FIRMO, Maria Alicya Teixeira Alves. BELMINO, Marcus Cézar de. – “O sofrimento do sujeito do desempenhona sociedade do cansaço à luz da Gestalt-terapia: uma revisão de literatura.”
ARTIGO
O sofrimento do sujeito do desempenho na sociedade do cansaço à luz da gestalt-terapia: Uma revisão de literatura.
The suffering of the sunject of performance in the fatigues socity in the light os Gestalt-terapia: A literature review.
Maria Alicya Teixeira Alves Firmo
Marcus Cézar de Borba Belmino
RESUMO
O presente artigo busca fazer um paralelo entre a antropologia da neurose descrita pela Gestalt-terapia e a compreensão da Sociedade do Cansaço apresentada por Byung-Chul Han a partir de uma revisão bibliográfica realizada, principalmente, por meio dos livros do filósofo coreano, Fritz Perls e Paul Goodman. Para isto, discute-se como a Gestalt-terapia compreende a antropologia da neurose, a partir das ideias de Fritz Perls e, principalmente, Paul Goodman, que faz uma leitura crítica da cultura americana contemporânea e compreende a neurose como sendo resultado das coerções sociais. Posteriormente, apresentou-se o que é esta Sociedade do Cansaço intitulada por Byung-Chul Han e o que ela produz, assim como quem é esse sujeito do desempenho apático e desvitalizado. Frente a isso, articulou-se a coerção produzida pela Sociedade do Cansaço no sujeito do desempenho, apresentando que a Gestalt-terapia compreende esse sofrimento como sendo uma resposta criativa do ser a essas coerções e consequentemente, uma forma de resistência, evidenciando que não é possível atuar na psicologia clínica, a partir da abordagem gestáltica, sem compreender as nuances dessa sociedade que afeta diretamente e drasticamente o sujeito do desempenho que tem adoecido e sofrido demasiadamente. Por fim, percebeu-se que compreender a antropologia da neurose descrita pela Gestalt-terapia, na prática clínica, é trazer esperança para a sociedade do cansaço.
Palavras-chave: Sociedade do Cansaço. Sujeito do Desempenho. Gestalt-terapia. Byung-Chul Han. Psicologia.
ABSTRACT
This article seeks to make a parallel between the anthropology of neurosis described by Gestalt therapy and the understanding of the Fatigue Society presented by Byung-Chul Han based on a literature review carried out mainly through the books of the Korean philosopher, Fritz Perls and Paul Goodman. To this end, it is discussed how Gestalt therapy understands the anthropology of neurosis, based on the ideas of Fritz Perls and, mainly, Paul Goodman, who makes a critical reading of contemporary American culture and understands neurosis as a result of social coercions. Subsequently, it was presented what is this Society of Fatigue entitled by Byung-Chul Han and what it produces, as well as who is this subject of apathetic and devitalized performance. In view of this, the coercion produced by the Fatigue Society in the performance subject was articulated, presenting that Gestalt therapy understands this suffering as a creative response of the being to these coercions and consequently, a form of resistance, evidencing that it is not possible to act in clinical psychology, from the Gestalt approach, without understanding the nuances of this society that directly and drastically affects the performance subject who has become ill and suffered Too. Finally, it was realized that to understand the anthropology of neurosis described by Gestalt therapy, in clinical practice, is to bring hope to the society of fatigue.
Keywords: Fatigue Society. Subject of Performance. Gestalt therapy. Byung-Chul Han. Psychology.
INTRODUÇÃO
No livro “Sociedade do Cansaço” (2017), Byung-Chul Han afirma que a sociedade do século XXI é uma sociedade do cansaço, constituída a partir do modo de vida neoliberal que se origina na década de 1970. Com isso, percebe-se que uma das questões que afetam e perpassam tal modo de vida é o sofrimento que pode ser desencadeado no indivíduo, já que para Han essa sociedade do cansaço é composta por sujeitos do desempenho e da produção, cujo modo de funcionar produz indivíduos “depressivos e fracassados” (Han, 2017, p. 25).
No que diz respeito a Gestalt-terapia, a abordagem psicoterápica compreende o sofrimento humano, na contemporaneidade, a partir de uma leitura crítica feita da cultura. Por mais que Fritz Perls inicie essa discussão na obra Ego, Fome e Agressão de 1942, é a partir das ideias trazidas por Paul Goodman sobre a antropologia da neurose, no livro Gestalt-terapia (1997), que essa discussão se permeou. De antemão, é válido ressaltar que sofrimento humano, para a Gestalt-terapia, não pode ser compreendido como um fenômeno isolado (Francesetti, 2021). Isso implica dizer que não é possível analisar as formas de sofrimento humano a partir, somente, de um dado estatístico, por exemplo, porque ele é resultante da relação que o sujeito estabelece com o mundo e com a sua forma de existir. Com isso, Perls (2020) anuncia que quanto mais o sujeito permite que a sociedade o influencie e dite o seu modo de funcionar e viver, mais neurótico esse indivíduo tornar-se-á, por interromper o sujeito.
Diante do exposto, este trabalho parte do seguinte questionamento: Como a Gestalt-terapia compreende o sofrimento psíquico do sujeito do desempenho produzido pela Sociedade do Cansaço? Tendo como objetivo principal apresentar qual a leitura da Gestalt-terapia sobre o sofrimento psíquico produzido pela Sociedade do Cansaço no sujeito do desempenho. Para isto, este trabalho caracteriza a Sociedade do Cansaço a partir do conceito criado pelo filósofo Byung-Chul Han, aponta como a Gestalt-terapia compreende o sofrimento psíquico e, por fim, apresenta qual a leitura da Gestalt-terapia sobre o sofrimento psíquico produzido pela Sociedade do Cansaço no sujeito do desempenho.
Portanto, é academicamente relevante estudar tal tema para aumentar quantitativamente os artigos científicos produzidos sobre a temática a partir de uma leitura gestáltica e este paralelo foi feito porque Fritz Perls e Paul Goodman apresentam a ideia no livro Gestalt-terapia de 1951 a partir do cenário percebido nos Estados Unidos na década de 1950, sendo necessário atualizar as discussões sobre o sofrimento para a Gestalt-terapia tendo em vista as mudanças que aconteceram na sociedade ao longo desses anos, como mencionam Dardot e Laval (2016) ao afirmarem que existe uma nova configuração neoliberal, o que gera novas formas de sofrimento, como descrevem Safatle et al., na obra Neoliberalismo como gestão do sofrimento psíquico (2022). Posto isso, academicamente este trabalho é relevante porque Fritz Perls e Paul Goodman iniciaram uma discussão sobre as formas de sofrimento na década de 1950, mas não foi realizado um paralelo entre como a gestalt-terapia compreende o sofrimento no sujeito do desempenho causado pelo modo de vida que permeia a sociedade do cansaço.
Para além disso, faz-se necessário, socialmente, discutir como essa busca desenfreada por produtividade tem adoecido grande parcela da sociedade e por fim, o desejo de estudar tal temática emergiu das demandas clínicas trazidas pelos pacientes atendidos na minha prática de estágio supervisionado, que de forma unânime, relatavam cansaço em seu discurso. Com isso busco evidenciar até onde esse modo de vida neoliberal afeta a existência e, consequentemente, a prática c1ínica, tendo em vista que pode ser no campo da psicoterapia onde o indivíduo poderá vir a se dar conta do sofrimento que o atravessa.
Belmino afirma que a Gestalt-Terapia é “uma forma possível de olhar para o mundo-da-vida e criar pontes para criticar e intervir na sociedade” (2020, p. 131), pensando-a como uma ética, assim, esta pesquisa não se trata apenas de articular conceitos, mas de pensar formas éticas de intervir na prática clínica.
A partir disso, o presente artigo apresenta, inicialmente, a metodologia utilizada para realizar esta pesquisa, posteriormente, no referencial teórico, explana o que a Gestalt-terapia compreende como antropologia da neurose, define e caracteriza a sociedade do cansaço e, por fim, apresenta-se como a Gestalt-terapia compreende o sofrimento humano desencadeado pela sociedade do cansaço.
METODOLOGIA
Esta pesquisa, no que tange a sua natureza, classifica-se, de acordo com Triviños (1987), como qualitativa, tendo em vista que busca o significado dos dados e não apenas o que está dado com o fenômeno. No que diz respeito aos objetivos é de caráter descritiva, pois busca descrever como a Gestalt-terapia compreende o sofrimento psíquico que é produzido pela sociedade do cansaço e estabelecer uma possível relação entre esse modo de vida e o sofrimento que pode ser gerado por ele à luz da Gestalt-terapia, uma vez que, de acordo com Gil “as pesquisas descritivas têm como objetivo primordial a descrição das características de determinada população ou fenômeno ou, então, o estabelecimento de relação entre variáveis” (2018, p. 42). Já o método utilizado para realizar esta pesquisa foi o bibliográfico, pois desenvolveu-se com base em materiais já elaborados como os livros do Byung-Chul Han, Frederick Perls, Laura Perls, Paul Goodman e artigos científicos (Gil, 2018) disponíveis nas bases de dados da Pubmed, Scielo, PEPsic, BVS, Doaj, Sciencedirect, Periódicos Capes e Google acadêmico, articulando as seguintes palavras-chave: Gestalt-terapia, sofrimento psíquico e Sociedade do Cansaço. No entanto, após uma pesquisa articulando essas palavras chaves, percebeu-se uma escassez de artigos científicos nas bases de dados supracitadas e devido a isso, utilizou-se fontes primárias e secundárias da Gestalt-terapia e da Sociedade do Cansaço.
A NEUROSE COMO POSSIBILIDADE DE (SOBRE)VIVÊNCIA NA SOCIEDADE DO CANSAÇO
A neurose como forma de resistir: o algo que escapa
“A neurose é o reconhecimento de que, mesmo frente à opressão do sistema, ainda haverá algo que escapa e que se diferencia a todo e qualquer controle, a saber, a capacidade de resistência.” (Belmino, 2017, p. 312)
A Gestalt-terapia é uma abordagem psicoterápica criada por Frederick Perls, Laura Perls e Paul Goodman, na década de 1950. Friz e Laura Perls produziram uma releitura da teoria psicanalítica a partir dos fundamentos do holismo e da teoria organísmica que foi publicado na obra Ego, Fome e Agressão de 1942, e posteriormente, com a contribuição de Paul Goodman, que realizou uma releitura fenomenológica introduzindo debates da política anarquista e das discussões da cultura dentro do contexto americano, foi publicado o livro Gestalt Therapy: Excitemente and Grouth in the Human Personality em 1951.
Durante a década de 50 e 60, a Gestalt-terapia foi se integrando ao movimento humanista existencial ou terceira força da psicologia (Belmino, 2021), influenciada pela Teoria Organísmica de Kurt Goldstein e pela Psicologia da Gestalt. Devido as suas influências, a Gestalt-terapia compreende o ser humano como uma totalidade que está em constante relação e consequentemente, sendo afetado pelo campo em que está inserido, e, ainda, compreende que o sujeito realiza ajustamentos[1] para satisfazer suas necessidades.
Com base na sua compreensão holística e relacional, a Gestalt-Terapia entende que o sofrimento se fundamenta no campo relacional, ou seja, o sofrimento é resultado da relação que o sujeito estabelece com o mundo, como menciona Francesetti “o sofrimento nasce do campo relacional que a pessoa atravessa, vive e expressa” (2021, p. 47). Assim, adoecer, para a Gestalt-terapia é “estar em desarmonia relacional, seja com o mundo em geral, seja consigo mesmo” (Holanda, 1998). Portanto, se o indivíduo estabelece uma relação com o mundo que não satisfaz as suas necessidades, sua autorregulação organísmica não acontece e consequentemente, pode culminar no que Perls, Hefferline e Goodman (1997), irão intitular de neurose a partir de uma releitura produzida dos textos de Sigmund Freud e dos neopsicanalíticos.
No entanto, antes de Perls, Hefferline e Goodman (1997) e outros autores, contemporâneos, como Francesetti (2021), Yontef (1998), Pinto (2015) e Pimentel (2003), na obra Ego, fome e agressão, escrita em 1942, quando Fritz ainda era psicanalista, ele começa a ensaiar uma ideia do que seria a neurose, diferente do que pensava a psicanálise, ao afirmar que “o conflito mais importante que pode levar a uma personalidade integrada ou a uma neurótica é o conflito entre as necessidades sociais e as biológicas do homem” (Perls, 2002, p. 105), ou seja, em 1942 ele já afirmava que o conflito entre as imposições sociais e as necessidades organísmicas, é o que fundamenta a “personalidade neurótica” (id, p. 105). Isso quer dizer que a partir do momento que o corpo do indivíduo necessita dormir oito horas diárias e ele dorme cinco horas ou menos do que isso porque a sociedade impõe um discurso de alta performance que ele deve “trabalhar enquanto eles dormem”[2], evidencia um conflito entre o que lhe é necessidade e o que é imposto socialmente, e consequentemente, pode haver a desintegração, que pode desencadear sofrimento.
Perls continua, ao escrever que a “humanidade criou a regulação moralista” (2002, p. 105), com isso, ele anuncia que a sociedade criou comportamentos padronizados baseados em uma questão moral. No entanto, diante de comportamentos padronizados e pré-estabelecidos, moralmente, o desejo do sujeito e suas necessidades individuais não são satisfeitas e com isso, o sujeito pode se tornar alheio aos padrões sociais e seu modo positivo[3] de operar.
No entanto, a Gestalt-terapia se fundamenta na teoria da autorregulação organísmica, que “segundo Goldstein, é o princípio natural que rege o funcionamento do organismo” (Lima, 2014, p. 88), isso quer dizer que se o indivíduo tem necessidades, elas precisam ser satisfeitas, quando não, elas retornam.
Para além dessa ideia, na mesma obra, Perls (2002) apresenta o que, posteriormente, Goodman irá chamar de antropologia da neurose, na obra Gestalt-terapia (1997)[4], publicada sua primeira edição em 1951. Onde ele, Perls, explica os primeiros conflitos da hierarquia de necessidades a partir dos estágios de desenvolvimento da mordida do recém-nascido, onde o bebê começa a atacar o alimento sólido, a fim de destruir a estrutura do alimento.
No entanto, o mamilo das mães se torna uma “coisa” para ser mordida (ou destruída) e consequentemente, o bebê morde-o, causando dor e aborrecimento na mãe. Com isso, a criança poderá levar palmadas e, assim, o ato de morder, passa a ser visto como “machucar e ser machucado” (Perls, 2002, p. 167). Fazendo-o concluir que “quanto mais a atividade de morder é inibida, menos a criança desenvolverá a habilidade de enfrentar um objeto” (id.) quando for exigido, porque ela passará a entender que destruir/morder é sinônimo de punição.
Percebe-se, então, que a inibição dessa criança poderá fazê-la desenvolver uma relutância em machucar para não ser machucada, por isso na obra Gestalt-terapia, Perls, Hefferline e Goodman discutem a importância de resgatar o ato de morder que foi inibido/reprimido na infância (1997, p. 115), tendo em vista que se esse indivíduo começa a ser inibido na infância há uma maior probabilidade de este tornar-se um adulto com dificuldades de enfrentar sua vida, como evidencia Perls que
Quanto mais a habilidade de machucar é inibida e projetada, mais a criança desenvolverá o medo de ser machucada; e este medo de retaliação, por sua vez, produzirá uma relutância ainda maior para infligir a dor. Nesses casos, o uso insuficiente dos dentes incisivos é encontrado, junto com uma incapacidade de ter controle sobre a vida, de enfrentar uma tarefa. (2002, p. 167)
Uma história que pode ser utilizada para explicar e possibilitar melhor compreensão do que seria a antropologia da neurose, é a obra O Pequeno Príncipe (2015), Quando O Piloto afirma, no começo da história que deixou de desenhar porque os adultos não entendiam o seu desenho e julgavam aquilo que ele desenhava, tem-se o bloqueio da criatividade daquela criança.
As pessoas grandes aconselharam-me a deixar de lado os desenhos de jiboias abertas ou fechadas e a dedicar-me de preferência à geografia, à história, à matemática, à gramática. Foi assim que abandonei, aos seis ano, uma promissora carreira de pintor. Fora desencorajado pelo insucesso do meu desenho número 1 e do meu desenho número 2. (Saint-Exupéry, 2018, s/p[5])
Consequentemente, O Piloto tem parte de sua criatividade interrompida, já que não consegue mais desenhar devido ao que aqueles adultos falaram a respeito do seu desenho. Assim, essa criança cresce com sua criatividade, liberdade e espontaneidade cerceada. A partir disso, é que podem se fundar adultos frustrados, que irão sobreviver, porque poderão viver suas vidas e fazerem suas escolhas, com base nos padrões impostos socialmente. E, até entenderem que as escolhas que fazem por eles não são suas, e sim dos outros, ter-se-ão vidas infelizes, adultos estressados, mal-humorados, cansados, vivendo de excessos para suprir uma falta que, muitas vezes, podem ter início na infância, ou não necessariamente na infância, mas uma falta que existe.
O Piloto leva consigo o seu primeiro desenho com a esperança de que algum adulto o compreenda, mas quantos adultos não levam consigo sonhos de criança, na esperança de que alguém os valide? Eis a importância do processo terapêutico, que não deixa de ser um espaço de validação dos sonhos dessas crianças, mas pode ser, principalmente, um espaço para mostrar que independente de alguém validar ou não aquele sonho, o sujeito tem a liberdade para sonhar.
Com base nisso, descrever a antropologia da neurose “é mostrar o que se ‘perdeu’ da natureza humana” (Perls, Hefferline e Goodman, 1997, p. 119), por isso pensar a antropologia da neurose tem como objetivo evidenciar o que se “perdeu” da natureza humana, já que, o neurótico é um indivíduo interrompido, como o Piloto.
Assim, para Goodman “a história da humanidade é a história da evitação de conflitos em prol da segurança e da previsibilidade” (Belmino, 2017, p. 254), ou seja, em busca de segurança, a humanidade evita os conflitos, assim como faz o piloto, guardando seu desenho para evitar o conflito, tornando-se previsível. No entanto, o preço disso tem sido a apatia e a desvitalização.
Vincent (1978, p. 20/21) afirma que “o homem moderno está pois cada vez mais estreitamente inserido numa ordem mecânica à qual todas as outras ordens se submetem, e onde ele perde a sua natureza de homem tornando-se, por uma trágica reviravolta das coisas, objecto da técnica”. Assim, percebe-se uma objetificação do sujeito, de quem ele o é, e como resultado disso, tem-se a apatia e a desvitalização mencionada por Belmino, como supracitado.
Muller-Granzotto e Muller-Granzotto afirmam que “o neurótico cria respostas incompatíveis com as possibilidades abertas pelo dado no meio” (2016, p. 261) ou seja, as respostas dadas pelo neurótico são incompatíveis com as suas necessidades, “como se seu comportamento fosse atravessado por um estranho” (id.) e “mais do que isso, o ‘autor’ desses comportamentos parece sofrer com isso; ou, então, seus comportamentos exprimem sofrimento” (id., p. 262). Dessa maneira, os comportamentos atravessados por um estranho que seria o imperativo social, pode trazer sofrimento, justamente pelo fato de não serem comportamentos para satisfazer necessidades que são suas, mas de um outro.
Para além da ideia que Fritz traz sobre a neurose, Goodman ampliará a compreensão sobre a antropologia da neurose no livro Gestalt-terapia evidenciando que tal modo de funcionar constitui uma “fisiologia secundária” (Perls, Hefferline e Goodman, 1997, p. 202), ou seja, esses comportamentos marcados por inibição e repressão estão incutidos na experiência corporal.
Devido a imposição social de que o indivíduo deve trabalhar oito horas por dia, por exemplo, ele desenvolveu má postura corporal para suportar ficar tanto tempo sentado, isso é o que Goodman nomeará de fisiologia secundária. É um comportamento, onde o corpo do sujeito se utiliza para se ajustar e conseguir se autorregular diante das imposições de um outro. Assim, para Goodman a neurose é “uma forma de responder às coerções [...] ela se mostra como um modo de criação da natureza humana frente às adversidades” (Belmino, 2017, p. 283). Posto isso, percebe-se que o que se tem, é que a neurose é uma forma de ajustamento encontrada pelo sujeito, devido às tantas formas de coerção, mas o preço disso são pessoas “apáticas, sufocadas, ansiosas, mas em compensação, também previsíveis, dóceis e estáveis” (Belmino, 2021, p. 34).
Assim como Belmino (2021), Muller-Granzotto e Muller-Granzotto afirmam que
a neurose é um conflito entre o tempo com o qual eu desejo operar e o tempo que o outro social me impõe como forma de controle de minha mobilidade política. Trata-se, em última instância, de um modo de eu me posicionar frente ao ataque biopolítico estabelecido pelo outro social capitalista, como se eu pudesse resistir às estratégias alienantes que ele me oferece (2012, p. 176).
Percebe-se, assim, que essa estrutura social cria corpos dóceis, previsíveis e estáveis exatamente por serem mais facilmente dominados e consequentemente, tornando-os alheios. Desse modo, Goodman não pensa a neurose como um mal a ser combatido, mas sim, como uma resposta criativa humana aos conflitos e a este imperativo social, como menciona em Perls, Hefferline e Goodman “os comportamentos neuróticos são ajustamentos criadores de um campo onde há repressão” (1997, p. 248). Por conseguinte, já que não há espaço para ser quem se é, o indivíduo responde com a apatia e a desvitalização, o que pode fazer com que a neurose seja percebida como um sintoma social, do que as imposições sociais podem causar no indivíduo. Diante disso, percebe-se que Goodman queria, através de suas críticas, “denunciar os resultados do sistema organizado” (Belmino, 2017, p. 296).
Afinal, se o imperativo social que rege é autoritário e ditador, este sujeito precisará de um modo para funcionar, tornando-se evidente que a neurose pode sim ser uma forma de ajustar-se criativamente, tendo em vista que é válido ressaltar que nem todo ajustamento criativo é algo necessariamente (moralmente falando) bom, ajustar-se implica autorregular-se e nem toda autorregulação é tida, moralmente, como positiva.
Goodman também busca compreender essa ideia da cultura ocidental de que o sujeito é perigoso para si mesmo e que por isso deve ter sua natureza controlada (Belmino, 2017), fazendo questionar de onde surge esse equívoco de que as imposições sociais sabem mais sobre o indivíduo do que ele mesmo.
Percebe-se, assim, como supracitado, que o imperativo social do sistema capitalista, implicitamente dita que quanto mais alheios forem os corpos, mais controle ter-se-á sobre eles e consequentemente, mais o farão produzir. Como afirma Belmino “a razão capitalista neoliberal tem se apropriado dessa lógica para poder construir pessoas-empresas” (2021, p. 34), responsabilizando o indivíduo pelo seu fracasso e incapacidade. É possível perceber como um sujeito alheio e previsível manipulado facilmente, pois o sistema joga a responsabilidade sobre ele, e ele aceita-a como sendo sua.
Mas para além disso, é possível perceber que a apatia e a desvitalização podem ser formas de resistência, já que se não é possível viver autenticamente, o indivíduo sobrevive, apaticamente, sendo possível perceber que há uma relação de objetificação. Se ninguém é, se as pessoas se utilizam umas das outras como instrumentos, o que é a relação comunitária? O que conectam as pessoas?
Esta é a sociedade da divisão de trabalho, na qual as pessoas usam deliberadamente umas as outras como instrumentos. É nessa sociedade que tabus e leis se desenvolvem, refreando o organismo no interesse do supra-organismo (Perls, Hefferline e Goodman, 1997, p. 122)
Percebe-se que Goodman abre margem para pensar essa forma de vida marcada pela “ansiedade crônica, assombrada pela exceção e pelo medo [...] em que a sua segurança e a eliminação de qualquer diferença que fuja à regra é imediatamente eliminada ou inibida, justamente para manter essa pretensa sensação de segurança” (Belmino, 2017, p. 288) tem atingido e adoecido um quantitativo que cresce exponencialmente e que o preço pago por essa falsa sensação de segurança tem sido, como supracitado, a apatia, a desvitalização, relacionamentos rasos, superficiais e, até mesmo, ausência de vida.
Como consequência desse modo de vida marcado pela exceção, Han (2017) vai escrever que o sujeito está em guerra consigo mesmo, justamente por desrespeitar os seus limites para satisfazer uma questão que é social, mas ao que aparenta, esses indivíduos não estão sobrevivendo para fazerem as revoluções, seja por morte do corpo biológico ou morte simbólica de si mesmos, como de suas identidades e/ou individualidades para reproduzir comportamentos que não são seus, como afirma Han
O sujeito do desempenho explora a si mesmo, até consumir-se completamente (burnout). Ele desenvolve nesse processo uma autoagressividade, que não raro se agudiza e desemboca num suicídio. O projeto se mostra como um projétil, que o sujeito do desempenho direciona contra si mesmo. (2017, p. 100)
Han continua a argumentar, mencionando que a contemporaneidade vive o “inferno do igual” (2021, p.19), caracterizado pelo desejo de ser igual a todo mundo com o objetivo de se sentir encaixado socialmente, no entanto, a partir do momento que há uma anulação dos desejos e consequentemente, de quem se é, para viver as regras e normas sociais, o que sobra?
A SOCIEDADE DO CANSAÇO SEGUNDO BYUNG-CHUL HAN: O excesso de positividade e o discurso da alta performance
“O sistema é um câncer gigante”
(Não Desista agora, Felipe Ret et al.)
Han é um filósofo sul-coreano, contemporâneo, que se dedica a estudar o modo de vida capitalista e suas implicações na subjetividade. Influenciado por Friedrich Nietzsche, Martin Heidegger, Walter Benjamin, Merleau-Ponty, Michel Foucault, Giorgio Agamben e outros. Ele escreve o livro Sociedade do Cansaço em 2010 e tem sua primeira edição lançada no Brasil em 2015 (Regatieri, 2019). Han começa o livro afirmando que “Cada época possuiu suas enfermidades fundamentais” (2020, p. 7) e que o século XXI é definido pelas doenças neuronais, como a depressão, o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), a Síndrome de Burnout (SB) e outras psicopatologias, e que tais adoecimentos são frutos do excesso de positividade, ou seja, excesso de estímulos[6]. Assim, para ele, a sociedade do cansaço adoece devido aos seguintes excessos: excesso de trabalho, de atenção, de atividades, consequentemente, não há espaço para a falta ou para a negatividade, como ele nomeia, que consiste no ato de contemplar, por tal ação ser bloqueada e interrompida pela hiperatividade ou pelo TDAH (Regatieri, 2019).
Uma das principais influências de Byung-Chul Han é Friedrich Nietzsche e para Nietzsche (2005), é devido à falta de repouso que a civilização caminha para a barbárie. No entanto, o sujeito do desempenho vive um paradoxo, tendo em vista que quando pausa para descansar, sente-se culpado. Assim, percebe-se que a lógica que atravessa o modo de vida na sociedade do cansaço é a lógica da superprodução. Com isso, Han afirma que “já habita, naturalmente, o inconsciente social, o desejo de maximizar a produção” (2020, p. 25). Desse modo, compreende-se que essa sede incessante por produtividade é introjetada[7] no indivíduo, não havendo espaço para escolha.
De acordo com ele, esse modelo de vida hiper produtivo, tem produzido sujeitos do desempenho depressivos e fracassados (Han, 2020, p. 24 e 25), sendo, então, agressor e vítima ao mesmo tempo, pois eles são tidos como “empresários de si mesmos”, ou seja, eles se auto exploram e consequentemente, se autoagridem para obedecerem a lógica que os atravessa, com isso, há uma guerra do indivíduo consigo mesmo, onde eles se autoagridem e se auto exploram para produzir cada vez mais, e consequentemente, adoecem significativamente. Para Han (2020, p. 30):
O excesso de trabalho e desempenho agudiza-se numa autoexploração. Essa é mais eficiente que uma exploração do outro, pois caminha de mãos dadas com o sentimento de liberdade. O explorador é ao mesmo tempo o explorado. Agressor e vítima não podem mais ser distinguidos. Essa autoreferencialidade gera uma liberdade paradoxal [...]. Os adoecimentos psíquicos da sociedade do desempenho são precisamente as manifestações patológicas dessa liberdade paradoxal.
Posto isso, percebe-se que o indivíduo está alienado ao sistema, ou seja, ele está alheio ao sistema, pertencente a ele. No entanto, acredita que não, parecendo não estar na dimensão da consciência desses indivíduos que o discurso utilizado pelo sistema neoliberal dita o seu modo de viver e funcionar, utilizando-se do argumento de que o indivíduo é “empresário de si mesmo” (Han, 2017 p.23), responsabilizando-o pelo modo adoecedor de operar. Isto faz com que Han descreva que o sujeito vive uma falsa liberdade ou uma liberdade que é paradoxal.
O sujeito do desempenho acredita que é empresário de si mesmo, que tem liberdade de escolha e que trabalha para satisfazer uma necessidade sua, no entanto, o cerne do sistema capitalista é criar faltas para que o indivíduo trabalhe (e alimente o sistema) incessantemente a fim de suprir essas faltas que jamais serão supridas, tendo em vista que são necessidades impostas por um outro, por isso, para Han “o capital gera suas próprias necessidades, que erroneamente percebemos como se fossem nossas” (2020, p. 16) e com isso, nesse ciclo, o sujeito adoece com a Síndrome de Burnout[8], por exemplo, que para ele, “não expressa o si-mesmo esgotado, mas antes a alma consumida” (id., p. 27).
Portanto, lógica neoliberal, consome a alma do indivíduo, e por isso, a civilização caminha para a barbárie, como menciona Nietzsche, pois um sujeito sem individualidade ou com sua individualidade consumida por um outro, transforma-se em uma máquina, ou humanos-robôs, que tem os seus desejos e suas vidas, controladas por um sistema. Por isso Han (2023) afirma que o ser humano perdeu toda a sua sensibilidade para uma vida intensa, por tê-la confundindo-a com mais produtividade, desempenho e consumo e que com isso, transforma-a em uma sobrevida, “em uma batalha por sobrevivência” (id., p. 93), onde os indivíduos estão cada vez mais isolados uns dos outros.
Devido a tal isolamento, para Han (2023), o que há é uma falta de Ser. Influenciado por Martin Heidegger, ele irá afirmar que “ser é ser-com” (id., p. 93) e consequentemente, devido a isso, não existe nós, no regime neoliberal, e que com isso, surge a angústia. Angustiado, o sujeito do desempenho, produz “contra o sentimento de falta” (id., p. 95), porque segundo ele, “apenas a falta de ser impulsiona a máquina de produção” (id., p. 99). Assim, o sujeito do desempenho se sobrecarrega.
O capitalismo é nutrido pela ilusão de que mais capital produz mais vida, mais capacidade de viver. Mas essa vida é uma vida nua, uma sobrevivência. O sentimento de falta estimula a ação. Quem age, decididamente não contempla. (Han, 2023, p. 95)
Posto isso, é possível afirmar que o sujeito do desempenho se caracteriza como um indivíduo solitário, esgotado, apático, desvitalizado, aparentemente e simbolicamente, consumido, evidenciando, como supracitado, que o sistema é um câncer gigante, que está dentro e fora do sujeito, matando-o, ou como Han menciona: consumindo-o até a alma. Afinal, assim como Nietzsche questiona a Zaratustra, é possível questionar o sujeito do desempenho: “e também vós, para quem a vida é furioso trabalho e desassossego: não estais muito cansados da vida?” (Nietzsche, 2011, p. 46).
O SOFRIMENTO PSÍQUICO PRODUZIDO PELA SOCIEDADE DO CANSAÇO NO SUJEITO DO DESEMPENHO À LUZ DA GESTALT-TERAPIA: A utopia gestáltica como estratégia de sobre-vivência
“Assim, se por um lado somos uma sociedade do excesso do controle, de pessoas reprimidas, apáticas e desvitalizadas, somos também a sociedade de pessoas exaustas, exauridas pela lógica do “nada é impossível”.” (Belmino, 2021. p. 34)
A sociedade do cansaço é marcada por pressa, por aniquilação de si, do que se deseja, de quem se é, em prol da produtividade. Consequentemente, não há tempo para olhar para si, para o que se sente. Desse modo, para Zinker “nesta fuga frenética para alcançar tudo que for possível na vida, acabamos por nos comportar como turistas desesperados: fotografando tudo, mas não enxergando nada” (2007, p. 21). Consequentemente, perde-se o passeio e muitos indivíduos, perdem a si mesmos e não sabendo o que procurar, procura-se por qualquer coisa, alimentando um vazio que é existencial.
A grande questão do vazio[9], para a Gestalt-terapia, é que ele pode ser fértil e não estéril, como menciona Ribeiro (2021) ao afirmar que para crescer, em Gestalt-terapia, é preciso esvaziar-se, e que o papel do clínico gestáltico é sustentar e acolher o vazio, para ao invés de mostrar-se como algo que não pode gerar nada, possibilitar ser um, de onde podem nascer diversos modos de ser e estar no mundo. Flaira Ferro (2015) em sua canção “Me curar de mim”, canta que para se encher do que a importa, ela precisa se esvaziar, no entanto, onde os sujeitos do desempenho tem se esvaziado? Ou, será que eles têm tido um espaço para se esvaziarem? Assim, o que esses sujeitos do desempenho podem estar procurando desesperadamente, é um lugar seguro para descansar, para descobrir quem se é e para, consequentemente, descobrir o que buscam, espaço este, que pode ser ofertado no setting terapêutico. Para Perls (2020), o neurótico é um sujeito interrompido, influenciado pelo sistema, moldado pela sociedade, como afirma
Quando, por outro lado, a busca de equilíbrio do homem o leva a retirar-se mais e mais, a permitir que a sociedade o influencie demais, a subjugá-lo com suas exigências, ao mesmo tempo a separá-lo do convívio social, a pressioná-lo e moldá-lo passivamente, nós o chamamos de neurótico. O neurótico não pode ver claramente suas próprias necessidades e, portanto, não pode satisfazê-las. Não pode distinguir adequadamente entre si e o resto do mundo e tende a ver a sociedade como maior que a vida e a si mesmo como menor (2020, p. 41).
Então, para ele, se o indivíduo e a sociedade vivenciam necessidades diferentes, tem-se um sujeito se ajustando neuroticamente e, este, não consegue identificar qual a necessidade é dominante, não conseguindo-a satisfazer e consequentemente, como supracitado, o sujeito pode trabalhar incessantemente sem saber o que busca, resultando na Síndrome de Burnout, por exemplo, que tem crescido exponencialmente.
Outra característica importante da neurose é a perca da capacidade de agressão. Perls (2002) declara que o indivíduo tem a capacidade de agredir um alimento através do ato de mastigar, ou seja, o sujeito coloca o alimento na boca, e através do ato de mastigar, vai triturar aquele alimento, absorver os nutrientes e descartar o que não serve. Fritz julga que esse deveria ser o funcionamento fluído do organismo. No entanto, a cultura prega a partir das leis e normas sociais: que tudo aquilo que gera diferença, mudança deve ser destituído, deve ser negado. Reprimindo a capacidade do sujeito de agredir e, de acordo com Belmino (2020), o preço de tal repressão da capacidade de agressão é a apatia, a falta de criatividade e de espontaneidade, podendo gerar, como supracitado, indivíduos deprimidos e fracassados.
Apesar de produzir indivíduos desse modo, Paul Goodman compreende que um quadro depressivo, por exemplo, no sujeito contemporâneo, foi a forma encontrada para ajustar-se. Percebendo a experiência neurótica como consequência do processo de autorregulação organísmica. Por isso a ideia de Goodman, enquanto artista, era a de “furar o sistema e produzir novas formas de se pensar o mundo” (Belmino, 2017, p. 296), porque assim, seria uma das formas de reestabelecer o conflito que foi interrompido e consequentemente, emergirem novas formas de se ajustar que diferentes da interrupção. A partir disso, de tanta apatia e desvitalização, Han afirma que “perdemos toda sensibilidade para a vida intensa” (2023, p. 93), é como se não houvesse ou não sobrasse energia para viver plenamente. Restando, apenas, um viver inautêntico[10]. Consequentemente, percebe-se que o sujeito do desempenho é um sujeito interrompido, vivendo inautenticamente. Com isso, Frazão afirma que “se considerarmos que doença, de acordo com Kurt Goldstein, criador da teoria organísmica, é o ‘obscurecimento da existência’, então devemos pensar que a nossa sociedade está profundamente adoecida” (2020, p. 91).
Deixando evidente que não é possível fazer psicologia clínica a partir de uma abordagem gestáltica sem entender o contexto que afeta o indivíduo, pois de acordo com Belmino “Olhar para o sofrimento de alguém é, também, olhar para as vicissitudes próprias da humanidade” (2021, p. 35). Fazendo-se necessário olhar para o todo, principalmente porque a noção de adoecimento[11] para a Gestalt-terapia é relacional.
Já o indivíduo pode ser considerado saudável (ou integrado, como nomeiam Perls, Hefferline e Goodman (1997)), quando em uma situação de conflito de necessidades, ele consegue identificar qual a prioridade e tomar uma decisão, sacrificando a necessidade de menor prioridade e deixando a dominante se sobressair. Com isso, este seria um dos objetivos da clínica gestáltica: possibilitar maior fluidez na percepção e na satisfação de suas necessidades, buscando a autorregulação organísmica.
Por fim, percebe-se que o trabalho clínico da abordagem gestáltica é possibilitar que o indivíduo se reintegre, pois de acordo com Perls, Hefferline e Goodman “à medida que o paciente começa a se reintegrar, ele se tornará mais “humano” do que o esperado” (1997, p. 118) e isso consequentemente, implica dor. Ser, humano, implica dor. Ser humano é vulnerabilidade, é estar suscetível a dor. Assim, estar alheio aos processos é evitação, é fuga e se o indivíduo foge de si mesmo, perde a sua condição existencial de sentir e, consequentemente, robotiza, produzindo uma nova modalidade patológica, como afirma Genaro Júnior, onde se constituem
os espectrais, pessoas cujo sofrimento é de viverem como sombras, fantasmas, não se sentindo como participantes e pertencentes ao mundo humano, pessoas que estão impedidas da própria possibilidade de ser. (2011, p. 31)
Diante dessas pessoas impedidas de serem, segundo Frazão (2020) em uma mesa redonda Giovanetti (2019) afirma que se tem um eclipse da alteridade, pois o sujeito não desaparece, mas tornam-se um objeto. Consequentemente, não há espaço para o de-morar das relações Eu-Tu, produzindo relações interpessoais vazias. Posto isso, percebe-se que “vivemos uma época de relações humanas precárias. As condições para nosso existir estão muito fragilizadas” (Frazão, 2020, p. 87). Diante dessas condições fragilizadas de existir, como o Sujeito do Desempenho, sobreviverá?
Por isso Goodman propõe reestabelecer o conflito e buscar meios de furar o sistema já que não é possível destruí-lo. Para isto, é preciso assumir o risco, tendo em vista que propor estratégias de furar o que está dado, é pensar novas formas e possibilidades de existir, em meio a uma sociedade que rechaça e exclui a diferença. Belmino afirma que enquanto gestalt-terapeutas, faz-se necessário assumir riscos, buscar possibilidades de dar cidadania e acolhimento “àquilo que não podemos compreender em nós mesmos” (2017, p. 297).
Goodman acreditava que a solução para o conflito, estava naquilo que escapa. Ou seja, a solução está naquilo que emerge na experiência, espontaneamente, escapando, transbordando. Para ele “pela própria constituição da Gestalt, algo sempre escapa, tal como a obra de um artista nunca fica exatamente como ele planejou, mas ele acolhe essa criação como sua e se apropria da diferença” (Belmino, 2017, p. 297). Tal modo de pensar, faz Goodman acreditar que existe uma “utopia gestáltica”, que consiste em acreditar que “sempre é possível ir além” (id.).
Posto isso, percebe-se que a Gestalt-terapia aponta um caminho para furar o sistema, assim como apresenta Han (2023). Evidenciando dois caminhos que partem de lugares diferentes (filosofia e psicologia), mas que se encontram: enquanto a Gestalt-terapia propõe que se faz necessário furar o sistema, Byung-Chul Han aponta que se precisa, na contemporaneidade, exercitar a contemplação. Nada mais eficaz para furar a lógica da hiper produtividade do que parar para contemplar. Sendo possível perceber que essa pode ser uma das formas de ir além do que está posto: parar para contemplar, por isso a perspectiva gestáltica é um espaço de resistência, porque “é retomar, frente ao imperativo do sistema organizado, um lugar de esperança” (Belmino, 2017, p. 297).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pode-se concluir que a vida passou a ser medida pelo que se tem e não por quem se é. Quem se é, é dado real. É aqui e agora. A partir do momento que o trabalho e o dinheiro passaram a valer mais que nós, tem-se almas consumidas. Alma virou estratégia de consumo. Consequentemente, corpo docilizado.
Conclui-se, assim, que a Gestalt-terapia compreende o sofrimento psíquico produzido pela Sociedade do Cansaço como neurose. Mas isso justifica? O que tem por trás dessa necessidade incessante por produzir? Qual o sentido da vida de quem vive para produzir? Como é possível viver autenticamente em meio a esse modo de vida apático? Se o sujeito se constitui nas relações, como está a constituição do sujeito em meio a relações objetificadas? Constitui-se sujeito objeto? E qual a qualidade das relações que estão sendo constituídas?
Para ir além, esperançar, Goodman, Fritz e Han vão pelo caminho da contemplação, de escapar do sistema, de pensar possibilidades para furar essa lógica, de ir além como pressupõe a utopia gestáltica. Por isso, fica evidente que é possível, por esse caminho, encontrarmos pontos de intersecção entre a filosofia do Byung-Chul Han e a proposta psicoterapêutica de Perls e Goodman. Ainda, percebe-se que a leitura do Han pode nos ajudar a ampliar nosso diagnóstico do contemporâneo na Gestalt-terapia e não apenas na Gestalt-terapia, mas no todo, tendo em vista que o sofrimento é relacional.
Reestabelecer o conflito é fundamental, tendo em vista que o sujeito do desempenho precisa voltar a triturar o imperativo que o social o coloca e consequentemente, introjetar o que o faz sentido e não o que lhe é imposto e que o torna alheio ao seu desejo e a sua forma de ser e existir. Para isto, enquanto Gestalt-terapeutas, precisa-se estar disposto(a) e disponível para acolher ao estranho, ao novo, e consequentemente, sustentar no campo, junto com o cliente. Assim constitui-se uma ética do cuidado. Para oferecer espaços protegidos de escuta genuína, para que esse sujeito do desempenho compreenda que é possível pensar e ser que o é, espaço onde esse sujeito possa Ser, em sua plenitude. Expressar e viver os seus afetos, saber sobre eles e guiá-los e não como algo a ser cessado, acabado, interrompido. Precisa-se ofertar espaços de ininterrupção, de expressão. Esse é o papel fundamental da clínica gestáltica na contemporaneidade, afinal, só se é, sendo.
Ler gestalticamente o Byung-Chul Han, pode trazer esperança para a sociedade do desempenho, é mostrar que ainda é possível fazer algo frente à apatia e desvitalização que perpassa a sociedade do cansaço. No entanto, faz-se necessário ressaltar que é um caminho que pode ser marcado e acompanhado pela angústia, pela solidão e por diversos outros sentimentos, exatamente porque é o caminho da diferença. E, o imperativo social busca, incessantemente, cessar a diferença. Por isso a clínica gestáltica resiste e busca reestabelecer a implicação, o conflitivo.
À vista disso, ser gestalt-terapeuta, na sociedade do cansaço, é assumir um lugar ético, de cuidado e de risco, onde poderá ofertar um espaço clínico protegido onde “o paciente possa se arriscar perante suas inibições e possa encontrar, na relação com o clínico, um acolhimento à variabilidade da experiência” (Belmino, 2017, p. 313). É ser corpo junto e sustentar o que emerge no setting terapêutico. É mostrar que o sujeito não está sozinho, que aquela relação é de amparo e cuidado, para assim, o paciente se sentir seguro e encorajado a ir buscar viver autenticamente, a partir da ética gestáltica, como supracitado, que consiste em acolher, também, aquilo que não faz sentido.
Quem és tu?
Quem tu amas?
O que queres para ti que é?
Afinal, não é o capitalismo que determina quem você é.
Ou não deveria determinar.
A partir do momento que o sistema socioeconômico determina quem somos, quando passamos a valer? Aquilo que o sistema determina.
Valer – Moeda.
Vale ou troca?
Quanto vale o sonho que se tem?
Quanto vale o desejo que tu tens?
Quanto vale o amor que tu carregas?
Quanto vale quem tu é?
Deixe de valer.
Valha nada.
Seja.
REFERÊNCIAS
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ISSN: 1807-2526
[1]A Gestalt-terapia compreende os ajustamentos como sendo “o processo pelo qual o organismo mantém seu equilíbrio” (Perls, 2020, p. 20). Assim, são comportamentos intrínsecos do sujeito, tendo em vista que seja fisiologicamente ou psiquicamente, o organismo sempre buscará o seu equilíbrio. É válido ressaltar que, para a Gestalt-terapia, não existe esse dualismo corpo/mente, justamente por pensar o sujeito como um todo que está em relação constante com o mundo. O sujeito ajusta-se buscando satisfazer suas necessidades e consequentemente, alcançar seu equilíbrio ou, como Perls, Hefferline e Goodman (1997), buscam integrar-se.
[2] O discurso de alta performance “trabalhe enquanto eles dormem, estude enquanto eles se divertem, persista enquanto eles descansam, e então, viva o que eles sonham” (Cavalcante, 2021, p. 16) que viralizou na internet é fruto de um provérbio japonês utilizado na tentativa de instigar as pessoas a produzirem cada vez mais e o tempo todo. Renunciando o sono, o lazer e o descanso, em prol de uma vida que é ditada pelo sistema capitalista, onde o sujeito precisa possuir e consumir sempre mais e nunca estar-se-á satisfeito.
[3]A forma como Byung-Chul Han se refere aos excessos.
[4]A obra Gestalt Therapy de 1951, é a obra que origina, oficialmente, a abordagem. É a partir dela, que os estudos sobre a Gestalt-terapia se fundamentaram e se fundamentam até o presente momento.
[5]A citação não apresenta paginação pois foi retirada do E-book ou livro eletrônico e a ABNT ainda não possui uma formatação padrão para tal formato e por isto, utilizou-se s/p.
[6] Crary na obra 24/7 – Capitalismo tardio e os fins do sono (2016), compreende que essa presença excessiva de estímulos impede que o sujeito “desligue, afirmando que este vive em “sleep mode”, ou seja, como uma máquina, nunca está desligado e nem totalmente em repouso.
[7] Introjeção é aquilo que é aceito por inteiro, sem mastigar, sem triturar e que fica dentro do sujeito como um corpo estranho, causando incômodo. Perls (2020, p. 46) afirma que “é aquilo que trazemos inteiro, o que aceitamos indiscriminadamente, o que ingerimos e não digerimos”.
[8] A síndrome de Burnout também pode ser compreendida como “uma disfuncionalidade na capacidade do organismo de se recuperar da exaustão”. Percebe-se, ainda, que uma das consequências da produtividade tóxica que perpassa a contemporaneidade, emerge da dificuldade do sujeito de lidar com a angústia e de uma necessidade social de fugir dela, “ou seja, o sujeito utiliza-se da produtividade para fugir da angústia, fazendo-o chegar a situações limite de estresse, de esgotamento” (Firmo; Roque, 2022, p. 1486), ou como supracitado, consome até a alma do indivíduo.
[9]“Frazão (2020, p. 89) anuncia que “Perls, Hefferline e Goodman chamaram de vazio fértil, aquela possibilidade de estar com o indiferenciado, aberto às possibilidades, esvaziado de ideias e pensamentos e deixando-se tomar pelo aqui e agora, permitindo que algo surja, espontaneamente, naturalmente. O vazio fértil leva à abertura às possibilidades.”
[10] Para Martin Heidegger, definir o Ser é transformá-lo em um ente, ou seja, transformá-lo em algo terminado e concreto. Assim, Heidegger vai dizer que “o Dasein é a existência cotidiana, é o homem, é sua realidade íntima, longe de tudo que lhe retira a possibilidade de uma vida autêntica” (Penha, 2014, p. 41). Com isso, para Heidegger, o Dasein pode representar o ente de forma plena, mas não pode acontecer o contrário, pois “o ser que existe é o homem, escreve Heidegger. Só o homem existe. As pedras são, mas não existem. [...] É justamente por existir que o homem só pode definir-se a partir de seu existente” (Penha, 2014, p. 41/42), ou seja, é existindo que o homem é, “enquanto a pedra é, e assim será sempre, o homem existe e a partir de então define o que deverá ser” (Penha, 2014, p. 42).
[11] É válido ressaltar que se optou por utilizar o termo adoecimento para uma melhor compreensão do leitor. No entanto, a Gestalt-terapia, de acordo com Perls, Hefferline e Goodman (1997), compreende o adoecimento como uma interrupção da fluidez, dificuldade na integração e consequentemente, na equilibração.