Art as a psychotherapeutic resource for clients with dysfunctional anxiety symptoms at the Gestalt clinic
Cristiane Torres
Uninassau
A atual situação pandêmica tem contribuído para o agravamento ou aumento dos casos de ansiedade. Considerando o quadro, investiga-se como a arte pode ser utilizada como recurso terapêutico na clínica gestáltica e em outros contextos. O presente artigo tem como objetivo relacionar o uso da arte como recurso psicoterapêutico em manejo de casos de ansiedade disfuncional na clínica gestáltica. Para tanto, buscou-se identificar a ansiedade na visão gestáltica, compreender o manejo da ansiedade na clínica gestáltica e verificar o uso da arte na clínica gestáltica para o manejo da ansiedade. Realizou-se, então, uma busca através de uma pesquisa bibliográfica qualitativa, utilizando-se a Análise Temática como forma de análise dos dados. Diante disso, verificou-se que a Gestalt-Terapia busca viabilizar em psicoterapia a awareness do cliente, consequentemente a ampliação de sua visão e novas formas de ser-no- mundo. Para tanto, utiliza a relação terapêutica e vários recursos, como a arte, para esse fim, inclusive em casos de clientes com sintomas ansiosos, obtendo-se bons resultados. Verificou- se que a prática é mais habitual com crianças e adolescentes, o que permite sugerir a realização de estudos de caso de experimentação do recurso em outras faixas etárias, como adultos e idosos.
Palavras-chave: Ansiedade. Gestalt-Terapia. Arteterapia Gestáltica.
The current pandemic situation has contributed to the aggravation or increase of anxiety cases. Considering the picture, it is investigated how art can be used as a therapeutic resource in the gestalt clinic and in other contexts. This article aims to relate the use of art as a psychotherapeutic resource in managing cases of dysfunctional anxiety in gestalt clinic. Therefore, we sought to identify anxiety in the gestalt view; understand the management of anxiety in the gestalt clinic and verify the use of art in the gestalt clinic for the management of anxiety. Then, a search was carried out through qualitative bibliographic research, using the Thematic Analysis, as a form of data analysis. Therefore, it was found that Gestalt-Therapy seeks to enable the client's awareness in psychotherapy, consequently, the expansion of their vision and new ways of being-in-the-world. Therefore, it uses the therapeutic relationship and various resources, such as art for this purpose, including in cases of clients with anxious symptoms, where good results are obtained. It was found that the practice is more common with children and adolescents, which may suggest case studies of experimentation with the resource in other age groups, such as adults and the elderly.
Keywords: Anxiety. Gestalt Therapy. Gestalt Art Therapy
O presente artigo dedica-se a investigar, na literatura científica, o uso da arte na clínica gestáltica como recurso psicoterapêutico em casos de clientes com sintomas de ansiedade. Esse interesse teve início devido à observação de casos assim durante o estágio da clínica-escola ou de outros casos que traziam esses sintomas como comorbidade, além de pessoas próximas desenvolvendo sintomas ou agravando os já existentes, principalmente após o início do período pandêmico.
A correlação de inúmeros transtornos que acompanham a Ansiedade Disfuncional é confirmada pelo Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – DSM-5 (2014). Na Gestalt-Terapia não se usa o termo “transtorno”, mas “ajustamento disfuncional”. Ajustamento é um termo utilizado na Gestalt-Terapia referente ao modo como o sujeito se adapta à situação vigente, conforme Mendonça (2007). A ansiedade, para essa abordagem, é um modo de ajustamento criativo. Pelo menos 75% das pessoas a manifestam de forma conjunta. Algumas vezes, apresentando o ajustamento depressivo como figura, acompanhado de sintomas de ansiedade. Outras vezes, a ansiedade aparece como principal manifestação, seguida posteriormente de depressão, como afirma Bilbao (2010 conforme Yano; Mendes, 2019).
A atual situação pandêmica tem contribuído para o agravamento ou aumento dos casos de ansiedade, de acordo com Barros et al. (2020). Através de pesquisa realizada em agosto de 2020, esses autores realizaram entrevistas com 45.161 pessoas de várias regiões do país, constatando que muitos brasileiros se encontravam com sintomas ansiosos e depressivos, como tristeza, nervosismo, falta de sono, dificuldade para dormir, entre outros. A Organização Mundial da Saúde (2017) informou, em relatório, que o Brasil é o país com o maior número de casos de transtornos ansiosos do mundo. Segundo a OMS (2017), a depressão e a ansiedade podem ser consideradas como mal do século.
O DSM-5 é amplamente considerado como guia patológico em todo o Ocidente pela área da saúde e sociedade em geral, apesar de com isso existir uma tendência à patologização exacerbada, como aborda Pinto (2021). Desse modo, deve-se ter atenção para não considerar todo sintoma um transtorno a ser medicalizado, apesar de isso ser necessário em alguns casos e por período determinado, conforme defende o mesmo autor. Ele diz ainda que a ansiedade é benéfica e natural ao ser humano, e que ela serve de prevenção e preparo das pessoas frente aos acontecimentos. O que falta é o “diálogo” com si mesmas, entendendo o “para quê” de seus alertas que dirigem ao medo que, por sua vez, leva à coragem necessária para ação.
Tendo em vista essa grave questão social que é a ansiedade, considerada junto com a depressão como mal do século, este estudo procurou na arte uma alternativa para o caminho da homeostase. De acordo com Barreira e Martins (2017), apenas na década de 20 a arte principiou a ser percebida como recurso terapêutico, e somente nos anos 40 teve sua sistematização, com a psicanalista Margareth Naumburg, nos Estados Unidos. Embora de corrente psicanalista, a artepsicoterapeuta, como se autodenominava, trazia alguns posicionamentos humanistas. Alguns desses posicionamentos eram, por exemplo, incentivar a espontaneidade do cliente na produção e que ele próprio interpretasse seu trabalho. Acreditava que a expressão artística espontânea traria os conteúdos internos do paciente para fora e facilitaria sua verbalização (Barreira & Martins, 2017).
A arte é utilizada com o objetivo de favorecer e intensificar o contato do cliente com questões que apareçam durante o processo psicoterapêutico e, dessa forma, intensificar o contato consigo e com o mundo, a fim de ampliar sua fronteira de contato, conforme aborda Ciornai (2004), quando fala sobre os experimentos na arteterapia gestáltica. O arteterapeuta gestáltico não interpreta, ele favorece um ambiente propício e auxilia o cliente no processo, sugerindo experimentos que estimulem o contato. Quem fornece os significados para a produção é o próprio cliente, como explana Rhyne (2000). Dessa maneira, a pessoa vai ressignificando conteúdos e se desenvolvendo. Para Zinker (2007), outro autor consagrado nesse assunto, a arte e a terapia se encontram e se completam. Para o autor, isso ocorre quando a arte promove, naquele momento, a visão do criador da obra como pessoa inteira, a expansão consciencial necessária, assim como a mudança, através dos novos significados que se formam no ato de criar.
Buscou-se correlacionar os dois assuntos, investigando o uso da arte para auxiliar pacientes com sintomas ansiosos. Com isso, procurou-se verificar as possibilidades da arte no campo psicoterapêutico para esse fim ou, melhor, começo de novos significados. Diante disso, este artigo interroga: poderia a arte contribuir como recurso psicoterapêutico em casos de clientes com ansiedade disfuncional na clínica gestáltica? A arte poderia ser utilizada como recurso psicoterapêutico e propiciar maior contato em clientes com sintomas de ansiedade na clínica gestáltica? Para tanto, foi proposto como objetivo geral relacionar o uso da arte como recurso psicoterapêutico no manejo de casos de ansiedade disfuncional, a partir da visão gestáltica. E como objetivos específicos: identificar a ansiedade na visão gestáltica; compreender o manejo da ansiedade na clínica gestáltica; e verificar o uso da arte na clínica gestáltica para o manejo da ansiedade.
METODOLOGIA
Este artigo se propôs a pesquisar, qualitativamente, a correlação da arte como recurso psicoterapêutico em clientes com sintomas ansiosos disfuncionais na visão da abordagem Gestalt-Terapia. Para isso, fez-se uma pesquisa bibliográfica sobre o assunto, investigando quais a visão e os manejos utilizados na Gestalt-Terapia nos casos de clientes com sintomas de ansiedade disfuncional. Além disso, verificou-se de que forma a arte, utilizada como recurso terapêutico, poderia contribuir para o manejo do cliente com sintomas de ansiedade disfuncional.
Realizou-se uma pesquisa bibliográfica, que é o primeiro passo pertinente a todo trabalho de investigação científica. Para Lakatos e Marconi (2003), a pesquisa bibliográfica corresponde a todo material produzido sobre o tema em questão, sendo que esses materiais vão de escritos a produções em áudio e vídeo, segundo as autoras. Dessa forma, primeiro foi feita uma revisão de literatura nas bases de dados de periódicos CAPES e PePSIC. Em virtude de terem sido encontrados poucos artigos relevantes, ampliou-se a busca para a Revista IGT na Rede do Instituto Gestalt-Terapia e Atendimento Familiar, a fim de se encontrar artigos que abordassem os temas de interesse deste estudo.
Além desses locais, buscaram-se, em livros produzidos por acadêmicos de referência na abordagem, informações pertinentes ao tema, como em Ciornai (2004), Rhyne (2000), Zinker (2007), Perls (1977), Perls, Hefferline e Goodman (1997) e Pinto (2009). Foram utilizados para a pesquisa os descritores: Ansiedade; Arterapia; Arteterapia Gestáltica; Arteterapia Clínica Gestáltica; Gestalt e Criatividade, de forma cruzada, delimitando o período a partir de 2006 e o idioma à Língua Portuguesa. Na base de dados de periódicos CAPES, na parte de refinamento de pesquisa, foram incluídos os tópicos “Psicoterapia” e “Psicologia”. No total, foram achados 168 artigos, sendo que 159 deles foram excluídos, pois 31 estavam fora do tema, 122 estavam em língua inglesa, 4 estavam em língua espanhola e 2 estavam duplicados. Assim, foram selecionados 9 artigos. Verificando-se os números por base de dados, na base de dados PePSIC, foram achados 3 artigos, sendo: 1 excluído por estar fora do tema e 2 selecionados. Na base de dados de periódicos CAPES, foram achados 146 artigos, sendo que: 141 foram excluídos, pois, destes, 122 estavam em língua inglesa, 4 estavam em língua espanhola e 15 estavam fora do tema, de modo que foram 5 selecionados. Na base de dados da Revista IGT na Rede, foram achados 19 artigos, sendo que 17 foram excluídos, pois 15 estavam fora do tema e 2 estavam duplicados, totalizando 2 selecionados. Dessa forma, foram selecionados, ao todo, 9 artigos, que, como já dissemos, apresentaram relevância para o projeto. Esses artigos foram compilados em planilha de Excel, com a descrição, os resumos e as conclusões, assim como o link para consulta e fichamento posterior. Os critérios de inclusão foram: escritos em Língua Portuguesa, publicados nos últimos 15 anos e que estivessem de acordo com os objetivos deste estudo. Esses artigos foram trabalhados na parte de resultados e discussão a partir de categorias temáticas, de acordo com os objetivos propostos.
Para a análise dos temas, utilizou-se a Análise Temática de Braun e Clarke (2006 segundo Souza, 2019), devido à sua contribuição em análise de dados qualitativos, além de sua flexibilidade e acessibilidade. Esse método foi útil para identificar, analisar, interpretar e relatar padrões encontrados nos dados coletados, o que auxiliou numa análise interpretativa sobre os mesmos. Os temas foram escolhidos a partir de um conjunto de categorias pré-definidas, dedutivamente, mas sem excluir futuras observações de novos temas que surgissem durante a pesquisa. Aderiu-se, ainda, a uma análise reflexiva sobre os padrões encontrados nos dados coletados.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
GESTALT-TERAPIA E ANSIEDADE
A visão da ansiedade na clínica gestáltica
A Gestalt-Terapia é uma abordagem que surgiu da intercorrência de várias linhas de pensamento, “como a fenomenologia, o existencialismo, a teoria do campo, a psicologia organísmica, a psicologia da Gestalt, a psicanálise, filosofias orientais e a corrente humanista”, conforme Mendonça e Brito (2017, p. 276). Toda essa interação propiciou uma nova forma de pensar e fazer a psicoterapia até então constituída.
Perls, principal divulgador da abordagem, prestigiava o experimento para ampliação da percepção e como promotor de mudança, o que é confirmado por Zinker, quando expressa que a Gestalt-Terapia se utiliza de recursos terapêuticos fundamentados em vivências (PHG, 1997; Zinker, 2007). A experimentação ocorre no contato. Caso o sujeito não consiga entrar em contato consigo e com o meio, a fim de identificar suas necessidades e comunicá-las, provoca ajustamentos criativos defensivos que, com o tempo, podem causar adoecimentos, como ansiedade, insegurança e baixa autoestima, afirma Anthony (2009). Maffiolete e Castro (2018) entendem que pessoas com transtorno de ansiedade generalizada iniciam várias situações e não fecham. Dessa forma, abrem continuamente várias Gestalts, sem vivenciá-las inteiramente, o que chama a atenção para a incapacidade naquele momento do sujeito de vivenciar o aqui-e-agora. A excitação fica acumulada, esperando uma resolução. Lacerda e Macedo (2019) abordam que, no funcionamento saudável, o sujeito consegue identificar facilmente a hierarquia de suas necessidades, que se apresentam como figuras. Assim, gestalten vão sendo abertas e fechadas continuamente, conforme as necessidades vão surgindo, sendo atendidas e sendo substituídas por outras, buscando a homeostase do organismo.
Maffiolete e Castro (2018) afirmam que, na ansiedade patológica, há uma ruptura na awareness, impossibilitando o contato com o aqui-e-agora e a não identificação de suas reais necessidades. Henckes e Macedo (2017, p. 49) dizem que a ansiedade, para a Gestalt-Terapia, “consiste na interrupção da excitação, a contenção da mesma”. As autoras complementam relatando que, nesse contexto, o contato e consequentemente a experiência do sujeito ficam prejudicados, devido a receios antecipados, não adquirindo aprendizados para o seu desenvolvimento e gerando desadaptações.
O ajustamento criativo surge na vivência diante de determinada necessidade de adaptação, de acordo com as circunstâncias. Caso tal ajustamento se petrifique, sendo repetido sem adaptação, pode gerar adoecimento, como fobias, que são tipos de evitação (Anthony, 2009). Os sintomas para a Gestalt-Terapia não são vistos como patologias, mas como formas de funcionamento ou formas de ser-no-mundo, como defendem Henckes e Macedo (2017), ou como processo defensivo, geradores de sofrimento, conforme Anthony (2009). Para a autora,na ansiedade infantil, veem-se alguns dos mecanismos de defesa ou bloqueios de contato, como a deflexão – evitação de determinada situação ou pessoa; a projeção – quando o sujeito coloca no outro suas questões por temer ter consciência dessas; a confluência – comum na infância quando se trata da angústia de separação e da dependência; a retroflexão – onde há uma descarga em si mesmo, no corpo, com a inibição dos impulsos agressivos, da raiva e do medo em relação ao meio e ao outro que retornam para si, em forma de doenças psicossomáticas.
Por outro lado, Pajaro e Andrade (2018) falam de um tipo de fuga da situação que aconteceria quando a pessoa percebe não ter suporte suficiente para lidar com o que se apresenta. Então, foge para se proteger. Segundo as mesmas autoras, nem todo enfrentamento é saudável, considerando a circunstância e a melhor atitude diante da mesma.
Para Anthony (2009), o medo saudável prepara o indivíduo para a ação, já o medo disfuncional gera paralização e limita a vida. Perls corrobora com esse pensamento quando fala do “medo de palco”, medo do julgamento alheio. Esse medo faz com que o sujeito hesite e não deixe fluir toda a excitação (Perls, 1977).
O psicoterapeuta tem papel importante no acompanhamento do cliente e de suas construções de significado, além da busca pela subjetividade do cliente e suas formas de ver e lidar com o mundo (Pajaro & Andrade, 2018). As autoras complementam que outro aspecto são as intervenções, cabendo ao terapeuta devolver ao cliente o que observa de relevante, a fim de promover sua atualização e possibilitando novas formas de entendimento. A relação terapêutica é primordial para o processo terapêutico e, para tanto, o profissional deve está disponível em termos de empatia e não julgamento, a fim de ouvir e acolher o outro em terapia (Maffioleti & Castro, 2018; Lacerda & Macedo, 2019).
Conforme Maffioleti e Castro (2018), o principal objetivo da clínica gestáltica é tornar o cliente consciente de seu funcionamento, de sua hierarquia de necessidades, favorecendo a awareness em relação a si e seu contexto. Dessa forma, poderá construir autossuporte a fim de possibilitar sua autorregulação. Não por acaso, segundo as autoras, o foco no tratamento de indivíduos com Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG) é o despertar dessa conscientização – o awareness – experimentando cada vivência de forma plena no aqui-e-agora. Lacerda e Macedo (2019) citam variados recursos no manejo da ansiedade com adolescente, para dar mais consciência através da intensificação do contato, a saber: genograma, ampliando a percepção das relações familiares; baralho das emoções, promovendo ampliação de consciência sobre as mesmas; argila, para o contato consigo no aqui-e-agora, ampliação de consciência e criação de autossuporte; e reflexão sobre situações onde apresentou sintomas ansiosos. Além de sugestões de exercícios físicos, no caso caminhadas com amiga e incentivo à leitura, tendo em vista ser uma atividade de lazer para a cliente. Utilizaram técnicas de respiração, que não foram bem aceitas pela cliente, o que fez a terapeuta interromper essa intervenção em respeito a ela.
Pajaro e Andrade (2018) estudaram a utilização do desenho como forma de manejo de ansiedade em criança, através das anotações da psicóloga e dos desenhos do cliente. As autoras afirmam que o desenho promove a autoexpressão e awareness, representando o funcionamento do sujeito naquele momento. Vários estudiosos apontam que o criador da obra é seu melhor intérprete. E nesse diálogo terapeuta/cliente, sobre a obra realizada, repleta de expressões de si, o cliente vai se autodescobrindo, estando presente e posicionando-se como ativo diante de sua obra (Pajaro & Andrade, 2018; Mendonça & Brito, 2017; Reis, 2014).
A visão do psicoterapeuta frente ao ser humano deve ser de maneira holística, considerando o ser biopsicosocial. Dessa forma, o psicoterapeuta poderá realizar o manejo do sujeito de forma integral e não apenas do sintoma, percebendo o contexto onde o sujeito se insere e as conexões desenvolvidas. Essa visão considera os princípios da Gestalt-Terapia que vê o organismo/meio como inseparáveis e interdependentes (Anthony, 2009; Lacerda & Macedo, 2019).
Anthony (2009) propõe o trabalho com a arte enquanto propulsor de autoexpressão espontânea, como diálogo com fantoches (a depender da idade), fantasia dirigida, dramatização, desenhos temáticos, trabalhos corporais e sensoriais como argila. Tudo isso considerando as particularidades do cliente. Diz ainda que esse tipo de trabalho desempenha papel singular na consciência do cliente sobre si e seus processos, possibilitando homeostase.
A arteterapia pressupõe o uso de atividades artísticas em ambiente apropriado, acompanhadas de arteterapeuta que maneje a prática com fins terapêuticos, como autoconhecimento que possa proporcionar mudanças, de acordo com Ciornai (2004). A autora diz ainda que todo processo que envolve tanto o fazer, quanto o pensar sobre a obra produzida possui potencial terapêutico.
Por volta dos anos 50, no pós-segunda guerra, a arteterapia começa a ganhar forma pela Arte-Educação. A escola foi o primeiro ambiente a receber a arteterapia, que era utilizada para exercício do poder criativo e da expressão artística, a fim de que os alunos expandissem suas potencialidades (Ciornai, 2004).
A arte, acompanhada da criatividade, aparece como recurso na Gestalt-Terapia em várias técnicas utilizadas, como na Fantasia Dirigida; Diálogo com Fantoches (a depender da idade); Dramatização de situações; assim como o uso da argila, desenho, pintura, escultura, mandala, música, dança, literatura, entre outras (Anthony, 2009; Lacerda & Macedo, 2019; Lehmkuhl, 2015; Reis, 2014). Esses recursos, utilizados de forma terapêutica, possibilitam o contato consigo e com o meio através da projeção da autoimagem, especialmente nos casos de produção artística, auxiliando na percepção de seu funcionamento, e, consequentemente, autoconhecimento, awareness e ajustamento criativo. Geram possibilidade de ressiginificação, integração de polaridades, autossuporte e homeostase (Reis, 2014; Ciornai, 2004; Rhyne, 2000; Pinto, 2009; Frazão, 1999 citando Mendonça & Brito, 2017; Pajaro & Andrade, 2018; Silva et al., 2013). Essa dinâmica acaba levando à percepção da hierarquia de necessidades, de acordo com Mendonça e Brito (2017), além de proporcionar um vislumbre de novas possibilidades, de novas formas de ser-no-mundo (Reis, 2014; Mendonça & Brito, 2017; Silva et al., 2013).
Lehmkuhl (2015) destaca a importância da disposição do terapeuta em, por exemplo, ouvir atentamente o cliente, sem interrupções. Isso, muitas vezes, pode ser uma experiência nova e necessária naquele momento, com potencial de gerar awareness e crescimento tanto para o cliente quanto para o terapeuta.
Em casos de ansiedade disfuncional, Anthony (2009) enfatiza que a estimulação de trabalhos com arte na autoexpressão expontânea, a respeito da subjetividade de cada cliente, evitando propostas invasivas, proporciona a autoconsciência de si e seu modo de ser no mundo. O que, segundo a autora, pode ser utilizado em casos de criança com ansiedade fóbica. Podem- se utilizar fantasias dirigidas voltadas para coragem e autonomia; diálogo com fantoches sobre o medo e a raiva; dramatizar situação fóbica; relaxar a musculatura com trabalhos com argila, trabalhos corporais e sensoriais, a fim de soltar a agressividade tão comumente retrofletida. Assim, o cliente se autopercebe e se ajusta mais adequadamente às situações e às suas necessidades.
Lacerda e Macedo (2019), por sua vez, descrevem um trabalho com adolescente, com sintomas ansiosos, onde foi utilizada a argila de forma livre. A cliente explorou suas sensações, entrando em contato consigo, mantendo-se no aqui-e-agora e liberando conteúdos que foram refletidos em várias sessões posteriores. A cliente acessou conteúdos como: sentir-se sufocada em alguns lugares e a sensação desagradável de sua meia no tênis abafando seu pé, por exemplo. Nesse trabalho, também foi incentivado o gosto pela leitura, já existente na cliente e que lhe trazia sensação de tranquilidade, como ferramenta de construção de autossuporte.
A atual situação pandêmica tem contribuído para o agravamento ou aumento dos casos de ansiedade. Além disso, a Organização Mundial da Saúde (2017) já informou que o Brasil é o país com o maior número de casos de transtornos ansiosos do mundo. Diante disso, decidiu- se investigar o uso da arte na clínica gestáltica como recurso psicoterapêutico em casos de clientes com sintomas ansiosos.
Atingiu-se o objetivo geral do trabalho que foi relacionar o uso da arte como recurso psicoterapêutico no manejo de casos de ansiedade disfuncional a partir da visão gestáltica, tendo em vista que foram encontrados artigos relacionados a esse manejo, além do que se observou a interrelação natural entre os temas dentro da Gestalt-Terapia, apesar de haver poucos trabalhos em língua portuguesa com os três temas juntos. Os objetivos específicos, a seguir, também foram atingidos: identificar a ansiedade na visão gestáltica; compreender o manejo da ansiedade na clínica gestáltica; e verificar o uso da arte na clínica gestáltica para o manejo da ansiedade.
Assim, identificou-se que a ansiedade, na Gestalt-Terapia, é um modo do sujeito ser- no-mundo. Deve ser vista a partir da observação do indivíduo como um todo, em seu contexto, de forma integral. Caso esse funcionamento esteja trazendo prejuízos para a vida do sujeito, promovendo modos de ser cristalizados, pode-se requerer intervenção psicoterapêutica. O contato consigo e com o meio, permanecendo no aqui-e-agora, será o principal manejo na clínica gestáltica, além da relação terapeuta e cliente, onde terapeuta acompanhará e guiará o cliente em suas descobertas sobre si.
A arte como recurso na terapia da clínica gestáltica aparece naturalmente, tendo em vista as técnicas lúdicas que proporcionam contato e estimulam a criatividade já tão bem utilizadas nessa abordagem. Ainda mais considerando que a arte serve bem aos propósitos da Gestalt- Terapia, como contato consigo e com o mundo, autoconhecimento e novas formas de agir diante das situações, logo, novos ajustamentos criativos surgem e, consequentemente, novas formas de ser-no-mundo.
Percebeu-se maior produção na perspectiva da ansiedade e uma escassez de trabalhos na perspectiva da arte como recurso terapêutico, ainda mais buscando-se trabalhos direcionados a clientes ansiosos. Assim, notou-se uma necessidade de artigos com esse tema, visto que pesquisas científicas auxiliam na utilização de um maior número de experimentos que possam facilitar o trabalho terapêutico no processo de awareness.
Constatou-se que os trabalhos encontrados, tratando-se de arte, são, em sua maioria, sobre arteterapia, que é uma abordagem independente e utilizada em várias outras áreas, tanto na saúde quanto na educação. Procuraram-se trabalhos que juntassem a arteterapia gestáltica na clínica, tratando da ansiedade. Os três assuntos são raros de aparecerem em conjunto. Dos nove artigos escolhidos, cinco deles apontaram algum tipo de recurso artístico no manejo do cliente na clínica gestáltica e em três deles sugeriu-se o uso da arte como recurso em clientes com sintomas ansiosos, dois relacionados à crianças e um a adolescentes. Observou-se nos artigos analisados que esse recurso é mais utilizado com crianças e adolescentes, o que pode sugerir a necessidade de estudos de caso de experimentação do recurso em outras faixa-etárias, como adultos e idosos.
As perguntas de partida do trabalho foram: poderia a arte contribuir como recurso psicoterapêutico em casos de clientes com ansiedade disfuncional na clínica gestáltica? A arte poderia ser utilizada como recurso psicoterapêutico e propiciar maior contato em clientes com sintomas de ansiedade na clínica gestáltica? As possíveis respostas a que chegamos às perguntas foram que, tendo em vista as possibilidades de intervenção e contato consigo e com o aqui-e- agora, a arte como recurso terapêutico, nesse tipo de manejo, tem muito potencial. Inclusive, como visto, três dos artigos estudados realizaram esse tipo de intervenção de modo único ou complementar com bons resultados com clientes que apresentavam quadros ansiosos.
Ao final, concluiu-se que a arte como recurso psicoterapêutico na clínica gestáltica pode contribuir com a ampliação da consciência, auxiliando o psicoterapeuta e o cliente no processo de autoconhecimento, awareness e vislumbre de novas possibilidades de atuação no mundo, pelo olhar da Gestalt-Terapia. Perceberam-se, no entanto, poucos estudos relacionando os temas Gestalt-Terapia, arte ou arteterapia e ansiedade. Tendo em vista a limitação da pesquisa bibliográfica ter sido realizada somente em Língua Portuguesa, sugerem-se pesquisas em outras línguas sobre os temas abordados. Este artigo não tem por finalidade esgotar o tema, mas fomentar mais pesquisas sobre os temas levantados, a fim de beneficiar clientes e profissionais da Psicologia e de outras áreas.
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Cristiane Torres
Uninassau
Correspondência: cristianeatorres@gmail.com
Revista IGT na Rede, v. 21, nº 42, 2025, p.1-32 DOI 10.5281/zenodo.15785103
Disponível em http://www.igt.psc.br/ojs ISSN: 1807-2526