SILVA, Alessandro Carneiro. – “Uma compreensão gestáltica do pré-natal psicológico.

ARTIGO

Uma compreensão gestáltica do pré-natal psicológico

A Gestalt Understanding of Prenatal Psychological

Alessandro Carneiro da Silva

RESUMO

O interesse em estudar o impacto das Cardiopatias Congênitas (CC) em bebês surgiu durante a residência em Psicologia em um hospital de referência em Belém, Pará. O foco foi entender as experiências das mães com esse diagnóstico, utilizando uma abordagem que integra psicologia social, hospitalar e Gestalt-terapia, aliada ao pré-natal psicológico. As CC, marcadas por anomalias no coração, afetam cerca de 1 em cada 100 nascidos vivos, representando uma importante causa de morbidade e mortalidade infantil globalmente. O estudo destaca a importância das políticas públicas, como o Programa de Humanização do Pré-natal e Nascimento, para melhorar o cuidado pré-natal. A pesquisa também aborda a experiência das mães frente ao diagnóstico, destacando uma abordagem multidisciplinar e humanizada, especialmente na região amazônica. Este estudo aportou-se em uma revisão narrativa de literatura. A visão gestáltica oferece uma compreensão holística das experiências pré-natais, ressaltando a importância do contexto e das relações no desenvolvimento psicológico inicial.

Palavras-chave: Pré-Natal Psicológico; Gestalt-Terapia; Cardiopatia congênita; Psicologia Hospitalar.

ABSTRACT

The interest in studying the impact of Congenital Heart Diseases (CC), in babies arose during the residency in Psychology at a reference hospital in Belém, Pará. The focus was to understand the mothers' experiences with this diagnosis, using an approach that integrates social psychology, hospital psychology and Gestalt therapy, combined with psychological prenatal care. CHD, marked by abnormalities in the heart, affects about 1 in 100 live births, representing a major cause of infant morbidity and mortality globally. The study highlights the importance of public policies, such as the Program for the Humanization of Prenatal Care and Birth, to improve prenatal care. The research also addresses the mothers' experience with the diagnosis, highlighting a multidisciplinary and humanized approach, especially in the Amazon region. This study was based on a narrative literature review. The Gestalt view offers a holistic understanding of antenatal experiences, underscoring the importance of context and relationships in early psychological development.

Keywords: Prenatal Psychological; Gestalt Therapy; Congenital heart disease; Hospital Psychology.

INTRODUÇÃO

A atuação enquanto Psicólogo residente na clínica de cardiologia e obstetrícia em um hospital de referência em Belém, capital do Pará despertou interesse pessoal e profissional em pesquisar um fenômeno bastante recorrente: o acometimento de cardiopatias congênitas em bebês. Assim, a abordagem do pré-natal psicológico se realiza articulando no arcabouço teórico da minha prática, fundamentos da psicologia social, da psicologia hospitalar e da Gestalt-terapia, bem como meu entendimento da rede de saúde. Me interessa compreender as vivências das mães com diagnóstico de cardiopatia fetal, a partir do pré-natal psicológico dentro da clínica obstétrica. Para alcançar esta meta realizei uma revisão narrativa de literatura.

Cardiopatias congênitas (CC) são marcadas por anomalias anatômicas do coração, resultantes do desenvolvimento embrionário. A detecção pode ocorrer em diferentes circunstâncias: ainda durante a gravidez, por meio de exames pré-natais, os quais podem revelar as deformidades cardíacas; após o nascimento da criança, em exames pediátricos de rotina, ou ainda, quando a criança manifesta alguns sintomas, como cianose (coloração azulada da pele), fadiga durante as mamadas, falta de ar, entre outros (DÓREA; LOPES, 2010).

Nesse contexto, as cardiopatias congênitas representam um grupo significativo de doenças cardiovasculares, afetando aproximadamente 1 em cada 100 nascidos vivos (Marelli et al., 2014). Essas anomalias cardíacas são responsáveis por uma considerável carga de morbidade e mortalidade infantil em todo o mundo. Além disso, estudos epidemiológicos demonstram que as CC estão presentes em uma ampla variedade de formas e gravidades, variando desde defeitos cardíacos leves e tratáveis até malformações cardíacas complexas que exigem intervenção cirúrgica precoce (van der Linde et al., 2011).

As CC, por se tratarem de um campo que emerge a partir do adoecimento a nível biológico, e considerando a construção histórica que se tem dentro da área da produção de saúde, nota-se que há um movimento institucional o qual privilegia tecnologias pesadas em detrimento de tecnologias leves. Para Amorim (2012) o fato de a medicalização da vida ser o apoio principal na maioria dos hospitais acaba vulnerabilizando as parturientes e colocando-as em um lugar de não-protagonismo e extrema passividade, retirando o seu direito de decisão em relação ao processo da gravidez. Apesar desse estudo se referir principalmente ao ato de escolher o tipo de parto que se deseja, é possível utilizá-lo nesta pesquisa visando mostrar a importância da mãe em relação a escolhas voltadas para toda a sua gravidez, nascimento e puerpério.

É nesse paradigma que surgem as políticas públicas. Em 2000, o Ministério da Saúde apresentou o Programa de Humanização do Pré-natal e Nascimento (PHPN), visando implementar medidas de estímulo, precaução e cuidado à saúde de mulheres grávidas e bebês recém-nascidos. Isso envolve a expansão da acessibilidade, melhoria da excelência e da capacidade disponível para o tratamento obstétrico e neonatal, bem como a organização e supervisão dentro do contexto do Sistema Único de Saúde (SUS). O propósito central do PHPN é garantir atendimento de alta qualidade e com abordagem humanizada às gestantes e aos recém-nascidos, estabelecendo bases fundamentais para promover um atendimento pré-natal de excelência em todo o Brasil (Brasil, 2000).

Levando em consideração todo o contexto apresentado, a relevância deste estudo articula três dimensões: a) pessoal: congrega as inquietações, enquanto psicólogo residente da instituição na qual observou uma série de sentimentos que constituem as experiências de mulheres que receberam o diagnóstico de cardiopatia fetal; b) científica: na residência abre-se a possibilidade em produzir conhecimento empírico na Amazônia Paraense, em uma base fenomenológica gestáltica; c) Social, em que o conhecimento elaborado pode contribuir a prática clínica de outros Gestalt-terapeutas.

CAMINHO DA PESQUISA

Este estudo aportou-se em uma revisão narrativa de literatura visando caracterizar o pré-natal psicológico. Para Caldas (1986, p. 15), a pesquisa bibliográfica representa a “coleta e armazenagem de dados de entrada para a revisão, processando-se mediante levantamento das publicações existentes sobre o assunto ou problema em estudo, seleção, leitura e fichamento das informações relevantes”.

O período para coleta de dados ocorreu de agosto a dezembro de 2023, sendo os critérios de inclusão: artigos científicos, livros e outras publicações relevantes que abordem o pré-natal psicológico e que se relacionem com a psicologia da saúde e hospitalar, psicologia social e gestalt-terapia, nos idiomas português, inglês e espanhol, e trabalhos publicados em periódicos por pares ou fontes confiáveis de literatura científica.

Foram descartados publicações que não se concentrem especificamente no pré-natal psicológico ou que não abordem a Gestalt-terapia, a psicologia da saúde e hospitalar e a psicologia social, além de fontes que não sejam academicamente credenciadas ou que não sejam consideradas confiáveis ​​no campo da psicologia. A análise se deu a partir da leitura completa dos artigos selecionados, identificando como cada estudo aborda a CC concatenada com o pré-natal psicológico e a Gestalt-terapia.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A gestação é uma experiência profundamente pessoal, moldada pelas circunstâncias individuais de cada mãe, suas emoções, sua saúde e seu relacionamento com o bebê que está por vir. Ou seja, a maternidade é uma fase da vida que demanda preparo biopsicossocial (Caldas et al., 2013), já que, mesmo sendo a primeira gravidez, ou não, a mulher irá atravessar por processos experienciais de forma singular (KLAUS, KENNELL, KLAUS, 2000), assim como “o processo iniciado na gestação e estendido ao puerpério expõe a mulher a importantes questões existenciais, como a angústia, o amor e a morte” (FERREIRA; SILVA; PEREIRA, 2020, P.7), demandando ajustes adaptativos que podem ser disfuncionais à sua saúde emocional. Sendo assim, “a maneira como cada uma reage varia de acordo com a personalidade e circunstâncias em que ocorreu a gravidez, relação com o parceiro, repercussões que a nova situação desencadeou, etc.” (Bortoletti, 2007, p. 21).

Enfatiza-se a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher (PNAISM), e a Rede Cegonha (RC) fundada pela portaria MS/GM nº 1.459/2011, as quais têm impacto direto na saúde materno-infantil de usuários do Sistema Único de Saúde na Amazônia, já que se embasa na promoção, reconhecimento e respeito aos seus direitos humanos, dentro de um marco ético que garanta saúde integral e seu bem-estar. Essas regulamentações reforçam a importância de assegurar às mães com diagnóstico de cardiopatia fetal na região amazônica atendimento de qualidade, com ênfase na detecção precoce, tratamento especializado e garantia de acesso a serviços de saúde capacitados. Dessa forma, a legislação atua como instrumento fundamental para orientar e promover ações efetivas que visa a melhoria da assistência às gestantes e recém-nascidos afetados por cardiopatias fetais, contribuindo para a redução das desigualdades em saúde na região. Logo, têm-se que a excelência do atendimento deve estar relacionada a um conjunto de fatores que abrangem as dimensões psicológicas, sociais, biológicas, sexuais, ambientais, culturais e de práticas que considerem as experiências das usuárias com sua saúde (MANTAMALA, 1995).

É com base nessas prerrogativas constitucionais que emerge dentro da ambiência hospitalar o perinatal psicológico, o qual trata-se da “atuação do psicólogo nas fases de gestação, parto e puerpério” (De Almeida, 2020, p. 1620) objetivando “promover a saúde mental materna, oferecer apoio emocional e minimizar os danos psicológicos” (ARRUDA E COELHO, 2022, p. 76). É importante salientar que esse campo do saber se utiliza da técnica do pré-natal psicológico (De Almeida, 2019), visando a psicoprofilaxia nas fases da gravidez e, dessa forma, fomentando espaços de acolhimento, escuta e orientação preventiva à gestante e sua rede suportiva.

O diagnóstico de cardiopatia fetal oferece rupturas emocionais significativas às mães, as quais podem desencadear processos adoecedores. Menezes et. al. (2020) propõe um estudo que aborda as vivências de mães de crianças com cardiopatia congênita que serão submetidas à cirurgia cardiovascular e concluiu que tal diagnóstico, seguido pela internação na Unidade de Terapia Intensiva Cardiopediátrica e tratamento cirúrgico do filho, é experimentado pelas mães como uma profunda angústia emocional.

Estudos (RUSCHEL, 2011; PEREIRA; MELO; FRIZZO, 2017) demostraram que o momento do diagnóstico é demarcado como assustador, pois é confrontado com a expectativa do filho “perfeito” e a realidade do filho doente, reverberando em sentimentos de ansiedade, estresse, choro compulsivo, isolamento social, culpa, raiva e, em algumas vezes, rejeição ao bebê. Logo, partir do diagnóstico, pode haver o desencadeamento de alterações de origem cognitiva, psíquica e social, colocando em risco a solidez do vínculo entre mãe e feto (PRIEL; BESSER, 2000).

Além disso, sabe-se que ainda é bastante prevalente nos hospitais de referência o modelo biomédico o qual privilegia as manifestações de adoecimento biológico em detrimento de fatores como as particularidades psíquicas do usuário, questões socioeconômicas, relações de parentalidade e consequências provenientes do modelo institucional de hospitalização (FERREIRA; SILVA; PEREIRA, 2020).

De acordo com Zanello (2018), tal qual o casamento, a maternidade é uma construção social e, embora tenha passado por mudanças ao longo da história, ainda persiste a ideia da naturalização do instinto materno e do amor espontâneo de uma mãe por seu filho, o que frequentemente resulta em sentimentos de culpa e angústia quando uma mulher se vê incapaz de atender a essa expectativa.

A recusa em ter um filho, a ausência de afeto ou até mesmo a expressão de desconforto genuíno em relação à maternidade são estigmatizadas, levando as mulheres a reprimir cada vez mais seus sentimentos. A figura da mãe é, de certa forma, idealizada e, para manter essa imagem, muitas mulheres são compelidas a adotar comportamentos específicos, ao mesmo tempo em que a responsabilidade paterna frequentemente é negligenciada nesse contexto de parentalidade (ARRUDA E COELHO, 2022).

Nesse paradigma, a incorporação de tecnologias leves pode aprimorar significativamente a comunicação e o suporte emocional oferecidos. A escuta, grupos de apoio, atendimentos psicológicos e sociais, entre outros, colaboram para as gestantes com condições de saúde complexas poderem se conectar a uma rede de apoio ampliada, proporcionando informações atualizadas, compartilhamento de experiências e acesso biopsicosocioespiritual às demandas. Essas tecnologias leves não apenas capacitam as mães no gerenciamento de sua própria saúde e na compreensão do tratamento, mas também promovem um ambiente de cuidado mais inclusivo e colaborativo entre pacientes, cuidadores e profissionais de saúde.

Em Belém, o hospital de referência permite a identificação precoce de cardiopatias fetais graças a densidade tecnológica na qual se ampara a clínica obstétrica, representando um ponto de partida crítico, permitindo intervenções oportunas e um planejamento adequado para o parto e os cuidados pós-natais. No entanto, a problemática reside na falta de coordenação e continuidade no atendimento às mães, muitas vezes envolvendo diferentes especialidades médicas e equipes multidisciplinares dentro da instituição, o que pode resultar em desafios na comunicação e na gestão do cuidado. É imperativo que as políticas de saúde considerem a importância de uma abordagem multidisciplinar que englobe cardiologistas pediátricos, obstetras, neonatologistas e profissionais de saúde mental, além de promover a educação e o apoio emocional às mães de forma integralizada, de modo que as condutas se alinhem não somente dentro da clínica obstétrica, mas nas outras possíveis clínicas que a mãe possa vir a contactar. 

PRÉ-NATAL PSICOLÓGICO

Considera-se que há uma preocupação por parte de alguns profissionais da saúde atuantes na linha de cuidado com relação a essas mães, tendo, por exemplo, o pré-natal psicológico dentro da clínica obstétrica em tal instituição de referência no Pará, mas que ainda acontece de modo bastante restrito, ficando desligada algumas condutas que deveriam estar entrelaçadas com a Unidade de Terapia Intensiva (UTI) neonatal, por exemplo.

Adotou-se como direção teórica principal neste estudo a concepção antropológica de sujeito, fundamentada na Gestalt-Terapia, uma vez que ela se configura como uma vertente Humanista, fenomenológica e Existencial, caracterizando-se por uma perspectiva holística sobre o ser humano e a realidade, centrada na promoção da humanização e na apreensão integral do ser humano, incluindo seu potencial criativo, sua propensão à reorganização e ao equilíbrio (PERLS; HEFFERLINE; GOODMAN, 1997), permitindo tanto às mães quanto aos profissionais de saúde desdobrarem possibilidades plásticas e criativas.

Além de que possibilita o compartilhamento da emergência de significados que fluem na vivência de uma relação autêntica, pré-conceitual e pré-reflexiva com o outro. Essa abordagem não apenas informa um modelo de relação e intervenção terapêutica, mas também promove um modo de existir que valoriza a vivência da autenticidade, da espontaneidade, da liberdade, do autoconhecimento e do crescimento pessoal. Ela enfatiza a importância de estabelecer uma relação horizontal e de contato genuíno com as mães afetadas pela cardiopatia fetal, permitindo assim a ampliação das formas de interação com o mundo e consigo mesma, tanto por parte da criança quanto por parte dos profissionais de saúde envolvidos.

Essa visão de mundo parte do princípio que o sujeito é influenciado pelo campo em que habita (de forma física e psicológica) e o contato que faz consigo, com o outro e com o mundo. Ribeiro (2007, p.14) destaca que “o campo é a pessoa acontecendo em dado momento” e que “todo contato se dá no espaço vital da pessoa e que seu corpo reflete as energias que emanam desse mesmo campo”. A partir disso, depreende-se que todo contato produzidos pelas mães que recebem o diagnóstico de CC, sobretudo no ambiente hospitalar (que historicamente é demarcado por simbologias de cura, perdas, exclusão ou até mesmo morte), produz uma unidade de sentido numa relação de “figura-fundo” sustentada, com frequência, por contatos demolidores e destrutivos da psiquê do sujeito.

 Esse enfoque visa também engajar ainda mais os profissionais na execução de suas funções, reduzindo e prevenindo fatores que possam afetar o bem-estar de todas as partes envolvidas no contexto do perinatal psicológico. Nesse sentido, a compreensão profunda das relações dialógicas e das experiências autênticas pode contribuir significativamente para o suporte emocional e psicológico oferecido às mães diante do diagnóstico de cardiopatia fetal, promovendo um ambiente de cuidado mais acolhedor e enriquecedor.

Pensar gestalticamente o pré-natal psicológico permite ao Psicólogo compreender a dinamicidade dos fenômenos sociais voltadas para o aqui-agora, abrindo-se criativamente para o novo e o desconhecido que emerge no momento gestacional, o diagnóstico da cardiopatia fetal e o puerpério, entendendo que tanto as mães quanto os profissionais podem estar presentes de maneira ativa e genuína na experiência.

Assim, a partir do advento de programas de humanização e maior valorização de promoção da saúde partindo de tecnologias leves, embasadas em preceitos científicos, torna-se primordial melhor preparo e atualização desses profissionais, de modo a agirem de forma horizontalizada e pautados na empatia, compreensão da realidade transversal que assola esse usuário, escuta e afins, durante todo o processo do pré-natal de alto risco, parto, períodos de internação e possíveis procedimentos e puerpério.

Para o meio social essa investigação perpassa um ponto importante a ser levantado: a subalternização sócio pessoal da mulher na sociedade que na maioria das vezes se estende para o cenário hospitalar. Se propor a discutir está temática é se colocar de frente com os papéis sociais que o público feminino ocupa e como esses corpos são historicamente utilizados como meios de controle e regulação. Para Ferreira, Silva e Pereira (2020, p.4).

O modelo institucionalizado e masculinizado sugestiona as parturientes e as enfraquece, e desempoderadas, passam a ignorar aos seus sentimentos, desejos e emoções para responder adequadamente as expectativas sociais e as inclinações culturais, que determinam padrões rígidos para o nascimento, distanciando-as assim, da sua natureza e do controle do seu próprio corpo.

Levando em consideração essa realidade, mas, sem deixar de respeitar as devidas particularidades do território amazônico, observa-se que essa é uma representação do que vem acontecendo no território brasileiro, visto que, cada vez mais, há o nascimento de bebês com diagnóstico de cardiopatias (Marelli et al., 2014), o que, na maior parte das vezes, pode culminar em comportamentos que são estimuladores de processos patológicos nas mães.

Esses empecilhos refletem na realidade do território amazônico, que é demarcado por uma geografia isolada (o que ressoa em acesso limitado a serviços de saúde, consequentemente atrasos em diagnósticos precoces e acompanhamento adequado), infraestrutura precarizada em algumas instituições de produção de saúde e diversidade cultural. Diante disso, a integralização do cuidado às mães com diagnóstico de cardiopatia fetal é uma questão complexa e crucial no contexto da saúde materno-infantil amazônica.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A perspectiva gestáltica mostra-se como uma lente rica e significativa para compreender o pré-natal psicológico. Ao enfatizar a totalidade, a percepção fenomenológica e o campo organísmico, essa abordagem oferece uma compreensão holística e integrativa das experiências pré-natais, destacando a importância do contexto e das relações no desenvolvimento psicológico inicial.

A compreensão gestáltica do pré-natal psicológico tem importantes implicações para práticas clínicas, políticas de saúde pública e intervenções preventivas. A promoção do bem-estar psicológico durante a gravidez pode beneficiar não apenas a mãe e o feto, mas também o desenvolvimento emocional e relacional da família como um todo. Além disso, há uma necessidade contínua de pesquisas futuras que explorem mais a fundo os mecanismos subjacentes e os resultados a longo prazo do pré-natal psicológico.

A revisão de literatura revela a complexidade das experiências pré-natais, que vão além da simples biologia e incluem aspectos emocionais, relacionais e ambientais. A compreensão gestáltica reconhece a interconexão entre esses elementos e destaca a importância de uma abordagem multidimensional para entender o pré-natal psicológico.

Apesar dos avanços na compreensão gestáltica do pré-natal psicológico, ainda existem lacunas na pesquisa que requerem atenção adicional. Por exemplo, há uma necessidade de estudos longitudinais que investiguem os efeitos a longo prazo das experiências pré-natais no desenvolvimento infantil e adulto, bem como pesquisas que examinem a eficácia de intervenções preventivas baseadas na compreensão gestáltica.

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Endereço de correspondência

Alessandro Carneiro da Silva

E-mail: alessandrocs343@gmail.com

Revista IGT na Rede, v. 21, nº 41, 2024. p. 278 – 289. Disponível em http://www.igt.psc.br/ojs

ISSN: 1807-2526