Maffezzolli, F.G.M; Rodrigues, J.; Cardoso, D. T. - “Gestalt-terapia, homens, masculinidades: uma revisão de literatura narrativa”

Gestalt-terapia, homens, masculinidades: uma revisão de literatura narrativa.

Gestalt therapy, men, masculinities: a narrative literature review.

Fabia Graciela Marchi Maffezzolli

Jaqueline Rodrigues

David Tiago Cardoso

RESUMO

Este artigo apresenta as ressonâncias de um Trabalho de Conclusão de Curso que problematiza o estado da arte da Gestalt-terapia (GT) na produção de conhecimento sobre homens e masculinidades. O método utilizado foi Revisão de Literatura Narrativa, onde foram analisados três artigos de produções acadêmicas brasileiras encontrados no período de 2015 a 2020. A GT é uma abordagem existencial-fenomenológica que tem por finalidade auxiliar as pessoas, promovendo uma visão integral e holística, estimulando o contato consigo e com outros, a awareness e o auto-suporte. Os homens e as masculinidades aparecem narradas nos artigos em processo de mudança, em movimento para ressignificar suas vivências, na tentativa de desenvolverem outras vidas mais alegres e mais afetivas. Com a pesquisa fomentamos a necessidade de trabalhos científicos na área da GT e consequentemente o campo da psicologia com olhar voltado para as masculinidades, que possibilitaram práticas de cuidados para homens.

Palavras-Chave: Gestalt-terapia; Homem; Masculinidades;

ABSTRACT

This article presents the resonances of a final paper that questions the state of the art of Gestalt-therapy (GT) in the production of knowledge about men and masculinities. The method used was Narrative Literature Review, where three articles from Brazilian academic productions found in the period from 2015 to 2020 were analyzed. The GT is an existential-phenomenological approach that aims to help people, promoting an integral and holistic view, stimulating contact with you and others, awareness and self-support. Men and masculinities appear narrated in the articles in the process of change, moving to reframe their experiences, in an attempt to develop other, happier and more effective lives. With the research, we fostered the need for scientific work in the area of ​​GT and, consequently, the field of psychology with a focus on masculinities, which enabled care practices for men.

Keywords: Gestalt therapy; Man; Masculinities.

Introdução

A Gestalt-terapia (GT) é uma abordagem da Psicologia criada formalmente em 1951 com a publicação do livro Gestalt Therapy: Excitement and Growth in the Human Personality, escrito por Fritz Perls, Paul Goodman e Ralph Hefferline, nos Estados Unidos, esse evento marcou oficialmente a GT como acompanhamento psicoterapêutico. Ainda que inicialmente tenha na prática clínica seu principal contexto, a abordagem da GT pode ser aplicada em várias áreas da Psicologia como: atendimento em grupo, com família, com crianças, com idosos, e em diversificados contextos como: escolares, organizacionais, hospitalares entre outros (FRAZÃO, ROCHA, 2005; ESCH; JACÓ VILELA, 2019; FRAZÃO; FUKUMITSU, 2016).

Esch e Jacó-Vilela (2019) mencionaram num estudo sobre a história do início e do desenvolvimento da Gestalt-terapia no Brasil, que desde a década de 1970, houveram alguns poucos materiais produzidos em território nacional e que a partir dos anos 1980 e 90, houve uma pequena expansão das produções que colaborou em parte para a consolidação e ampliação dessa abordagem psicoterápica. Sentimos este efeito ao buscarmos na literatura nacional a respeito de homens e masculinidades e nos deparamos com escassez de produções quando relacionamos a GT.

Ao longo da graduação, estudamos sobre desenvolvimento humano, sobre aspectos psicológicos de mulheres que (vivenciaram e enfrentaram as mais variadas formas de adversidades), os problemas da infância e adolescência que afetam o seu desenvolvimento, as angústias com a chegada da “velhice”, os transtornos, dentre tantos outros aspectos psicológicos. Assistimos trabalhos de conclusão de curso maravilhosos sobre diversas temáticas, palestras ministradas por diversos estudiosos, entretanto sempre o que se estudava sobre o homem, este era usado como sujeito universal, para definir humanidade, ou no homem autor de violência, raramente se referia a sua saúde, no seu bem-estar ou até mesmo sobre como auxiliá-los para ressignificar e refletir sobre suas subjetividades.

Muito raramente ouvíamos discursos ou até mesmo produção científica na qual se apontava a visão do homem e sua subjetividade, angústias, potenciais, estratégias de enfrentamento de adversidades entre outros. Nós perguntávamos sobre os homens e as masculinidades, quando irão falar? Durante trabalhos acadêmicos tivemos uma curiosidade de pesquisa, atrelar cuidados e bem estar para homens/masculinidades conectado a Gestalt-terapia. Quando iniciamos a pesquisa, para nossa surpresa havia pouco ou, quase nada, com esse tema em artigos acadêmicos brasileiros. Esse tema ficou ruminando em nossas cabeças, até virar um desejo para um tema de TCC. Sendo assim, o objetivo deste artigo é identificar o que a GT tem produzido em relação ao tema de pesquisa, problematizando o que autoras/es têm dado sentido quando trazem homem e masculinidades em seus textos. Ou seja, antes de tratar a saúde e o bem-estar é preciso antes perguntar como é o homem apresentado nos trabalhos da Gestalt-terapia?.

Utilizamos como método a Revisão de Literatura Narrativa, que permitiu a seleção do referencial teórico, coleta e análise de dados de modo que possibilitou uma pesquisa mais fluída e em harmonia com os fundamentos da Gestalt-terapia (CORDEIRO et al., 2007; ROTHER, 2007), pois possibilita olhar tanto para o que está no campo da figura da pessoa (introjeções e, valores, emoções), sem deixar de buscar compreender o que também está no fundo (contexto atual em que figura aparece). Justificamos a escolha do tema Gestalt-terapia em relação à produção de conhecimento sobre homens e masculinidades”, devido à escassez de produções acadêmicas brasileiras que vinculam a Gestalt-terapia, homens e masculinidades. Nosso interesse é que haja fomento de estudos e pesquisas na comunidade científica gestáltica visando a divulgação deles. Para tal, caminharemos nos parágrafos desta justificativa por meio de questões reflexivas.

Como regamos o desejo pelo tema? Algo que sempre nos instigou antes mesmo do ingresso na universidade era como o homem, este sujeito generificado, gerencia o autocuidado, e o porquê de certa resistência a tais cuidados. Ao ingressar de fato no mundo acadêmico, a curiosidade acerca desta temática se amplia. Visto que durante a graduação nos deparamos com muitos estudos voltados para as mulheres. Em diversas abordagens e diversos contextos encontramos estudos de gênero, de saúde, bem-estar, violência (feminicídio) etc. Todos eles são necessários, e todos outros que ainda virão, pois são fundamentais para construção de conhecimentos e avanços científicos e sociais.

Entretanto, quando falamos em estudos específicos relacionados a homens, masculinidades, falamos de poucas publicações, poucos estudos. Quase sempre atrelado a uma visão específica, com uma questão fechada, como por exemplo, ao que se refere ao homem violento. As produções voltam-se para as medidas a serem tomadas como penas judiciais e as determinações são de caráter punitivos, desde cárcere privado a encaminhamentos para participação em grupos com intuito de terem uma “reeducação social” (LODETTI, 2018; PIMENTEL, 2010; SCOTT; DE OLIVEIRA, 2018). São produções que permeiam o homem como machista e como agressor (BRAZ, 2005). Sendo assim a questão dos homens e masculinidades foi nos remetendo a uma questão que estava passando despercebido. Nosso desejo ainda implícito vai crescendo como uma planta regada e fertilizada.

Como caminhar na pesquisa acadêmica, então? A inspiração para realizar a pesquisa em formato Revisão de Literatura Narrativa em repositório nacional, foi porque ela nos permitiu analisar nosso problema de pesquisa de modo qualitativo, de forma ampla e não rígida os diversos discursos atrelados à masculinidade e a GT. Preferimos então realizar a pesquisa com esse modelo metodológico pelo objetivo de encontrar através de uma varredura nos repositórios nacionais o que a abordagem da GT está falando sobre homem e masculinidades. Delimitamos o cenário brasileiro, a fim de encontrarmos produções nacionais em língua portuguesa, e, com isso, fomentar estudos da GT no Brasil.

Como analisamos o material encontrado? O estado da arte foi escolhido como técnica de levantamento de referências sobre conhecimentos já produzidos. Sendo assim, esse artigo busca responder a seguinte questão: Qual o estado da arte da Gestalt-terapia em relação à produção de conhecimento sobre homens e masculinidades?. E possui o objetivo de investigar o estado da arte da Gestalt-terapia, por meio da revisão de literatura narrativa, a produção de conhecimento sobre homens e masculinidades. Busca também analisar a produção acadêmica brasileira, na perspectiva teórica da Gestalt-terapia com relação às narrativas de homem(s), masculinidade(s). Identificar os sentidos do masculino e masculinidade no material pesquisado.

Os dados científicos encontrados na pesquisa trazem contribuições para área da Psicologia e para o desenvolvimento humano, pois auxiliará nos trabalhos voltados ao masculino merecedor de cuidado humano e assim abrir mais discussões para o cuidado e bem-estar. A identificação de produção científica sobre a temática da abordagem GT, possibilita a elaboração de proposições de trabalho que podem auxiliar no desenvolvimento de manejos psicoterapêuticos com homens.

Um livro muito importante para a nossa fundamentação teórica foi: “Gestalt e Gênero: configurações do masculino e feminina contemporaneidade”, organizado pelos conhecidos gestaltistas Frazão e Rocha (2005), um dos poucos trabalhos nessa temática no Brasil que já trazia a 15 anos as dificuldades relacionadas às pesquisas e a pouca produção de gêneros ligadas a GT. Para o nosso TCC usamos alguns capítulos dos importantes colaboradores (BORIS, 2005; ODDONE, 2005) que trazem análises pertinentes a nossa temática. Consideramos esse referencial essencial, é uma parcela significativa do que foi produzido nacionalmente com relação a GT e gênero.

Após os conceitos da Gestalt-terapia nós apresentaremos uma visão geral sobre masculinidade, diferenciando a masculinidade hegemônica e as masculinidades, ou seja, as novas formas de viver a masculinidade. A subjetividade masculina está em constante mudança na contemporaneidade. Também retomaremos a questão dos poucos estudos sobre masculinidades, e de como isso reflete os aspectos culturais, históricos de uma sociedade (CONNELL, 1995; BRAZ, 2005; BORIS, 2005; ODDONE, 2005; CONNELL; MESSERSCHMIDT, 2013; MEDRADO; LYRA, 2014; VALE, 2018). Marcamos com firmeza a noção que a masculinidade não é fenômeno único e nem imutável, e que o nosso interesse é analisar como os homens e suas diversas formas de existir e viver estão nos estudos da GT com olhar voltado para as masculinidades. Por fim, apresentamos nossas análises e discussões dos artigos selecionados.

Gestalt-terapia: passado e presente

Neste espaço falaremos sobre as fundamentações teóricas que dão sustentação às análises da pesquisa realizada. Os conceitos estão distribuídos em diversos artigos, teses, livros, que exultam os caminhos metodológicos, filosóficos e desenvolvimentais que a Gestalt-terapia percorreu desde sua fundação oficial em 1951, caminhos esses que estão a todo o momento engendrados em novas possibilidades a partir das diversas práticas psicoterápicas (ESCH; JACÓ-VILELA, 2019).

O alemão Friederich Salomon Perls foi um dos criadores da Gestalt-terapia, que nasce oficialmente nos EUA com a publicação do livro Gestalt-Therapy: excitement and growth in the human personality”, com a coautoria de Paul Goodman e Ralph Hefferline, devemos também lembrar de Laura Perls (MÜLLER-GRANZOTTO; MÜLLER-GRANZOTTO, 2012) que foi muito importante para o desenvolvimento e corporificação dessa abordagem. Com o nascimento dessa abordagem nos anos de 1960, em pleno movimento e contracultura norte-americano, a abordagem ganha notoriedade, pois o clima sócio-cultural proporciona o crescimento de correntes “libertárias” que não aceitam regras anteriormente estabelecidas. Já no Brasil a Gestalt-terapia chega na década de 1970, em meio ao período conturbado politicamente, onde vivenciávamos a ditadura militar e movimentos sociais importantes (ESCH; JACÓ-VILELA, 2019).

Um estudo recente de Esch e Jacó-Vilela (2019) sobre a chegada e desenvolvimento da Gestalt-Terapia no Brasil, aponta que desde a década em que a abordagem chega em território nacional pouco material tem sido produzido por diversos motivos, entre eles o fato de ser uma abordagem desconhecida e que ainda engatinhava como proposta psicoterápica. Nos anos seguintes, 80 e 90 a um pequeno crescimento das produções e de pesquisas que começam a ganhar forma no Brasil, consolidando a abordagem gestáltica. Porém muitos fenômenos ainda não passaram pelo olhar da Gestalt-terapia, ou ainda as vivências clínicas e em outros contextos psicoterapêuticos não foram objetos de estudo.

Tratando das bases epistemológicas, a abordagem da GT está apoiada nos pressupostos filosóficos da fenomenologia, humanismo e existencialismo. E firmada nas teorias de base: Teoria da Gestalt, Teoria de Campo de Kurt Lewin e na Teoria Holística Organísmica de Kurt Goldstein. Essas contribuições deram forma e uma metodologia de trabalho terapêutico (FRAZÃO; FUKUMITSU, 2013; RIBEIRO, 2012).

Os pressupostos filosóficos perpassam toda a metodologia da Gestalt-Terapia, um desses conceitos muito caro para Gestalt-terapia é concepção do aqui-agora, este sempre é requerido no atendimento terapêutico, pois convida a pessoa para viver no momento presente (físico-existencial), visto que cada momento é único, ou seja, uma experiência não é igual a outra, a cada encontro com o “outro”, é um novo momento. Mas esse presente é transversalmente afetado por nossas vivências e experiências anteriores (passado) e por nossa ideação do futuro (RIBEIRO, 2012). O HOMEM[1] é visto como um ser total e integral na Gestalt terapia, numa visão holística de corpo-ambiente. Não há nenhuma separação HOMEM-mundo, pois ele está imbricado em todas as suas ações, ele é um ser-no-mundo (RIBEIRO, 2006, 2012). Segundo Perls (1988, p.76), “A terapia gestáltica é uma terapia experiencial, mais que uma terapia verbal ou interpretativa”.

Auxiliar a pessoa reconhecer suas gestalten (configurações), ou seja, sua maneira de relacionar-se consigo mesmo e com o meio, tornando-o consciente através das suas experiências é um dos objetivos práticos da Gestalt-terapia uma abordagem existencial-fenomenológica, pois considera o ser em constante desenvolvimento, tendo potencial de enfrentar suas dificuldades (RIBEIRO, 2006, 2012; FRAZÃO; FUKUMITSU, 2013; MARTINS; MOREIRA; 2013). O corpo-consciência é trabalhado no “presente”, estão pautados na metodologia do contato da awareness (dar-se conta/conscientização) e fundamentados no princípio de que o HOMEM é um ser em relação (MARTINS; MOREIRA, 2013).

Vivemos uma temporalidade existencial (kairós), vivenciado pelas experiências, esse conceito é fundamental dentro da Gestalt-Terapia, essa possibilidade dá o sentido de existência no presente e dos movimentos do ser (RIBEIRO, 2006; MÜLLER-GRANZOTTO; MÜLLER-GRANZOTTO, 2012). Esse fluxo de mudança pode ser em direção ao descobrimento da pessoa com ela mesma, se reconhecer, e assim, reconhecer suas potencialidades geradoras de satisfação existencial (MARTINS; MOREIRA, 2013).

Muitos conceitos usados da Gestalt-terapia nos chamam para a realidade e adequação dela, possibilitando o crescimento da vida e maturidade emocional. Um deles é o conceito de responsabilidade, onde a pessoa é convidada a verificar na sua vida, o que a faz crescer ou não, e, dentro das suas possibilidades e que está ao seu dispor. A pessoa pode fazer uso dos seus recursos singulares, pois está consciente das suas necessidades numa atitude autônoma (FREITAS, 2009; RIBEIRO, 2006).

A awareness é outro constructo conceitual importante para a GT, pois ele é transversal à fenomenologia e ao existencialismo. Apesar de ser uma palavra de difícil tradução e compreensão devido aos diversos sentidos, na GT entende-se esse conceito como dar-se conta/conscientização, sendo caracterizada pela tomada de consciência do indivíduo de si como um organismo total, é uma presentificação, ou seja, estar presente no mundo (PERLS, 1977). É, portanto, um processo no qual os sentidos tais como percepção, emoções, sentimentos e pensamentos trabalham em conjunto para uma tomada de decisão que emergem no momento presente frente a uma situação, fazendo com que a pessoa se torne consciente da própria existência (RIBEIRO, 2006, 2012). Propiciando, assim, transformação, mudanças saudáveis e criativas. É uma relação de contato da pessoa com o mundo que gera mudanças e a capacidade de se perceber no momento presente, seja no âmbito intrínseco ou extrínseco, corporal ou mental possibilitando a pessoa desenvolver sua autonomia (RIBEIRO, 2006; FRAZÃO; FUKUMITSU, 2013; JOYCE; SILLS, 2016)

Como já mencionado anteriormente, a Gestalt-terapia tem forte raiz filosófica, sendo assim considera o HOMEM em relação com o mundo, esse organismo tem suas necessidades existenciais e, segundo Perls (Perls, 1977), a emergência de satisfação de uma necessidade é um fenômeno primariamente biológico, e, assim, se forma uma gestalt, uma figura, ou seja, uma necessidade que o organismo quer realizar. Em um dos seus seminários podemos verificar esse apontamento de Perls (Perls, 1977, p. 33), “A Gestalt-terapia é uma filosofia que tenta estar em harmonia, em acordo com tudo mais, com a medicina, com a ciência, com o universo, com aquilo que é”. Essa formação da gestalt (configuração) é base para o entendimento da Gestalt-terapia.

O conceito de figura-fundo complementa a Gestalt-terapia na prática, pois a figura é entendida como a necessidade existencial organísmica em fundo, que é contexto de vida da pessoa. Esse movimento de figura e fundo é dinâmico, fluido e fenomenológico a cada momento de nossa vida temos diferentes figuras que emergem da nossa existência (MÜLLER-GRANZOTTO; MÜLLER-GRANZOTTO, 2012), e a cada figura nós nos ajustamos para satisfazê-la . Caso essa necessidade não tenha sido resolvida[2] Anteriormente, essa figura pode reaparecer novamente, como situação que precisa uma atenção causando desconforto, frustração requerendo uma nova possibilidade de resolução para a situação (MARTINS; MOREIRA, 2013; RIBEIRO 2006, 2012).

O contato é um outro conceito chave para GT, também está atrelado aos outros conceitos já mencionados. Estar em contato consigo, com o outro e com o ambiente em um dado tempo, é além de experienciar o aspecto físico do toque, por exemplo, pois a palavra contato no português, pode ter o entendimento do contato físico, ou significado de comunicação. O contato na GT é experienciar vivências: agir, falar, sentir, pensar. Se a pessoa entra em contato com o outro,consegue contatar-se consigo. Nas relações no aqui e agora há contato, a pessoa está inteira para vivenciar o que acontece (awareness) em suas ações, falas, pensamentos e sentimentos. É permitir que algo novo surja nesse entre (eu-tu), uma novidade que pode ser ponto de crescimento existencial (RIBEIRO 2006; 2012).

A Introjeção é um outro ponto importante dentro da GT, são conteúdos, como por exemplo, ideias e hábitos que o indivíduo absorve do meio exterior sem processar ou interpretar de maneira singular e acaba por dificultar a identificação do que é do indivíduo e o que é introjetado do meio, que pode acarretar prejuízo no crescimento existencial e promoção da saúde e bem estar (GINGER; GINGER, 2015).

A abordagem da GT tem intuito que a pessoa se encontre com ela mesma, e defina a partir das suas reais possibilidades, resoluções as suas gestalten (configurações). Em outras palavras ela possibilita o impasse que é o ponto de crescimento existencial (FREITAS, 2009; PERLS, 1977; MARTINS; MOREIRA, 2013), a fim que a pessoa reconheça as suas necessidades existenciais criando auto-apoio, e saber que pode fazer muito mais por si, para promoção da sua saúde e bem estar, pois “amadurecer é transcender ao apoio ambiental para o auto-apoio” (PERLS, 1977, p.49)”.

Estudos de homens e masculinidades

Entender a masculinidade é entender as masculinidades, ou seja, uma gama de complexidades e engendramentos, pois é uma construção que passa pela cultura, pelas crenças, pela política, e por períodos históricos e por isso são diversas formas de vivê-las. Há uma inegável imagem de homem “forte” e “macho”, esse “ideário ilusório” pode causar inúmeros sofrimentos emocionais e afetivos para os homens que não alcançam esse estereótipo (BRAZ, 2005; BORIS, 2005; ODONE, 2005). Há um conceito chamado de masculinidade hegemônica, que se baseia em machismo, força, dominação, construção histórica e social. Já as masculinidades são baseadas nas diferentes formas de viver a masculinidade, formas essas que não são violentas ou tóxicas que não dependem exclusivamente da dominação, esse assunto ganhou certa relevância em estudos feministas e de gênero (CONNELL, 1995; CONNELL; MESSERSCHMIDT, 2013; VALE, 2018).

A construção da masculinidade é formada não só por características físicas e biológicas, as questões culturais, comportamentais, sociais e políticas de cada momento histórico interferem nessa questão. Braz (2005) aponta alguns fatores dessa construção que são fatores transversais a vida de homem tais como: ser forte, macho, viril, sem expor fraquezas, comportamento másculo, não mostrar emoções, protetor, provedor, reagir com violência, corajoso (BORIS, 2005; ODDONE, 2005).

Dentre esses fatores, Boris (2005) aponta em sua pesquisa realizada com diversos homens, os aspectos que estão ligados intimamente como uma construção de modelo patriarcal é incorporado por uma exigência sociocultural, que passa de pais para filhos como a independência, a imposição de limites no lar e o provimento da família que acabam interferindo nas relações, comportamentos bem como na construção do masculino e suas subjetividades e assim ser homem é um aprendizado entre pai e filho. O que acaba gerando conflitos e dificuldades não apenas com o sexo oposto, mas também intrinsecamente. Boris (2005), através das diversas narrativas e experiências de filhos sobre relacionamentos com seus pais aponta para uns novos modelos de paternidade, que envolvam mais carinho e afetividade e menos dureza e rigidez, evidente que carregamos marcas das nossas relações, aspectos construídos através dos séculos.

Vale ressaltar que ao voltarmos o olhar para todo, um contexto histórico nos deparamos com uma organização social que sofreu transformações. Milenarmente era uma organização social matrilinear, com o passar dos tempos a biologia mostrou a função do homem na concepção, consequentemente alterando a vida em comunidade. Posteriormente a vida em sociedade foi demarcada com uma organização patrilinear e juntamente com a valorização da força física foram se estabelecendo as primeiras representações da masculinidade. Ao exercer o papel da paternidade se apropriam dessa função para realizar códigos de dominação patrilineares, contudo essa conduta retirou de si a permissão de expressar como por exemplo as dores e os privilégios que eram da feminilidade. Por outro lado, a nova representação masculina tenta rever os aspectos relacionados com a sensibilidade e afetividade, constatando que a maternidade também é parte da construção da masculinidade (BORIS, 2005).

Ao tentar manter esse “ideal heróico” o custo alto pode ser o silenciamento dos sofrimentos vividos por esses homens, e isso gera fatores de risco, porque muitos acabam não buscando ajuda e cuidados para sua saúde. Essas questões somadas àquelas frases de senso comum “homens não choram!”, “homem vira criança quando está doente!”, inviabilizam acesso desse mundo masculino construído para ser uma “fortaleza sem brechas” (BORIS, 2005; ODDONE, 2005). Outro elemento importante aqui, que sempre ouvimos falar de institutos de saúde para mulheres e crianças e centros de referência para essa demanda, e ficamos felizes por esses espaços, porém é raro ouvimos falar de institutos de saúde/centros referência para homens, mas um fator somado para dificultar acesso desses homens a saúde (BRAZ, 2005).

Há uma dificuldade real e relatada de ter acesso a esse mundo masculino seja por clínicas, por troca de experiências em grupos por exemplo. Estereotipagem dos homens, cria um “ideal” do senso comum do que seja ser masculino, um caldo cultural que empurra a imagem da pessoa que não precisa de cuidado, ou aquele que não se cuida. Já é consenso que há uma maior morbimortalidade de homens, estes morrem mais e mais cedo e recorrem menos ao auxílio médico e outros serviços de ajuda (BRAZ, 2005). São criados desde pequenos para serem provedores e fortalezas emocionais e morais. Possibilitando a criação de vulnerabilidades física e psíquica, pois não permite o reconhecimento de sofrimentos, fraquezas (BORIS, 2005; ODDONE, 2005). O que pode agravar adoecimentos pois os homens têm dificuldades de buscarem ajuda, e quando buscam o quadro de adoecimento pode estar agravado. Por esses e outros motivos singulares que devemos fomentar o estudo e pesquisas com a temática masculina pois devemos prover igualdade de cuidado e de saúde para os gêneros. Esses modos hegemônicos de pensar a masculinidade podem ser tão prejudiciais que em últimos casos levam à morte muitos homens (BRAZ, 2005).

Pimentel (2011) considera em seu estudo sobre as masculinidades que os respondentes da pesquisa ainda marcam as diferenças biológicas e repetem a imagem do papel do homem provedor, aquele que tem que ser “macho”, aquele que faz coisas diferentes das mulheres, porém a uma quebra nesses pensamentos os processos das subjetividades. O pensamento da masculinidade aliada a um papel estereotipado ainda é forte e existe, a renovação dos processos de subjetividades masculinas hegemônicas ou não hegemônicas dependem de um conjunto de ações que tem como base a educação e os valores familiares que atuam nessa desconstrução do homem violento que reflete dentro de casa.

No decorrer dos processos históricos dos estudos sobre gêneros, ser “homem” é ser visto além das características biológicas, a famosa crise masculinidade é um processo que perpassou muitas décadas, decorrente grande parte das lutas feministas. Hoje muitos homens já assumem sua fragilidade e fraqueza sem usar a sua condição biológica para se impor. A feminilidade passa a ser incorporada às subjetividades masculinas. As identidades sociais, de gênero e sexuais na contemporaneidade não são únicas, nem imutáveis, elas são plurais (SILVA, 2000). Os estudos das masculinidades tornaram-se oportunidades muito graças aos olhares feministas e outros estudos de subjetividades de gênero anteriores, o qual nós partilhamos a ideia que é necessário superar as narrativas de homens “vilões” na relação de gênero. As subjetividades masculinas são plurais e mutáveis, e muito da cultura, da biologia, da política, e da história e dos outros campos transversais permeiam as construções das masculinidades (MEDRADO; LYRA, 2014; SUPRIMIDO).

Há uma abertura para as construções das diferentes masculinidades, para uma vida mais saudável e plena, quebrando barreiras do que é ser masculino. Homens que pensem e repensem suas vivências e busquem seus modos de vida socialmente mais justos e iguais entre os gêneros (BRAZ, 2005). Segundo Pimentel (2011) a família tem um papel importante na constituição das subjetividades, pois permite que a criança se desenvolva e fortaleça emocionalmente e afetivamente para formação de sua identidade, refletindo numa vida adulta mais saudável. Podemos dizer que temos que dar voz aos homens e dar vez às suas subjetividades, quais são seus sofrimentos? E suas potências? Como vivem e como vêm o mundo que os rodeia? Sendo assim dar relevância aos estudos sobre masculinidades é ter conexões para novos devires, cabe a nós missão de analisar as diversas narrativas considerando esse fenômeno diverso, múltiplo, que está em constante mudança (GAMA; LYRA, 2014; PIMENTEL, 2011).

Oddone (2005), no livro “Gestalt e Gênero: Configurações do masculino e feminino na contemporaneidade” relata em parágrafos a sua experiência com o público masculino, propondo contar uma coletânea de experiências (clínicas, grupos, workshops) com homens que procuraram atendimento durante sua experiência como psicoterapeuta, porém deixa evidenciado que isso é uma proporção menor comparada com as mulheres que procuraram atendimento psicoterápico. Ele faz um convite a reflexão da seguinte ideia comum ao nosso trabalho, qual é o jeito masculino de ser dos homens, ou seja, fronteiras de significantes que essas pessoas deram as suas experiências existenciais. Vale ressaltar que esse livro revela ainda hoje, após 15 anos de sua publicação, muito do que é pensado em termos de estereótipo e estigmas do masculino.

Concordamos com Oddone (2005) quando ele propõe que as questões de gênero devem ser vistas pelos diversos olhares dos conhecimentos e saberes: psicologia, da história, antropologia, política, biologia etc. Em suas pesquisas sobre os homens percebeu que grande parte dos estudos convergem em aspectos comuns: homens que escondem seus sentimentos, inseguranças, medos, fragilidades. Se escondem em uma imagem de fortaleza, segurança, do provedor, ou seja, a figura do protetor aquele que aguenta todos os revezes. Entretanto atrás e através dessa imagem os sofrimentos moram. Cita muitas outras questões que já foram relatadas anteriormente: homem não chora; homem viril; necessidade de ser racional; não pode demonstrar afetos; homem da conta e não pede ajuda; tem que ser agressivo, tem que demonstrar poder, força; tem que ser namorador e conquistador, entre muitas máximas criadas ao longo da história humana por diversas culturas e que se engendram em nossa atualidade.

Nas experiências com trabalhos de grupos de homens com base na Gestalt- Terapia Oddone (2005), contou as angústias vividas por homens que sofrem por ter que reafirmar essa imagem construída ou a falta de coragem para criar outras possibilidades existenciais, os sentimentos de abandono e de muitas vezes incompreensão, sem falar das questões com órgão genital o “falo”, tamanho, potência sexual ou a impotência sempre aparecem como angústias e demandas. Falou também de uma certa abertura dos grupos de se sentirem à vontade em falar entre pares, sentirem segurança em compartilhar suas questões em grupos psicoterápicos de homens. Oddone (2005), deixou uma série de questionamentos acerca do que é ser homem e do que é ser masculino acreditamos assim como ele que essas respostas estejam diversas nas narrativas, na vivência e na experiência consigo e com outro, com a GT podemos deixar esse fluir de novas atualizações das masculinidades.

 

Caminhos metodológicos

 

Os procedimentos metodológicos foram elaborados através da Revisão de Literatura Narrativa, também conhecida como revisão tradicional, que é um método de pesquisa que faz uso de fontes bibliográficas e/ou eletrônicos (CORDEIRO et al., 2007). Esta maneira de pesquisar permitiu analisar os artigos em repositórios acadêmicos, mesmo que esse número seja pequeno. Os discursos podem ser analisados de maneira aberta e não rígida sendo uma metodologia qualitativa, quando comparada a Revisão de Literatura Sistemática, visto que dá ênfase aos autores e aos seus pontos de vista para cada problemática. A Revisão de Literatura Narrativa apresenta limitações, assim como outros métodos de pesquisa, podendo conter vieses, e ser considerada uma pesquisa de menor abrangência (CORDEIRO et al., 2007; ROTHER, 2007). Por outro lado essa forma de pesquisa tem um forte conteúdo subjetivo que nos permite ver o que há de singular em cada trabalho, um procedimento favorável ao estado da arte, visto que permite discutir e analisar o desenvolvimento atual do assunto escolhido (CORDEIRO et al., 2007; ROTHER, 2007). A coleta de dados foi através do Portal de Periódicos da CAPES/MEC uma ferramenta que concentra artigos científicos/monografias e dissertações de várias bases de dados digitais em um único portal, tais como Scielo, PePsic e Bvs Psi.

Foram selecionadas as produções nacionais no período entre 2015-2020, focando assim em estudos recentes. Outro critério de inclusão foi artigos que tinham os descritores Homem, masculinidade e Gestalt-terapia ou no título e/ou no corpo do resumo. Foram excluídos os artigos que falam sobre o Homem como ser universal e que falam sobre o homem em outros contextos que não o da Gestalt-terapia.

As condições para realização dessa pesquisa foram favoráveis no que se refere ao acesso aos repositórios nacionais de artigos. A Revisão Narrativa de Literatura é um procedimento favorável ao estado da arte, visto que permite discutir e analisar o desenvolvimento atual do assunto escolhido (CORDEIRO et al., 2007; ROTHER, 2007). As condições desfavoráveis se referem a quantidade de artigos que contenham os descritores (homens/masculinidade, Gestalt-terapia).

Cabe ressaltar que a leitura da obra “Gestalt e Gênero configurações do masculino e feminino na contemporaneidade”, Lilian Meyer Frazão e Sérgio L.C. de O. Rocha, (2005) oportunizou reflexões relevante que colaboraram para a construção e entendimento desta produção, tal como a exigência sociocultural na construção do masculino, com as estereótipos sobre o masculino, introduzido e absorvido na sociedade bem como na literatura, e o jeito masculino de ser homem. Entretanto alguns capítulos que a priori pareciam ser relevantes à nossa produção foram descartados, por não terem relevância ao corpo desta produção estando portanto em dissonância com o objetivo de problematizar o estado da arte da GT sobre a produção de conhecimento sobre homens e masculinidades. Mas ressaltamos que esses estudos são importantes para outros estudos relacionados a gênero. Vale ressaltar que o nosso foco não é falar sobre as relações de gênero homem/ mulher - Masculino / Feminino.

Resultados e Discussão 

Foram três artigos encontrados nas bases de dados, com os descritores Gestalt-terapia, Homem e Masculinidades, no período de 2015 a 2020. O primeiro Artigo 01, relata o Trabalho realizado em Grupo existencial e de conscientização com homens, ligado a uma defensoria pública para oferecer espaço de contato e reflexão. Participaram homens que cumprem medidas alternativas de acordo com a Lei Maria da Penha (PIMENTEL, 2016). O Artigo 02, é um Estudo de caso de homem com disfunção erétil, usuário de uma Clínica Escola de Psicologia com atendimento fundamentado na GT, escapando da questão do homem e violência, (LOOS; PRADO, 2015). Por fim, o Artigo 03 é uma pesquisa recente que aborda os significados de ser pai na atualidade tendo como base teórica a GT (ALMEIDA; MAZZO, 2020). Ressalta-se que as autoras trazem no Artigo 03, que são mais de vinte anos atendendo os pais no contexto psicoterapêutico, o que nos leva a pensar na quantidade de homens e diversas masculinidades ao qual elas tiveram contato, bem como na ampla possibilidade de produzir conhecimentos científicos que se relacione a questões de gênero.

Os artigos apesar de serem estudos diferentes com temáticas diferentes, um Trabalho em grupo (01), um Estudo de caso (02), e uma Pesquisa (03), ambos trazem a busca pelo autoconhecimento e fortalecimento dos homens. Possibilitando um espaço de escuta e de fala, onde os homens podem falar das suas fragilidades, angústias e medos (LOOS; PRADO, 2015; PIMENTEL, 2016). Através da GT o dar-se conta (awareness) é fluido, há conscientização do eu, e do eu-no-mundo, ou seja, o contexto social, biológico e histórico que me cerca e me atravessa. No grupo de conscientização (Artigo 01) as temáticas passadas favoreceram o dar-se conta no que eles reproduzem socialmente. Envolve violência, preconceito, estigmas. Poderiam falar das suas histórias, suas narrativas e puderam refletir sobre elas (PIMENTEL, 2016).

No estudo de caso (Artigo 02) do homem com problema de disfunção erétil, houve a possibilidade da fala, sem constrangimento, sem julgamento social envolvido. O homem pode falar das suas dificuldades sexuais devido a um problema de saúde e de relacionamento amoroso, dizer das suas limitações e o que as introjeções, fantasias, ou a culpabilização de terceiros. Todos esses fatos baixavam sua autoestima e a confiança em si. Com o auxílio da GT foram trabalhados consciência de si, do seu corpo, fortalecendo sua confiança, autonomia (LOOS; PRADO, 2015). No final do artigo as autoras Loos e Prado (2015) apontam que desligamento voluntário da psicoterapia depois desses fatos aconteceu pois o homem conseguiu ter recursos de lidar com suas demandas sozinho já não precisando de acompanhamento. O estudo realizado por Loos, Prado (2015) com um homem, é importante para o desenvolvimento e aprimoramento no campo da abordagem gestáltica, pois possibilitou que narrativas masculinas fossem escutadas.

A pesquisa sobre a paternidade na atualidade (Artigo 03) com o referencial da GT e o método fenomenológico. Trabalhou com os pais e os significados que esses homens atribuem do que é ser pai na contemporaneidade (ALMEIDA; MAZZO, 2020). Almeida e Mazzo (2020) perceberam que o significado do que é ser pai hoje está em mudança, e essa mudança reflete nos discursos dos pais. Deixando de ser um modelo baseado somente em autoridade e rigidez. As categorias relacionadas ao significado de ser pai foram: responsabilidade, ser um pai melhor, proximidade e convivência, e afetividade.

O que foi averiguado é que os pais relatam a relação próxima e afetiva com os filhos, uma relação onde o que é importante é vínculo pai-filhos. Contudo a divisão de uma certa responsabilidade do homem e da mulher ainda se apresentam, ou seja, tem “coisas de mães e coisas de pais”, entretanto quanto maior o grau de escolaridade, há uma maior divisão de responsabilidade entre pais e mães com relação aos filhos. Almeida e Mazzo (2020) apontam para a emergência de mais estudos que demonstram essa realidade entre escolaridade e uma visão ampliada e compartilhada entre pais e mães no que se refere principalmente à criação dos filhos.

O importante nesse estudo são as múltiplas narrativas dos pais, esses homens estão em um movimento continuum de reflexão e de mudanças da sua experiência como pais e homens, sendo um estudo atual e explicativo, pois traz as possibilidades experienciais de homens e como esses se olham, e lidam com os filhos e esposas (ALMEIDA; MAZZO, 2020). Uma das características que chamou a nossa atenção na pesquisa sobre o significado de ser pai na atualidade foi o poder da palavra dada aos seis pais entrevistados, esses homens tiveram a oportunidade de verbalizar o que é para eles serem pai. Este número que ao primeiro olhar possa parecer ser pequeno é um avanço para as produções científicas baseadas nas falas masculinas. O que pode ir mudando com certas falas, pensamentos e atitudes cristalizadas e tão enraizadas que os homens não querem e não gostam de falar, não querem participar, de eventos que abordam algumas temáticas.

Ficou explícito no estudo aqui exposto que os participantes da pesquisa demonstraram interesse ao ponto de verbalizar que gostaram de falar e refletir sobre o assunto da paternidade (ALMEIDA; MAZZO, 2020). Porém além deste movimento ao qual a pesquisa trouxe relevância para a sociedade e para a comunidade científica, a pesquisa acaba reafirmando a concepção do papel do homem em nossa sociedade contemporânea como sendo provedor e não indo muito além desse estereótipo do que ser homem ou masculino como distinção entre sexo biológico. As autoras Almeida e Mazzo (2020) apontaram que as funções de ser pai na atualidade vem se transformando e ampliando para uma relação entre pai e filho com envolvimento e transformação.

Na pesquisa da Pimentel (2016) observamos o ser homem/masculino como o gênero agressor que age com possessividade. Ao analisarmos ficou evidente, que no contexto pesquisado sobressai estigmas e estereótipos que caracterizam. Porém houve abertura para as falas das angústias e medos, um movimento também se apresentou em direção à reflexão por parte dos participantes.

Então nos contextos pesquisados, nas relações que envolvem paternidade e cuidados, fica explícito o masculino como o provedor, nas relações conjugais como o possessivo e violento dando a entender de modo não explícito, mas nas entrelinhas a confirmação daquilo ao qual se propuseram a pesquisar, ficam as dúvidas. Como, não há possibilidade de refutação? apenas de confirmação? são realmente uma confirmação ou uma reprodução daquilo que está posto na literatura, no senso comum, nas produções repaginadas, porém repetidas. Onde entram os aspectos humanos, como o sentimento, e reduzindo o masculino a esses estereótipos. Na abordagem da GT a pessoa é compreendida holisticamente e, portanto, integral e para além de características isoladas que se articulam em uma totalidade do contexto ao qual está inserido, se vinculando portanto em aspectos como comportamento, emoções, relações culturais, sociais, espirituais dentre outras (AGUIAR, 2005).

As masculinidades e os homens que se apresentam nos três artigos são seres/organismos que estão em complexo e dinâmico movimento de ressignificar as suas vivências e suas escolhas, estão numa tentativa de desenvolverem outras vidas mais alegres e mais afetivas com suas/seus companheiras (os), filhos e filhas, pais e mães etc. Vivendo a sua singular masculinidade, atravessada sim pela cultura, política, costumes, preconceitos e estigmas ainda presentes. Contando com auxílio da Gestalt-terapia, que é uma abordagem que convida a pessoa para a vida com responsabilidade, e sem um cunho moralista que a culpabiliza. Homens são chamados para vislumbrar as possibilidades vivências que se apresentam, possibilidades que tragam bem estar e estejam coerentes com o que o ser deseja, o dar-se conta promove essa coerência desse organismo social que está imbricado no mundo.

Considerações Finais

As três pesquisas apontaram uma gama de masculinidades sendo construídas e atravessadas pelo contexto biológico, psicossocial, histórico e antropológico. Os homens que se apresentam nos três artigos tiveram a oportunidade de refletir e contar sua vida. Angústias, medos, dificuldades, preocupações, introjeções e fantasias. A GT como abordagem e a estratégia fenomenológica permite que os homens possam contar suas vidas e seja em grupo ou atendimento individual ou em uma pesquisa científica ela permite o dar-se conta das suas ações.

As mudanças podem ocorrer após esse pensar “sobre” ações, hábitos, costumes, criações, histórias, as masculinidades são vivenciadas de maneiras diferentes o estigma e as construções ao longo da história ainda refletem em algumas masculinidades. Porém com mudanças ocorrendo na humanidade, nas criações familiares, muitos homens estão se formando e criando seus filhos de maneiras distintas priorizando relações afetivas, amorosas, menos autoritárias e rígidas. Esses homens estão se permitindo viver suas fragilidades, mesmo que ainda em alguns contextos essa mudança ainda seja tímida no que refere mostrar sentimentos e emoções (LOOS; PRADO, 2015; PIMENTEL, 2016; ALMEIDA; MAZZO, 2020).

Pouco se publicou e pouco foram as pesquisas divulgadas e relacionadas ao homem e as masculinidades e GT, em nossas pesquisas nos deparamos com apenas três artigos publicados nos últimos cinco anos. Quais os reais motivos para tão poucas pesquisas e estudos? Será que os homens não procuram auxílio em psicoterapia? Será que os profissionais que atuam apoiados nesta abordagem não se deparam com o desejo de relacionar os conteúdos trabalhados sobre homem e masculinidades nas experiências clínicas? O que certamente traria um avanço para o desenvolvimento humano bem como para estudos relacionados a gênero. Essas e outras questões relacionadas a esse tema devem ser investigadas pelas futuras pesquisas fomentando estudos da Gestalt-terapia e da psicologia e das questões de gênero.

Conforme os artigos analisados, sobre o olhar do homem/masculino dentro de alguns contextos terem sido realizados por mulheres, e esta narrativa se trata de um levantamento do estado da arte da Gestalt-terapia sobre homem/masculinidades por outras duas mulheres. Não há perda no poder de fala dos homens/masculinos, falarem e analisarem por si próprio sobre essas temáticas, em um processo de evolução e compreensão do seu ser, abrem-se caminhos para indagações e reflexões, e por que não dizer de uma tomada de decisão para produzir sobre esse tema. Talvez esta busca ao qual nós mulheres que aqui debruçamos, tornem-se semente para florir esse caminho de indagações, reflexões, tomadas de decisões, tanto para os diversos homens/masculinidades como para os homens/masculinidades que estão inseridos no mundo científico, acadêmico e profissional da abordagem gestáltica, o que de fato contribuirá para novas pesquisas e estudos, servindo ao bem-estar dessa população.

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Fabia Graciela Marchi Maffezzolli

Correspondência: fgmmaffezzolli@gmail.com

Jaqueline Rodrigues

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David Tiago Cardoso

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Revista IGT na Rede, v. 22, nº 43, 2025, p.1-32 DOI 10.5281/zenodo.15859239
Disponível em
http://www.igt.psc.br/ojs ISSN: 1807-2526


[1] Usaremos HOMEM quando trazermos o sentido filosófico de humanidade para seguir a problematização sobre a Gestalt-terapia e as masculinidades.

[2] "Resolvida” aqui é no sentido das possibilidades reais que cada pessoa dispõe, ou seja, ajustamentos que a pessoa decide.