a disponibilidade de uma rede de apoio social. Assim, condições como comportamentos estereotipados, repetições ritualísticas ou interesses restritos presentes em pessoas com TEA podem ser desafiadoras para os pais lidarem, contribuindo para o surgimento de sintomas de estresse, ansiedade e depressão nos cuidadores.
Anjos e Morais (2021) também destacam as formas do estresse enfrentado pelos familiares de crianças autistas, ressaltando que as características próprias da condição têm um impacto significativo sobre esses cuidadores. A dificuldade do indivíduo autista em estabelecer conexões sociais e em se comunicar efetivamente pode gerar sentimentos de isolamento e frustração nos pais. Por sua vez, Texeira et al. (2024) demonstraram as repercussões psicossociais da pandemia, discutindo que a expectativa social das mães assumirem a maior parte dos cuidados da criança contribui para a sobrecarga de trabalho e estresse. As mães precisam lidar com ajustes nos planos e expectativas futuras às limitações da condição de seus filhos, além de adaptar-se à intensa dedicação e prestação de cuidados às necessidades específicas das crianças.
O confinamento e a interrupção das atividades laborais resultaram na redução de renda, aumento da sobrecarga emocional e diminuição do acesso a recursos essenciais para a sobrevivência das famílias. A vulnerabilidade econômica exacerbada pela pandemia destacou a desigualdade social e suas implicações na qualidade de vida das famílias de baixa renda, evidenciando a necessidade de políticas públicas mais eficazes.
As pesquisas evidenciam que o impacto da condição autista sobre a saúde mental dos pais foi agravado pela falta de compreensão da sociedade, destacando a importância de promover um maior apoio, possibilitando o desenvolvimento de autossuporte para essas pessoas. Diante dos desafios decorrentes da pandemia de Covid-19, surge a necessidade de uma abordagem para lidar com essa nova realidade.
Autossuporte na Abordagem Gestáltica
De acordo com Andrade (2014), o conceito de autossuporte na abordagem Gestáltica refere-se à capacidade individual de lidar com os desafios da vida e realizar o próprio potencial de crescimento e desenvolvimento pessoal, mobilizando recursos internos. Por outro lado, o heterossuporte representa o apoio externo oferecido pelo ambiente, como o suporte social e cultural proporcionado também por outras pessoas. Esses dois tipos de suporte estão intimamente conectados ao longo da vida, sendo o autossuporte fundamental para o crescimento saudável e a autorrealização.
No contexto da maternidade, frequentemente, as mães enfrentam dificuldades para equilibrar suas próprias necessidades com as dos filhos. Por isso, encontrar esse equilíbrio pode ser uma tarefa árdua para as mães de crianças autistas, dada a complexidade e imprevisibilidade do transtorno. O desenvolvimento do autossuporte possibilita a essas mulheres encontrar maneiras eficazes e saudáveis de enfrentar os desafios diários, incluindo a busca por apoio emocional, a prática do autocuidado e a manutenção de uma postura resiliente frente às adversidades (Santos et al., 2020).
Dessa forma, a abordagem Gestáltica preconiza a oferta de um espaço seguro e de apoio para que as mães explorem seus recursos internos e fortaleçam seu autossuporte. Além disso, explorar a ampliação da consciência de si mesmas e de suas emoções pode facilitar o processo de autorregulação e autocuidado. E assim, ao fortalecer seu autossuporte, as mães podem melhorar o bem-estar geral, o que, por sua vez, pode impactar positivamente o relacionamento com seus filhos e a qualidade de vida de toda a família (Andrade, 2014).
Dificuldades de Mães para manter o autossuporte durante a pandemia
As dificuldades enfrentadas por mães de crianças autistas para desenvolver o autossuporte durante a pandemia de Covid-19, envolveram tanto os desafios específicos associados ao autismo quanto os impactos adicionais causados pelo contexto pandêmico. Antes mesmo da pandemia, muitas mães já enfrentavam o isolamento social devido à necessidade de cuidar de seus filhos em tempo integral, resultando em uma sobrecarga emocional significativa, marcada por sentimentos de solidão, exaustão e estresse constantes (Almeida et al., 2023).
Com a rotina modificada, exigindo uma dedicação ainda maior ao cuidado dos filhos e deixando pouco tempo e energia para o autocuidado e para satisfazer suas próprias necessidades, houve a necessidade de tomar decisões difíceis sobre segurança, acesso aos serviços de saúde e educação, e manutenção do sustento financeiro. Estudos, como os de Texeira et al. (2022) e de Carvalho e Finamori (2022), evidenciam essas dificuldades e mostram que mesmo após o fim da crise sanitária, suas repercussões psicossociais continuam a produzir impactos significativos na saúde mental dessas pessoas.
Formas de autossuporte de mães de crianças autistas durante a pandemia:
As configurações do autossuporte revelam a importância da resiliência das mães diante dos desafios exacerbados pelo contexto de isolamento social e pandemia. Fernandes et al. (2021) destacam que a organização da rotina surge como uma estratégia fundamental para mitigar os impactos negativos da pandemia, oferecendo previsibilidade às atividades diárias e reduzindo o sofrimento tanto das crianças autistas quanto de suas famílias. Além disso, ressaltam a importância da participação ativa das mães na proposição dessas rotinas, evidenciando sua capacidade adaptativa. Observou-se que, em muitos casos, as mães também optaram por táticas alternativas, como a saída para ambientes externos em horários menos movimentados, buscando garantir o distanciamento de aglomerações e proporcionar atividades sensoriais diferentes do ambiente doméstico para as crianças (Fernandes et al., 2021).
Na pesquisa conduzida por Anjos e Morais (2021) os autores descrevem os sentimentos de medo, solidão e sobrecarga emocional no relato das mães. Por conta disso, as mães recorreram ao compartilhamento de suas experiências e sentimentos em blogs virtuais como forma de lidar com o medo e a ansiedade, encontrando conforto e apoio mútuo. Outra porta observada na pesquisa foi o envolvimento criativo dos filhos nas atividades diárias, transformando momentos cotidianos em oportunidades de aprendizado e interação, o que não apenas reduziu a sobrecarga de responsabilidades, também fortaleceu os vínculos familiares e proporcionou momentos de alegria e conexão (Anjos e Morais, 2021).
Freitas e Gaudenzi (2022) analisaram narrativas compartilhadas em redes sociais voltadas ao autismo e destacam como as mães se diferenciam e encontram uma identidade coletiva que emerge da especificidade de seus filhos. Durante e após a pandemia, as mães desenvolveram estratégias, encontraram apoio e solidariedade umas nas outras, compartilhando suas experiências e formando uma comunidade afetiva online que fortalece o autossuporte de todas as envolvidas. Algumas delas buscaram cuidar de sua saúde mental individualmente, reservando momentos para si mesmas, lendo ou simplesmente descansando, o que foi fundamental para sua saúde emocional.
As narrativas de mães de crianças autistas presentes na pesquisa de Dornas (2022) revelam sofrimento e exaustão extrema, No entanto, também surgem relatos que podem ser relacionados ao autosssuporte ao destacarem o papel da espiritualidade e crenças para se manterem pacientes e dar conta das demandas que surgiam.
Dornas (2022) revela que as mães citavam momentos como os quais conseguiam dormir, tomar banho, comer e escovar os dentes como atividades de “luxo”, isto é, necessidades básicas sendo supridas eram o máximo de autocuidado que elas poderiam ter durante o período de pandemia. Ainda destacam a importância da espiritualidade e crenças para lidar com o estresse e a exaustão Costa, Picharillo e Elias (2023) e Filgueira e Brilhante (2021) que identificaram nos relatos das mães uma forte relação entre hábitos de oração e meditação para auxiliar no equilíbrio emocional e na capacidade de lidar com os momentos de crise dos filhos.
Roiz e Figueiredo (2023) analisaram a adaptação das mães aos cuidados com os filhos autistas e observaram que quando outra pessoa poderia oferecer cuidado à criança, o que foi raro durante a pandemia, e a compreensão sobre a condição dos filhos fortaleceu o autossuporte das mães. Por fim, Carvalho e Finamori (2022) e Brasil et al. destacam que, para algumas mães, o isolamento social trouxe aspectos positivos, como mais oportunidades de interação entre com os filhos, fortalecendo o vínculo afetivo e proporcionando bem-estar para ambos.
As estratégias de autossuporte adotadas pelas mães durante a pandemia sugerem que a organização da rotina, o envolvimento criativo dos filhos nas atividades diárias, o compartilhamento de experiências e sentimentos, a espiritualidade e a busca por momentos de autocuidado foram essenciais para enfrentar os desafios do período. Mesmo diante das adversidades, essas mães encontraram formas de se fortalecer, demonstrando a importância do autossuporte em momentos de crise. Para melhor visualização, sistematizamos no quadro 1 as formas encontradas na análise de autossuporte desenvolvidas pelas mães de crianças autistas.
Quadro1. Formas de autossuporte
Pesquisas | Forma de Autossuporte |
Fernandes et al. (2021) | Organização da rotina através de ferramentas visuais; saídas para ambientes externos em horários menos movimentados; envolvimento criativo dos filhos em atividades diárias. |
Anjos e Morais (2021) | Compartilhamento de experiências e sentimentos; prática de meditação, leitura e descanso; acesso a serviços de saúde mental e grupos de apoio online. |
Freitas e Gaudenzi (2022) | Participação em comunidades online de apoio; compartilhamento de histórias e experiências; apoio emocional e prático mútuo. |
Dornas (2022) | Prática de espiritualidade e crenças para lidar com o estresse; valorização de momentos de autocuidado simples, como dormir, comer e escovar os dentes. |
Costa, Picharillo e Elias (2023); Filgueira e Brilhante (2021) | Hábitos de oração e meditação para equilíbrio emocional; diminuição do estresse e melhoria no enfrentamento de crises dos filhos. |
Roiz e Figueiredo (2023) | A compreensão sobre a condição dos filhos fortalece o gerenciamento das próprias emoções nas mães; permitir-se compartilhar as atividades com outras pessoas |
Carvalho e Finamori (2022); Brasil et al. | Maior oportunidade de interação entre mães e filhos durante o isolamento social, promovendo laços afetivos e bem-estar mútuo. |
Fonte: Autor
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A revisão narrativa de literatura sobre as formas de autossuporte adotadas por mães de crianças autistas durante a pandemia de Covid-19 no Brasil evidencionou o conhecimento sobre os desafios enfrentados por essas mulheres e as formas criativas como elas responderam as dificuldades. As análises dos estudos destacaram a importância da organização da rotina, do envolvimento criativo dos filhos nas atividades diárias, do compartilhamento de experiências e sentimentos, e do apoio oferecido por grupos de saúde mental online. Além disso, a espiritualidade emergiu como um recurso significativo para lidar com o estresse e a exaustão, enquanto o isolamento social também proporcionou oportunidades para fortalecer os vínculos afetivos entre mães e filhos.
As estratégias de autossuporte foram fundamentais para auxiliar as mães a enfrentarem os desafios únicos impostos pela pandemia, permitindo-lhes equilibrar as demandas emocionais, físicas e financeiras associadas ao cuidado dos filhos. No entanto, também ficou evidente que muitas mães enfrentaram problemas vultosos para desenvolver o heterossuporte devido à falta de apoio externo e à sobrecarga de responsabilidades.
Diante disso, é importante a implementação de políticas públicas e programas de suportes psicológicos, sociais específicos para essas famílias, visando mitigar o impacto negativo pós-pandemia, juntamente a implantação de políticas públicas para a qualidade de vida. Também, envolver os pais e os homens em geral no cuidado com os filhos e as companheiras, enfrentando a omissão que é associada pelo sistema patriarcal.
A revisão de literatura destaca a importância de apoiar e fortalecer as mulheres em suas jornadas de autocuidado. Espera-se que o texto contribua para o desenvolvimento de intervenções e políticas de saúde pública mais eficazes, que atendam às necessidades específicas das famílias de pessoas com transtorno do espectro autista no Brasil.
Embora as pesquisas tenham demonstrado que as mães adotaram estratégias para lidar com as demandas adicionais impostas pela pandemia, esse não era o foco principal da maioria dos estudos encontrados, evidenciando a existência de lacunas significativas na literatura que demandam investigação adicional. Novas pesquisas são necessárias para avaliar o impacto da pandemia, explorar intervenções específicas, compreender as experiências dos pais em geral, identificar as barreiras de acesso aos recursos em grupos economicamente menos favorecidos e examinar o impacto na saúde mental das mães. No contexto brasileiro, a escassez de pesquisas nessa área representou desafios na condução dessa revisão.
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Revista IGT na Rede, v. 21, nº 41, 2024. p. 172 – 183. Disponível em http://www.igt.psc.br/ojs
ISSN: 1807-2526