LOPES, Gabriela Resende; EVANGELISTA, Paulo Eduardo Rodrigues Alves. – “Eu estava sempre muito cansada”: impactos na vida laboral de pessoas com doenças cardíacas.”

ARTIGO

“Eu estava sempre muito cansada”: impactos na vida laboral de pessoas com doenças cardíacas.

“I was always very tired”: impacts on the working lives of people with heart disease.

Gabriela Resende Lopes

Prof. Dr. Paulo Eduardo Rodrigues Alves Evangelista

RESUMO

As doenças cardiovasculares são uma das principais causas de incapacidade laboral no mundo e podem impactar significativamente a vida dos pacientes através de efeitos sociais e psicológicos decorrentes deste afastamento. Este estudo objetivou compreender as interrelações de vida laboral e doenças cardiovasculares na experiência subjetiva de pacientes em reabilitação cardíaca através do método fenomenológico-hermenêutico, que permitiu a identificação dos significados atribuídos ao trabalho e das seguintes categorias temáticas: 1) Limitação na capacidade de exercer esforço físico; 2) Dificuldades geradas pelo tratamento; 3) Impacto psicológico devido ao encerramento ou diminuição do ritmo de trabalho; 4) Impacto na renda; 5) Impacto na carreira; 6) Atribuição do adoecimento ao ritmo de trabalho. Os resultados indicam a importância do trabalho na vida destas pessoas e a diversidade de impactos sofridos ao longo do adoecimento cardíaco. Estes achados contribuem para a compreensão destas vivências e para a elaboração de intervenções no cuidado destes pacientes.

Palavras-chave: Doenças cardiovasculares. Pesquisa qualitativa. Qualidade de vida. Trabalho.

ABSTRACT

Cardiovascular diseases are one of the leading causes of occupational disability worldwide and can significantly impact patients' lives through social and psychological effects resulting from this withdrawal. This study aimed to understand the interrelationships between work life and cardiovascular diseases in the subjective experience of patients in cardiac rehabilitation through the phenomenological-hermeneutic method. The meanings attributed to work and the following thematic categories were identified: 1) Limitation in the ability to exert physical effort; 2) Difficulties generated by treatment; 3) Psychological impact due to the cessation or decrease in the pace of work; 4) Impact on income; 5) Impact on career; 6) Attribution of illness to the pace of work. The results indicate the importance of work in these individuals' lives and the diversity of impacts experienced throughout cardiac illness. These findings contribute to understanding these experiences and to developing interventions in the care of these patients.

Keywords: Cardiovascular diseases. Qualitative research. Quality of life. Work.

INTRODUÇÃO

No cenário de saúde brasileiro, as doenças cardiovasculares (DCVs) se mantêm em evidência há décadas, constituindo hoje o maior ônus para a saúde no mundo, e liderando as taxas de mortalidade e de incapacitação (Malta et al., 2021; Stevens et al., 2017). Estas se manifestam de formas variadas, causando diferentes disfuncionalidades, brandas ou graves, no coração e no sistema circulatório, tendo como exemplo: as doenças coronarianas, doenças cardíacas reumáticas, cardiopatias congênitas, entre outras (OMS, 2021).

Os sintomas relacionados às diferentes cardiopatias se assemelham, mas variam em intensidade de acordo com o grau de gravidade da doença. São eles: o cansaço excessivo, dispneia, fadiga, dores no peito e desmaios, que contribuem para a redução da capacidade da pessoa em manter atividades as quais ela estava acostumada a realizar, principalmente se exigirem de médio a alto esforço. Essa redução relaciona-se a perdas na qualidade de vida, uma vez que traz impactos nas atividades diárias (AVDs), na independência, autonomia e visão de si (Carvalho et al., 2019; Silva et al., 2021).

O adoecimento cardiovascular tem a cada ano apresentado números mais expressivos, principalmente devido ao envelhecimento da população e a piora dos hábitos de vida. No Brasil, a prevalência de doenças cardiovasculares medida em 2019 foi de 6,1% da população, acometendo um total de 12.946.932 pessoas, e as hospitalizações para procedimentos cirúrgicos aumentaram em 64% desde 2008 (Oliveira et al., 2022). Dessa forma, também aumenta a quantidade de pessoas que serão afastadas de seus empregos e passarão por problemas semelhantes (Morato Filho et. al., 2015), fazendo com que o olhar para essa questão deva ser aprofundado. 

Desde o início da cardiologia como especialidade, existe uma preocupação referente ao impacto financeiro causado pelas doenças cardíacas. As chamadas “clínicas cardíacas” foram criadas para oferecer acompanhamento médico aos pacientes cardiopatas, com o objetivo de diminuir sua descompensação frente ao esforço físico, e dessa forma, mantê-los aptos ao trabalho. Na época, também era realizado um serviço chamado de adaptação ao trabalho pela equipe de assistência social, onde se investigava a antiga atividade do paciente, seu comprometimento cardíaco, e o auxiliava na busca por uma ocupação compatível com o quadro clínico (Souza, 2017). 

Ainda hoje, os acompanhamentos e intervenções necessários para o controle da doença são contínuos e caros, o que, junto às limitações da força de trabalho, trazem grandes impactos para a economia do país. De acordo com Oliveira et al. (2022), as DCVs são responsáveis por altas despesas diretas com a hospitalização e indiretas devido à ausência ao trabalho, resultando em um gasto de US$ 4,18 bilhões na economia brasileira em 9 anos. Tendo isto em vista, o investimento do Sistema de Saúde Público Brasileiro (SUS), no protagonismo da atenção primária, busca a prevenção dessas doenças — através da promoção da educação em relação a hábitos saudáveis, da oferta de atividades físicas, do controle dos preditores, de abordagens de intervenções longitudinal, dentre outros. Sendo está uma importante estratégia para a contenção de gastos e controle da doença (Frazão; Deininger, 2021).

Juntamente ao trabalho de prevenção, a reabilitação cardíaca também é uma proposta ofertada pelo governo que possui como um de seus objetivos principais a manutenção da força de trabalho populacional, buscando diminuir os impactos econômicos gerados, melhorar a qualidade de vida e a condição financeira dos pacientes (Dias et al., 2016). Essa busca se justifica devido à importância atual do trabalho para o bem-estar, hoje reconhecido como um dos requisitos que compõem o conceito ampliado de saúde do SUS, uma vez que, além de ser fundamental como meio de subsistência, também ocupa um espaço de muitos significados, construção de identidade e valores de cada pessoa. (Brasil, 1987).

Com a consolidação da cardiologia como especialidade, a estrutura de acompanhamento para a saúde física destes pacientes foi fortalecida, promovendo um ambiente qualificado para a reabilitação. Em contrapartida, as ações de orientação e adaptação ao trabalho antes realizadas foram substituídas, principalmente, pela concessão de benefícios financeiros para aqueles que tiveram sua capacidade laboral prejudicada (Souza, 2017). Esse cenário contribui para grandes melhorias na assistência à saúde física dos pacientes, mas não garante um acompanhamento satisfatório em relação às questões psicológicas decorrentes dessa perda. 

Para a população brasileira, o trabalho ocupa um lugar de centralidade, sendo altamente valorizado e, muitas vezes, visto como uma obrigação para com a sociedade. Sendo assim, ele possui influência em diversos aspectos subjetivos, como nos relacionamentos interpessoais, autoimagem, identificação pessoal e interesses pessoais. Além disso, sua ausência é, muitas vezes, relacionada com sentimentos negativos, como sentir-se inútil, sem propósito, isolado, entediado, entre outros (Satuf; Neves, 2021).

Dessa forma, as pessoas que vivem com doenças crônicas podem experienciar impactos em muitos desses aspectos, uma vez que possuem dificuldade em retornar ao trabalho devido às limitações impostas pelo seu quadro de saúde, aos preconceitos sofridos no ambiente comercial e também aos longos períodos de afastamento, muitas vezes necessários. Essas limitações se relacionam com a restrição da capacidade de horas trabalhadas, do tipo de trabalho possível e também dos deslocamentos necessários (Corral; Durán; Isusi, 2014).

Silvaggi et al. (2020), evidenciam a necessidade de criar iniciativas para a inclusão de pacientes com doenças crônicas no mercado de trabalho, visto que este adoecimento acomete uma grande parcela da população. Além dos prejuízos à produtividade, é reconhecido que a redução da atividade laboral, e, portanto, da remuneração, pode causar muita insegurança e interferir na perspectiva de vida e trabalho dos pacientes, considerando o alto custo dos tratamentos (Silvaggi et al., 2020). 

Estudos sobre o impacto do afastamento do trabalho na saúde apresentam resultados inconclusivos, influenciados por fatores socioeconômicos e de gênero. Algumas pesquisas, como a de Keller (2021) e Barban et al. (2017), indicam que a adoção de um estilo de vida menos saudável após o afastamento do trabalho pode prejudicar a saúde, diminuindo a qualidade de vida e o bem-estar social. Por outro lado, outros autores, como Hallberg (2015) e Westerlund et al. (2010), sugerem que o afastamento do estresse do trabalho pode ter efeitos benéficos na saúde, reduzindo os períodos de hospitalização. 

Sabemos hoje que, apesar de ter esse papel importante na saúde do indivíduo, o trabalho pode se tornar um fator negativo e relacionar-se com aspectos que trazem prejuízo ao bem-estar, como a carga horária excessiva, ambiente de trabalho insalubre, alto nível de estresse, entre outros. O estresse é associado com os fatores de risco para as doenças cardiovasculares, além da ansiedade e depressão, que também podem surgir a partir de situações de insalubridade laboral (Perk et al., 2012; Osborne et al., 2020).

Em março de 2022, com a entrada na Residência Integrada Multiprofissional no Hospital das Clínicas da UFMG, a pesquisadora iniciou seu contato com pacientes da especialidade cardiovascular nos cenários hospitalar e ambulatorial. Neste contexto, realizou atendimentos de diversas modalidades: consultas únicas, com acompanhamento longo, breve, com frequências variadas, e pôde perceber que, em muitos deles, a temática do trabalho aparecia de forma marcante e relacionada com o adoecimento.

Apesar de singulares, os relatos possuíam aspectos que se repetiam e que diziam de vivências aproximadas. A pesquisadora foi surpreendida por muitos pacientes que, mesmo vivenciando situações graves de saúde em sua internação, preocupavam-se mais com a perspectiva de retorno ao trabalho do que com a própria recuperação, desafiando recomendações médicas. Outros estavam entristecidos após a impossibilidade de retorno devido aos sintomas causados pelas suas doenças e muitos atribuíam seu adoecimento ao ritmo de trabalho excessivo que praticavam há muitos anos.

Ao longo dessa vivência, os aspectos referentes ao trabalho identificados no discurso dos pacientes com DCVs chamaram atenção, aparecendo muitas vezes como protagonistas em suas vidas e, em outras, relacionados à própria condição precária de saúde. Assim, o presente estudo propõe a investigação das nuances construídas na relação entre pacientes com doenças cardiovasculares e o trabalho: os papéis atribuídos e os significados construídos, a fim de compreender a experiência subjetiva de cada participante da pesquisa.

OBJETIVOS

Objetivo Geral

Compreender as interrelações de vida laboral e DCV na experiência subjetiva de pacientes em reabilitação por DCV. 

Objetivos Específicos

- Identificar os significados do trabalho na vivência dos pacientes;

- Analisar possíveis sentidos das relações do trabalho na vida e na saúde dos pacientes;

- Descrever impactos na experiência do trabalho causados pelas DCVs;

METODOLOGIA

O método utilizado foi o qualitativo fenomenológico, uma vez que o projeto se interessa por apreender e compreender aspectos subjetivos e particulares da experiência de cada participante que não podem ser mensurados ou controlados. A pesquisa foi realizada em um ambulatório público de grande porte que integra a rede de saúde especialista em doenças cardiovasculares do Hospital das Clínicas de Belo Horizonte (HC-UFMG), durante o período de março a novembro de 2023.

Foram realizadas seis entrevistas individuais com pacientes integrantes da reabilitação cardíaca, escolhidos aleatoriamente, que se disponibilizaram a participar da pesquisa de forma voluntária. O estudo foi pensado de modo a abranger pacientes com algum adoecimento cardiovascular, de gravidade variada, que tiveram a oportunidade de viver a experiência do trabalho ao longo da vida, e que possuíam disponibilidade para falar sobre suas vivências. Durante o processo, a entrevista foi recusada por três candidatos convidados, e três das nove pessoas contactadas solicitaram o acompanhamento psicológico disponibilizado no setor.

As entrevistas foram conduzidas presencialmente, em caráter livre e sem estrutura prévia, sendo disparada pela pergunta “Como a DCV tem afetado sua vida laboral?”. Este método de condução de entrevista assume o pressuposto do método fenomenológico-hermenêutico de que o saber é uma construção dialógica (Fleming; Gaidys; Robb, 2002). O caráter livre da condução possibilitou o desenvolvimento da entrevista como uma conversa, na qual se buscou desvelar o sentido do trabalho na vida do entrevistado e os impactos da DCV (Silva; Santos, 2017). As entrevistas tiveram duração entre 15 e 40 minutos.

O perfil dos participantes está detalhado na Tabela 1 abaixo, identificado com nomes fictícios. É importante destacar que, ao final de uma das entrevistas, foi realizado um momento de acolhimento para um dos participantes, que se sensibilizou após ter entrado em contato com suas experiências e lembranças.

Tabela 1: Participantes da pesquisa

Entrevistados

Idade

Cardiopatia

Aposentadoria

Ocupação

Arnaldo

81 anos

Infarto do

miocárdio

Sim

Conserto de

televisores

Luciano

45 anos

Valvopatia

reumática

Não

Trabalho rural

Denise

87 anos

Obstrução arterial

Sim

Serviço doméstico

Geraldo

57 anos

Doença arterial

coronariana

Não mencionado

Gestor de espaço comercial

Rafaela

43 anos

Cardiopatia

congênita e

insuficiência

cardíaca

Sim

Corretora

imobiliária

Roberta

43 anos

Insuficiência

cardíaca

Não

Serviço

administrativo

Fonte: Elaborada pelos autores

As entrevistas foram gravadas e transcritas, para depois serem analisadas seguindo o método de análise compreensiva fenomenológico-hermenêutico. Foi feita uma busca por desvelar o sentido dado nas descrições, para depois compreendê-lo e comunicá-lo, sem que se procurasse por uma confirmação (Silva; Santos, 2017).

A análise foi elaborada de acordo com os quatro passos para o desenvolvimento da pesquisa descritos por Fleming, Gaidys e Robb (2002). São eles: 1) identificação das pré-concepções; 2) ganho de compreensão através do diálogo com os participantes; 3) ganho de compreensão através de diálogo com texto e 4) estabelecimento de confiança.

Iniciando a identificação das pré-concepções, a pesquisadora percebeu seus construtos e preconceitos acerca do tópico, a fim de compreender o fenômeno para além deles. Esses pré-conceitos apoiavam suas compreensões e intervenções no cuidado com pacientes cardiovasculares no hospital e no ambulatório. Essas pré-concepções implícitas na prática vieram à tona durante a análise das entrevistas, propiciando uma interpretação fenomenológica dos relatos colhidos, conforme orientado por Fleming, Gaidys e Robb (2002). 

No próximo passo, a apreensão do conteúdo foi realizada de forma colaborativa, na qual a pesquisadora precisou estar aberta ao novo e à construção de uma compreensão compartilhada com o participante, sendo assim feita a gravação e transcrição para a captura do momento. Nesta etapa, conforme Fleming, Gaidys e Robb (2002), a autora precisou estar atenta aos próprios sentimentos e reações em relação à pesquisa, e registrá-las no estudo.

Já no “ganho de compreensão através do diálogo com texto”, o trabalho se voltou para a análise das entrevistas transcritas e dos áudios gravados, incluindo comentários anotados pela entrevistadora, buscando alcançar um conhecimento compartilhado. Os objetivos incluíram compreender o sentido transmitido pelo texto de forma geral; investigar cada sentença buscando a identificação de temas que possam auxiliar no entendimento do fenômeno; relacionar as sentenças com o sentido geral e, por fim, identificar os trechos que demonstram a compreensão construída em conjunto (Fleming; Gaidys; Robb, 2002). 

Ao final, a pesquisadora se certificou de tomar todas as precauções necessárias para tornar o texto o mais confiável possível, fornecendo todos os detalhes e resultados possíveis para a análise do leitor. Para isso, o passo-a-passo utilizado na pesquisa está descrito com muita clareza, além da documentação das decisões tomadas durante o processo e da perspectiva fiel dos participantes, utilizando-se de citações diretas. Após a realização da primeira entrevista, ela foi transcrita e a análise feita conjuntamente com o professor-orientador. Nesse processo, evidenciaram-se alguns pré-conceitos de ambos, o que propiciou uma nova abordagem do fenômeno. Confirmou-se que o roteiro de entrevista semi-dirigida propiciava o desvelamento da experiência pretendida. Assim, partiu-se para a realização de outras entrevistas. Sabemos que uma verdade inalterada não é possível, visto que a interpretação pessoal faz parte do processo, mas a confiabilidade pôde ser potencializada seguindo estes passos e, também, com participação ativa dos entrevistados (Fleming; Gaidys; Robb, 2002).

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais, CAAE: 70369323.5.0000.5149 e seguiu as recomendações da Resolução concernente às normas aplicáveis a pesquisas em Ciências Humanas e Sociais (nº. 510/2016). Assim, foi assegurado o esclarecimento e o convite aos participantes, seguidos da apresentação e da concordância do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). 

RESULTADOS 

Após uma minuciosa análise das entrevistas, foi possível identificar descrições sobre o significado que os participantes atribuíam ao trabalho em suas vidas. O trabalho, além de ser um meio de subsistência, foi mencionado nos relatos como uma forma de ocupar o tempo e a mente, proporcionar melhorias na qualidade de vida, facilitar um espaço para construção de laços sociais, promover independência, e atuar como fonte de realização e identificação pessoal. Em diversos aspectos, esses significados estavam relacionados à saúde física e mental dos entrevistados, de forma que ambas também foram afetadas a partir dos impactos no trabalho.

Eles relataram:

“Você fecha o olho sentado e vai pesquisando aquilo ali. É uma terapia, é bom, você descansa. Fica cansado o corpo, a mente assim, mas é gostoso. Entendeu?” (Arnaldo)

“Eu gostava mesmo de trabalhar, mesmo. Eu não gostava muito de ficar parado. Até hoje mesmo, se eu ficar parado em casa eu fico desinquieto. Quando eu pego férias do serviço, eu fico desinquieto em casa. Eu até vendo 10 dias pra eles, fico só 20 dias dentro de casa, e 10 dias eu vou trabalhar.” (Luciano)

“Eu mediava bastante, criava uma amizade, a pessoa sabia que podia me chamar. Dentro do que eu faço, não é querendo me gabar, mas eu faço bem feito. Por isso que me respeitam, entendeu?” (Geraldo)

“Eu sempre fui muito independente. Ficar pedindo: ah você me arruma 100 reais, me arruma 50. Nunca esteve nos meus planos isso. Ficar pedindo dinheiro a alguém, ficar dependente de alguém. Então sempre quis ter o meu” (Rafaela)

“Até aquele momento ali, o que me tirava de casa era o trabalho. Se eu não estivesse trabalhando, eu ia ficar em casa dormindo. Eu ainda tenho medo de que isso aconteça.” (Roberta)

“Tem uma social lá que é importante. Quando você não tem ânimo para outras coisas aquilo ali é super, super válido … O meu trabalho não é só trabalho. Tem alguma coisa ali que é uma socialização que é super sadia. Graças a Deus, eu dei sorte.” (Roberta)

“Eu tentei redução de jornada, mas o serviço de saúde indeferiu por duas vezes, considerando que minha condição de saúde não requer uma redução de jornada. Eles sempre falam que a opção é aposentadoria por incapacidade, o que me parece um contrassenso, porque eu quero é trabalhar.” (Roberta)

A partir destes significados, os participantes relataram quais eram as relações existentes entre sua vida laboral e o adoecimento cardíaco, e como sua experiência de trabalho foi afetada neste contexto. Assim, foram identificadas nos relatos diversas significações, reunidas em seis unidades temáticas principais, que serão descritas a seguir.

Tabela 2: Unidades temáticas

UNIDADES TEMÁTICAS

1. Limitação na capacidade de exercer esforço físico

2. Dificuldades geradas pelo tratamento

3. Impacto psicológico devido ao encerramento ou diminuição do ritmo de trabalho

4. Impacto na renda

5. Impacto na carreira

6. Atribuição do adoecimento ao ritmo de trabalho

Limitação na capacidade de exercer esforço físico 

O principal impacto da cardiopatia relatado pelos entrevistados durante a pesquisa foi a limitação em sua capacidade de realizar esforços físicos e suas diretas afetações no trabalho. As vivências relacionadas a esta categoria foram encontradas em todas as entrevistas, em diferentes medidas, mesmo para aqueles que não trabalham diretamente com atividades intensas e manuais. 

Em suas diversas formas, as cardiopatias impõem limites ao funcionamento adequado do coração e, em consequência, do corpo, além de causar uma variedade de sintomas físicos que impossibilitam as pessoas afetadas de exercerem esforços físicos intensos, ou até básicos, a depender da gravidade do adoecimento (Moraes et al., 2005). Esta limitação impacta diretamente a capacidade laboral, uma vez que os pacientes sentem intenso cansaço após pequenos esforços, não conseguem se deslocar com facilidade, e não podem carregar pesos. Muitas vezes também sentem dores aos esforços, e necessitam diminuir o ritmo de trabalho, quando não o interromper completamente. 

Nos relatos da entrevistada Rafaela, ela conta como o avanço da cardiopatia impossibilitou seu trabalho como corretora de imóveis, que causava muito estresse e exigia frequentes deslocamentos. À medida que a doença progredia, ela não conseguia mais subir os lances de escadas dos prédios, nem andar em ruas com pequenas inclinações ou carregar sacolas sem se cansar muito. Apesar de ainda ter 43 anos, esses motivos contribuíram para que ela buscasse a aposentadoria. 

Outros entrevistados também relataram: 

“Achava que era normal. Depois que falaram que não, que era o problema no coração mesmo … Eu ficava muito cansado. Se estivesse fazendo o serviço aqui eu tinha que parar um pouco pra descansar. Se eu continuasse eu caía.” (Luciano)

“Eu não lavo roupa. Comida assim, eu não faço. Porque eles sempre ficam dizendo: a senhora não pode mexer com panela pesada. Aí elas mesmo cozinha, lava, arruma casa.” (Denise)

“O médico conversou muito comigo, disse: olha se você continuar nesse ritmo seu, seu coração não vai aguentar mais não.” (Geraldo)

Dificuldades geradas pelo tratamento 

Os tratamentos referentes às cardiopatias também foram associados pelos entrevistados como parte das dificuldades experienciadas. A constante manutenção dos batimentos cardíacos, a alta quantidade de medicamentos que eles precisam buscar e consumir, os diversos compromissos e consultas que precisam ser atendidos semanalmente, junto com as licenças médicas e internações frequentes se mostram como dificultadores na atividade laboral por demandarem muito tempo e esforço, além de causar cansaço. 

Nos relatos de Roberta, foi enfatizado como ela precisou tirar diversas licenças médicas em seu trabalho, para conduzir seu tratamento e, também, desvendar seu diagnóstico. Essas frequentes ausências lhe causavam um mal-estar, devido à sua dedicação e ao senso de responsabilidade com o trabalho e com seus colegas de serviço. Mesmo após esse período, mantém uma rotina dinâmica de cuidados à saúde, que acaba por influenciar seu ritmo de trabalho e sua vida: 

Eu sempre tenho uma agenda médica. Então é o cardiologista, é o nutricionista, é o pneumologista, tudo que é ‘gista’ que tem na vida. Todo dia tem um exame, uma consulta. Então eu vou pro trabalho, saio pra consulta, volto pro trabalho, chego em casa e acabou. Morri! Não quero mais nada.” (Roberta)

“Foi uns dois anos de bastante dificuldade até que a coisa se estabilizou, e ainda assim eu tive ao longo do tempo várias licenças relativamente longas. Fiz cardioversão, que requereu bom tempo em casa, e isso é bem preocupante … É impossível não sentir algum tipo de pressão por não estar indo pro trabalho, por estar adoecido.” (Roberta)

“Então você tem que trabalhar, ir na consulta, buscar o remédio. O remédio faz ter queda de potássio, então você tem que ir na consulta, na farmácia, sacolão comprar as folhas pra repor. Não aguenta. Que tempo de vida você tem pra outra coisa a não ser para lidar com isso né?” (Roberta)

A entrevistada Rafaela também relatou:

“Você tem que se readaptar com isso, e também você fica chateada com isso. As coisas que você podia estar comprando, estar fazendo. Os medicamentos, aí você tem que ir lá no posto pegar, não tem. Tudo aquilo vai te deixando triste.” (Rafaela)

Impacto psicológico devido ao encerramento ou diminuição do ritmo de trabalho 

Ao longo das entrevistas, os participantes manifestaram diversas queixas e observações acerca de sua percepção do próprio estado psicológico após o afastamento do trabalho. As vivências encontradas neste tema são relacionadas principalmente a sentimentos e estados emocionais experienciados pelos entrevistados no período em que o adoecimento cardíaco passou a interferir na vida laboral. Foram citados o nervosismo, inquietação, chateação, desânimo, sentimento de inutilidade, culpa e estresse. 

No relato do entrevistado Geraldo, ele conta que após o infarto, sua capacidade de trabalhar e fazer pequenos esforços ficou muito prejudicada. Dessa forma, a partir das orientações da sua equipe de saúde, optou por se desligar de seu trabalho e se dedicar aos seus próprios cuidados. No entanto, desde então passou a se sentir mais entristecido, mesmo buscando ocupar este tempo que passou a ficar disponível. Ele relatou: 

“Eu gosto de trabalhar, eu acho que é isso que está me adoecendo até mais, eu não estar conseguindo … E aí minha vida tá assim, eu tô fingindo que tô feliz e vai tocando o barco.” (Geraldo)

Esses sentimentos se mostraram relacionados com o enfrentamento do tempo ocioso no cotidiano, que anteriormente era dinâmico e agitado, e também com o enfrentamento das novas limitações e exigências do corpo, que já não respondia mais como eles estavam habituados. Os participantes relataram:

“Eu fico desinquieto, mais nervoso dentro de casa, sem fazer nada. No dia que eu voltei a trabalhar, ele me deu férias. Eu falei: compra os 10 dias. Eles falaram: não, fica os 30. Fiquei 30 dias arrastado dentro de casa.” (Luciano)

“Por exemplo, eu me levanto seis, seis e pouco da manhã. Faço o que? Nada. Entendeu? Fico esperando o dia passar, venho pra cá, aí vou muito na roça … Mas assim, só pra não me sentir inútil.” (Geraldo)

“Aquilo afeta bastante. Seu psicológico afeta de uma forma que você não quer ver ninguém. Tem dia que você está muito estressada, muito chateada. Você fica nervosa.” (Rafaela)

“Nunca tive nenhuma pressão, cobrança nem nada. Mas fico chateada comigo mesma às vezes por isso, por não estar dando conta. A sensação de não estar dando conta, isso é péssimo, horrível, muito ruim.” (Roberta)

Impacto na renda

Os impactos na situação financeira foram relacionados pelos pacientes com o afastamento ou diminuição de ritmo do trabalho após o adoecimento cardíaco, devido às limitações supracitadas. Os entrevistados identificaram seu trabalho como forma de sustentar a si e a família, o que faz com que a diminuição da renda interfira diretamente no seu cotidiano e em suas possibilidades. Mesmo em vista da aposentadoria, muitos expressaram a necessidade de continuar trabalhando para complementar a renda, que seria insuficiente para manter seus cuidados básicos.

“Aposentei com 2 salários, só recebo 1. Então se você não trabalhar não dá pra comer não, porque é eu, minha esposa, e um tanto de neto. Eles não saem de dentro de casa, então você tem que sobreviver.” (Arnaldo)

“O dia que eu saí do hospital eu fui lá fazer a perícia e me deram pau. Nem aqui no hospital não liberaram não, falaram que eu podia trabalhar. Eu pago aluguel, né, 800 conto de aluguel. Então ficar parado não dá certo não. Então voltei né, tive que arriscar e voltar a trabalhar.” (Luciano)

As entrevistadas Rafaela e Roberta compartilharam as dificuldades cotidianas que enfrentam com a diminuição de seus recursos financeiros, especialmente devido ao alto custo da manutenção da condição cardíaca. Ainda que o Sistema Único de Saúde (SUS) cubra a maioria das despesas, alguns medicamentos necessários para o tratamento precisam ser comprados no particular e oferecem um custo considerável.

“Eu reduzi minha jornada de trabalho com redução de salário, que já é um problema pra quem tem uma doença crônica, porque a medicação é muito cara. Só aquele anticoagulante é quase 400 reais.” (Roberta)

“Eu tinha que andar bastante, é muito estresse né, eu sou corretora, então é muito estressante. Então eu tive que me afastar, eu aposentei né. Aí sua renda cai, do que você ganhava e do que você ganha agora, totalmente o oposto. Aí né, sua vida muda. Gira 360 graus.” (Rafaela)

Impacto na carreira

Os participantes relataram que o adoecimento cardíaco gerou impactos em suas carreiras, que precisaram ser interrompidas ou modificadas para se adequarem à nova realidade imposta pelos cuidados necessários à saúde.

O relato que melhor ilustra essa situação apareceu na entrevista de Rafaela, descrito pela participante que possui uma cardiopatia congênita, e cujo adoecimento interferiu em toda a construção e curso de sua carreira. Mesmo no início do aparecimento de seus sintomas, Rafaela foi orientada por sua equipe de saúde a não continuar seu trabalho como professora, profissão que estava iniciando, devido ao alto nível de estresse que poderia vivenciar. Dessa forma, mudou de carreira após finalizar sua graduação, mas ainda assim percebeu sua trajetória influenciada pelo adoecimento, que a restringia em adquirir certas qualificações.

“Logo em seguida eu tive que colocar o marca-passo. Aí o médico falou: não, você pode aquietar, ficar quietinha bonitinha. Você termina seu curso, mas pra você ser professora esse problema seu vai afetar muito.” (Rafaela)

“Você recebe tanta má notícia, que é só mais uma na sua vida. E eu já esperava por isso, porque quando a médica me consultou, ela me falou muita coisa. Rafaela essa doença sua ela progride, ela afeta muito o coração, sobrecarrega muito … mas achei que seria mais pra frente. Que eu poderia formar, dar pelo menos 1 a 2 anos de aula.” (Rafaela)

“Então aquela correria, o dia inteiro correndo. E eu não andava de carro, pegava uber, porque eu não consegui tirar a carteira … disseram que era melhor não tirar no momento porque a pressão estava muito alta. Aí da última vez que pedi ao médico, ele achou melhor não dar o atestado porque o coração já estava avançando.” (Rafaela)

Atribuição do adoecimento ao ritmo de trabalho

A última unidade temática categorizada se refere ao conteúdo identificado nas entrevistas que diz respeito às relações que os participantes traçam do exercício de seu trabalho com seu adoecimento, e a percepção do que pode ter contribuído para o avanço da cardiopatia. Eles descreveram, principalmente, a alta intensidade do ritmo de trabalho e o estresse relacionado a esse ritmo como fatores que trouxeram prejuízos para a sua saúde física.

Sabemos que o estresse crônico é um dos preditores para doenças cardiovasculares e que sua ocorrência frequente pode conduzir a graves consequências na saúde. Os possíveis riscos incluem o aumento da frequência cardíaca e da pressão arterial, o aumento do acúmulo de placas nas artérias e a potencialização do risco de formação de coágulos no sangue (Scane et al., 2018). Consoantes a isso, os participantes relataram:

“Então era aquela correria, o dia inteiro correndo, e eu não andava de carro … Pegava uber o tempo inteiro, aquela correria. Não comia, não tomava medicamento direito né. Então tudo isso me afetou.” (Rafaela)

“Era praticamente 24h trabalhando mesmo. De onde eu estava, a câmera estava ligada. Aí pra você sair da sua sala eu já te acompanhava pelo celular. Tinha que estar 24h atento. Querendo ou não, dá um estressezinho.” (Geraldo)

DISCUSSÃO 

A partir da análise dos dados identificados nas entrevistas, foi possível perceber que o adoecimento cardíaco, e seu agravamento, impactam diretamente na capacidade laboral dos pacientes. Como descrito por Malta et al. (2021), as doenças cardiovasculares são uma das maiores causadoras de internações no Brasil e também estão relacionadas com a redução da produtividade e afastamento do trabalho, gerando, assim, altos custos para o sistema de saúde (Morato Filho et. al., 2015).

Um dos principais agentes desses impactos são os sintomas físicos relacionados às cardiopatias, que podem envolver o enfraquecimento do corpo e de sua capacidade para realizar atividades, a partir da dispnéia, fadiga, dor torácica, entre outros (Carvalho et al., 2019; Silva et al., 2021). De acordo com os relatos dos participantes, e em consonância com o estudo de Silva et al. (2021), essas características influenciam na qualidade de vida dos pacientes e também na prática laboral. Elas apresentam desafios e impedimentos na rotina a partir da restrição dos deslocamentos, da impossibilidade de carregar pesos e fazer grandes esforços e da exaustiva dedicação aos tratamentos (Silva et al., 2021). 

Os deslocamentos e o ritmo de trabalho precisam ser reduzidos, assim como algumas atividades laborais são desencorajadas devido ao risco de agravamento da cardiopatia, conforme relato por Rafaela e Geraldo, nesta pesquisa, e discutido por Corral, Durán e Isusi (2014). Estes autores ainda chamam a atenção para preconceitos sofridos no ambiente comercial, mas este fenômeno não apareceu nas entrevistas. Outrossim, os entrevistados revelaram sentimentos de menos-valia por terem menor capacidade de trabalho do que tinham antes. 

Além destes impactos causados pelos sintomas, os entrevistados também citaram as dificuldades relacionadas à intensidade do tratamento, em consonância com o discutido por Corral, Durán e Isusi (2014). Nos relatos, eles descreveram os desafios da manutenção do ritmo de trabalho devido ao afastamento por diversas internações, à presença em numerosas consultas na rotina semanal e à restrição do acesso a treinamentos e qualificações necessárias ao crescimento profissional (Corral; Durán; Isusi, 2014). 

Barban et al. (2017), em uma revisão da literatura acerca do tema, trazem discussões que se dedicam a explorar os efeitos do afastamento precoce do trabalho na vida das pessoas. De acordo com a literatura, alguns dos efeitos negativos incluem a diminuição do bem-estar e o aumento do estresse. A pesquisa atual corrobora esse estudo acerca dos efeitos negativos devido ao afastamento precoce do trabalho, principalmente em relação aos impactos psicológicos identificados e ao sentido atribuído às suas ocupações. Acerca destes aspectos subjetivos, os entrevistados relataram seu desejo de retomar a rotina de trabalho e perceberam um aumento do estresse e da frustração devido à restrição da jornada. Também foram citados sentimentos de incapacidade, desmotivação, vergonha, culpa e angústia. 

Outro efeito identificado pelos participantes foram os impactos da cardiopatia em suas vidas financeiras e nos projetos de carreira, em consonância com o estudo de Silvaggi et al. (2020). A partir das limitações e restrições à capacidade laboral, os entrevistados enfrentaram diminuições salariais e altos custos de medicamentos e tratamentos, o que dificulta a manutenção da vida doméstica e traz impactos psicológicos relacionados à relevância que o trabalho tinha e tem em suas vidas. 

Dessa forma, é possível identificar no discurso dos participantes que, apesar da interrupção do trabalho ser um movimento necessário para o cuidado com a saúde, tendo em vista os riscos e as limitações ligadas às cardiopatias, muitos são os efeitos negativos relacionados a esse afastamento, principalmente quanto à qualidade de vida, conforme discutido por Barban et al. (2017).

Os relatos também revelaram uma relação feita pelos participantes de sua vida laboral com o surgimento ou agravamento de sua cardiopatia, corroborando os estudos de Osborne et al. (2020) sobre o papel do estresse como fator de risco para essa doença. As hipóteses levantadas pelos entrevistados sugerem que o ritmo intenso de trabalho e a grande quantidade de horas trabalhadas promoveram um aumento no estresse e dificuldades em seguir o tratamento medicamentoso de forma correta, o que contribuiu para a progressão do adoecimento.

Nesta pesquisa, também foi possível explorar o sentido do trabalho para os pacientes com cardiopatias, evidenciando a importância do trabalho para cada um dos participantes e os impactos no modo de vivenciá-lo. Os participantes relataram, em consonância com o estudo de Satuf e Neves (2021), que, além de ser fonte de renda e sustento, o trabalho também é um modo de ocupar o tempo e a mente, de construir laços sociais, de alcançar realização pessoal e independência, de promover uma melhor qualidade de vida e de se sentir produtivo. Esses significados também são afetados pelo adoecimento cardíaco a partir dos efeitos advindos das limitações físicas, como o afastamento do trabalho ou sua restrição, a diminuição da renda e a limitação das possibilidades de atuação profissional. Os resultados encontrados sobre os sentidos do trabalho apontam para os efeitos fisiológicos e psicológicos apresentados pelas cardiopatias e essas descobertas não são discutidas na literatura, que, por sua vez, evidenciam as outras nuances da relação entre o trabalho e o adoecimento, já citadas anteriormente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS 

Tendo em vista a centralidade do trabalho nos dias atuais e a crescente prevalência de doenças cardiovasculares no Brasil, a presente pesquisa se propôs a investigar quais as possíveis relações estabelecidas pelos pacientes entre o adoecimento e a vida laboral, em busca de compreender a experiência subjetiva destas pessoas. Os resultados encontrados possibilitaram o vislumbre de aspectos desta relação, dando início à compreensão dos motivos pelas quais essa é uma temática tão aparente nos atendimentos psicológicos e frequentemente ligada a uma intensa angústia. 

Os relatos demonstraram a relevância do trabalho para os pacientes com cardiopatias e as diferentes formas como o exercício deste é interferido e impactado pelo adoecimento, a partir do início e da progressão dos sintomas. Os temas trabalhados referiram-se à dificuldade de manter o ritmo de trabalho devido à limitação da capacidade do esforço físico e à adesão a um tratamento intenso, aos impactos psicológicos e financeiros sofridos com a diminuição desse ritmo, aos sentidos atribuídos ao trabalho na vida de cada um dos participantes e, também, à relação que traçavam da jornada laboral intensa com o adoecimento. 

É importante mencionar que a pesquisa possui limitações, uma vez que não foram realizados recortes quanto ao sexo, idade, tipos de cardiopatia e profissões. Esses fatores podem ser influenciadores significativos dos resultados, mas a inclusão de tais recortes inviabilizaria uma visão abrangente das relações, conforme pretendido. Outras limitações referem-se a informações mais aprofundadas sobre a vida laboral e o adoecimento dos participantes, que podem não ter sido acessadas devido ao caráter breve e único das entrevistas. 

Através da investigação da experiência subjetiva, este estudo abre a possibilidade de compreender alguns aspectos pelos quais a vida dos pacientes é impactada pela cardiopatia e quais são as repercussões desses impactos no cotidiano. Ele auxilia na compreensão da vivência de pessoas inseridas nesse contexto e, dessa forma, pode fundamentar intervenções e estratégias direcionadas para a promoção do bem-estar. Para isso, é necessário o desenvolvimento de mais pesquisas que explorem a relação entre a vida laboral e as doenças cardíacas na experiência subjetiva dos pacientes, com o objetivo de levantar mais informações e de compreender de forma detalhada os significados atribuídos ao trabalho, bem como os impactos sofridos em sua vivência.

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