GONÇALVES, Ana Luiza Magalhães. – “O transtorno do espectro autista sob enfoque da Gestalt-terapia: um diálogo com o modelo DIR/Floortime”

ARTIGO

O TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA SOB O ENFOQUE DA GESTALT-TERAPIA: UM DIÁLOGO COM O MODELO DIR/FLOORTIME

Autistic Spectrum Disorder From The Viewpoint Of Gestalt-Therapy: A Dialogue With The Dir/Floortime Model

Ana Luiza Magalhães Gonçalves

RESUMO

O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é uma condição do neurodesenvolvimento que gera prejuízos em habilidades comportamentais, socioemocionais e de comunicação. A Gestalt-terapia apresenta postura fenomenológica, não reducionista sobre o transtorno, compreendendo os sintomas da criança com TEA como a melhor forma como ela pode se autorregular em determinado meio. Os principais autores da clínica gestáltica infantil realizam aproximações com teorias do desenvolvimento, dentre elas, às ideias de Stanley Greenspan, autor do modelo DIR/Floortime. A presente pesquisa objetivou verificar as relações teóricas e práticas da Gestalt-terapia com o modelo DIR/Floortime, no trabalho com crianças autistas. Para tanto, foi realizada uma revisão de literatura integrativa, utilizando livros e artigos sobre os temas referidos, procedendo-se à análise de conteúdo. Conclui-se que as abordagens compartilham uma visão holística sobre desenvolvimento e suas teorias dialogam entre si, ao reconhecer a importância das relações e da interação entre campo, organismo e meio, mas diferem em relação à postura e foco terapêutico.

Palavras-chave: Transtorno do Espectro Autista; Autismo; DIR/Floortime; Gestalt-terapia

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ABSTRACT

Autism Spectrum Disorder (ASD) is a neurodevelopmental condition that causes impairments in behavioral, socio-emotional and communication skills. Gestalt therapy takes a phenomenological, non-reductionist approach to the disorder, understanding the symptoms of children with ASD as the best way for them to self-regulate in a given environment. The main authors of the child gestalt clinic make approximations with developmental theories, including the ideas of Stanley Greenspan, author of the DIR/Floortime model. This research aimed to verify the theoretical and practical relationships between Gestalt therapy and the DIR/Floortime model in working with autistic children. To this end, an integrative literature review was carried out, using books and articles on the aforementioned topics, and content analysis was carried out. It was concluded that the approaches share a holistic view of development and their theories dialogue with each other, recognizing the importance of relationships and interaction between the field, the organism and the environment, but they differ in terms of therapeutic stance and focus.

Keywords: Autism Spectrum Disorder; Autism; DIR/Floortime; Gestalt therapy

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RESUMEN

El Trastorno del Espectro Autista (TEA) es una afección del neurodesarrollo que provoca deficiencias en las habilidades conductuales, socioemocionales y comunicativas. La terapia gestalt adopta un enfoque fenomenológico y no reduccionista del trastorno, entendiendo los síntomas de los niños con TEA como la mejor forma que tienen de autorregularse en un entorno determinado. Los principales autores de la clínica gestáltica infantil se basan en teorías del desarrollo, incluidas las ideas de Stanley Greenspan, autor del modelo DIR/Floortime. Esta investigación pretendía verificar las relaciones teóricas y prácticas entre la terapia Gestalt y el modelo DIR/Floortime en el trabajo con niños autistas. Para ello, se llevó a cabo una revisión bibliográfica integradora, utilizando libros y artículos sobre los temas mencionados, y se realizó un análisis de contenido. La conclusión es que los enfoques comparten una visión holística del desarrollo y sus teorías dialogan entre sí al reconocer la importancia de las relaciones y la interacción entre el campo, el organismo y el entorno, pero difieren en cuanto a la postura y el enfoque terapéuticos.

Palabras clave: Trastorno del Espectro Autista; Autismo; DIR/Floortime; Terapia Gestalt.

INTRODUÇÃO

A Gestalt-terapia baseia-se na perspectiva humanista, holística e existencial-fenomenológica. Advém de conceitos de diversos autores, dentre eles Reich, Smuts, Goldstein, Lewin, Freud, Husserl, Kierkegaard, Buber, Heidegger, Sartre, Kõhler, Wertheimer e Koffka, além de basear-se em filosofias existenciais e no zen budismo (Frazão, 2013).

Esta abordagem traz concepções não-deterministas que divergem das principais correntes teóricas da psicologia, haja vista que busca promover as noções do sujeito como centro, capaz de se autogerir e se autorregular (Ribeiro, 1985). Se tratando do transtorno do espectro autista (TEA) na infância, a compreensão diagnóstica em Gestalt-terapia considera o ser total e singular que se apresenta na relação com o psicoterapeuta e não as características e rótulos diagnósticos que definem a criança como autista (Brandão, 2018).

Segundo o Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5), o TEA é uma condição do neurodesenvolvimento, que tem como principais características, prejuízos nas habilidades comportamentais, socioemocionais, de linguagem e comunicação. Também compõem este quadro a presença de comportamentos repetitivos e restritos, bem como, sensibilidades aos estímulos sensoriais. O diagnóstico é feito a partir da observação destes comportamentos, durante um período de tempo consistente (APA, 2014).

Metaforicamente, o TEA pode ser compreendido como formas de caleidoscópios. Os parâmetros diagnósticos são análogos à estrutura externa do caleidoscópio e o interior do objeto é análogo a cada indivíduo autista, pois ali emergem combinações singulares e variadas, de formas e cores que parecem jamais se repetir (Brandão, 2017). Conforme afirma a autora, a compreensão somente da estrutura externa cria limitações somente à compreensão de categorias diagnósticas.

Se tratando da infância, a Gestalt-terapia afasta-se da construção de estratégias padronizadas, com direcionamento de intervenções sobre sintomas e demandas trazidos pela família (AGUIAR, 2015). Introduz-se a compreensão sistêmica, que visa ampliar o foco da criança para todo o seu sistema relacional e biológico. O sintoma então não é considerado um problema a ser solucionado, mas a melhor forma como a criança pôde se autorregular em determinado meio. Ou seja, considera-se as suas estratégias desenvolvidas para interagir com este meio e os desajustes e dificuldades presentes neste campo de contato (Fernandes, 2010).

Aguiar (2015) salienta a escassa literatura em Gestalt-terapia com crianças, especialmente quando se trata de transtornos do neurodesenvolvimento, onde há forte tendência reducionista. Ao longo de sua obra, esta autora aproxima a Gestalt-terapia infantil a diversas teorias, em especial as ideias de Stanley Greenspan, ao concordar com a prática clínica não diretiva desenvolvida pelo autor. 

Constata-se que, outros trabalhos nacionais também realizaram aproximações de conceitos e práticas clínicas desenvolvidos por Stanley Greenspan aos da Gestalt-terapia (Diogo & Silva, 2021; Chaim & Costa, 2016). O que reforça a necessidade de contínuas atualizações de tais aproximações teóricas no campo da neurodiversidade. Observa-se que, com o aprofundamento destas relações, será possível identificar avanços e desafios na perspectiva teórica e terapêutica.

Dentre os principais trabalhos de Stanley Greenspan, o modelo DIR Floortime, desenvolvido no ano de 1989, é amplamente conhecido. Trata-se de uma abordagem desenvolvimentista baseada no relacionamento, direcionada a pessoas com dificuldades no desenvolvimento, principalmente o autismo e transtornos neurológicos relacionados. O principal objetivo desta abordagem é ajudar indivíduos neurodiversos a se desenvolverem plenamente, aprimorando suas habilidades socioemocionais e de comunicação, possibilitando a exploração e o aprendizado do mundo ao seu redor (Greenspan & Weider, 2007).

Para tanto, o DIR Floortime acredita no poder das relações, como a chave para este processo de desenvolvimento. Por meio de relacionamentos afetivos saudáveis, é possível encontrar a criança em um mundo compartilhado, a auxiliando a partir disso, em seu processo de desenvolvimento global. Esta perspectiva desenvolvimentista afasta-se de justificativas patologizantes e busca compreender a criança como um ser total em relação com o mundo, com sentimentos, desejos, interesses e prazeres (Greenspan & Shaker, 2009).  

O DIR Floortime pode ser compreendido como um modelo integrativo que busca conectar diferentes interfaces que compõem o desenvolvimento humano. Nesse sentido, considera as relações existentes entre os aspectos biológicos, os ambientes de convívio e os principais relacionamentos da criança. Sua filosofia respalda-se no respeito à individualidade, no reconhecimento das potencialidades e na oferta de suporte diferenciado e adaptado ao perfil de cada sujeito em acompanhamento (Piacentini, Goldstein, & Capelli, 2011).

Apesar dos pressupostos teóricos da Gestalt possuírem forte tendência psicanalítica (Serge & Ginger, 1995), atualmente percebe-se que modelos de desenvolvimento baseados em relacionamentos realizam maiores aproximações com as ideias da Gestalt-terapia (Fernandes, 1995). Embora a Gestalt-terapia não possua bases desenvolvimentistas, sua teoria descreve estruturas de crescimento que se baseiam no modelo holístico, como, as concepções de autorregulação organísmica, teoria de campo e de ajustamento criativo (Perls, Hefferline, & Goodman, 1997).

Autores atuais enfatizam a importância do resgate de estudos sobre o desenvolvimento, com o objetivo de oferecer suporte aos Gestalt-terapeutas, ampliando a compreensão diagnóstica no trabalho com crianças (Fernandes, 1995). Conforme afirma Aguiar (2015), é possível utilizar teorias do desenvolvimento para subsidiar o trabalho clínico do Gestalt-terapeuta, desde que não reduza o sujeito a tais elementos tipicamente esperados.

Partindo deste pressuposto, observa-se pontos em comum entre a Gestalt-terapia e o DIR/Floortime, que justificam a necessidade dessa aproximação, com o objetivo de aprofundar a discussão e verificar os principais encontros e divergências, teóricos e práticos, entre a Gestalt-terapia e o modelo DIR/Floortime. Observa-se que, o aprofundamento sobre as possíveis relações pode contribuir para aprimorar a prática clínica, tanto dos Gestalt-terapeutas quanto dos profissionais que utilizam o modelo DIR/Floortime.

METODOLOGIA

Trata-se de uma pesquisa de delineamento qualitativo, de cunho descritivo, realizada a partir de uma revisão de literatura integrativa. Segundo Mendes, Silva e Galvão (2008), esta revisão de literatura possibilita a construção de resultados que compreendam de forma completa o fenômeno que está em análise. Permite a inclusão de diferentes delineamentos de pesquisa, elenca dados da literatura e incorpora diferentes objetivos, como: a definição de conceitos e a revisão de evidências e teorias, que são os propósitos da presente pesquisa.

Para o levantamento e obtenção de dados, foram analisados livros e artigos que posteriormente foram organizados em três categorias temáticas, utilizando-se da análise de conteúdo (Shaughnessy, Zechmeister, & Zechmeister, 2012). Com isso, foi possível identificar os conceitos fundamentais do DIR/Floortime e da Gestalt-terapia, em relação ao transtorno do espectro autista. Em seguida, foram realizadas análises comparativas entre as teorias e evidências apresentadas na literatura, a fim de identificar possíveis convergências e divergências, para o avanço do entendimento do tema em discussão.

Realizou-se a seleção da literatura entre os meses de junho a novembro de 2023. Para a coleta de materiais impressos, foram utilizados livros referências em ambas as teorias, embasados nos temas propostos. Para coleta de artigos, realizou-se pesquisas em bases de dados relevantes, incluindo PubMed, SciELO e Pepsic. Utilizou-se os descritores: (1) DIR Floortime AND Gestalt-terapia; (2) Gestalt-terapia AND autismo e (3) DIR Floortime. Os critérios de inclusão incluem artigos de acesso livre, publicados entre o período de 2013 e 2023, em línguas inglês e português. Ademais, optou-se por revisões sistemáticas de literatura baseadas nos princípios e métodos de intervenção aplicados ao Modelo DIR Floortime e à Gestalt-terapia.

RESULTADOS

Foi realizada a leitura seletiva de livros referenciados da Gestalt-terapia e do DIR Floortime, em português e inglês. Optou-se por obras da Gestalt-terapia que abordam a infância e as interlocuções da teoria com transtornos do neurodesenvolvimento, conforme apresentado na tabela 1 abaixo.

Título

Autoria

Ano de publicação

Descobrindo crianças: A abordagem gestáltica com crianças e adolescentes

Oaklander, V.

1980

The Child with Special Needs: Encouraging Intellectual and Emotional Growth

Greenspan, S., & Wieder, S.

1998

Engaging Autism: Using the Floortime Approach to Help Children Relate, Communicate, and Think

Greenspan, S., & Wieder, S.

2007

Brincar é desenvolver: um caminho para o autismo

Piacentini, P., Goldstein, A., & Capelli, D.

2011

Gestalt-terapia com crianças: teoria e prática

Aguiar, L.

2015

Gestalt-terapia infanto-juvenil: práticas clínicas contemporâneas

Brandão, C.

2018

Tabela 1: Livros analisados

Utilizou-se as plataformas PubMed, Scielo e Pepsic para o alcance de dados secundários. Foram obtidos 455 registros de artigos por meio dos descritores selecionados: DIR Floortime AND Gestalt-terapia (Scielo=0; Pepsic=0; PubMed=0), Gestalt-terapia AND autismo (Scielo=0; Pepsic=4; PubMed=439) e DIR Floortime (Scielo=0; Pepsic=4; PubMed= 12). Destes, 14 artigos passaram pela triagem de título e resumo, e, 6 artigos foram submetidos a leitura completa, para a avaliação acurada dos critérios de inclusão e exclusão. Finalmente, 4 artigos foram selecionados e compuseram a análise e descrição narrativa dos resultados (Tabela 2).

Título

Autoria

Ano de publicação

Base de dados

O psicoterapeuta invisível: reflexões sobre a prática Gestáltica com ajustamentos autistas

Barros, M.

2014

Pepsic

O funcionamento autista sob a ótica da clínica gestáltica

Soares, M. N., & Ferreira, W. N. B.

2018

Pepsic

Child Development Outcomes of DIR/Floortime TM-based Programs: A Systematic Review

Boshoff et al.

2020

PubMed

DIR/Floortime in Engaging Autism: A Systematic Review

Divya, K. Y. et al.

2023

PubMed

Tabela 2: Artigos analisados, publicados nas bases de dado PubMed e Pepsic

Ao todo, foram analisadas 10 fontes de literatura, compostas por livros e artigos. Dentre as fontes selecionadas, 3 correspondem a obras publicadas em inglês, sendo os países de origem: Estados Unidos, Austrália e Sultão. As demais fontes (n=6) foram publicadas no Brasil, em português.

Através da avaliação dos dados, procedeu-se a análise de conteúdo. A saber, foram criadas três categorias para discussão e aprofundamento: (1) Pressupostos teóricos, (2) Conceitos autorregulação e self em interface com o DIR Floortime e (3) O papel dos relacionamentos e as estratégias de intervenção. Tais categorias têm como objetivo analisar as convergências e divergências dos conceitos e técnicas práticas presentes na Gestalt-terapia e no DIR Floortime. Buscou-se examinar as literaturas obtidas referentes aos temas categorizados para chegar aos resultados finais.

Os resultados alcançados elucidam convergências conceituadas entre os pressupostos teóricos de ambas as teorias, relacionadas às interlocuções entre fatores biopsicossociais. Os conceitos de “Teoria de Campo” e “Diferenças individuais” se aproximam nesta perspectiva. Ademais, ambas as teorias abordam interrupções de contato entre funções sensoriais e motoras no TEA, compreendidas através da “Teoria do self e suas funções” e da “Hipótese da Diástese do Afeto”. Por fim, ambas intervenções focalizam no desenvolvimento de relacionamentos, mas apresentam concepções que divergem em suas intervenções terapêuticas.

DISCUSSÃO

Pressupostos teóricos:

O modelo de intervenção – Desenvolvimento baseado nas diferenças individuais e nos relacionamentos, também conhecido pela abreviação DIR Floortime, oferece um guia de entendimento acerca do processo de desenvolvimento atípico (Boshoff et al., 2020). Busca elencar diferentes interfaces que compõem e influenciam mutuamente o progresso nas capacidades de desenvolvimento necessárias para o indivíduo com TEA se relacionar, comunicar e pensar (Greenspan & Wieder, 2007).

Tal metodologia preconiza o vínculo afetivo, como o principal alicerce do desenvolvimento saudável, e apoia-se no olhar integrativo do sujeito com transtorno do neurodesenvolvimento (Piacentini et al., 2011). Para tanto, considera os aspectos neurobiológicos, sociais e relacionais que se apresentam. Nesse sentido, engloba as interações entre o relacionamento familiar, os ambientes de convívio, a saúde geral, os aspectos emocionais, as diferenças de processamento sensorial, o desenvolvimento motor e o desenvolvimento da linguagem (Greenspan & Wieder, 2007).

Paralelamente, conforme afirma Aguiar (2015) a teoria de campo presente nos pressupostos da Gestalt-terapia, possibilita articulações entre o biológico e o social. A partir da relação entre campo-organismo-meio compreende-se que a criança e seu meio são inseparáveis. Esta concepção salienta que a criança deve ser compreendida como um sistema biopsicossocial, em que mente/corpo mantém interação com o meio, em uma relação infinita e permuta, a fim de se alcançar a autorregulação.

Trata-se de uma totalidade articulada, onde o ambiente transforma o organismo, assim como, o organismo transforma o ambiente, em uma relação de co-criação (Frazão, 2013). O alcance de marcos no desenvolvimento motor e de linguagem, a exemplo disso, expressam esse processo de adaptação. Ao aprender a andar e falar, não somente a criança alcança isoladamente marcos na “escala” do desenvolvimento, mas o seu campo relacional se adapta e se reconfigura para que tais funções se desenvolvam (Aguiar, 2015).

Para o desenvolvimento de intervenções direcionadas a crianças com TEA no DIR Floortime, Greenspan e Wieder (2007) salientam a necessidade de se realizar adaptações nos ambientes e nos relacionamentos, com o objetivo de auxiliar a criança a progredir em seu processo de desenvolvimento. Conforme afirmam os autores, crianças com TEA expressam diferentes formas de reagir a sensações, de organizar os movimentos, de processar e compreender o que ouvem e veem, devido aos desafios neurológicos de processamento.

São consideradas “diferenças individuais” as diversas formas como cada criança pode perceber o mundo, considerando sua biologia única. A adaptação do ambiente e das relações, de acordo com o perfil único de cada criança, pode auxiliá-la no alcance da autorregulação e do interesse pelo mundo em interações compartilhadas (Piacentini et al., 2011).

Observa-se que tais pressupostos se apresentam de modo similar em ambas teorias. Para a Gestalt-terapia a autorregulação é entendida como uma força que direciona o indivíduo em busca da satisfação de suas necessidades, a partir do contato entre o organismo e o seu campo (Yontef, 1998). Contudo, o processo de contato no TEA apresenta comprometimentos, em decorrência de suas diferenças neurobiológicas. A criança expressa de modo frequente interrupções de contato, haja vista que, a noção de si e do outro encontram-se nebulosas (Soares & Ferreira, 2023).

Conceitos autorregulação e self em interface com o DIR Floortime:

O processo de contato envolve a integração de funções sensoriais e motoras, relacionadas aos sistemas olfativo, gustativo, visual, tátil, auditivo e de movimento. Ao utilizar tais sentidos sensório-motores integrados à consciência, a criança pode fazer contato consigo, com o outro e com o ambiente — como também pode interromper, bloquear e evitar este contato (Soares & Ferreira, 2023). No TEA, o excesso de estímulos advindos do ambiente é sentido como ameaçador, o que desestrutura o processo de contato, levando a ajustamentos de defesa, como os padrões de fixação e dessensibilização, comumente observados nos principais critérios diagnósticos do transtorno (Barros, 2014, Soares & Ferreira, 2023).

A autorregulação organísmica busca o alcance do equilíbrio (Polster & Polster, 1973). Quando o alcance da homeostase é prejudicado, a sua energia é direcionada para a resolução de tal questão, que ao não ser resolvida, se interrompe ou estagna-se nesta função, ocasionando o acúmulo de necessidades não satisfeitas (Perls, Hefferline & Goodman, 1951). Nessa perspectiva os comportamentos autistas como o envolvimento em rituais, padrões repetitivos, ecolalia e fixação em objetos, expressam a maneira como a criança busca alcançar a autorregulação em seu meio (Soares & Ferreira, 2015). Assim, conforme expressa Aguiar (2015):

Isso significa que não focalizamos o sintoma como um problema em si que necessita ser resolvido, mas como uma forma criativa alcançada pela criança, com os recursos de que dispõe, de assinalar suas dificuldades de interação com o meio do qual faz parte naquele momento. (p. 36)

Portanto, a Gestalt-terapia compreende a criança como um ser processual, de modo que, a satisfação saudável da autorregulação varia, de acordo com os diferentes contextos nos quais ela possa integrar (Aguiar, 2015). Igualmente, o DIR Floortime ressalta que o TEA deve ser compreendido de modo dinâmico, não estático. Um traço estático fixa a criança em um modo de ser que independe do contexto, ambiente ou circunstâncias (Greenspan & Wieder, 2007).

Segundo o DIR Floortime os aspectos neurobiológicos do autismo não são expressos em padrões comportamentais globais e comuns a todas as crianças com TEA, uma vez que, revelam a maneira individual única pela qual cada criança reage e compreende as informações sensoriais ao seu redor. Há crianças que reagem exageradamente ao som e ao toque, tapando os ouvidos e afastando-se de pessoas, assim como há crianças que buscam constantemente por informações sensoriais, ansiando pelo toque, barulho e movimento (Greenspan & Wieder, 2007).

Diversos estudos (Barros, 2014; Brandão, 2018; Soares & Ferreira, 2023) discorrem acerca da teoria do self no transtorno do espectro autista. O self é entendido como a fronteira de contato em atividade, representada teoricamente por três funções: (1) a Função Personalidade, que se relaciona a consciência de si e a formação da identidade, (2) a Função Ego, compreendida pela prática, expressão e ação e a (3) Função Id, cuja expressão se dá através da assimilação do fundo vivido, ou seja, da assimilação dos sentidos sensoriais corpóreos (Perls et al., 1951). No autismo, há uma fragmentação do Self, em decorrência do comprometimento da Função Id (Müller-granzotto & Müller-granzotto, 2008).

Devido aos obstáculos que perseveram na assimilação do fundo vivido no Id, a Função Ego não encontra o excitamento necessário para responder às demandas sociais e afetivas, por isso, tende a evitá-la ou afastá-la. Entende-se que, o princípio do TEA se encontra nesta ausência de doação de excitamentos pelas demandas socioafetivas (Müller-granzotto & Müller-granzotto, 2008).

Ademais, Barros (2014) se aprofunda ao mencionar a desarticulação entre sentimento, afeto e ação. Segundo a autora, em crianças com TEA, os gestos e sentimentos não carregam afeto e entrega à dimensão do vivido, haja vista que se expressam como um condicionamento, da maneira na qual a criança aprendeu como deve se comportar em determinados contextos.

O DIR Floortime aborda esta desconexão de maneira similar, utilizando a Hipótese da Diástase do Afeto (Greenspan & Wieder, 2007). Segundo esta teoria, os déficits de processamento de base neurobiológica podem prejudicar a capacidade de conectar intenções e emoções ao planejamento motor. Ocorre, portanto, a fragmentação da energia afetiva, e esta não se mobiliza em direção ao planejamento motor, às capacidades de sequenciamento de ideias e a formação de símbolos. As interações tornam-se desconexas, com obstáculos para a construção de padrões de interações significativos no processo de desenvolvimento (Greenspan, 2001).

A partir da Hipóteses da Diástase Afetiva, o autor apresenta uma série de maturações através das quais a conexão entre sensação, afeto e comportamento motor progridem, levando a criança com TEA a experimentar e expressar o afeto em interações compartilhadas. Este processo é compreendido através da teoria das Capacidades Funcionais do Desenvolvimento Emocional (Greenspan, 2001).

O papel dos relacionamentos e as estratégias de intervenção:

Para o modelo DIR Floortime, os relacionamentos afetivos são o principal alicerce do desenvolvimento, haja vista que é por meio das conexões emocionais que a criança se desenvolve — alcançando capacidades de integração entre sistemas sensoriais e motores, aos aspectos globais do desenvolvimento. Nesse sentido, as experiências emocionalmente significativas são como um fio condutor do desenvolvimento, carregam a motivação para a criança conectar às informações sensoriais do mundo e para desenvolver a linguagem, a cognição, os conceitos acadêmicos e socioemocionais (Greenspan & Wieder, 2007). Greenspan e Wieder (2007) entendem que:

A criação de estados de afeto prazerosos intensificados, adaptados ao perfil motor e de processamento sensorial único da criança, ajudam a desenvolver e fortalecer a conexão entre sensação, afeto e ação motora, o que leva a um comportamento afetivo mais proposital, que por sua vez, ocasiona à sinalização recíproca, senso de identidade, funcionamento simbólico e habilidades de pensamento de nível superior. Tal regulação emocional ajuda a criança a usar todos os seus sentidos, juntamente com suas habilidades motoras e de linguagem, em conjunto. (Tradução nossa, p. 399)

Dentre os relacionamentos significativos, os autores ressaltam os pais como os principais agentes promotores do processo de desenvolvimento nos primeiros anos de vida da criança. Sendo por isso, figuras de referência afetiva que podem conduzir os filhos no caminho do desenvolvimento (Greenspan & Wieder, 2007; Piacentini et al., 2011).

O modelo conta com um programa de orientação oferecido à família, com o objetivo de: auxiliá-los a compreender as diferenças individuais únicas de seus filhos, para realizar adaptações nos relacionamentos e no ambiente, que favoreçam o uso das estratégias do Floortime (Divya et al., 2023; Greenspan & Wieder, 2007). O Floortime (em tradução, “tempo no chão”) é compreendido como a estratégia central do modelo DIR. Consistem em uma terapia lúdica, que visa estimular o envolvimento da criança, família e terapeuta em brincadeiras do interesse da criança, realizadas no chão por um período de tempo (Davis, Harwell, Isaacson, & Wieder, 2016).

Estudos no modelo DIR Floortime, evidenciaram que o envolvimento familiar auxiliou o desenvolvimento socioemocional das crianças. Estes estudos centraram-se em avaliações da orientação familiar — seus resultados expressam que as intervenções centradas na família auxiliam os pais a desenvolverem conhecimento sobre o TEA e sobre as estratégias de intervenção no modelo DIR Floortime, ajudando-os na construção de boas atitudes e na adaptação do relacionamento com os filhos (Boshoff et al., 2020; Divya et al., 2023).

A partir da perspectiva do ser humano enquanto um ser que se desenvolve com e a partir das relações, a Gestalt-terapia acredita no poder transformador das relações como instrumento de cura (Aguiar, 2015). As intervenções em psicoterapia consideram a potência deste encontro entre psicólogo e cliente e da relação dialógica que se constrói. Por meio deste encontro, o indivíduo vivenciará o reconhecimento de si, entrando em processo de awareness — presentificando sua experiência e tomando consciência sobre o passado e futuro, no aqui e agora (Cardoso, 2013).

Quando crianças com TEA são aceitas no processo terapêutico e têm a interação adequadamente facilitada, o nível de alerta diminui e na relação com o psicólogo, alcança-se novas formas de comunicação (Brandão, 2018). No DIR Floortime, tal processo envolve a construção do senso de segurança em relações afetivas que auxiliam a criança a se regular, sendo este processo chamado de co-regulação (Greenspan & Wieder, 1998).

Diferentemente do modelo DIR Floortime, a Gestalt-terapia não centra as intervenções no relacionamento entre criança e família. Contudo, de modo similar, insere a família no processo terapêutico, com o objetivo de prestar orientações, acolhimento, alinhamento de expectativas e explicações acerca do processo de desenvolvimento da criança. Desse modo, ao integrar a família, estabelecendo uma comunicação e uma postura confirmatória sobre os potenciais da criança com TEA, os pais compreendem o seu papel e funcionam como parceiros no progresso da criança (Brandão, 2018).

A Gestalt-terapia considera essencial que o psicólogo busque entrar o quanto for possível na experiência de cada cliente, desprendendo-se de rótulos e visões pré-estabelecidas acerca do diagnóstico de TEA (Brandão, 2018). Nessa perspectiva, cabe ao profissional estar familiarizado com a linguagem lúdica e disponível de modo não-diretivo para expor-se na brincadeira com flexibilidade para dramatizar, se movimentar, sujar-se, permanecer no chão descalço, envolvendo-se totalmente neste processo (Aguiar, 2015; Oaklander, 1989).

Brandão (2018) alerta que não é adequado ao profissional realizar interpretações sobre as brincadeiras, considerando a sua própria experiência. É papel do profissional utilizar a conexão estabelecida pela via da brincadeira para acessar o mundo interior da criança, oferecendo o suporte para que a própria criança encontre os possíveis caminhos de conexão e comunicação com o mundo, na maneira na qual seja confortável e seguro em sua experiência singular.

O DIR Floortime focaliza as intervenções na construção de adaptações no relacionamento, de acordo com as diferenças de processamento neurológico de cada criança (Divya et al., 2023). Tendo esse propósito, através de relacionamentos seguros, os terapeutas buscam encontrar a criança em sua capacidade funcional de desenvolvimento emocional, com o objetivo de auxiliá-la a tornar suas habilidades cada vez mais robustas (Piacentini et al., 2011).

De modo similar, no processo terapêutico em Gestalt-terapia, todo cliente é compreendido em suas singularidades, ocasionando a construção de diferentes formas e estratégias de aproximação, baseadas na totalidade de cada criança. Sendo assim, considera-se suas funções de contato, padrões relacionais e seus mecanismos de evitação. Nessa perspectiva, a Gestalt-terapia não reduz a criança ao seu sintoma e não produz estratégias padronizadas para tratar determinados sintomas e demandas (Aguiar, 2015).

O DIR utiliza intervenções não diretivas, ludicidade e a imersão ao mundo da criança como estratégias que fundamentam a prática Floortime (Davis et al., 2016). Para intervir com crianças com TEA é necessário alcançar o envolvimento em interações prazerosas. O que pode inicialmente apresentar-se como um desafio, uma vez que, a criança pode expressar pouco interesse pelo mundo, em decorrência de seu perfil sensório-motor, que leva a padrões de comportamentos hiper estimulantes ou auto absortos (Greenspan & Wieder, 2007).

Greenspan e Wieder (2007), descrevem os passos necessários para a construção de estratégias adequadas a cada criança. Segundo os autores, a observação clínica cuidadosa é essencial para compreender quais sensações ajudam a criança a se acalmar e a se regular, quais a sobrecarregam e quais não a atraem o suficiente. Ao conhecer as diferenças individuais da criança, é possível adaptar a relação para acessar o seu mundo de forma mais eficaz.

Igualmente, as contribuições de Oaklander (1989) para a Gestalt-terapia destacam a importância de observar se a criança consegue estabelecer contatos de boa qualidade ou se evita e tem dificuldades neste aspecto. No processo psicoterapêutico, é crucial proporcionar experiências que ampliem a capacidade da criança de se envolver no contato plenamente, abrangendo habilidades como tocar, ver, ouvir, provar, sentir, falar, gesticular, movimentar-se no espaço entre outros.

Entende-se em Gestalt-terapia que não é necessário impor ou direcionar o setting terapêutico à aspectos que o psicólogo considera importante (Brandão, 2018). Não cabe ao psicólogo perseguir o sintoma, mas sim seguir a “figura natural” expressa pela criança, pois esta compõe sua totalidade e conecta-se de algum modo com seu sintoma (Aguiar, 2015).

Soares e Ferreira (2023) advertem sobre papel semi-diretivo proposto na Clínica Gestáltica com crianças. Segundo estes autores, na psicoterapia com crianças com TEA é necessário que o psicólogo apresente uma postura mais diretiva, pois há comprometimento no relacionamento consigo e com o mundo. Portanto, o psicólogo não deve deixar a criança conduzir, mas sim propor intervenções que ampliem a consciência corporal, com o objetivo de interromper os bloqueios de contato.

Contrário a esta percepção, as técnicas de intervenção no Floortime sugerem papel não diretivo e semi-diretivo. Nesta abordagem o profissional deve emergir no mundo da criança, fazendo junto a ela aquilo que lhe gera prazer. Ao seguir a liderança da criança, constrói-se a possibilidade de envolver-se afetivamente, para gradualmente acessar a sua janela emocional (Greenspan & Wieder, 2007; Piacentini et al., 2011). Os autores salientam a necessidade de dar mais propósito ou significado aos gestos hiper-estimulantes de uma criança — compreendem a importância de se observar todo gesto como intencional, atentando-se a todas as formas de comunicação, como através dos gestos, sorrisos, expressões e movimento no espaço.

Consoante com Aguiar (2015), olhar o ser humano em sua totalidade para a Gestalt-terapia, possibilita ir além da linguagem verbal como principal ponto de intervenção, especialmente com crianças. Em vez de se concentrar apenas na expressão verbal, considera-se todos os meios de expressão e funções de contato, como movimento, postura, gestos, toque, visão, audição, produções artísticas e fantasias. Desse modo, sempre haverá uma “porta” para imergir na experiência emocional da criança, o que permite à Gestalt-terapia trabalhar com crianças de qualquer idade, independentemente do comprometimento em suas funções de contato ou de qualquer patologia.

Oaklander (1980) aborda a consciência corporal como um ponto importante a ser estimulado na psicoterapia com crianças com TEA. Conforme a autora postula, o uso de recursos como massinha, argila, pintura e areia facilitam o alcance de funções sensoriais e da conscientização corporal no setting terapêutico. Tais aspectos também são relevantes nas intervenções DIR Floortime. O uso de estratégias, bem como, a disposição de recursos de exploração sensorial e de acomodação/regulação sensorial devem adequar-se ao perfil único da criança, em relação às sensibilidades previamente observadas (Davis et al., 2016).

Neste caminho, é relevante observar quais recursos auxiliam a criança em suas dificuldades individuais e oferecer o suporte necessário, através dos relacionamentos para a obtenção de melhorias (Piacentini et al., 2011). Ao observar o que a criança prefere e o que evita; o que a deixa alegre e o que a faz sentir medo, o profissional constrói um olhar clínico sobre suas diferenças individuais e aprende a ler suas dicas (Piacentini et al., 2011). Em Gestalt-terapia a observação ocupa papel similar, uma vez que, o psicólogo deve se atentar a quais componentes do campo da criança impedem ou dificultam a satisfação de suas necessidades e sua autorregulação (Aguiar, 2015).

Nota-se, portanto, que ambas as abordagens consideram o viés relacional durante o processo terapêutico, combinado à imersão no mundo da criança, através do uso de linguagem lúdica adaptada e ao uso de recursos lúdicos e sensoriais.

Por fim, a Gestalt-terapia, assim como o modelo DIR Floortime, salientam a necessidade de acompanhamento ao ambiente escolar e o envolvimento de uma equipe transdisciplinar composta por psicólogo, fonoaudiólogo, terapeuta ocupacional, dentre outros profissionais, para a construção de intervenções abrangentes e integrativas no processo de cuidado às crianças com TEA (Brandão, 2018; Greenspan & Wieder, 2007).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Visando contribuir com as discussões sobre as possíveis articulações entre a Gestalt-terapia e o DIR Floortime, apontamos no decorrer deste artigo pontos de convergência e de divergência, em relação à teoria e prática na Clínica Gestáltica com crianças autistas.  

O DIR Floortime incorpora três princípios norteadores que possuem mútua interação: (1) D - as Capacidades do Desenvolvimento Funcional Emocional; (2) I - as diferenças individuais de processamento neurológico subjacentes; e (3) R - os relacionamentos e seus domínios afetivos. Trata-se de uma abordagem desenvolvimentista de viés relacional. A Gestalt-terapia se ancora em práticas relacionais fenomenológicas e também possui um viés desenvolvimentista, respaldado pelos conceitos de: campo organismo/meio, autorregulação organísmica, ajustamento criativo e teoria do contato.

Tanto a Gestalt-terapia quanto o DIR Floortime reconhecem a importância dos relacionamentos afetivos, destacando as experiências emocionais significativas como cruciais ao desenvolvimento infantil. Assim, reconhecem a relevância da família no processo de desenvolvimento da criança, promovendo a participação ativa dos pais, oferecendo orientação e suporte. Contudo, o DIR Floortime destaca o envolvimento direto da família no processo terapêutico, enquanto a Gestalt-terapia aborda a família de maneira mais indireta.

Verificou-se que ambas as abordagens se distanciam de um olhar patologizante, reconhecendo não apenas os desafios, mas também as potencialidades que atravessam o desenvolvimento da criança autista. Além disso, expõem visão processual sobre o desenvolvimento, elencando fatores biológicos, socioemocionais e do ambiente, que influenciam mutuamente no processo de autorregulação.

A Gestalt-terapia, assim como o DIR Floortime, considera as diferenças individuais, reconhecendo que cada pessoa é singular e percebe o mundo de maneira única. A personalização das intervenções é vista como crucial em ambos os casos. Pensando nas divergências, pontua-se que o DIR Floortime tem um foco específico no desenvolvimento de crianças com TEA, proporcionando intervenções adaptadas às suas necessidades específicas. Enquanto isso, a Gestalt-terapia é uma abordagem ampla que não discorre profundamente sobre aspectos neurobiológicos em sua teoria e na construção de estratégias de intervenção.

Ambas as abordagens apresentam postura não-diretiva e semi-diretiva, destacando a importância da observação cuidadosa para compreender as necessidades e características individuais da criança. Diferentemente do DIR Floortime, alguns autores da Gestalt-terapia consideram uma postura mais diretiva no contexto de crianças com TEA, contudo, salienta-se que tal percepção foi pouco explorada entre os principais teóricos pesquisados.

A Gestalt-terapia e o DIR reconhecem a importância dos recursos sensoriais, mas o DIR Floortime destaca a necessidade de adaptar esses recursos de acordo com as diferenças individuais específicas da criança com TEA, enquanto a Gestalt-terapia enfatiza o uso desses recursos de maneira mais ampla, com o objetivo de alcançar maior consciência corporal.

Conclui-se que, essas abordagens compartilham uma visão holística do desenvolvimento e suas teorias conversam entre si, ao reconhecer a importância das relações e da interação entre campo, organismo e meio, mas diferem em termos de foco terapêutico, envolvimento familiar e adaptação de recursos sensoriais, de acordo com as características específicas de cada modelo.

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Disponível em http://www.igt.psc.br ISSN 1807-2526