ASSIS, Gustavo Alves Pereira de; MARQUES, Rodrigo Vieira – “Gestalt-terapia, Merleau-Ponty e a clínica da pessoa que existe com HIV/AIDS”

ARTIGO

Gestalt-terapia, Merleau-Ponty e a clínica da pessoa que existe com HIV/Aids

Gestalt therapy, Merleau-Ponty and the clinic of the person existing with HIV/AIDS

Gustavo Alves Pereira de Assis

Rodrigo Vieira Marques


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RESUMO

Este ensaio teórico versa sobre algumas aproximações introdutórias com a Filosofia da Existência de Maurice Merleau-Ponty para compreender a clínica da pessoa que existe com o Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV), causador da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (Aids). Para isso, houve um entrelaçamento de textos teóricos e de pesquisas de campo, na literatura brasileira. Inicialmente, buscou-se a compreensão do paradigma holístico-gestáltico para a fundamentação de psicoterapia e de pesquisa em Gestalt-terapia nos processos de saúde-doença. Com isso, algumas considerações sobre esse fenômeno foram tecidas, para compreender, em seguida, essa dinâmica nos processos de infecção por HIV/Aids. Nesse sentido, delineou-se a compreensão da clínica gestáltica com pessoas que existem com HIV/Aids, tendo as contribuições de Merleau-Ponty na ênfase sobre uma consciência ampliada, na relação psicoterapêutica e sobre o aqui-agora da sessão. Por fim, algumas pesquisas no contexto brasileiro foram descritas para fins de elucidação do potencial da pesquisa em Gestalt-terapia nessa temática.

Palavras-chave: Abordagem Gestáltica; Fenomenologia da Existência; Infectologia; Psicoterapia.

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ABSTRACT:

This theoretical essay deals with some introductory approaches to Maurice Merleau-Ponty’s Philosophy of Existence to understand the clinic of the person who exists with the human immunodeficiency virus (HIV), which can cause acquired immunodeficiency syndrome (AIDS). To this end, theoretical texts and field research in Brazilian literature were interwoven. Initially, an understanding of the holistic-gestalt paradigm was sought to ground psychotherapy and Gestalt therapy research in health-disease processes. Thus, some considerations were made about this phenomenon, to then understand this dynamic in the processes of HIV/Aids infection. In this sense, the understanding of the Gestalt clinic with people existing with HIV/Aids was outlined, with Merleau-Ponty’s contributions emphasizing an expanded consciousness, the psychotherapeutic relationship and the here-and-now of the session. Finally, some research in the Brazilian context was described to elucidate the potential of Gestalt therapy research in this area.

Keywords: Gestalt Approach; Phenomenology of Existence; Infectious Diseases; Psychotherapy.


Introdução

Esse ensaio teórico se alicerça na Abordagem Gestáltica e tem como objeto de investigação o adoecimento pelo Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV), causador da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (Aids). Como é possível inferir em Assis (2022), conforme as trilhas introdutórias apontadas nesse campo de prática, partimos de uma Psicoinfectologia, enquanto área de atuação clínica do psicólogo infectologista com pacientes diagnosticados com, por exemplo, HIV e demais infecções sexualmente transmissíveis, pneumonias, meningites, entre outras patologias infecciosas, para pensarmos na clínica da pessoa que existe com HIV/Aids. Nesse sentido, o objetivo foi descrever, por meio da literatura gestáltica brasileira, a compreensão da clínica da pessoa que existe com HIV/Aids, buscando algumas aproximações com a Fenomenologia da Existência de Maurice Merleau-Ponty, especialmente em sua obra Fenomenologia da Percepção (Merleau-Ponty, 1945/2018).

Utilizamos o termo pessoa que existe com HIV/Aids em detrimento do termo pessoa vivendo com HIV/Aids, preconizado pelo Ministério da Saúde, pois entendemos que existir implica uma transcendência da vida biológica. Refere-se às múltiplas possibilidades de se constituir enquanto pessoa com HIV/Aids, em toda sua potencialidade, para além de um mero viver com a infecção. Trata-se de um olhar para a totalidade da pessoa que tem em sua existência total uma parte, o HIV/Aids. Além disso,

apesar da literatura especializada em infectologia utilizar a terminologia pessoa vivendo com HIV/Aids, uso o termo pessoa existindo com HIV/Aids, pois considero mais coerente e adequada com a concepção existencial da abordagem gestáltica. Existir como potência de vir-a-ser, de se construir como ser-no-mundo-com-HIV/Aids (Assis, 2022, pp. 539-540).

Nesse sentido, esse ensaio teórico sobre HIV/Aids perpassa necessariamente pela compreensão do processo de saúde-doença em Gestalt-terapia. Isso implica estar fundamentado em um paradigma holístico-gestáltico, como Spangenberg (2006) enquadra a Gestalt-terapia em detrimento do que ele chama de paradigma newtoniano-cartesiano. Por paradigma newtoniano-cartesiano, o autor entende uma concepção calcada em um princípio de causa e efeito, em que o observador está separado do objeto de estudo e, por isso, há uma busca de objetividade e há uma tendência de ir do particular para o geral. Em contraposição à essa concepção, a Gestalt-terapia fundamenta-se como uma psicoterapia alicerçada em um paradigma emergente, o holístico-gestáltico, que se pauta no princípio da circularidade, considerando a subjetividade e o papel e efeito do observador, logo, partindo do geral para o particular. É a partir dessa cosmovisão que, para Spangenberg (2006), há uma filosofia, uma teoria, uma metodologia, um enquadre e uma relação entre terapeuta e paciente, que norteiam o trabalho de pesquisa e de psicoterapia na Abordagem Gestáltica.


Clínica gestáltica e o processo de saúde-doença: algumas aproximações introdutórias com Merleau-Ponty

A partir do paradigma holístico-gestáltico, entende-se o fenômeno da saúde e da doença como um processo, sendo assim, processo de saúde-doença, com hífen tal como tem se consagrado nos estudos dessa área como marca linguística dos avanços teóricos. Spangenberg (2006) salienta que a concepção de saúde-doença depende do paradigma dominante em dada cultura e afirma que, no mundo ocidental, essa concepção pauta-se em um modelo médico, e, no caso da Psicologia, com ênfase no intrapsíquico. O paradigma holístico-gestáltico, segundo esse autor, entende que o processo saúde-doença se dá na totalidade do indivíduo, em todo o seu ser, e revela o campo organismo-meio, seu contexto, e, portanto, sai de uma visão em saúde individual para a saúde coletiva. Deste modo, tem a ver com o nível de integração ou desintegração da unidade organismo-ambiente.

Em Gestalt-terapia, de acordo com Frazão (2012), o conceito de saúde-doença, chamado também de funcionamento saudável e de funcionamento não saudável, é considerado como um processo em que há favorecimento ou dificuldade no desenvolvimento da pessoa. Esse mesmo comportamento pode ser visto como saudável ou não, a depender da função de campo a que está a serviço, por isso, a compreensão de saúde-doença é dialética. Isso está consoante com a afirmação de Tellegen (1972) quando afirma que o funcionamento saudável diz respeito à fluidez no fluxo figura-fundo, sem bloqueios e interrupções. Para essa autora, um corpo saudável demonstra sua capacidade em identificar e compreender suas demandas, diferenciando claramente as diversas necessidades a partir das relações dinâmicas existentes entre a figura que ora se converte em fundo, e o fundo que ora se converte em figura.

Conforme Tellegen (1971), para atender a essas demandas, o organismo direciona sua atenção de maneira apropriada aos elementos relevantes, de modo que, à medida que as necessidades evoluem, surge a necessidade de reorganizar a perspectiva, implicando uma alteração nas configurações figura-fundo, conhecidas como Gestalten. A autora observa ainda que a eficácia desse processo depende da clara percepção das necessidades, permitindo que o organismo se estruture em torno da satisfação e desenvolva um comportamento coeso e orientado a metas específicas.  

Ora, baseado nesse conceito, o de figura-fundo, Yontef (1998) afirma que, em Gestalt-terapia, compreende-se por saúde quando a figura flui conforme a necessidade organísmica, deslocando-se para o fundo quando uma necessidade é satisfeita e outra figura emerge, em que a awareness mostra-se acurada com a necessidade do campo total. Todavia, a figura no processo de saúde, como indica Yontef (1998), não ocorre de maneira instantânea, o que pode resultar na impossibilidade de alcançar a satisfação, como evidenciado na histeria. Da mesma forma, ainda segundo esse autor, a mudança não transcorre de modo excessivamente lento, pois isso impediria a ascensão de novas figuras para dominar a dinâmica do organismo, como observado na compulsividade, pois, quando a dicotomia entre figura e fundo se estabelece, um dos elementos acaba desprovido de contexto ou situado fora de foco.

A partir dessas contribuições de Yontef (1998), percebemos o conceito de doença como uma polaridade da saúde, o que não quer dizer dicotomia. Polaridades ou forças opostas, em Gestalt-terapia, sinalizam uma perspectiva de tríade que privilegia a integração dos opostos com um elemento central, que é ponto zero da indiferença criativa, sem oposições e dualismos (Souto, 2012). Assim, ao definir a saúde, já estamos de algum modo definindo a doença, por isso, em Gestalt-terapia, utilizamos o termo saúde-doença, compreendendo-os como processos interconectados.

Yontef (1998) ainda assevera que o conceito de saúde na Abordagem Gestáltica está relacionado com o ajustamento criativo e criador, que é uma interação criativa entre o self e o meio, em um movimento de equilíbrio ecológico. A polaridade do ajustamento criativo e criador, para esse autor, seria a resistência, entendida como um impulso e a resistência a esse impulso. Essa resistência é parte tanto da saúde quanto do aspecto resistido, demonstrando que não há dicotomia entre saúde e doença na visão gestáltica (Yontef, 1998).

Fukumitsu, Cavalcante e Borges (2009) afirmam que, na perspectiva da Gestalt-terapia, os fenômenos da saúde e da doença são modos do organismo em sua totalidade dar sentido à sua existência, na sua relação constante com o mundo. São, portanto, processos dinâmicos, singulares e interativos, opondo-se a uma concepção que os entende como estáticos e causais. Com base nessa posição, a saúde é vista como uma vivência integral, como o fluxo fluido de abertura e fechamento de Gestalten para a satisfação de necessidades, é o melhor que o organismo pode fazer na situação de campo, ou seja, configura-se como um ajustamento criativo e criador funcional. Em relação ao adoecimento, esse fenômeno é compreendido como interrupção no fluxo de atualização, como uma forma de cristalização, de desorganização corpo-psique, revelando questões existenciais que estão sendo enfrentadas pelo indivíduo (Berri, 2020; Fukumitsu; Cavalcante; Borges, 2009; Galli, 2009).

Ivancko (2009), partindo do paradigma gestáltico, afirma que a tendência do ser humano é para a saúde e que a doença surge como expressão do ajustamento criativo disfuncional do indivíduo na relação com o mundo, como uma forma de sofrimento, de insatisfação. Nesse sentido, é o modo que “temos para enfrentar ou não determinada situação para a qual não estamos preparados ou temos dificuldades” (Ivancko, 2009, p. 106). Para essa gestalt-terapeuta brasileira, a doença se configura como uma figura fixa, sem boa forma e sem nitidez, em que há interrupção do fluxo figura-fundo, visto que a figura doença fica impossibilitada de retorno ao fundo na experiência da pessoa. O processo de adoecimento, nessa perspectiva, tem a ver com as várias interrupções no ciclo do contato, com o bloqueio no livre fluir e na satisfação das necessidades organísmicas, que provocam Gestalten em aberto, delatando uma falha homeostática (Ivancko, 2009).

Esse processo se dá na fronteira de contato organismo-ambiente. Assim, em uma perspectiva relacional e de campo, que considera a unidade organismo-ambiente, o contexto social é considerado como fator de cura e de doença, como nos apontam Campos e Daltro (2015). Para essas autoras, a compreensão da enfermidade incorpora igualmente o aspecto coletivo, demandando uma avaliação e abordagem abrangentes, implicando que o paciente busque maneiras de enfrentar questões sociais, como “a presença de violência na vida em comunidade”, “a limitação de recursos financeiros” e “as condições precárias de habitação”, entre outros (Campos; Daltro, 2015, p. 62).

Nesse sentido, a doença, para Ribeiro (2006), seria uma forma desesperada de ajustamento criativo em um dado campo, uma tentativa na qual o organismo busca ser escutado. Seria a polaridade que denota uma dificuldade na autocorregulação organísmica, termo adotado por Ribeiro (2022), pois “é um grito desesperado do organismo, protestando contra sua função cognitiva que insiste em impor ao corpo algo que o organismo rejeita” (Ribeiro, 2007, p. 74). Sobre isso, Perls (1973/2020, p. 20), na clássica obra A abordagem gestáltica e testemunha ocular da terapia, diz-nos que, “quando o processo homeostático falha em alguma escala, quando o organismo se mantém num estado de desequilíbrio por muito tempo e é incapaz de satisfazer suas necessidades, está doente”. Esse autor entende a homeostase como sinônimo de autocorregulação organísmica, e compreende a existência como a alternância entre equilíbrio e desequilíbrio homeostático no mundo. A doença estaria, portanto, na cronicidade desse desequilíbrio e na incapacidade frequente de fechamento de Gestalten.

Nessa discussão, Perls, Hefferline e Goodman (1951/1997) assinalam uma diferenciação entre uma psicologia normal e uma psicologia anormal, para se referir aos processos neuróticos e saudáveis, neste caso, ao processo de saúde-doença. Para eles, a psicologia normal estudaria os ajustamentos criativos em um dado campo organismo-meio e a psicologia anormal estudaria as interrupções e inibições desses ajustamentos criativos. Saúde seria a fluidez no contato do organismo em seu meio, enquanto a doença sinalizaria uma perturbação na espontaneidade e na criatividade em ajustar-se ao campo, com presença das múltiplas interrupções de contato.

Assim, compreender a saúde-doença demanda do gestalt-terapeuta uma compreensão de campo, de fronteiras de contatos, de ciclo do contato, de ajustamentos criativos e criadores, de mecanismos neuróticos, de fluxo figura-fundo e de autocorregulação organísmica. São processos interconectados, ora polares, ora complementares. Rompendo essa cisão saúde versus doença, por sua vez, Merleau-Ponty (1945/2018, p. 226) nos diz que “o doente nunca está absolutamente cortado do mundo intersubjetivo, nunca inteiramente doente”, compreendendo que saúde-doença estão interligadas enquanto modalidades existenciais, que é também a visão da Gestalt-terapia. Angerami-Camon (2003, p. 53), utilizando a teoria merleau-pontiana como base na compreensão do processo de saúde-doença em psicoterapia, parafraseia o filósofo dizendo que

um corpo doente nunca está extraído absolutamente do mundo intersubjetivo, em que ainda residem esperanças e resquícios de saúde, ou seja, em hipótese alguma está inteiramente doente. Da mesma forma, outras manifestações que ocorrem no corpo e que se apresentam com alterações somáticas não são apenas distúrbios, cuja ocorrência se processa somente em níveis físicos e biológicos.

Em uma psicoterapia fenomenológica, como nos aponta Giovanetti (2018, p. 27), há um novo modo de compreensão da pessoa doente, visto que “não se busca tratar a doença em si; em contrapartida, se procura tratar do homem doente. O foco não é mais o sintoma, mas a pessoa que vive com determinado sintoma”. Para ele, a ênfase da relação e da comunicação entre terapeuta e doente recairia em uma perspectiva dialógica. Com isso, em Gestalt-terapia, através da ênfase na relação entre o psicoterapeuta e o paciente, fomenta-se novas significações para o processo de adoecimento, ampliando a integridade e a criatividade na existência do ser-doente. Portanto, o Gestalt-terapeuta auxilia o doente em sua autocorregulação organísmica que está fragilizada, potencializando seu espaço vital e sua awareness para a criação de possíveis movimentos saudáveis (Castro; Gurgel, 2021). Isso mostra-se coerente com a visão de Merleau-Ponty (1945/2018, p. 226) ao nos advertir que

em todo caso, a tomada de consciência, nos tratamentos psíquicos, permaneceria puramente cognitiva, o doente não assumiria o sentido de seus distúrbios que acabam de revelar-lhe sem a relação pessoal que travou com o médico, sem a confiança e a amizade que ele lhe traz e a mudança de existência que resulta dessa amizade. O sintoma, como a cura, não se elabora no plano da consciência objetiva ou tética, mas abaixo.

Podemos entender que o filósofo acredita que a eficácia do tratamento psicoterápico está em uma modalidade de consciência mais ampla que a dimensão cognitiva, o que concorda com Yontef (1998) ao afirmar que o objetivo primário da Gestalt-terapia é a ampliação da awareness, que é compreendida em seus elementos sensoriais, emocionais, cognitivos e energéticos. O filósofo também pontua a amizade como fator de cura, que entendemos ser a relação psicoterapêutica. Não muito distante dessa compreensão, em Gestalt-terapia, diríamos da relação dialógica com seus princípios de confirmação, diálogo sem reservas, presença e inclusão (Hycner, 1995; Hycner; Jacobs, 1997; Yontef, 1998). Sendo assim, tanto para a Gestalt-terapia quanto para Merleau-Ponty, o cuidado com pessoas adoecidas tem como foco uma relação que promove uma consciência mais ampla do que o dar-se conta meramente cognitivo. É nessa clínica que acreditamos no atendimento de pessoas que existem com HIV/Aids.

O HIV/Aids na perspectiva da clínica gestáltica: algumas contribuições de Merleau-Ponty para a psicoterapia e para a pesquisa

O HIV/Aids abre um campo fenomênico multifacetado e uma das possibilidades de estudar os fenômenos vivenciados nessa abertura é através da ótica gestáltica. Para Freitas, Stroiek e Botin (2010), a Gestalt-terapia é uma abordagem dialógica e tem o corpo como elemento essencial da relação dialógica. Suit (2022) concorda com essa concepção ao afirmar que a relação dialógica é o modelo de relação terapêutica em Gestalt-terapia e é fundamental no atendimento de pessoas que existem com HIV/Aids. Com isso, o gestalt-terapeuta trabalha com o corpo vivido a partir da existência fragilizada pelo adoecimento, nesse caso, o HIV/Aids, visto que “o doente é um ser que vive e sente seu corpo e sua doença, o corpo é a extensão de seu projeto existencial humano” (Freitas et al., 2010, p. 145).

Pelo olhar da clínica gestáltica, conforme os estudos de Freitas, Stroiek e Botin (2010), o corpo enfermo transcende a mera condição de um organismo afetado por enfermidades, apresentando-se como uma experiência para o indivíduo doente. Este corpo, enquanto portador de uma função na interação desse sujeito com o mundo, não deixa de ser um corpo com uma narrativa e perspectivas próprias, apesar da manifestação da doença. Em outras palavras, é “um corpo que carrega sentidos subjetivos que tem relações íntimas com a própria história da pessoa, com seus contextos de vida e com os recursos de que dispõe para lidar com a doença” (Freitas et al., 2010, p. 144).

É esse corpo com uma história que buscamos em Gestalt-terapia ao atender pessoas que existem com HIV/Aids. Angerami-Camon (2003, p. 69) afirma que o corpo é uma memória vivencial, é nele que se encontra a memória das experiências da pessoa, “é nele que residem todas as memorizações das minhas vivências e que se encontram depositadas as somatórias das minhas experiências passadas”. É esse corpo-história, esse corpo vivido e sentido, que é o objeto de compreensão do gestalt-terapeuta diante do adoecimento. Afinal, “a minha história é sempre viva e presente em minha estrutura corpórea” (Angerami-Camon, 2003, p. 69). Visamos, em Gestalt-terapia, compreender nosso paciente em todas as suas dimensões existenciais, como um todo integrado, não reduzindo sua totalidade à parte que é a infecção pelo HIV ou o adoecimento pela Aids. Nesse sentido, o HIV/Aids não pode ser a figura para o gestalt-terapeuta, é um fundo, pois a pessoa é maior que sua condição sorológica, seu corpo nos conta de uma história maior que a infecção. Essa abordagem com

a extrema valorização do vivido, do aqui e agora e do campo organismo/meio (cliente/doença/hospital) facilita a atitude fenomenológica de descrição do vivido considerando-o não como um objeto ou um meio para se chegar a um fim (Eu-Isso), mas como pessoa que é com seus sentimentos, pensamentos, percepções e co-autoria do seu mundo e de seus sentidos subjetivos. É uma atitude e uma prática que considera a pessoa como um todo em suas múltiplas dimensões: intrapsíquica e interpessoal, o que consequentemente possibilita uma awareness integrativa (Freitas et al., 2010, p. 146).

Suit (2022) afirma que o olhar gestáltico para o campo fenomênico aberto pelo HIV/Aids deve ser amplo, em uma descrição de campo que transcende a sintomatologia física, assim ele reitera também que a Gestalt-terapia, por enfatizar essa perspectiva de campo, realiza uma compreensão profunda do ser humano. A autora sinaliza que o momento do diagnóstico de HIV é concebido como uma crise em que há encontro com a angústia existencial e que algum ajustamento criativo e criador é realizado nesses momentos para ajudar na recuperação da homeostase. O objetivo da psicoterapia gestáltica para pessoas que existem com HIV/Aids seria o de fomentar ajustamentos criativos funcionais, possibilitando o contato consigo, com o outro e com o campo. Com isso, é possível a facilitação do autoconhecimento e a ampliação da awareness (Suit, 2022). Isso só é possível a partir de uma relação dialógica, que é a ênfase da Gestalt-terapia.

Sobre a importância dessa relação, Merleau-Ponty (1945/2018), conhecedor da Psicanálise, escreve sobre a relação médico-paciente em análise, que pode contribuir também para a compreensão de relação psicoterapêutica na Abordagem Gestáltica com pessoas que existem com HIV/Aids, ao afirmar que o processo terapêutico psicanalítico busca, sobretudo, estabelecer novas conexões existenciais entre o paciente e o analista, ao invés de buscar a cura através de uma simples conscientização do passado. Desse modo, como indica o filósofo, o objetivo não é meramente concordar cientificamente com a interpretação psicanalítica e desvendar um sentido abstrato do passado. Pelo contrário, a abordagem consiste em reviver o passado, atribuindo-lhe significados, haja vista que “[...] o doente só chega a isso vendo seu passado na perspectiva de sua coexistência com o médico” (Merleau-Ponty, 1945/2018, p. 610).

É a produção de novas relações de existência, da qual nos fala Merleau-Ponty, que buscamos em Gestalt-terapia ao enfocar a relação dialógica no processo de cura existencial das pessoas que existem com HIV/Aids. A partir dessa relação, a pessoa pode reviver, no aqui-agora da sessão psicoterapêutica, os significados do lá-e-então de sua infecção sexual, que tanto trazem sofrimento em seu aqui-agora, encontrando novos sentidos e integrando as polaridades. Sobre as contribuições de Merleau-Ponty, é importante salientar que ele não teve contato com a Gestalt-terapia, mas diretamente dialogou com a Psicologia da Gestalt e com a Psicanálise.

Compreendemos, por conseguinte, que a filosofia merleau-pontiana pode contribuir para a clínica gestáltica, inclusive acerca da relação psicoterapêutica, visto que, para essa filosofia, a ênfase do tratamento psicológico estaria sobre uma relação e sobre o presente, que são noções centrais na psicoterapia gestáltica. Além disso, Merleau-Ponty foi um profundo conhecedor dos trabalhos de Kurt Goldstein (1878-1965), Kurt Koffka (1886-1941), Wolfgang Köhler (1887-1967) e Max Wertheimer (1880-1943). Nesse sentido, a noção de Gestalt perpassa toda a sua filosofia, seja retirando suas consequências filosóficas, seja interrogando seus limites. Desse modo, mesmo que Merleau-Ponty não tenha tido oportunidade de acessar e aprofundar as contribuições da Gestalt-terapia, ele tinha em comum parte de um mesmo fundo teórico, incluindo a Psicanálise, que também esteve presente no berço da Abordagem Gestáltica, inspirando conceitos e, especialmente, rupturas.

Na direção de uma clínica mais ampla e sensível, a Gestalt-terapia busca compreender a pessoa que existe com HIV/Aids utilizando o enfoque fenomenológico, dentro de uma relação dialógica. Com isso, nas pesquisas gestálticas, rompe-se com uma epistemologia tradicionalmente positivista nos estudos em HIV/Aids e inaugura-se uma epistemologia fenomenológica. Isso se deve ao fato de a concepção da Gestalt-terapia se configurar como pós-moderna (Ribeiro, 2022). Nesse sentido, ao utilizar o método fenomenológico em pesquisas na Gestalt-terapia, a fenomenologia é compreendida também como uma epistemologia, como assinala Holanda (2014, p. 30), visto que,

a Fenomenologia se constitui – preliminar e fundamentalmente – como uma epistemologia, por sua preocupação com a possibilidade e a fundamentação do conhecimento. Fenomenologia é, pois, uma epistemologia tanto enquanto esta pode ser entendida como “teoria do conhecimento” (como preocupação sobre a própria possibilidade do conhecimento e do conhecer), quanto como “crítica” do conhecimento estabelecido (suas bases, estruturas e conceitos).

Holanda (2014), em sua reflexão sobre a fenomenologia como epistemologia contemporânea, prossegue afirmando que o pensamento fenomenológico propugna por uma abordagem distinta e singular em relação ao mundo, propondo uma visão em que a clássica dicotomia entre sujeito e objeto seja redefinida como uma correlação. Além de servir como um método compreensivo, argumenta Holanda (2014), a Fenomenologia emerge como um paradigma inovador, promovendo uma mudança radical de perspectiva, observando que essa abordagem não apenas proporciona uma compreensão mais aprofundada, mas também abre caminho para uma variedade de novas perspectivas em diferentes áreas.

Considerando isso, no campo das ciências humanas e da saúde, incluindo a Gestalt-terapia, o método fenomenológico se mostra fundamental para a compreensão do HIV/Aids, como salientado por Moreira, Bloc e Rocha (2012), na psicoterapia e na pesquisa. Este enfoque em pesquisa possibilita um olhar direcionado ao ser humano em suas narrativas de vida, possibilitando um melhor entendimento da vida das pessoas que existem com HIV/Aids através de suas vivências construídas temporalmente (Freire, Neves, Costa, Gomes & Sarraceni, 2016). Percebe-se, portanto, um novo paradigma emergente nas pesquisas em HIV/Aids, que rompe com uma epistemologia positivista, calcada em uma concepção biomédica tradicional, que podemos, a partir da literatura em epistemologia, chamar de epistemologia gestáltica (Ribeiro, 2022), holístico-gestáltico (Spangenberg, 2006), pós-moderna (Ribeiro, 2022; Santos, 1995) e de fenomenológica (Holanda, 2014). Trata-se de concepções epistemológicas distintas desse novo paradigma em pesquisa.

Em relação à concepção fenomenológica, Diniz, Diniz, Gomes e Levy (2020) assinalam que a pessoa infectada pelo HIV/Aids precisa ser compreendida em seus aspectos biopsicossociais. Esses autores enfatizam a importância da abordagem fenomenológica nos estudos dessa temática, afirmando que a compreensão do ser humano em toda a sua dimensão existencial pode abrir novas possibilidades no cuidado a estes pacientes. Sendo assim, para esses autores,

as pessoas acometidas pelo HIV/AIDS podem ser compreendidas no seu mundo, do qual a doença faz parte, ou seja, como elas se situam nesse mundo, como veem suas possibilidades, qual o significado dessa enfermidade em sua existência, para, então, conseguirem conviver da melhor forma com o HIV/AIDS (Diniz et al., 2020, p. 51).

Percebe-se que o enfoque fenomenológico, como se configuram as pesquisas em Gestalt-terapia, mostra-se promissor nas pesquisas contemporâneas em HIV/Aids. Bernardo et al. (2020) elucidam o aspecto social das produções científicas em HIV/Aids nesse enfoque epistemológico e afirmam que o desvelamento das experiências deste público por meio do método fenomenológico pode promover uma assistência inclusiva, digna, equânime e integral à saúde, que, em nosso caso, inclui a psicoterapia. Freire et al. (2016) descrevem que a compreensão das pessoas que existem com HIV/Aids pode possibilitar a ampliação de estratégias que melhorem as condições psicossociais e que a perspectiva fenomenológica pode contribuir para um olhar humanista. Os autores defendem que a abordagem fenomenológica tem potencial para promover “[...] condições ao melhor acolhimento do indivíduo durante o tratamento, de forma a trazer ganhos, que além de estarem relacionados ao conforto e a segurança, assegurem condições para o não abandono ao tratamento’’ (Freire et al., 2016, p. 643). Esse também é o olhar da Gestalt-terapia no acompanhamento de pessoas que existem com HIV/Aids.

Em síntese, uma concepção gestáltica no campo da pesquisa científica em HIV/Aids configura-se como pós-moderna, alicerçada em um paradigma holístico, com um enfoque descritivo e compreensivo, que privilegia a subjetividade humana a partir do método fenomenológico. Traz em seu bojo uma compreensão de saúde-doença a partir de referenciais teóricos e filosóficos integrados em uma síntese criativa advindos das contribuições da Psicologia da Gestalt, da Teoria Organísmica Holística, do Humanismo Existencialista, da Fenomenologia e da Teoria de Campo.

Pesquisas em HIV/Aids na literatura gestáltica brasileira

O estudo fenomenológico-existencial de Freire et al. (2016) aponta que a descoberta da infecção por HIV é vivenciada como experiência de desabrigo existencial. Esta pesquisa evidenciou sentimentos de desesperança na população estudada. Dado semelhante foi registrado no estudo heideggeriano de Bernardo et al. (2020), em que a descoberta de infecção por HIV pode vir acompanhada de frustração, negação, incredulidade e sentimentos de finitude. Em pesquisa com trinta pacientes, Moreira et al. (2012) encontraram sentimento de perda do sentido da vida, com presença de choque emocional e angústia na descoberta diagnóstica, sendo percebida como momento de maior dificuldade no processo de viver com HIV/Aids. Este dado é confirmado em Santos, Rodrigues e Almeida (2010) no estudo com adolescentes e jovens do gênero feminino com diagnóstico de HIV. Com isso, percebe-se que sentimentos negativos são frequentemente experienciados por pessoas que existem com HIV/Aids no início do diagnóstico.

É comum, no mundo vivido das pessoas que existem com HIV/Aids, a associação entre a infecção e a morte, o que gera medo de evoluir para óbito (Bernardo et al, 2020; Moreira et al., 2012). Sendo assim, a vivência depressiva e o fenômeno do suicídio (pensamento, planejamento e/ou ato) também são encontrados nas pessoas que existem com HIV/Aids, principalmente nas fases iniciais, como elucidam Bernardo et al (2020), Freire et al (2016) e Moreira et al. (2012). Trata-se de um sofrimento existencial agudo.

Outro dado recorrente nas pesquisas fenomenológicas com pessoas que existem com HIV/Aids é a vivência de preconceito. Moreira, Meneses, Andrade e Araújo (2010), em entrevista com trinta pacientes, apresentam dados que evidenciam sentimento de medo do estigma, com presença de sofrimento advindo de experiências de rejeição e abandono nas relações sociais. Este dado é encontrado em Bernardo et al (2020) e em Freire et al (2016), em que há medo de compartilhamento do diagnóstico pelo receio de ser rejeitado pela família e pela sociedade, o que demanda uma reconfiguração nas relações sociofamiliares e adaptação ao contexto social.

A pesquisa fenomenológica de Pinto, Martins, Mendonça, Costa e Sampaio (2020), utilizando a perspectiva husserliana, com onze participantes soropositivos para o HIV, elucidou a vivência de despotencialização e de exclusão social devido ao diagnóstico, em que a medicação, a atividade física e a alimentação saudável foram percebidas como um modo de existir com a infecção. A religiosidade e a espiritualidade foram alguns ajustamentos criativos encontrados para amenizar as dificuldades encontradas na experiência de ser-no-e-para-o-mundo-com-HIV. Este dado é corroborado nas pesquisas de Bernardo et al (2020) e de Santos et al. (2010).

A pesquisa empírico-fenomenológica de Sá e Menezes (2020) buscou compreender, através da ótica gestáltica, a reconfiguração do campo da pessoa após a revelação diagnóstica e encontraram os impactos negativos do diagnóstico, a desconfirmação dos familiares e dos amigos, a parceria amorosa como fator de cura, a inter-relação entre as dimensões física, afetiva, racional, social e espiritual e o processo de ressignificação do diagnóstico. Com isso, constata-se que a relação pode ser fator de adoecimento ou de cura existencial, com repercussões negativas e positivas na totalidade da pessoa que existe com HIV/Aids.

A dissertação de mestrado de Alegria (2018) buscou compreender, a partir dos fundamentos da clínica gestáltica, os ajustamentos criativos de pessoas que existem com HIV/Aids no relacionamento amoroso. A autora encontrou, na amostra estudada, a presença de mecanismos de introjeção e projeção como predominância, outros ajustamentos criativos que facilitam e bloqueiam o contato, dificuldade na manutenção da relação amorosa, entre outros resultados. Já a dissertação de Lôbo (2013) objetivou investigar a psicoterapia breve gestáltica para homens internados com Aids e demonstrou a psicoterapia como facilitadora nos processos de subjetivação para homens em vulnerabilidade pela Aids. Portanto, percebe-se que a Gestalt-terapia possui potencial de compreensão diagnóstica e de acompanhamento psicoterápico para pessoas que existem com HIV/Aids.

As pesquisas de Suit (2005; 2012; 2022) acerca de mulheres que existem com HIV/Aids pela visão da Abordagem Gestáltica apontam os reflexos do patriarcado na experiência desse adoecimento, com repetição de modelos masculinos agressivos e a submissão feminina como fatores de vulnerabilidade para a infecção por HIV/Aids. Para essa pesquisadora e gestalt-terapeuta, o HIV/Aids mostra-se como uma nova agressividade no campo das mulheres estudadas, no sentido de uma energia que invade o campo da pessoa. Nesse movimento, essa mulher sente-se agredida, atualizando suas vivências negativas. A autora ainda sinaliza a fragilidade nas fronteiras de contato e a dependência emocional, em que a mulher percebe o parceiro afetivo-sexual como provedor do cuidado delas, ficando o autocuidado prejudicado. Consequentemente, as estratégias de prevenção de infecções sexualmente transmissíveis (IST’s) ficam sob responsabilidade do parceiro. Há, também, resultados que apontam vivências de solidão e de abandono dos parceiros após o diagnóstico.

Considerações finais

Esse ensaio teórico buscou compreender a clínica da pessoa que existe com HIV/Aids a partir da aproximação introdutória da Gestalt-terapia com a Fenomenologia da Existência de Merleau-Ponty, especialmente com sua obra Fenomenologia da Percepção (Merleau-Ponty, 1945/2018). Para isso, houve uma articulação de artigos teóricos e empíricos na literatura brasileira.

Inicialmente, partiu-se da concepção holístico-gestáltica para a compreensão de uma clínica gestáltica, em contraposição ao modelo biomédico vigente nas Ciências da Saúde. Com isso, debruçou-se sobre o conceito de saúde-doença como um processo complementar, para, em seguida, delinear o entendimento do adoecimento por HIV/Aids em Gestalt-terapia. Nessa direção, buscou-se como a filosofia de Merleau-Ponty poderia contribuir para a clínica gestáltica enquanto parte integrante da fundamentação filosófica da abordagem. Constatou-se que Merleau-Ponty, apesar de não ter tido acesso aos trabalhos e desdobramentos da Gestalt-terapia, defende uma concepção de tratamento pautada na ampliação de uma consciência maior que a dimensão cognitiva, na relação entre psicoterapeuta e paciente e na situação presente da sessão. Essas são bases da clínica gestáltica, enquanto clínica relacional que atua no aqui-agora do encontro intersubjetivo com o objetivo de ampliação da awareness.

Já na última seção, as pesquisas sobre HIV/Aids expostas elucidaram o potencial do método fenomenológico, em suas múltiplas orientações teóricas e metodológicas, em estudos empíricos para a Abordagem Gestáltica. Observou-se, nesses estudos, a possibilidade de descrição e compreensão da experiência das pessoas que existem com HIV/Aids, com um olhar ampliado para a pessoa em sua totalidade. Em síntese, constatou-se experiências de sofrimento existencial, principalmente no início do diagnóstico, com sentimentos de desesperança, de negação, com vivências depressivas e suicidas, dificuldades nos relacionamentos amorosos, experiências de exclusão social, entre outros fenômenos. Os dados apontaram que a infecção por HIV exige uma reconfiguração existencial, afetando a totalidade biopsicossocioespiritual da pessoa, demandando cuidados com a alimentação, com a atividade física, com as medicações e com a religiosidade/espiritualidade.

Percebe-se, portanto, que uma compreensão gestáltica, pautada no método fenomenológico, revela-se como possibilidade de ampliação do conhecimento científico na área do HIV/Aids, bem como uma possibilidade de cuidado psicoterápico em Psicoinfectologia. Deste modo, há um rompimento com a epistemologia positivista de enfoque biomédico como único modo na produção de conhecimento e de intervenção clínica no campo da saúde. Há, portanto, em Gestalt-terapia, uma ênfase em uma perspectiva descritivo-compreensiva dos fenômenos vivenciados na experiência do existir com HIV/Aids em sua totalidade e pluralidade fenomenológicas. Enquanto parte da fundamentação filosófica da Gestalt-terapia, Merleau-Ponty possui contribuições significativas para uma clínica fenomenológica pautada na ampliação de uma consciência maior, na relação psicoterapêutica e no momento presente. Por isso, espera-se que novas pesquisas nesse entrelaçamento entre Gestalt-terapia, Merleau-Ponty e HIV/Aids possam surgir na literatura brasileira contribuindo para a clínica psicológica no âmbito da Psicoinfectologia.

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Endereço para correspondência

Gustavo Alves Pereira de Assis

Email: gustavo15assis@gmail.com 

Rodrigo Vieira Marques

Email: rodrigomarques@ufg.br

Submetido em: 20/11/23

Publicado em: 20/12/23

v. 20 n. 38 (2023): Sumário – IGT na Rede, vol. 20, Nº 38, p. 0 –. Disponível em http://www.igt.psc.br