Moreira, G. E., Almeida, S. M. F - “A sala de recursos como possibilidade de desenvolvimento criativo para estudantes com altas habilidades/superdotação no Distrito Federal”

A sala de recursos como possibilidade de desenvolvimento criativo para estudantes com altas habilidades/superdotação no Distrito Federal

The resource room as a possibility for creative development for students with high abilities/giftedness in the Federal District

Geraldo Eustáquio Moreira

Sabrina Maciel Fernandes de Almeida

Universidade de Brasília - UnB

RESUMO

Pensar sobre as Altas Habilidades/Superdotação exige um olhar singular e atento às particularidades dos estudantes com essas características. Nesse sentido, o presente texto procurou traçar reflexões sobre a sala de recursos como espaço de criação de novas possibilidades educativas para alunos com Altas Habilidades/Superdotação. Foi utilizada a pesquisa qualitativa, do tipo exploratória, com procedimento utilizado na coleta de dados e utilização do estudo de caso do Projeto Feira de Poesias, realizado na Sala de Recursos de uma escola da rede pública de ensino. Utilizamos a análise documental para estudar o referido Projeto. Os resultados demonstraram que tais oportunidades são inovadoras, pois, superam as paredes das salas de aula, permitindo o protagonismo, autoria e, principalmente, a participação ativa dos estudantes, estimulando, desse modo, a criatividade. Também foi possível constatar que o projeto proporcionou autonomia aos envolvidos, produzindo, então, o estímulo pela linguagem, escrita e arte. Como desafios para realizar tais ações, observamos a necessidade de direcionamento de atenção e recursos governamentais a esse setor da educação especial e de driblar as concepções equivocadas sobre os estudantes habilidosos.

         

Palavras-chave: Educação; Altas Habilidades e Superdotação; Sala de Recursos; Práticas pedagógicas; Projeto Feira de Poesias.

ABSTRACT

Thinking about High Abilities/Giftedness requires a unique and attentive look at the particularities of students with these characteristics. In this sense, this text sought to outline reflections on the resource room as a space for creating new educational possibilities for students with High Abilities/Giftedness. Qualitative, exploratory research was used, with a procedure used to collect data and use the case study of the Poetry Fair Project, carried out in the Resource Room of a public school in Planaltina, a city in the Federal District. We used document analysis to study this Project. The results demonstrated that such opportunities are innovative, as they go beyond the classroom walls, allowing protagonism, authorship and, mainly, the active participation of students, thus stimulating creativity. It was also possible to verify that the project provided autonomy to those involved, thus producing stimulation through language, writing and art. As challenges to carrying out such actions, we observe the need to direct attention and government resources to this sector of special education and to overcome misconceptions about skilled students.

Keywords: Education; High Abilities and Giftedness; Resource Room; Pedagogical practices; Poetry Fair Project.

Desvendando as Altas Habilidades/Superdotação

Para compreender as possibilidades pedagógicas de alunos com Altas Habilidades/Superdotação nas Salas de Recursos Multifuncionais (SRM), primeiro precisamos conceituar o que são Altas Habilidades/Superdotação (AH/SD) e quais as características dos estudantes que apresentam esses traços. De acordo com a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (2008), temos:

Alunos com altas habilidades/superdotação demonstram potencial elevado em qualquer uma das seguintes áreas, isoladas ou combinadas: intelectual, acadêmica, liderança, psicomotricidade e artes. Também apresentam elevada criatividade, grande envolvimento na aprendizagem e realização de tarefas em áreas de seu interesse. (BRASIL, 2008, p. 9).

Além do aporte legislativo, as Altas Habilidades/Superdotação podem ser discutidas a partir de diversas teorias de forma que elas não necessariamente se excluem, complementam-se, dado que as características do educando com AH/SD partem de uma perspectiva multidimensional de inteligência explorada por autores como Renzulli (1986, 2004), Gardner (1995) e Alencar (1986). Diante do exposto, embora exista espaço de aperfeiçoamento do trabalho realizado com o referido público, a adesão a essa perspectiva nos documentos oficiais expressa politicamente colaboração no enfrentamento de estigmas associados às necessidades educacionais específicas e aos estudantes com AH/SD.

No Brasil, a abordagem educacional voltada para pessoas com AH/SD é atravessada por inconsistências, de modo que o primeiro registro sobre atendimento educacional aparece em 1929 com os estudiosos Leoni Kaseff (1902, s.d.) e Estevão Pinto (1895-1968) e desdobra-se na promoção de mudança no ensino com a psicóloga Helena Antipoff em 1945 (DELOU, 2007, p. 28 apud PAVÃO et al., 2018). Nesse percurso histórico, o primeiro documento oficial brasileiro a mencionar os estudantes com Altas Habilidades foi a Lei de Diretrizes e Bases da Educação nº 5692/71 (BRASIL, 1971) e a partir dele iniciou-se a abertura de espaço para pensar uma educação que atendesse as especificidades desses estudantes.

Os movimentos mais intensos foram observados nas décadas de 70 e 80 e a partir da década de 90, com a Declaração de Salamanca (1994), um dos primeiros documentos elaborados pelas Nações Unidas a tratar dos princípios, políticas e práticas em educação. Para fins desse estudo, utilizamos AH/SD como conceitos similares ao falar de possibilidades de desenvolvimento na SRM especial, aconteceu a elaboração da Política Nacional de Educação Especial (1994). Desde esse marco aconteceram modificações que levaram à promulgação dos documentos atuais (PAVÃO et al., 2018, p. 46-47).

Pensando nas singularidades das Altas Habilidades/Superdotação e o contexto educacional, este estudo buscou traçar reflexões sobre a sala de recursos como espaço de criação de novas possibilidades educativas para alunos com Altas Habilidades/Superdotação e, para isso, foi realizada uma pesquisa qualitativa do tipo exploratória, com instrumento de recolha de dados por meio do estudo de caso do Projeto Feira de Poesias, realizado na sala de recursos de uma escola da rede pública como atividade inovadora, e análise documental como técnica de análise.

Assim, nos baseamos na Teoria dos Três Anéis de Renzulli (1986). Nos apoiamos na perspectiva multidimensional de inteligência de Gardner (2010) e entendemos as Altas Habilidades/Superdotação como conceito amplo, que possibilita uma abordagem abrangente sobre os estudantes desse grupo com capacidades acima da média em relação a seus pares.

Desta feita, este estudo teve como objetivo analisar um Projeto da “Turma de Segunda”, nomeadamente Feira de Poesias, desenvolvido em uma turma de Altas Habilidades/Superdotação atendida em uma escola pública no Distrito Federal, uma vez que a sala de recursos pode oferecer, além das suas funções previstas, possibilidades de desenvolvimento criativo para estudantes com altas habilidades/superdotados.

Caminhos Metodológicos

A partir do objetivo de percorrer caminhos reflexivos sobre a sala de recursos como espaço de criação de novas possibilidades educativas para alunos com Altas Habilidades/Superdotação, metodologicamente, o artigo teve abordagem qualitativa de natureza exploratória, assumindo a forma de estudo de caso, cujos procedimentos se assentam na análise documental.

Segundo Godoy (2005), a pesquisa qualitativa constitui-se da transferibilidade de fatos dignos de confiança, no sentido de realizar uma descrição densa do fenômeno que permita ao leitor imaginar o estudo em outro contexto. Para Goode e Haltt (1973), o estudo de caso caracteriza-se como o estudo profundo de um objeto, de maneira ampla e detalhada.

Em relação à análise documental, Moreira (2005) elucida que esse instrumento consiste na verificação de documentos de forma a extrair um reflexo direto da fonte original, permitir a contextualização dos fatos e a avaliação das informações. Após a apuração e organização do material, a análise crítica do Projeto seguiu à luz de Moreira (2005) com a caracterização e descrição dos documentos somadas aos estudos com base no referencial teórico.

Assim, ao refletirmos sobre as atividades que potencializam os processos criativos de estudantes com AH/SD, estudos têm mostrado que pesquisas envolvendo as salas de recursos para esse público, podem favorecer e enriquecer as aprendizagens, tanto dos docentes especialistas quantos dos estudantes atendidos (SANTOS et al., 2023; CAMPOS; MOREIRA, 2021; 2023), o que nos levou a analisar as potencialidades do Projeto da “Turma de Segunda”, mediante a realização da Feira de Poesias.

Os Plurais das Altas Habilidades e Superdotação

Versar sobre Altas Habilidades/Superdotação exige compreender essa temática dentro de um espectro plural devido à heterogeneidade desse grupo e estar atento às complexidades relativas à pluralidade. Nacionalmente, é com base na Teoria dos Três Anéis (RENZULLI, 1986; 2004) que se definem os traços de comportamento da superdotação. Aliado à ideia de inteligência como aspecto multidimensional, esse princípio é peça chave na orientação dos documentos e legislações direcionados a estudantes com Altas Habilidades.

Joseph Salvatore Renzulli é um pesquisador e professor de Psicologia da Educação norte-americano e atua como Diretor do Centro de Pesquisa Nacional sobre superdotados e talentosos. Apresentou sua teoria a partir de uma representação gráfica e explica que, na intersecção dos anéis de capacidade acima da média; comprometimento com a tarefa e criatividade é que se encontra o comportamento superdotado. De acordo com o autor, as crianças superdotadas e talentosas são aquelas que possuem ou são capazes de desenvolver esse conjunto de traços e que os aplicam a qualquer área potencialmente valiosa do desempenho humano (RENZULLI, 1986, p. 11).

A Figura 1 apresenta o modelo da concepção de superdotação dos Três Anéis, proposta por Renzulli (1986).

Figura 1: A Concepção de Superdotação dos Três Anéis.

Fonte: Renzulli (1986, p. 8).

O modelo apresentado na Figura 1, de Renzulli (1986), apresenta a interseção de três elementos chaves da superdotação, no qual a habilidade acima da média refere-se à  habilidade ou potencial em áreas como intelecto, criatividade, habilidades acadêmicas ou artística; o envolvimento com a tarefa diz respeito à motivação para se dedicar a uma atividade ou área específica e, por fim, a criatividade destaca a capacidade de pensar de forma inovadora e original, proporcionando soluções para problemas ou expressando artisticamente de maneira distinta. Desse modo a superdotação ocorre quando esses três anéis se sobrepõem, criando então o perfil de um superdotado de acordo com suas potencialidades.

Como explicado por Pavão et al. (2018, p. 67), após algumas críticas por indicar somente aspectos intrínsecos à pessoa em sua primeira versão, Renzulli modificou o modelo e inseriu destaques relativos aos aspectos da personalidade, genéticos e sociais, uma vez que influenciam na manifestação desse comportamento. Dessa maneira, o ‘comportamento de superdotação’ pode ser demonstrado tanto em áreas gerais como específicas e não precisam, obrigatoriamente, estar presentes ao mesmo tempo ou na mesma quantidade. Ainda de acordo com a nova proposição e considerando as potencialidades da pessoa, são diferenciados dois tipos de superdotação: acadêmica e produtivo-criativa (RENZULLI, 2004, p. 82).

Usualmente, esses traços são associados à genialidade e autossuficiência e colocam estudantes com esse perfil à margem do Atendimento Educacional Especializado (AEE). Isso acontece porque os estigmas ligados à superdotação prevalecem em relação à realidade e o estudante passa a ser visto como pessoa capaz de se desenvolver sem assistência ou de maneira isolada. Entretanto, conforme o Decreto 7.611 de 17 de novembro de 2011, que dispõe sobre a Educação Especial, define-se como atendimento educacional especializado:

[...] o conjunto de atividades, recursos de acessibilidade e pedagógicos organizados institucional e continuamente prestado das seguintes formas: “I- complementar à formação dos estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento, como apoio permanente e limitado no tempo e na frequência dos estudantes às salas de recursos multifuncionais; ou II - suplementar à formação de estudantes com altas habilidades ou superdotação.” (BRASIL, 2011, s/p).

A política educacional na perspectiva da educação inclusiva visa garantir esses serviços de apoio e atender às necessidades educacionais específicas, portanto é imprescindível que o atendimento seja efetivado para todos os públicos aos quais o AEE se destina. Nesse sentido, enfatizamos que estudantes superdotados necessitam de propostas metodológicas diferenciadas e ambientes capazes de estimularem o desenvolvimento de suas potencialidades, isto é, precisam ter acesso garantido ao AEE.

Apesar da pluralidade das Altas Habilidades e dos avanços teóricos nos estudos sobre inteligência, os traços de superdotação ainda costumam ser vinculados à pontuação de medida de inteligência obtidos em testes, considerando isoladamente o Quociente de Inteligência (QI) e a ideias de que a superdotação é singular, sendo apenas genética ou apenas influenciada pelo meio; que é global e igualmente distribuída em todas as áreas do conhecimento, entre outros.

No entanto, por meio de diversas literaturas (VIRGOLIM, 2021; ANTIPOFF, CAMPOS, 2010; PÉREZ, 2012) constata-se que esses traços possuem pontos adversos que discordam desse imaginário social. Virgolim (2021, p. 1) explica que as Altas Habilidades são marcadas pela “complexidade cognitiva, uma maior intensidade de resposta, sensibilidade emocional, imaginação vívida, combinação de interesses únicos, características de personalidade e conflitos que destoam dos seus companheiros de idade.” Devido a essa complexidade, a autora ressalta que as pessoas com Altas Habilidades podem apresentar reações externas hostis e desajustadas socialmente e respostas internas ligadas a sentimentos negativos. Os traços específicos desse público podem ainda estar presentes como dupla especificidade aparecendo ao lado de deficiências e outros transtornos do desenvolvimento.

As características e respostas internas e externas desse grupo são marcadas por uma grande variação a depender do ambiente, mas alguns desses traços aparecem de maneira consistente nas pessoas com Altas Habilidades. As vulnerabilidades e dificuldades apresentadas por esse público confrontam os estigmas e demonstram que o apoio é necessário para o desenvolvimento não só das habilidades específicas de cada indivíduo, mas para o desenvolvimento de habilidades sociais, autoconsciência e regulação.

Diante do exposto, a sala de recurso pode ser encarada como ambiente possibilitador e se constitui como ferramenta importante na influência direta dos componentes ambientais da superdotação (RENZULLI, 1986), além de oportunizar um espaço de acolhimento e criação, necessários às pessoas com Altas Habilidades.

Entendendo a Prática da Sala de Recursos

Pensar o espaço para aprendizagem exige considerar que este contemple a necessidade educativa de todos os educandos e sirva como alavanca para que tenham uma educação de qualidade. À vista disso, observando a configuração e realidade de uma sala de aula no ensino regular, percebe-se a necessidade de um espaço no qual seja assegurado o Atendimento Educacional Especializado (AEE) para estudantes que apresentem necessidades específicas, a fim de efetivar a inclusão e promover melhores possibilidades de desenvolvimento do currículo e participação da vida escolar.

Percebendo melhor desenvoltura do Atendimento Educacional Especializado em um ambiente a parte, o Ministério da Educação - Secretaria de Educação Especial (MEC/SEESP), por meio da Portaria Ministerial nº 13/2007, instituiu o Programa de Implantação de Salas de Recursos Multifuncionais (SRM), o qual integra o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE). Esse Programa se caracteriza como subsídio de condições de acesso, participação e aprendizagem de forma não substitutiva à escolarização. É importante salientar que as atividades desenvolvidas em Salas de Recursos não visam substituir ou excluir os processos educacionais em salas de aula regulares, o que a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva propõe é que o AEE seja uma espécie de complemento para trabalhar as necessidades específicas: “Esse atendimento complementa e/ou suplementa a formação dos alunos com vistas à autonomia e independência na escola e fora dela.” (BRASIL, 2008, p. 16).

Dessa maneira, focalizando a SRM com recorte no Distrito Federal, que possui destaque nas experiências com o Programa de Atendimento Educacional Especializado para AH/SD (FERREIRA; MOREIRA, 2021, p. 4, apud DELOU, 2007), as salas de atendimento para estudantes desse grupo são as Tipo 1, as salas específicas que se subdividem em três tipos para atender também pessoas com deficiências visuais e auditivas (DISTRITO FEDERAL, 2010, p.77). A Orientação Pedagógica da Educação Especial, um documento que revisa o Plano Orientador das Ações de Educação Especial nas Escolas Públicas do Distrito Federal publicado em 2006, organiza as ações pedagógicas do atendimento educacional a estudantes com necessidades educacionais especiais da rede pública de ensino do Distrito Federal e esclarece:

Em altas habilidades/superdotação, a sala de recursos se constitui em um espaço de mediação entre os conhecimentos adquiridos no ensino regular e o desenvolvimento do potencial talentoso desse estudante em sua(s) área(s) ou tópico(s) de interesse. Não difere, em espaço físico, de uma sala de aula comum, porém, deve ser equipada com recursos mínimos que possibilitem a realização das atividades de investigação, bem como a construção de protótipos relativos às pesquisas realizadas, seja na área acadêmica ou na área de talento artístico. O estudante realiza atividades de enriquecimento, uma vez por semana, em horário alternativo ao da escola regular. (DISTRITO FEDERAL, 2010, p. 86).

Nesse contexto, o professor exerce o papel de tutor, sendo intermediário no processo de aprendizagem e articulando com outros espaços as demandas que contemplem os interesses do estudante e oferece a ele situações investigativas e atividades de enriquecimento que desembocam na construção do portfólio do aluno e na elaboração e execução de seus projetos.

O professor de uma sala de recursos para estudantes com Altas Habilidades possui autonomia e liberdade para trabalhar suas rotinas e estratégias baseados não em um plano de trabalho fechado, mas nos interesses, focos de aprendizagem e habilidades de seus estudantes, uma vez que o atendimento é voltado para o aprofundamento e enriquecimento de aspectos curriculares e desenvolvimento contínuo de suas aptidões. Em acordo com os documentos orientadores, a prática do professor nesse espaço rompe com os aspectos convencionais do ensino regular, conduta que proporciona aos próprios estudantes maior autonomia, motivação e estímulo.

O número de estudantes por turma é reduzido e essa organização permite assistir com mais eficiência cada aluno durante as quatro horas de atendimento, que ocorre no turno contrário ao do ensino regular, uma vez por semana.

A partir de uma situação problema significativa para o estudante, ele começa a elaborar seu projeto de pesquisa e se houver, o produto final. Ao longo dos atendimentos o estudante não fica restrito ao processo de construção do seu projeto, ele é exposto e tem acesso a diversas experiências, materiais e informações que extrapolam até mesmo o espaço educacional. Além disso, faz atividades de enriquecimento e autoconhecimento que constituirão seu portfólio.

 Similarmente, Ferreira e Moreira (2021) destacam que as atividades de enriquecimento, perante a oferta e seleção dessas atividades, assim como o processo de identificação de estudantes com AH/SD, são desafiadoras no contexto educacional brasileiro, representando uma das muitas dificuldades enfrentadas para garantir a inclusão de estudantes com necessidades educacionais específicas.

As atividades de enriquecimento, que a partir de 2014 contam com propostas de um Modelo de Enriquecimento para toda a escola (SEM) (RENZULLI, 2014), mas baseia-se no primeiro Modelo Triádico de Renzulli, que originalmente era dedicado a programas para alunos superdotados. Sumariamente, esse modelo busca incentivar a produtividade criativa por meio do oferecimento de três tipos de atividades. No tipo I, as atividades são exploratórias gerais, ou seja, os alunos são expostos a vários temas, áreas de interesse e campos de estudo para depois aplicarem o conteúdo avançado e suas habilidades. Esse primeiro tipo se relaciona com a ampliação da visão de mundo. As atividades do tipo II são de treinamento em grupo, cujo principal objetivo é estimular novos interesses e se relaciona com o treinamento de habilidades. Em relação ao tipo III, as atividades são investigações de problemas reais individuais ou em pequenos grupos, geralmente mais direcionadas aos estudantes com AH/SD.

No Modelo Triádico, o enriquecimento do tipo I foi elaborado para expor os alunos a uma ampla variedade de disciplinas, temas, profissões, hobbies, pessoas, locais e eventos que normalmente não estão incluídos no currículo regular [...] O enriquecimento do tipo II foi principalmente elaborado para estimular novos interesses que levam ao seguimento do tipo II ou III pelos alunos que ficam motivados pelas experiências do tipo I. (RENZULLI, 2014, p. 545-546)

Dentre as demais literaturas estudadas (BELFORT; ARANTES-BRERO, 2019; ROSÁRIO; LEANDRO, 2012), foi possível conceber esse tipo de proposta e modelo bastante positivos no desempenho dos estudantes, pois, promove oportunidades férteis para o desenvolvimento e aprendizagens significativas tanto para os estudantes superdotados, quanto para os demais estudantes.

Para que o atendimento e a prática na sala de recursos continuem atendendo a comunidade educacional, é pertinente ressaltar que as políticas públicas devem visar a ampliação de ações governamentais para garantir a plena permanência e inclusão desse público. Acerca do financiamento da educação destinado a SRM, compreendido como um ponto carente de atenção, parte dos recursos destinados ao Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) pode ser utilizado para aquisição de materiais didáticos específicos para SRM e o PDDE – programa dinheiro direto na escola- também pode fornecer recursos para melhoria da estrutura escolar incluindo materiais para SRM. No entanto, as escolas com Salas de Recurso Generalistas recebem verba específica e dividem com as Salas de Altas de Habilidades, mas as escolas sem SRM, dependem da verba do Programa de Descentralização Administrativa Financeira (PDAF). Adiante, estratégias de valorização de profissionais da educação e renovação de estrutura e equipamentos das escolas também fortalecem a permanência do AEE para AH/SD.

Segundo Santos et al. (2023), é preciso compreender as atribuições dos profissionais indicadas na Orientação Pedagógica do Ensino Especial para compreendermos as práticas pedagógicas de professores de salas de recursos que atendam estudantes com comportamento de AH/SD. Para os autores, é preciso saber “i) quem são estes profissionais; ii) o conhecimento que eles têm de suas atribuições e legislação, iii) os saberes docentes sobre a teoria geral proposta por Renzulli.” Dessa forma, será possível verificar que as práticas pedagógicas dos professores das salas de recurso para estudantes com AH/SD acontecem de forma interativa entre as atribuições dos profissionais, a teoria geral prevista nos documentos legais e a efetivação dessas práticas.

Poesia e Possibilidade: O Projeto da Sala de Recursos de uma Escola Pública do Distrito Federal

A Resolução N.º 4 de 2009 atribui ao professor do AEE a identificação e elaboração de estratégias que considerem as necessidades específicas dos alunos atendidos, o desenvolvimento do plano do AEE e a correspondente identificação das necessidades educacionais específicas dos alunos (CNE/CEB, 2009, p.  17).

Nesse sentido, enfatiza-se o trabalho de uma professora que utilizava dinâmicas de apresentação semanal de produção textual de suas alunas no início da aula, antes de serem seguidos os projetos individuais. Embora as produções fossem bastante livres e constantemente surgirem narrativas, contos e prosas, a maior parte das criações semanais eram poesias. Esse era um dos interesses que unia todas as alunas da “Turma de Segunda” e o que mobilizou a criação do Projeto Feira de Poesias.  

A primeira sala de referência onde essa turma era atendida ficava em uma escola quase no fundo da instituição. Era a única sala de recursos dessa escola e o espaço era compartilhado com a psicóloga, de modo que a sala precisava ser dividida ao meio por uma parede precária para que o atendimento aos estudantes e o trabalho da psicóloga fossem realizados simultaneamente.

Para Santos et al. (2023, p. 179), “a sala de recurso específica de AH/SD é apresentada na Orientação Pedagógica (OP) do Ensino Especial do DF como espaço de mediação entre conhecimentos aprendidos na sala regular e o potencial talentoso (área de interesse) do estudante.” Ainda segundo esses pesquisadores, a sala de recursos é o local onde o estudante realiza as atividades de enriquecimento curricular, onde o docente “não deve exercer o papel central da aprendizagem e, sim, o de tutor: aquele que organiza a situação de escolarização, fazendo pontes e articulando com outros espaços e outros profissionais os interesses para a realização dos projetos de seus estudantes.”

Devido ao pouco espaço destinado ao atendimento e a falta de investimento da gestão escolar, a sala não possuía estrutura adequada e havia desafios na realização dos projetos individuais visto que as atividades se desenvolviam à mercê de notebooks muito antigos e que não sincronizavam com a internet. Muitas vezes a professora arcava com o próprio salário para providenciar dispositivos de auxílio. As situações adversas de atendimento não são uma exclusividade desse caso, conforme explicam Santos et al. (2023), o quantitativo de alunos atendidos é um dos pontos de tensão no que diz respeito à organização e continuidade das salas de recurso, sendo influente em questões a manutenção das salas.  

De acordo com a nota técnica nº 11/2010, que orienta a institucionalização da oferta do Atendimento Educacional Especializado em Salas de Recurso Multifuncionais implantadas nas escolas de ensino regular, o Decreto nº 6949/2009. Vejamos:

Dispõe sobre o apoio técnico e financeiro da União para ampliar a oferta do atendimento educacional especializado, regulamentando, no art. 9º, para efeito da distribuição dos recursos do FUNDEB, o cômputo das matrículas dos alunos da educação regular da rede pública que recebem atendimento educacional especializado, sem prejuízo do cômputo dessas matrículas na educação básica regular (BRASIL, 2009).

Essa disposição e a apresentação do Programa Implantação de Salas de Recursos Multifuncionais oferecem juntas possibilidades para reconhecer que é incumbência dos estabelecimentos de ensino disponibilizar espaço físico e direcionar as verbas governamentais para as SRM, incluindo aquelas que atendem estudantes com Altas Habilidades/Superdotação.  

O Projeto foi uma realização coletiva de cinco alunas que compunham a Turma de Segunda. Para que suas identidades sejam protegidas, optamos por utilizar apenas uma letra para a identificação de cada uma. As estudantes estavam matriculadas regularmente no ensino médio: S, R e T, no segundo ano e N, no terceiro. S, R e N estudavam na mesma escola, T e G estudavam em escolas diferentes. Embora S, R e N compartilhassem alguns momentos na instituição de origem, a sala de recursos era o lugar onde todas as meninas se reuniam e compartilhavam seus interesses, além de fortalecerem a amizade e se ajudarem nos processos de criação e execução.

A turma de segunda era muito unida, suas integrantes gostavam de socializar suas produções e aprenderem com as demais, visto que cada uma possuía diferentes gêneros textuais como domínio, dividir leituras, falar sobre músicas e séries e até mesmo sobre instrumentos musicais. Muitas vezes conversavam durante os momentos de produção e dialogavam sobre suas vidas e outras reflexões de ordens individual e social.

De acordo com as autoras do Projeto, foi durante uma conversa sobre as condições da sala em que estavam alocadas e pensando em alternativas para arrecadar fundos que surgiu a ideia de produzir algo para que fosse passível de venda. Uma das alunas sugeriu que fossem as próprias poesias.

Em coletivo, as estudantes idealizaram o projeto que foi orientado pela professora orientadora. A primeira feira de poesias aconteceu em novembro de 2018 durante a reunião de pais com a venda de marca-páginas com poesias a um valor simbólico na intenção de arrecadar fundos para a compra da impressora da sala. Em junho de 2019 foi realizada a segunda edição, intitulada “Leitura que Cura”, estendida à comunidade extraescolar.

Em novembro do mesmo ano, ocorreu a terceira e mais marcante edição, denominada ‘Metamorphosis’. O objetivo central do que havia se tornado um Projeto de intenção anual não era mais o de arrecadar fundos, mas de viabilizar e incentivar a arte e a poesia para a periferia, além de dar visibilidade ao atendimento e projetos realizados pelos alunos na sala de recursos. Essa foi a edição com o maior e mais engajado público, além de maior estrutura de evento e apoio. Além dos materiais para venda, que agora tinham os lucros direcionados para a realização das próximas edições, havia roteiro de atividades e apresentação, participação ativa do público (não era mais público-espectador) ambientação e decoração em arranjo de instalação artística.

É importante ressaltar que durante todas as edições, as alunas seguiam concomitantemente com seus projetos individuais, mas a Feira de Poesias foi central no desenvolvimento. Com ela havia a oportunidade de continuar desenvolvendo as habilidades relacionadas à escrita e à linguagem (da área de potencial elevado); aprofundar a temática poesia; aprender a trabalhar com temas; aprender a manusear novos recursos; aprender sobre divulgação e gestão de eventos, entre outras.

Após 2019, a Turma de Segunda não realizou mais exposições devido ao fim desse ciclo junto com a formatura do ensino médio, mas o projeto teve sua quarta edição em maio de 2022 após o período de pandemia da Covid-19[1] e respectiva quarentena e foi motivado justamente pela continuidade do ‘legado’ do projeto pelas turmas que continuaram no ciclo. O projeto continua sendo incentivado para as turmas que permanecem no atendimento e a ideia é incentivada também em outros contextos, para que o conceito da Feira de Poesias continue sendo perpetuado autonomamente (mas com apoio docente e institucional) pelos novos alunos de salas de recurso e plantado em salas de aula regulares, possibilitando ainda a visibilidade das criações dos alunos.

O Quadro 1 sintetiza as informações centrais do Projeto Feira de Poesias e apresenta os objetivos gerais das edições. Como o Projeto foi construído em simultâneo às realizações das edições, não possui uma minuta elaborada pelas autoras ou professoras.

Quadro 1: Síntese do Projeto

Objetivos

  • Desenvolver as habilidades relacionadas à escrita e linguagem;
  • Arrecadar fundos para viabilização dos projetos criados pelos alunos;
  • Promover e incentivar o conhecimento dos alunos acerca da literatura;
  • Dar visibilidade aos trabalhos e projetos dos alunos da SRAH;
  • Viabilizar o acesso a mostras de arte para a periferia;

Conteúdos curriculares

  • Gêneros textuais
  • Tipos textuais
  • Estrutura gramatical – Poemas e poesias
  • Funções poéticas da linguagem
  • Transposição poética de gêneros textuais

Metodologia

  1. Mapear objetivos
  2. Estruturar o projeto
  3. Divulgar o projeto
  4. Materialização
  5. Culminância

Adequação ao AEE

Atendimento Educacional Especializado para alunos com Altas Habilidades

Avaliação de aprendizagem

Avaliação contínua de acordo com a Política Nacional de Educação Especial para o atendimento às Altas Habilidades

Fonte: Autoria própria (2023).

Pelo Quadro 1, constata-se que o Projeto da Turma de Segunda alinha-se com a proposta do Atendimento Educacional Especializado para estudantes com Altas Habilidades/Superdotação na medida em que permite aprofundar conteúdos curriculares ligados às habilidades e potencialidades das estudantes, nesse caso, a poesia. Além disso, os objetivos estão em consonância com o objetivo geral do próprio atendimento e permite ampliar as habilidades e incentivar a comunidade geral fora do AEE a criar interesse na temática.

Observa-se, também, uma faceta sensível e, ao mesmo tempo, necessária do ponto de vista social ao permitir e promover acesso a uma temática por vezes elitizada no Brasil à periferia, em um movimento de nascente do próprio lugar de origem das estudantes para correr também nesse lugar, não apenas em ambientes acadêmicos.

Possibilidade na Práxis: Análises

Considerando o tipo de trabalho que deve ser realizado no Atendimento Educacional Especializado para estudantes com Altas Habilidades é possível elencar três pontos chaves para interpretar o Projeto apresentado: 1. o AEE como complemento para trabalhar necessidades específicas; 2. mediação entre os conhecimentos adquiridos no ensino regular e o desenvolvimento do potencial talentoso do estudante em sua(s) área(s) ou tópico(s) de interesse e 3. atividades de enriquecimento.

No primeiro aspecto, a professora orientadora trabalhou não só as necessidades específicas das estudantes como pessoas com Altas Habilidades, mas a especificidade da própria turma realizadora, que tinha a poesia e os poemas como focos de aprendizagem, oferecendo abertura para que as produções fossem por esse caminho textual e fossem socializadas dessa maneira. Além disso, com essa estratégia, permitia também desenvolver o potencial talentoso para além das propostas de projetos e portfólios individuais.

Em relação ao segundo aspecto, a professora mediava principalmente os conhecimentos da área acadêmica humanas adquiridos no ensino regular, focalizando a língua portuguesa, a linguagem e a escrita com o desenvolvimento das habilidades das estudantes por meio do incentivo à poesia, escrita de poemas e documentação das próprias produções. Gêneros e tipos textuais, a estrutura gramatical, as funções poéticas da linguagem e a transposição poética de gêneros textuais também foram abordagens utilizadas, em um movimento evidente de relação com o currículo do ensino regular.

Quanto às atividades de enriquecimento, além de orientar e incentivar práticas relacionadas à área acadêmica humanas, a professora explorava jogos e criava outras situações pedagógicas que trabalhavam aspectos como a imaginação e o raciocínio lógico. Momentos de enriquecimento com atividades da área de habilidade da turma tornam as aprendizagens mais significativas por dialogarem com o contexto, a realidade e o interesse dos estudantes, além de contemplar os estilos de aprendizagem e oferecerem outros caminhos de aprendizagem.

De acordo com Ferreira e Moreira (2021, p. 2) diferentes ações e programas educacionais, apoiados em modelos teóricos têm se dedicado a atender as necessidades educacionais específicas de estudantes com AH/SD ao redor do mundo. Dentre as propostas, pode-se destacar a compactação do currículo, o agrupamento, a aceleração de estudos e o enriquecimento curricular (ALENCAR; FLEITH, 2001; VIRGOLIM, 2014).

O Projeto Feira de Poesias se constituiu como uma oportunidade fértil de criação, pois permitiu que estudantes entre 15 e 18 anos desenvolvessem seus potenciais talentosos em sua área de habilidade ao mesmo tempo em que desenvolviam um projeto que se tornou de intenção anual para ser realizado com todas as turmas seguintes. Nesse processo mútuo em que as alunas desenvolviam o Projeto e o Projeto auxiliava no desenvolvimento delas, elas também adquiriram outras competências e habilidades, tanto de sua área, quanto de novos recursos. Foi, para elas, uma oportunidade de desenvolver a criatividade e se sentirem desafiadas e incentivadas a isso.

A sala de recursos fez-se espaço possibilitador, pois o trabalho nela permitiu que a Turma fosse além das paredes da sala com seus projetos, criassem uma maneira de arrecadação para suprir as necessidades contextuais relacionando seus interesses e focos de aprendizagem e, mais tarde, ampliando o que era uma simples feira em um Projeto Coletivo, deixando ainda um legado que inspira os novos estudantes da sala que um dia fizeram parte. Essas oportunidades são inovadoras, pois extrapolam o consumo de textos ou competências gramaticais, permitem protagonismo, autoria e, principalmente, participação ativa. Foi por meio do trabalho a partir das potencialidades que as jovens movimentam não só o núcleo de Altas Habilidades que estavam inseridas, mas a escola que abriga a sala de recursos e toda a comunidade intraescolar e extraescolar.

Desfecho em Reticências: Reflexões Finais

O presente estudo traçou reflexões acerca das Altas Habilidades/Superdotação e a sala de recursos como espaço de criação de novas possibilidades educativas para alunos superdotados por meio do estudo de caso do Projeto Feira de Poesias, realizado em uma escola pública. Assim, foi possível constatar, sumariamente, que as oportunidades propiciadas pela sala de recursos são inovadoras pois superam as paredes das salas de aula, permitem o protagonismo e estimulam a criatividade.

As discussões internacionais sobre inclusão educacional ganharam força desde a década de 70 e a partir da década de 90, se intensificou devido a Declaração de Salamanca (1994), que trata dos princípios, políticas e práticas em educação especializada e, no contexto brasileiro, com a elaboração da Política Nacional de Educação Especial (1994). No entanto, ao voltar o olhar para os estudantes com Altas Habilidades/Superdotação é possível notar inconsistências políticas e educacionais, e os estigmas e vulnerabilidades que atravessam esse público.

A definição de Altas Habilidades baseia-se no aporte teórico de Joseph Renzulli, diretor do Centro de Pesquisa Nacional sobre superdotados e talentosos. Seu aporte teórico é conhecido como Teoria dos Três Anéis e, de modo simplificado, explica que os traços de superdotação se encontram na intersecção de três anéis: habilidade acima da média, comprometimento com a tarefa e criatividade.

Em termos Legais, as Altas Habilidades/Superdotação e suas respectivas políticas educacionais são principalmente citadas pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação e pelo Plano Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva, além de algumas portarias, decretos e outros documentos governamentais. No entanto, a efetivação da educação na perspectiva inclusiva só é efetivada por meio de estratégias pedagógicas e amparo político que considerem as necessidades educacionais e específicas em uma prática concreta. Dessa maneira, o Atendimento Educacional Especializado a oferta de espaços para que ele aconteça podem se tornar ferramentas de efetivação e inclusão.

Em relação ao atendimento a estudantes com AH/SD, este requer um olhar atento voltado a suas características, singularidades e potencialidades, para que, por meio de situações de enriquecimento que englobam suas áreas de interesse, formas de aprendizagem e expressão, suplementando o atendimento educacional regular, ofereçam oportunidades de desenvolvimento.

O Projeto Feira de Poesias, realização de uma turma de Altas Habilidades de uma escola pública, pode ser considerado exemplo de uma prática inovadora que só foi viabilizada porque as estudantes possuíam acesso à sala de recursos e ao AEE. As atividades realizadas nesses espaços são focadas em abordagens mais investigativas de aprendizagem que proporcionam maior envolvimento e prazer com a tarefa, fazem com que os estudantes se sintam instigados na resolução de desafios e proporcionam um aprendizado mais significativo. Proporcionando o desenvolvimento ao estímulo da criatividade, permitindo que os estudantes explorem as diferentes formas literárias, ampliação das expressões oral e escrita.

Assim, a integração de produções livres e diversas que a SRM proporciona a exemplo desta, com ênfase em poesias, não apenas enriquece o ambiente educacional, mas também contribui para o desenvolvimento integral dos estudantes em várias dimensões. Diante do exposto, reforça-se ainda, a necessidade de um olhar direcionado à superação dos estigmas associados a pessoas com altas habilidades e as vulnerabilidades tanto emocionais, quanto sociais pelas quais os estudantes são atravessados.

Para Ferreira e Moreira (2023), o cenário educacional brasileiro ainda está permeado de diversas concepções equivocadas acerca das altas habilidades/superdotação, a percebendo como fenômeno raro. Essa visão incorreta contribui para a dificuldade na implementação de estratégias eficazes que propiciem desenvolvimentos adequados para os estudantes com essa característica.

Vivenciar as potencialidades que uma sala de recursos pode oferecer a estudantes com comportamentos de altas habilidades/superdotação permite ainda processos de autoconhecimento e consciência desse lugar de desenvolvimento como cenário de protagonismo do próprio aprendizado e autonomia acadêmica e intelectual, visto que esses indivíduos, muitas vezes despercebidas e mascaradas pelo rótulo da superdotação e inteligência acima da média, são atravessadas pelas adversidades do desenvolvimento assincrônico.

 Importa destacar que, no Distrito Federal, as salas de recursos para estudantes com AH/SD têm atenção especial, uma vez que a organização do trabalho pedagógico dos professores que atuam nessas salas exige estudo, preparo, dedicação e saberes docentes assentados em teorias existentes, amplamente conhecidas a nível mundial, cujas práticas exigem, muitas vezes, formação docente elevada.

Foi por meio das subversões literárias e linguísticas que a Turma de Segunda encheu ‘os vazios com peraltagens’ à maneira de Manoel de Barros (2021) e assim esperamos que mais histórias possam transformar o mundo poético e a realidade da educação brasileira.

 

O Menino que Carregava Água na Peneira

[…] O menino aprendeu a usar as palavras. 
Viu que podia fazer peraltagens com as palavras. 
E começou a fazer peraltagens. 

Foi capaz de modificar a tarde botando uma chuva nela. 
O menino fazia prodígios. 
Até fez uma pedra dar flor. 

A mãe reparava o menino com ternura. 
A mãe falou: Meu filho você vai ser poeta! 
Você vai carregar água na peneira a vida toda. 

Você vai encher os vazios 
com as suas peraltagens, 
e algumas pessoas vão te amar por seus despropósitos!

Agradecemos ao Grupo de Pesquisa Dzeta Investigações em Educação Matemática (DIEM); à Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal (FAPDF, Edital 12/2022, Programa FAPDF Learning) e ao Programa de Educação Tutorial da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (PET EDU – UnB).

REFERÊNCIAS

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Geraldo Eustáquio Moreira

Universidade de Brasília - UnB

Correspondência: geust2007@gmail.com

Sabrina Maciel Fernandes de Almeida

Universidade de Brasília - UnB

Correspondência: edu.pet.unb@gmail.com


Revista IGT na Rede, v. 22, nº 43, 2025, p.1-30 DOI 10.5281/zenodo.16883698
Disponível em
http://www.igt.psc.br/ojs ISSN: 1807-2526


[1] Segundo Moreira e Vieira (2020, p. 171), “A Organização Mundial da Saúde declarou, em janeiro de 2020, o surto da doença causada pelo novo coronavírus e, em março, a Covid-19 foi caracterizada como uma pandemia que vem trazendo imensos desafios para todos os setores da sociedade, sendo decretado o estado de calamidade pública no Brasil, cujas restrições de contato interpessoal e convívio social trouxeram inúmeros desafios a serem superados.” Para os pesquisadores, no Distrito Federal houve uma série de medidas que visaram o combate à proliferação da Covid-19, entre elas, a suspensão das aulas, que trouxe severas consequências educacionais.