EDITORIAL
Dossiê Intersecionalidades em Gestalt-terapia e na Abordagem gestáltica
Dra. Psicologia Clínica Titular na Universidade Federal do Pará – Programa de Pós-graduação em Psicologia
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Este Dossiê foi elaborado pelo trabalho conjunto entre a Editoria do periódico IGT-na Rede, composta pelo Prof. Dr. Marcelo Pinheiro da silva, e Izabelle de Oliveira Barbarine ((IGT-Instituto de Gestalt-terapia e atendimento familiar), e a Editoria Convidada da Profa. Dra. Adelma Pimentel, vinculada a Universidade Federal do Pará, Programa de Pós-graduação em Psicologia, líder do Instituto NUFEN.
Pensar os processos de subjetivação no século XXI requer um enfoque interseccional, significando a focalização dos marcadores existenciais, sociais, econômicos, geográficos, geracionais, étnicos, gênero e cor. O conceito de intersecionalidade foi elaborado por Kimberle Crenshaw (2002) para contribuir aos profissionais de saúde desvelarem elementos não biológicos que afetam a saúde psíquica. Na edição, autoras e autores interrogam seu fazer em pesquisas fundamentadas no mundo da vida. Oferecemos relatos de experiência, revisões sistemáticas, estudos de casos, pesquisas de enfoque qualitativo que pautam a experiência em Gestalt-terapia. São reflexões que argumentam acontecimentos constituídos como influências no
agenciamento das subjetividades.
Trazemos o texto de Maria Alicya Teixeira Alves Firmo e Marcus Cézar de Borba Belmino que ponderam, a partir de uma revisão bibliográfica, sobre a antropologia da neurose descrita em bases gestálticas, e na compreensão da Sociedade do Cansaço apresentada por Byung-Chul Han. Por sua vez, Renata Almeida Figueira & Kamilly Souza do Vale tematizam em sua experiência clínica e pedagógica, alguns reptos para uma desconstrução da compreensão colonial de gênero na prática da Gestalt-terapeuta, voltada a adolescentes transgêneros. É uma temática necessária para buscar-se suportes
sociais, políticas públicas e reconhecimento ao direito de uma existência livre e inserida democraticamente, sem reducionismos de gêneros.
Embora vivendo no cenário pós-pandêmico, após a ONU decretar o final da pavorosa epidemia, o que conhecemos sobre a origem do vírus, as sequelas físicas e psíquicas, a Covid longa, e os inúmeros sintomas correlatos ao acometimento? A composição de Natasha Cabral Ferraz de Lima e Adelma Pimentel interrogam a literatura e a profissional de saúde. Ambas apresentam um relato de caso fundamentado em enfoque fenomenológico gestáltico, um recorte de estudo de mestrado, aprovado por comitê de ética, focalizando as percepções de uma psicóloga sobre sua saúde mental durante a atuação hospitalar, no período da Covid-19 para compreender os significados da experiência de trabalho, em um hospital público em Belém/Pará. O escrito articula interseccionalmente trabalho, gênero e saúde.
Seguimos com a apreciação por Gabriela Resende Lopes e Paulo Eduardo Rodrigues Alves Evangelista das inter-relações de vida laboral e doenças cardiovasculares na experiência subjetiva de pacientes em reabilitação cardíaca, por meio do método fenomenológico-hermenêutico. A pesquisa, aprovada por comitê de ética. Fez uso da técnica de entrevistas individuais. Os participantes foram seis pacientes da reabilitação cardíaca, escolhidos aleatoriamente, que concordaram participar da pesquisa voluntariamente. Entre os resultados apontaram limitação na capacidade de exercer esforço físico; dificuldades geradas pelo tratamento; impacto psicológico devido ao encerramento ou diminuição do ritmo de trabalho e na renda.
Felipe Mendes da Silva aborda o conceito de autossuporte, na abordagem gestáltica, considerando os processos existenciais de mulheres que são mães, com uma rotina de múltiplas tarefas, sobretudo, e as que tem filhos autistas, pela afetação da saúde psíquica, devido a busca, muitas vezes solitária, de tratamento para o filho. Em uma revisão narrativa de literatura sobre as estratégias de autossuporte adotadas por mães de crianças autistas durante a pandemia de Covid-19 no Brasil situa a organização da rotina, o envolvimento criativo dos filhos nas atividades diárias, o compartilhamento de experiências e sentimentos, e a espiritualidade como recursos importantes para lidar com o estresse e promover o bem-estar emocional.
Alessandro Carneiro da Silva enfoca a vivência de mães de bebes com Cardiopatias Congênitas, utilizando uma abordagem que integra psicologia social, hospitalar e Gestalt-terapia, aliada ao pré-natal psicológico. O estudo aponta que cerca de 1 em cada 100 nascidos vivos desenvolvem Cardiopatias Congênitas, representando uma
importante causa de morbidade e mortalidade infantil globalmente; assim, o estudo destaca a importância das políticas públicas, como o Programa de Humanização do Pré- natal e Nascimento, para melhorar o cuidado pré-natal.
Em um belo relato de experiência Larissa da Silva Carvalho descreve, a partir da prática clínica e da própria vivência, sobre a Consciência da racialidade na atuação de Gestalt-terapeuta. Refere o ano de 2020 como parâmetro para o autorreconhecimento da condição de mulher negra não retinta. A autora afirma que a clínica racializada gestáltica favorece desconstruir os impeditivos sociais: preconceitos raciais; racismo; colonização inscritos na formação profissional. A reflexão aborda a falta de consciência racial, a ideologia da “invisibilização” e o “apagamento” da problemática da racialidade no setting psicoterapêutico; também uma postura afirmativa e combativa contra as violências de gênero estabelecidas, a partir do racismo que clientes sofrem.
Outra dimensão da intersecionalidade contida neste volume é o etárismo, em que Heloá Maués critica a postura social aplicada aos idosos brasileiros, em que se discursa sobre a “naturalidade” da morte de pessoas idosas, com expressões do tipo: “Ah, já cumpriram suas missões”. A autora se interrogava: “que missões são essas que temos que cumprir ao longo de nossa existência? ” “Caso se cumpra esta missão ainda jovem, morrerei e todos aceitarão com esta mesma facilidade? ”. Algumas respostas que emite apontam que compreender o envelhecimento requer abordar sua complexidade, sem limitar as reflexões ao ciclo vital aponta. Elege a Gestalt-terapia e a fenomenologia do envelhecimento composta em Simone de Beauvoir para desconstruir a representação social pejorativa da pessoa idosa.
Excelente leitura.
CRENSHAW, Kimberle. A intersecionalidade da discriminação de raça e gênero. 2002. Disponível em: <http://www.acaoeducativa.org.br/fdh/wp- content/uploads/2012/09/Kimberle-Crenshaw.pdf>