ARTIGO

O Corpo na Gestalt-terapia e em Sartre: A questão da consciência do sujeito no ajustamento psicótico

The body in Gestalt-Therapy in Sartre: The issue of the Subject's consciousness in psychotic adjustment

 

Marcelo Vinicius Miranda Barros*

UFBA - Universidade Federal da Bahia, Bahia - BA.

Endereço para correspondência

 


RESUMO

Objeto é investigar como a Gestalt-Terapia apreende a noção do corpo e, assim, dialogá-la com a fenomenologia-existencial de Sartre, tendo como foco o ajustamento psicótico, com a pergunta: poderemos discorrer sobre a psicose sem a necessidade da alienação da realidade por parte do sujeito psicótico? Para essa pesquisa usamos da metodologia bibliográfica, priorizando a bibliografia original. Assim, a metodologia da produção deste estudo ocorreu com a nossa reaproximação da filosofia de Jean-Paul Sartre. Por outro lado, valemo-nos do entendimento do conceito de organismo e função Id, da Gestalt-Terapia, a partir de obras e artigos dessa abordagem da psicologia. Seguindo um viés sartriano, concluímos que não é possível falar de consciência sem falar de corpo, já que é o corpo que nos situa no mundo, em uma perspectiva, dando também condições à intencionalidade da consciência. A partir disso consideramos ainda o corpo na Gestalt-Terapia, valendo-nos dos conceitos de organismo, função Id e do ajustamento psicótico, mostrando que o ser humano, em especial o dito psicótico, não se afasta do mundo real para viver a irrealidade, como muitas abordagens psicológicas e psiquiátricas afirmam, pelo contrário, ele se vale do real para produzir a irrealidade.

Palavras-chave: Corpo; Psicose; Gestalt-Terapia; Sartre.


ABSTRACT

The object is to investigate how Gestalt-Therapy apprehends the notion of the body and, thus, to dialogue with Sartre's existential phenomenology, focusing on psychotic adjustment, with the question: can we talk about psychosis without the need for alienation from reality by the psychotic subject? For this research we use the bibliographic methodology, prioritizing the original bibliography. Thus, the production methodology of this study occurred with our approach to the philosophy of Jean-Paul Sartre. On the other hand, we used the understanding of the concept of organism and function Id, of Gestalt-Therapy, based on works and articles of this approach to psychology. Following a sartrian bias, we conclude that it is not possible to talk about consciousness without talking about the body, since it is the body that situates us in the world, in a perspective, also giving conditions to the intentionality of consciousness. From that, we still consider the body in Gestalt Therapy, using the concepts of organism, Id function and psychotic adjustment, showing that the human being, especially the so-called psychotic, does not move away from the real world to experience unreality, as many psychological and psychiatric approaches claim, on the contrary, it uses the real to produce unreality.

Keywords: Body; Psychosis; Gestalt-Therapy; Sartre.

 

Introdução

O título de nossa pesquisa apresenta, dentre outros, um termo de difícil conceituação. Trata-se do "corpo", que está presente na história do pensamento desde, pelo menos, a Grécia Antiga, permitindo-nos inferir que a história da civilização se confunde com a história do corpo humano.

Assim, o entendimento é de que o corpo humano tem se destacado, e tem obtido vários significados, nas mais diversas áreas das ciências humanas, sociais e filosóficas. Nos séculos XX e XXI, o corpo se tornou objeto de estudos históricos, sociológicos, antropológicos, filosóficos e na psicologia. Daí nomes como Marcel Mauss, David Le Breton, Alain Corbin, Michel Foucault, Maurice Merleau-Ponty, Jean-Paul Sartre, Jean Piaget, Sigmund Freud, Judith Butler, Fabio Scorsolini-Comin e Katia de Souza Amorim; só para citarmos alguns. Cada um desses autores, a sua maneira, aponta a relevância do corpo, como o período sensório-motor, as reações primárias e as secundárias do corpo em Piaget; a questão do corpo libidinal e da sexualidade em Freud; a importância do corpo como mediador da intersubjetividade em Mauss e Le Breton; as questões psicossociais com a docilização dos corpos em Foucault; a relação corpo e gênero em Butler; as mutações das apreensões sobre o corpo em Corbin; a importância do corpo para deficientes e sua implicação psicológica em Scorsolini-Comin e Souza Amorim; o corpo como condição para se relacionar com o mundo em Sartre e Merleau-Ponty.

Seguindo essa esteira, o tema de estudo desta pesquisa é o corpo na perspectiva do filósofo francês Sartre e da Gestalt-Terapia, e como essa perspectiva se implica na questão da consciência do sujeito no ajustamento psicótico. Compreender as questões concernentes à dimensão corporal humana implica refletir ainda os aspectos da consciência. Os nomes de estudiosos mencionados a pouco não param de assinalar para as relações entre corporeidade e consciência. Pensar sobre esse tema é, portanto, alargar o entendimento sobre o ser humano enquanto consciência corporificada e não mais se restringir somente a uma psicologia voltada à consciência que coloca o humano como algo abstrato, fora da concretude do mundo, sem corpo, isto é, fora do entendimento existencial de ser-no-mundo.

A nossa hipótese, seguindo um viés sartriano, é que não é possível falar de consciência sem falar de corpo, já que é o corpo que nos situa no mundo, em um lugar, em uma perspectiva, ou, nos termos sartrianos, com o corpo nos engajamos no mundo e com os outros seres humanos, dando condição à intencionalidade da consciência que é um princípio de Husserl a partir do pensamento de Brentano que afirma que toda consciência é consciência (de) alguma coisa. A partir disso iremos considerar ainda o corpo na Gestalt-Terapia, valendo-nos dos conceitos de organismo, função "Id" e do ajustamento psicótico, mostrando que o ser humano, em especial o dito psicótico, não se afasta do mundo real (objetivo) para viver a irrealidade, como muitas abordagens da psiquiatria e até da psicanálise afirmam; pelo contrário, o sujeito do ajustamento psicótico se vale do real para produzir a irrealidade, ou seja, ele continua engajado no mundo, ou melhor, é um ser-no-mundo com toda a sua corporeidade.

Portanto, dentro dos limites da natureza deste trabalho, nosso objeto geral é investigar como a Gestalt-Terapia apreende a noção do fenômeno corpo e, assim, dialogá-la com a fenomenologia-existencial de Sartre, tendo como foco o ajustamento psicótico. Já no que tange aos objetivos específicos, é compreender a noção de corpo na Gestalt-Terapia e no existencialismo sartriano e estudar se o conceito de corpo faz interlocução com o conceito de ajustamentos psicótico.

Este trabalho tem relevância, por um lado, no que tange ao social ou à comunidade, a partir do entendimento de que trabalhar com o corpo ou auxiliar na percepção desse corpo, promoveremos saúde física e mental, já que aqui não se trata da dualidade cartesiana corpo e mente, haja vista que muitas das ditas doenças físicas na atualidade possuem fundos emocionais, psicológicos; por outro lado, ampliaremos a concepção de ser humano na psicologia, o que alarga e possibilita técnicas que englobe o corpo na psicoterapia com muito mais ênfase do que na atualidade, não sendo algo, de certa forma, secundário ou só restrito a algumas vertentes psicológicas, e, ao mesmo tempo, lidar na clínica com a queixa do cliente valorizando mais o desvelamento de sua expressão corporal, como seus sinais, seus gestos, sua entonação de voz, sua postura etc., já que a partir do corpo também se produz significações e identidades. Enfim, o corpo passa a ser meditado não apenas como suporte da consciência, mas como condição de uma constituição e desenvolvimento desta.

Para essa pesquisa usamos da metodologia bibliográfica, priorizando a bibliografia original e de comentadores. Assim, a metodologia da produção deste estudo se dará com a nossa reaproximação da filosofia de Jean-Paul Sartre, reinterpretação de suas obras e releitura e pesquisa de seus comentadores, para compreendermos os conceitos de consciência, intersubjetividade e corpo. Por outro lado, iremos nos valer do entendimento do conceito de organismo e função Id, da Gestalt-Terapia, a partir de artigos e obras dessa abordagem da psicologia. A finalidade é que essas releituras possam contribuir com as demandas estabelecidas no Objetivo Geral e nos Objetivos Específicos supramencionados.

 

O corpo na Gestalt-Terapia e em Sartre: um diálogo

De antemão, dentre outras definições, "a Gestalt-terapia é uma abordagem fenomenológico-existencial" (RODRIGUES; NUNES, 2010, p. 192), o que nos permite um diálogo coerente com a filosofia existencial de Sartre. Dito isso, poderemos seguir com nosso trabalho. Analisaremos, então, a seguinte afirmativa de Fritz Perls que, junto com Laura Perls e outros, desenvolveu a Gestalt-Terapia:

"as emoções são cognição. Longe de serem obstáculos ao pensamento, são produções únicas do estado do campo organismo/ambiente e não têm substituto; são a maneira pela qual nos tornamos consciência da adequação de nossas preocupações; a maneira como o mundo é para nós" (PERLS; HEFFERLINE; GOODMAN,1997, p. 213).

A partir dessa afirmação de Perls, Hefferline e Goodman, entendemos que a Gestalt-Terapia não atua somente com a fala, como também com os gestos, os olhares, as entonações da voz, em suma, com o corpo que desvela as emoções. "Em vez de expedientes do inconsciente, trabalhamos com o que está mais à superfície. A maneira como o paciente fala, respira, movimenta-se [...] para ele é óbvia [...] É precisamente no óbvio que encontramos a sua personalidade inacabada" (PERLS; HEFFERLINE; GOODMAN,1997, p. 36). A superfície a que Perls está se referindo é também aquela que se inscreve no corpo como vivências. Daí a importância do falar, do respirar, do movimentar do cliente não serem desprezados.

O francês David Le Breton, que é psicólogo, sociólogo e antropólogo do corpo – que apóia os seus estudos, dentre outras, na filosofia de Merleau-Ponty, em maior parte, e na filosofia de Sartre, em menor parte –, nos diz que "antes de qualquer coisa, a existência é corporal" (LE BRETON, 2012, p. 7). Se pudermos apreender, como quer Sartre, são do corpo que se difundem as significações que permitem a existência individual e coletiva (SARTRE, 2012). Ou ainda, como quer Perls, a superfície é aquela que se inscreve no corpo como vivências (PERLS; HEFFERLINE; GOODMAN,1997). Parafraseando Le Breton, "pela corporeidade, o homem faz do mundo a extensão de sua experiência [...] o corpo produz sentidos continuamente e assim insere o homem, de forma ativa, no interior de dado espaço social e cultural" (LE BRETON, 2012, p. 8).

Considerando o aspecto fenomenológico, a Gestalt-Terapia lida com as emoções também a partir da mobilidade corporal, já que não se trata, aqui, de uma separação entre corpo e consciência, ou, corpo e mente, isto é, ela lida com as emoções resultantes do contato organismo/ambiente. A questão da não separação corpo e mente pode ser mais bem evidenciada na afirmação de Perls, quando este diz criticamente que

"a divisão mais profunda, há muito arraigada em nossa cultura e, portanto, tida como certa, é a dicotomia mente/corpo: a superstição de que há uma separação, ainda que interdependente, de dois tipos de substâncias, a mental e a física" (PERLS, 1979, p. 17).

Dessa forma, para a Gestalt-Terapia, não temos um corpo, não temos um organismo, como se ele fosse algo apartado de nós e independente da nossa subjetividade. Isso trataria de uma abstração pura, o que é inconcebível na concretude da vida humana como entendida aqui, ou seja, "corpo e mente formam uma totalidade organísmica e não podem ser pensados separadamente – nem se sobrepor um ao outro" (ALVIM, 2016, p. 28). Para Perls o corpo é subjetividade: "nós somos organismos, nós (ou seja, algum misterioso eu) não temos um organismo. Nós somos a unidade total, mas temos a liberdade de abstrair muitos aspectos dessa totalidade" (PERLS, 1979, p. 17)1. Assim, "a Gestalt-Terapia considera o organismo uma totalidade mente/corpo [...] O corpo e a mente, assim como o ambiente, não são considerados de modo isolado" (ALVIM, 2014, p. 18).

Isso nos remete ao Sartre, quando este também critica a superstição da dicotomia entre mente e corpo, ou, psíquico e corpo. Partindo do conceito sartriano de Para-si, que é a consciência humana que realiza o desvelamento do mundo (Em-si), Sartre afirma: "o Para-si deve ser todo inteiro corpo e todo inteiro consciência: não poderia ser unido a um corpo [...] não há aqui ‘fenômenos psíquicos' a serem unidos a um corpo; nada há detrás do corpo. Mas o corpo é integralmente ‘psíquico'" (SARTRE, 2012, p. 388). Tanto Sartre quanto Perls se afastam da dualidade cartesiana mente e corpo. Poderemos, então, encontrar esse ponto de confluência entre o existencialismo sartriano e a Gestalt-Terapia.

Portanto, existência é corpo, nos termos de Sartre, ou, existência é organísmica, nos termos de Perls, mas isso no que se refere ao ser humano que é consciência corporificada, isto é, consciência encarnada. Entendido isso, precisamos, agora, adentrar um pouco mais no objetivo desta nossa pesquisa, a saber, a implicação do corpo na questão da consciência do sujeito no ajustamento psicótico. Porém, para isso, antes precisamos nos ater brevemente a respeito do que é o ajustamento psicótico.

 

O sujeito no ajustamento psicótico

A partir deste tópico iremos nos apoiar não somente em Perls, como também nos filósofos da psicologia Marcos José Müller-Granzotto e Rosane Lorena Müller-Granzotto, que são estudiosos da Gestalt-Terapia. Sendo assim, iniciamos com uma pergunta: o que é o sujeito no ajustamento psicótico, para Gestalt-Terapia? Uma das respostas é que "os sujeitos da psicose seriam funções de ato que não encontrariam, diante das demandas ambíguas [...] os correlativos indeterminados e virtuais correspondentes à função Id" (MÜLLER-GRANZOTTO; MÜLLER-GRANZOTTO, 2012, p. 143)2. A função "Id" abarca a sensação em relação ao que é dado no campo organismo/ambiente, como excitamentos ou como orientação afetiva para uma ação porvindoura, mas, para isso, "a função id envolve o corpo como um fundo de onde emerge a figura, o excitamento, [...] envolvendo sentimentos ainda incipientes entre organismo e ambiente" (ALVIM, 2011, p. 8), isto é, a função "Id" se caracteriza também como corpo. Com outras palavras, "o fato é que ela [função id] é uma função eminentemente corporal e sensória, está presente na consciência de modo vago e é responsável por dar a direção da ação motora no campo" (ALVIM, 2011, p. 8).

Portanto, o "Self"3 do sujeito em ajustamento psicótico não dá conta da demanda desorganizada que vem do outro. E por não lidar com essa demanda, ele "finda por se comportar de uma forma a criar um mundo que simule aquilo que [...] não encontra na sua função Id" (BARROS; DANTAS, 2017, p. 344), ou seja, aquilo que não encontra na sua "função eminentemente corporal e sensória". Os sujeitos nessa condição, então, "se ocupariam da realidade não apenas para responder às demandas da ordem da inteligibilidade social [...] mas também para simular aquilo que não encontram, exatamente, a função Id" (MÜLLER-GRANZOTTO; MÜLLER-GRANZOTTO, 2012, p. 143). Trata-se, portanto, de alucinações e fantasias extremadas. Assim, ao considerar o sujeito no ajustamento psicótico, estamos ponderando ainda a teoria da Gestalt-Terapia através dos autores supracitados, os quais afirmam que "as respostas psicóticas são precedidas por uma demanda social cuja característica é a ambiguidade marcante" (MÜLLER-GRANZOTTO; MÜLLER-GRANZOTTO, 2012, p. 147).

Mas, se considerarmos que as respostas psicóticas carregam uma demanda social, de alguma forma, então, poderemos discorrer sobre a psicose sem a necessidade da alienação da realidade por parte do sujeito psicótico? Veremos isso no próximo tópico.

 

A implicação do corpo na questão da consciência do sujeito no ajustamento psicótico

Aqui é o nosso objetivo mais central, que é tentar entender como é possível discorrer sobre a dita psicose sem a necessidade de se afastar da realidade por parte do sujeito psicótico. Esse entendimento se faz necessário, porque a Gestalt-Terapia pode ser entendida como a psicologia que fornece uma explicação fora dos modelos de algumas abordagens psicológicas, psicanalíticas e psiquiátricas que afirmam que o dito psicótico abandona ou tem uma perda da realidade e até a perda de certos estímulos externos.

O psicanalista Sigmund Freud, na sua obra "A Perda da Realidade na Neurose e na Psicose", volume XIX, nos diz que "na psicose a perda de realidade estaria necessariamente presente, ao passo que na neurose, segundo pareceria, essa perda seria evitada" (FREUD, 1996, p. 205). Ou seja, em uma psicose há um afastamento de uma fração da realidade. Com outras palavras, Freud ainda nos diz que na psicose haveria duas etapas:

"a primeira arrastaria o ego para longe, desta vez para longe da realidade [...] O segundo passo da psicose destina-se a reparar a perda da realidade, contudo, não às expensas de uma restrição do id, senão de outra maneira, pela criação de uma nova realidade que não levanta mais as mesmas objeções que a antiga, que foi abandonada" (FREUD, 1996, p. 231).

Mas, para alguns autores, "a conceituação mais usual da psicose é a psiquiátrica: uma pessoa é diagnosticada como psicótica quando perdeu o contato com a realidade e apresenta distúrbios na percepção, como alucinações" (SILVA, 2013, p. 2). Se nos referimos diretamente ao Manual de Diagnóstico e Estatística dos Transtornos Mentais, as "alucinações são experiências semelhantes à percepção que ocorrem sem um estímulo externo" (DSM-5, 2014, p. 87).

Só que a Gestalt-Terapia, contrariando todas essas perspectivas sobre a psicose, nos diz que o dito psicótico cria um mundo próprio para lidar com suas demandas, mas não há um isolamento desse sujeito do mundo. Primeiro, porque, como vimos, o ser humano é organismo/ambiente e não têm substituto, como afirma Perls (PERLS; HEFFERLINE; GOODMAN, 1997). Isto é, mesmo o sujeito dito psicótico, por ainda ser um humano, é "campo organismo/ambiente e não têm substituto; são a maneira pela qual nos tornamos consciência da adequação de nossas preocupações; a maneira como o mundo é para nós" (PERLS; HEFFERLINE; GOODMAN,1997, p. 213). Daí que, com efeito, mesmo no ajustamento psicótico, "o corpo é experiência vivida no campo, compreensão que se aproxima da ideia fenomenológica de corporeidade" (ALVIM, 2016, p. 28).

Então, por mais que o sujeito delire, alucine, ele ainda é um organismo/ambiente, e essa articulação organismo e ambiente é a maneira como o mundo é para ele, como o corpo é para ele enquanto experiência vivida. Na perspectiva de Sartre, sujeito é ser-no-mundo, ele não pode se afastar do mundo; ao contrário, é no/pelo mundo que ele age e é o que é: um ser humano. Isso "advém necessariamente da natureza do Para-si [consciência humana] o fato de que ele seja corpo, isto é, que seu escapar nadificador ao ser seja feito em forma de comprometimento no mundo" (SARTRE, 2012, p. 392). Assim, o corpo é o que compromete o sujeito no mundo, até porque sujeito é corpo, ou, no dizer de Perls, sujeito é organismo, ou melhor: ele tem como base de orientação a função "Id" que é ainda corpórea e sensória, portanto, agora na afirmação de Sartre, "assim, dizer que entrei no mundo, que ‘vim ao mundo' ou que há um mundo, ou que tenho um corpo, é uma só e mesma coisa" (SARTRE, 2012, p. 402). Corpo e mundo são uma só e mesma coisa.  Mas não nos resumiremos a isso, vamos analisar melhor a função Id e o que esse conceito tem a nos dizer a respeito disso também.

"O sujeito dito psicótico não ignora o mundo real, não ignora os contatos com outras pessoas; na verdade, é a partir dessa relação com outras pessoas e com as coisas no mundo que ele significa ou ressignifica, de forma própria, tudo ao seu redor; é o seu jeito de tentar entender os fatos que lhe rodeiam; é a sua forma de ser-no-mundo" (BARROS; DANTAS, 2017, p. 344).

Numa palavra, se o sujeito do ajustamento psicótico não ignora os contatos com os outros, isso comunga ainda com o entendimento de que

"a concepção gestáltica de corpo também não se limita à dimensão física [...] de um corpo biológico [...]. Considera, também, a vitalidade do corpo, sua condição de organismo vivo com uma natureza que tende ao equilíbrio, se ajusta e comunga com outros organismos de tendências, por assim dizer, universais" (ALVIM, 2016, p. 28).

Também compreendemos que é como alucinações que há uma busca de se ajustar frente a uma função "Id" que está desorganizada. Tal sujeito não ignora de fato a realidade, pois se utiliza dela para ser-no-mundo, ou, nos termos da Gestalt-Terapia, operacionaliza seu "Self" de maneira singular, isto é,

"os sujeitos servem-se da realidade – ou de aspectos dela – como se assim pudessem suprir a expectativa dos interlocutores em torno daquilo que está além da realidade. Noutras palavras, os sujeitos das formações alucinatórias, delirantes e identificatórias buscam na realidade o que haveria de substituir a virtualidade demandada na interlocução" (MÜLLER-GRANZOTTO; MÜLLER-GRANZOTTO, 2012, p. 158).

A Gestalt-Terapia afirma que é um engano admitir que a alucinação se refira à falsa percepção da realidade. Ao contrário,

"trata-se de uma maneira de dispor das percepções e de todas as representações sociais que compõem a realidade, como se elas pudessem ser consideradas de modo independente do contexto geral em que emergiram originalmente" (MÜLLER-GRANZOTTO; MÜLLER-GRANZOTTO, 2012, p. 159).

Aqui, ao fazermos mais um paralelo entre a Gestalt-Terapia e a filosofia existencial de Sartre, vemos novamente que não se trata de um paralelo arbitrário4, pois, segundo o existencialista, ainda para que haja a ação de imaginar, fantasiar, delirar e até alucinar, é necessário que a consciência5 não se desloque da realidade, que a consciência não se afaste da realidade, pelo contrário, é preciso que a tal consciência se volte para o real, apesar dela ter a liberdade de negá-lo. É certo que a consciência para produzir um objeto imaginário, precisa negar a realidade desse objeto, ao negá-la ele se distancia da realidade. "Colocar uma imagem é constituir um objeto à margem da totalidade do real, é manter o real a distância, liberta-se dele – numa palavra, negá-lo" (SARTRE, 1996, p. 239).

Contudo, Sartre, ao discorrer sobre a negação do mundo ou da realidade, não quer dizer que o sujeito psicótico está se distanciando de fato da realidade, mas, sim, que

"a liberdade da consciência não deve ser confundida com arbitrário. Pois uma imagem não é o mundo negado, pura e simplesmente, ela é sempre o mundo negado de um certo ponto de vista, exatamente aquele que permite colocar a ausência ou a inexistência de um determinando objeto que será presentificado" (SARTRE, 1996, p. 240).

Ou seja, não se nega o mundo ou o estímulo externo, mas é sempre o mundo negado a partir de uma perspectiva, de um recorte. Sartre dá, como exemplo, o centauro. O centauro jamais poderia aparecer como irreal, se a posição do real fosse arbitrária. Para que o centauro aparecesse como irreal, ou como uma imaginação, seria rigorosamente necessária que o mundo apreendido em questão fosse um mundo como mundo-onde-não-há-centauro (BARROS; DANTAS, 2017), isto é, a apreensão do mundo deve ser um lugar onde o centauro não tenha existência de fato (SARTRE, 1996), pois o centauro, sendo uma imaginação, é um ser inexistente. Em outras palavras:

"a posição arbitrária do real como mundo não poderia de modo algum fazer aparecer neste momento o centauro como objeto irreal. Para que o centauro apareça como irreal, torna-se rigorosamente necessário que o mundo seja apreendido como mundo-onde-não-há-centauro, e isso só poderá ser produzido se as diferentes motivações conduzirem a consciência a apreender o mundo como sendo precisamente de tal modo que o centauro não possa ter lugar nele" (SARTRE, 1996, p. 240-241).

Compreendemos que em Sartre é possível afirmar que, portanto, a condição essencial para que uma consciência possa imaginar é que ela esteja "em situação no mundo" ou que ela se configure como ser-no-mundo. É ser-no-mundo, apreendida como realidade concreta, que convém como estímulo para a composição de um objeto irreal. Em suma, a imaginação (Figura) só é possível sobre um mundo (Fundo) e em relação com esse mundo ou com esse Fundo (SARTRE, 1996). Dessa forma, a Função Id descrita pela Gestalt-Terapia, ou esse Fundo, é que é condição para o sujeito estar-no-mundo. E, assim, entendermos esse engendramento como figura-fundo.

Nessa esteira, tem-se a psicose como um ajustamento, considerando a relevância da Função "Id", que, como vimos, tem como atributo a concepção do fundo de excitamentos e que, nesse caso, não exerce sua ação pela qual o sujeito dito psicótico se "orientaria". Assim, "alucinamos, deliramos e identificamos, nos dados materiais presentes em nosso campo de relações, possíveis representantes daquilo que nossos excitamentos haveriam de ser" (MÜLLER-GRANZOTTO; MÜLLER-GRANZOTTO, 2008, p. 11).

Neste ponto, portanto, apreendemos que o sujeito dito psicótico submerge em um mundo imaginário próprio, já que é ele mesmo que cria um mundo, pois nos ajustamentos psicóticos, o "Self" inventa, "junto aos dados na fronteira de contato – a história que ele não pode reter ou espontaneamente arranjar" (MÜLLER-GRANZOTTO; MÜLLER-GRANZOTTO, 2008, p. 11). Tal fronteira de contato é o ajustamento de alguém em contato com outra pessoa ou com certa situação (GINDER; GINGER, 1995).

 

Conclusão

O sujeito dos ajustamentos do tipo psicótico não dá conta da demanda, exigindo-o que preencha lacunas por meio das alucinações, ou seja:

"nesses casos, a função de ego atua como se estivesse a preencher, por meio de alucinações de toda ordem (auditivas, visuais, cinestésicas e verbais, como as logolalias e as ecolalias), a inexistência dos excitamentos com os quais poderia responder ao apelo do semelhante na fronteira de contato" (MÜLLER-GRANZOTTO; MÜLLER-GRANZOTTO, 2008, p. 14).

Porém, vimos que nem por isso o tal sujeito foge da realidade objetiva, pelo contrário, ele se vale da realidade para produzir o irreal. Se o centauro que ele cria existisse de fato na realidade, obviamente ele não estaria delirando, mas sim constatando que o centauro existe objetivamente. Para que se possa produzir o irreal é preciso, mesmo que ontologicamente (Para-si), o sujeito tenha consciência do real. Por exemplo, o dito psicótico que se diz ser o rei de Roma para dar conta de sua demanda, só diz que é tal rei, porque na realidade ele não é o rei de Roma, pois caso ele fosse esse rei, seu delírio ou alucinação se desvaneceria frente à realidade: não é possível alucinar com algo ou situação, se esse algo ou situação de fato existe.

"Por isso que a filosofia fenomenológica-existencial, de Sartre, afirma que, por exemplo, para que o centauro apareça como irreal, torna-se rigorosamente necessário que o mundo seja apreendido como mundo-onde-não-há-centauro, e isso só poderá ser produzido se as diferentes motivações conduzirem a consciência a apreender o mundo como sendo precisamente de tal modo que o centauro não possa ter lugar nele" (SARTRE, 1996, p. 240-241).

Do mesmo modo, a Gestalt-Terapia também afirma que:

"os sujeitos servem-se da realidade – ou de aspectos dela – como se assim pudessem suprir a expectativa dos interlocutores em torno daquilo que está além da realidade. Noutras palavras, os sujeitos das formações alucinatórias, delirantes e identificatórias buscam na realidade o que haveria de substituir a virtualidade demandada na interlocução" (MÜLLER-GRANZOTTO; MÜLLER-GRANZOTTO, 2012, p. 158).

O sujeito dito psicótico vive em um mundo de falta de sentidos, ou melhor, onde seu Fundo precisa ser preenchido, tendo que ser compensado com fantasias e alucinações. Ele inventa histórias contra as perdas e a incapacidade de compreender as demandas. Entretanto, é evidente que ele não tem conhecimento disso, realmente ele acredita que tais histórias são reais, senão, não se trataria de uma psicose, mas sim de um fingimento. Daí a importância de relembrarmos que, para Sartre, a consciência não é sinônimo de conhecimento, é a dimensão de ser transfenomenal do sujeito (SARTRE, 2012). Posso ter consciência afetiva, por exemplo, mas nem por isso posso necessariamente conhecer ou saber realmente do que se trata tal afeto, só sei que o sinto por ser consciência desse afeto (trata-se da Intencionalidade da consciência). A Gestalt-Terapia também afirma que "o processo de ‘awareness' [consciência] não pode produzir um tipo de saber explícito, reflexivo" (ALVIM, 2014, p. 15).

Além disso, sabemos também que se o ser humano é corpo, nos termos de Sartre, ou, que se o ser humano é organismo, nos termos de Perls, e que possui uma função Id que é também corpórea, como visto na Gestalt-Terapia, tal humano mesmo no ajustamento psicótico, não perde a realidade, já que ele é ser-no-mundo, e o corpo – assim como o organismo e a função "Id"compromete, engaja o humano no mundo. Numa palavra, sejamo-nos ou não sujeitos no ajustamento psicótico, de qualquer maneira temos um ponto de vista ou perspectiva que é a nossa forma de ser-no-mundo, então, "essa orientação no mundo, todo esse ordenamento tem como referência o meu corpo. Essa perspectiva refere-se ao centro do campo, e aquele centro é o meu corpo" (MORRIS, 2009, p. 126). Assim, a tal perda da realidade seria a perda do corpo, o que, aqui, ecoaria como absurdo. Portanto, a Gestalt-Terapia não se volta para uma perda da consciência (não há um inconsciente ou perda da realidade), mas sim:

"para a ampliação da 'awareness' [ampliação da consciência], um trabalho que visa, pela reintegração mente-corpo, o resgate da possibilidade expressiva de gesticulação espontânea na relação com o mundo e o outro" (ALVIM, 2011, p. 4).

Por fim, em suma, é também se afastando da superstição da dicotomia mente/corpo, como afirmou Perls (PERLS, 1979), havendo ainda uma reintegração mente-corpo, nas palavras de Alvim (ALVIM, 2011), é que podemos falar de uma ampliação da consciência ("awareness") e, portanto, inserir o sujeito do ajustamento psicótico em uma melhor relação com o outro e com o mundo.

 

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NOTAS:

* Marcelo Vinicius Miranda Barros – Mestrando em Filosofia pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Especialização em Psicologia Existencial Humanista e Fenomenológica. Graduação em Psicologia pela Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS). Membro do GT de Filosofia Francesa Contemporânea, da Associação Nacional de Pós-Graduação em Filosofia (ANPOF). Integrante do grupo de pesquisa "Fenomenologia e Existencialismo", da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), pela CNPq. Fez parte da equipe editorial da Revista Ideação do Núcleo Interdisciplinar de Estudos e Pesquisas Em Filosofia - NEF/UEFS. Foi editor-chefe da Revista Sísifo de divulgação filosófica. Atua principalmente nas seguintes áreas e temas: Filosofia Contemporânea, Filosofia Social, Filosofia da Psicologia, Teoria do Reconhecimento, Existencialismo, Fenomenologia, Corpo e Subjetividade.
1 Adendo: também Laura Perls – que ajudou a fundar a Gestalt-Terapia – já colocava em questão o corpo: "Laura desenvolveu a questão do suporte corporal para o contato e a atenção cuidadosa aos campos organismo/ambiente e social" (FRAZÃO, 2013, p. 16).
2 Grosso modo, "a função Id diz respeito aos hábitos motores e linguageiros formados no passado e que retornam, na atualidade, como excitamento, como orientação afetiva para as novas ações" (INSTITUTO GRANZOTTO DE PSICOLOGIA CLÍNICA GESTÁLTICA, s/d, s/p, s.n.t.)
3 Aqui, para sermos mais precisos, nos voltamos à "função ego [que] é a ação mesma, desempenhada por nosso corpo atual, de ajustamento criador do passado junto às possibilidades de futuro abertas pela atualidade material do meio em que estamos inseridos" (INSTITUTO GRANZOTTO DE PSICOLOGIA CLÍNICA GESTÁLTICA, s/d, s/p, s.n.t.).
4 "A visão que a Gestalt-terapia tem a respeito do homem é de forma muito semelhante ao existencialismo, ou seja, como um ser particular, concreto, com vontade e liberdade pessoais, consciente e responsável. Considera também que a consciência é viva, livre, intencional e orientada para as coisas" (RIBEIRO, 1998, p. 37).
5 No existencialismo sartriano, consciência não é sinônimo de conhecimento. É a dimensão de ser transfenomenal do sujeito. Então se faz necessário abandonar a primazia do conhecimento, para fundamentar a consciência sartreana. Isso não impede a consciência de conhecer. Se o conhecimento é também fenômeno da consciência, a consciência não pode reduzir-se ao conhecimento (BARROS; DANTAS, 2017). Como diz Sartre, também nem toda consciência é conhecimento, "há consciências afetivas, por exemplo" (SARTRE, 2012, p. 22).

 

Endereço para correspondência
Marcelo Vinicius Miranda Barros
Endereço eletrônico:marcelovmb@gmail.com"

 

Recebido em: 07/10/2020
Aprovado em: 13/11/2021