ARTIGO

A Psicoterapia "online" em Gestalt-Terapia: Vantagens e desvantagens

Online psychotherapy in Gestalt-Therapy: Advantages and disadvantages

 

Anne Katherine Felix Severino*

IGT - Instituto de Gestalt-terapia (Indivíduo, Grupo e Família), Rio de Janeiro- RJ.

Endereço para correspondência

 


RESUMO

O presente artigo discute sobre o atendimento psicológico "online" em Gestalt-terapia, discutindo sobre suas vantagens e desvantagens. A discussão é feita com base no resultado de um questionário "online" sobre as experiências e percepções da prática do atendimento "online", que foi respondido por vinte e seis Gestalt-terapeutas, entre outubro e dezembro de 2019, que já atuavam nesse período realizando atendimento psicológico por meio "online"

Palavras-chave: Terapia "online"; Virtual; Terapia; Gestalt; Vantagens; Desvantagens; Psicoterapia "online".


ABSTRACT:

This article discuss about online psychological care by Gestalt-therapist, discussing its advantages and disadvantages. The discussion is based on the result of an online questionnaire about the experiences and perceptions of the practice of online care and which was answered by twenty-six Gestalt-therapists, between October and December 2019, who already worked in this period providing psychological care through online medium.

 

INTRODUÇÃO

Desde de Novembro de 2018, até a data do início de elaboração deste artigo, estava em vigor a Resolução CFP Nº 11/20181 que "regulamenta a prestação de serviços psicológicos realizados por meios de tecnologias da informação e da comunicação".

Esta normativa marca a autorização do Conselho Federal de Psicologia ao atendimento psicoterapêutico "online" por psicólogos, pois antes dela - Resolução CFP nº 11/2012 - o psicólogo podia fazer atendimento psicoterapêutico "online" apenas em caráter de orientação psicológica (limitado ao total de vinte encontros) ou para clientes que momentaneamente não pudessem estar presentes no atendimento presencial.

A resolução de novembro de 2018 parece acompanhar o constante crescimento do uso da internet como ferramenta de troca e cada vez presente na realidade de uma boa parcela da população brasileira facilitando, inclusive, as trocas que antes poderiam ser limitadas pela distância ou pelo espaço.

Além disso, por meio da internet tem se mostrado possível a construção de relações como de amizade, relações afetivas, de trabalho e de consumo, entre outras. Então, por que não poderia haver a possibilidade da construção de uma relação terapêutica por meio "online"?

"O acesso à internet nos possibilitou ampliar vários limites, sendo o principal deles: o físico. Podemos ter acesso a pessoas de todo o mundo, nos relacionar com elas por voz, texto ou videoconferência, conversar, divertir, jogar, criar vínculos, fazer amizades, namorar, fazer sexo "virtual", aprender, trocar, agredir, machucar e se machucar, cometer crimes, etc.; temos acesso a informações variadas de quase tudo, nos formatos de textos, imagens e vídeos; podemos realizar atos virtuais considerados legais como: pagar contas, realizar compras, contratar, consultar, acessar contas de bancos, etc. Enfim, podemos fazer quase tudo que poderíamos fazer fora dela, e tudo isso sem sair de casa ou em qualquer lugar e a qualquer hora" (BASSO, 2016, p. 275).

Na minha prática profissional, mesmo com a autorização do Conselho de Psicologia em 2018, tive um pouco de resistência e muitos questionamentos sobre como seria o atendimento psicológico "online" em Gestalt-terapia, já que na minha percepção, o atendimento "online" traz grandes mudanças no todo. Como por exemplo: mudanças no contato, na forma que se enxerga o cliente (já que, muitas vezes, não é possível ver o corpo inteiro nesta modalidade de atendimento), na forma na qual o cliente chega até o consultório, além de imaginar ser mais difícil trabalhar experimentos por meio virtual.

Depois de iniciar os atendimentos "online", devido a uma grande demanda que surgiu nas minhas redes sociais profissionais, pude perceber que meus questionamentos e preocupações faziam e ainda fazem sentido, já que, por ser uma prática atual, há pouco material para usarmos de referência e base e para podermos discutir e trocar sobre o tema. 

Porém, pude notar também que minha forma inicial de pensar era em como reproduzir o atendimento presencial no atendimento "online" e não em como construir novas práticas nessa modalidade de atendimento.

Ou seja, eu não estava me permitindo entrar em contato com aquela prática, segundo a definição de contato de Perls, Hefferline e Goodman (1951, página 44 e 45): "[...] o contato não pode aceitar a novidade de forma passiva, ou meramente se ajustar a ela, porque a novidade tem que ser assimilada. Todo contato é ajustamento criativo do organismo e ambiente".

E então, eu me via enrijecida e travada, justamente por querer espelhar o atendimento presencial no "online", e não assimilar e experienciar por completo o que a nova prática pode trazer e ensinar e me ajustar criativamente a ela.

Ao pesquisar sobre o assunto, notei que ainda existem poucos artigos produzidos e publicados no Brasil sobre o atendimento psicológico "online" voltados para a Gestalt-terapia e como é uma modalidade de atendimento que vem crescendo atualmente, mostra-se necessário ampliar as discussões, trocas e produções científicas sobre o assunto.

E essa pouca produção científica na nossa abordagem, já foi apontada por Teresinha Mello da Silveira há mais de vinte anos e parece permanecer ainda hoje:

"De fato, os Gestalt-terapeutas ainda não aprenderam a mostrar sua prática de maneira mais fundamentada sem perder a riqueza que é a demonstração vivencial (por isso, foi feita a apresentação de um caso como uma possibilidade de síntese). Insista-se, pois, na importância de examinar meticulosamente os pressupostos da abordagem, a fim de que se torne evidente a sua consistência e coerência. Não se trata aqui de um jogo de poder, mas do reconhecimento de que há riscos de uma corrente que tem um enorme respeito pelas diferenças e peculiaridades individuais, num mundo massificador e impessoal, tornar-se uma falácia" (1997, p. 25).

Assim, pelos motivos acima mencionados: a partir da minha dificuldade e curiosidade sobre o atendimento "online" em Gestalt-terapia e a pequena quantidade de material já produzido sobre ele no Brasil, escolhi esse assunto para abordar nesse artigo e trabalho de conclusão de curso (TCC) da especialização em Gestalt- terapia no Instituto de Gestalt-terapia e Atendimento familiar, com objetivo de entender como esse trabalho vem sendo feito por outros Gestalt-terapeutas brasileiros e quais as principais vantagens e desvantagens que vem sendo percebidas.

 

METODOLOGIA

Para alcançar o objetivo proposto, inicialmente, busquei artigos em português (Brasil) que falassem de Gestalt-Terapia e atendimento psicológico "online".

Pesquisei em sites como "Google Acadêmico", "Scielo", "Pepsico" e "IGT na Rede", pela palavras-chave associadas: "Gestalt e "online"", "Gestalt e Virtual", "Gestalt e Orientação "online"", "Gestalt e atendimento "online"', "Gestalt e Internet", "Gestalt e Psicoterapia "online"".

Nessa pesquisa, achei apenas um artigo em português, publicado depois da Resolução CFP Nº 11/2018, sobre o atendimento "online" (Artigo: "Constituição do vínculo terapêutico em psicoterapia "online": Perspectivas Gestálticas", de autoria de Gabriela Moreira de Faria, publicado em 2019).

Com essa dificuldade de achar artigos sobre o tema, surgiu a vontade de entrar em contato com outros Gestalt-terapeutas - que já realizam atendimento "online" - e aproximar-me de suas percepções e experiências nessa prática. Para isso, elaborei um questionário "online" através do "Google forms" (ferramenta do "Google" gratuita para elaboração de questionários e formulários).

Nesse questionário criei tanto questões de múltipla escolha, como discursivas para conhecer o perfil desses profissionais e dar espaço para que pudessem falar mais de suas práticas, vivências e experiências com o atendimento "online".

Assim, no total foram formuladas as quinze questões abaixo:

  1. Qual a sua idade?
  2. Qual a sua cidade e Estado de atuação?
  3. Em qual ano você se formou na graduação?
  4. Atualmente, você atua com as duas modalidades de atendimento (presencial e "online")?
  5. Há quanto tempo realiza o atendimento psicológico "online" (incluindo o período antes da nova resolução, chamada de orientação psicológica "online")?
  6. Qual(is) o(s) seu(s) público alvo de atendimento "online"?
  7. Qual tipo de atendimento "online" você realiza?
  8. Quais aplicativos ou sistemas você utiliza para o atendimento "online"?
  9. Por que você decidiu realizar o atendimento "online"?
  10. Quais as principais vantagens/facilidades que você vê no atendimento "online"?
  11. Quais as principais desvantagens/dificuldades que você vê no atendimento "online"?
  12. Como você trabalha a linguagem corporal no atendimento "online"?
  13. Quais diferenças você vê no trabalho com o corpo comparando o atendimento "online" e o atendimento presencial?
  14. Você costuma fazer experimentos no atendimento "online"? Quais?
  15. E para finalizar, na sua opinião, como fica a relação terapêutica no atendimento "online" em comparação ao atendimento presencial?

Elaborei também, um termo de consentimento livre e esclarecido (Anexo I), explicando o objetivo do questionário e dando todas as informações necessárias para os respondentes.

Feito isso, com o questionário e termo prontos, disponibilizei-os para receber respostas no período de 16 de outubro de 2019 a 06 de dezembro de 2019.

A forma de coleta foi: primeiramente, eu entrei em contato com minha rede de colegas Gestalt-terapeutas e de grupos de Gestalt-terapia no "Whatsapp", de onde obtive algumas respostas e também de onde surgiu uma nova rede, pois esses psicólogos indicaram outros colegas e esse movimento ampliou o alcance de pessoas. O texto do convite enviado era:

"Olá, tudo bem?

Você está sendo convidado para responder o questionário: O atendimento "online" do Gestalt-terapeuta, que tem por objetivo colher informações sobre o trabalho do psicólogo, mais especificamente o Gestalt-Terapeuta, no atendimento "online".

Os dados coletados serão utilizados no desenvolvimento do trabalho de conclusão de curso de Especialização em Gestalt-terapia, no Instituto de Gestalt-terapia (IGT), da Psicóloga Anne Katherine Felix Severino (CRP 05/51.635), sob orientação do psicólogo Marcelo Pinheiro da Silva (CRP 05/16.499), além de futuros trabalhos e artigos científicos sobre esse tema a serem utilizados pelo grupo de pesquisa sobre o atendimento "online" do mesmo instituto (IGT).

O tempo estimado para conclusão do questionário é de aproximadamente 15 minutos.

Segue link do questionário:

Link do questionário

Agradecemos desde já a sua participação e apoio à pesquisa."

Depois dessa primeira coleta, enviei também em páginas do Facebook sobre Psicologia ("Indica Psico", "Gestalt", "Rede de atendimento em Psicologia"), a mensagem abaixo:

"Boa tarde,

Estou em busca de GESTALT- TERAPEUTAS que façam ATENDIMENTO "ONLINE" e que possam responder um questionário "online" para meu TCC sobre o assunto."

Algumas pessoas se disponibilizaram a responder e receberam por "e-mail" ou por "WhatsApp" o mesmo convite enviado aos outros contatos, já mencionado acima.

Assim, até a data de encerramento do questionário, foram recebidas vinte e seis respostas diferentes de psicólogos que se denominam Gestalt-terapeutas e que considerei o suficiente para esse trabalho inicial.

A partir disso, ao longo do artigo irei apresentar as respostas de duas formas: o perfil desses profissionais através de gráficos de "pizza" com dados como faixa etária, local de atuação, tempo de formação e tempo que atende "online" para entendermos quem são esses profissionais que responderam o questionário.

Em seguida, apresentarei as respostas específicas sobre a experiência no atendimento "online" e irei observar e analisar quais termos surgem mais vezes e quais respostas mais aparecem e representá-las graficamente em formato de gráfico de barras.

Junto a essa representação gráfica, irei discutir sobre essas respostas e conversar com a literatura pertinente da abordagem, a fim de entender como os gestalt-terapeutas têm atuado no atendimento "online", quais são suas percepções, práticas e quais as principais vantagens e desvantagens que enxergam nessa modalidade de atendimento.

Após essa discussão, farei minhas considerações finais sobre tudo que foi apresentado.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Perfil dos participantes

Figura 1: Local de atuação

Gráfico de "pizza" representando as respostas da pergunta: "Qual a sua cidade e estado de atuação?" 73,1% dos psicólogos que responderam são do Rio de Janeiro, seguidos de 19,2 % de São Paulo, e 3,8% são tanto de Porto Alegre, assim como 3,8% são de Itaperuna.

O primeiro dado sobre os profissionais que responderam o questionário (figura 1) já chama atenção: 73,1% são psicólogos do Rio de Janeiro e esse perfil geográfico faz muito sentido se pensarmos que boa parte das respostas vieram da minha rede de contatos, próximos geograficamente. Futuramente ampliar esse trabalho para profissionais do Brasil inteiro pode trazer perspectivas e práticas diferentes e ampliar o olhar sobre o tema.

Figura 2: Faixa etária

Gráfico de "pizza" representando as respostas da pergunta: "Qual a sua idade?" 56% dos participantes têm entre 31 e 39 anos, seguido da faixa etária entre 40 e 49 anos (20%). Já 16% dos participantes têm entre 50 e 59 anos e apenas 8% têm entre 25 e 30 anos.

Outro dado do perfil dos psicólogos que responderam a pesquisa é que 56% têm entre 31 e 39 anos, e somando essa faixa etária aos 8% que tem entre 25 e 30 anos, temos 64% dos respondentes com idade entre 25 até 39 anos. Já os outros 36% têm acima de 40 anos. E esse é um dado interessante que pode nos fazer questionar se a idade dos profissionais interfere ou não na disponibilidade de iniciar os atendimentos de forma "online".

Talvez, a familiaridade com a tecnologia pode ser um facilitador nesse sentido e é possível que as gerações mais novas e que tenham contato mais frequente, e desde cedo, com as ferramentas e tecnologias "online", tenham também uma disponibilidade maior de iniciar com os atendimentos "online", porém não encontrei na literatura referências nessa direção.

Figura 3: Ano de formação

Gráfico de "pizza" representando as respostas da pergunta: "Em que ano você se formou?" 50% dos profissionais se formaram entre 2010 e 2019, seguidos de 26,9% de psicólogos que se formaram entre 2000 e 2009. 15,4% formaram-se entre 1995 e 1999. Já 3,8% se formaram em 1983 e 3,8% não lembram.

Outro dado nessa mesma direção, refere-se ao ano de formação na graduação desses profissionais (figura 3) no qual 50% formaram-se entre 2010 e 2019, o que também pode nos levar a refletir se ter uma formação mais recente, acompanhando o crescimento dos serviços "online" por psicólogos, pode servir como uma menor resistência ao atendimento psicológico "online", porém novamente aqui, não encontro referência na literatura para corroborar essa reflexão.

Além disso, é importante olharmos também sobre como o tema do atendimento psicoterapêutico "online" aparece na formação acadêmica dos psicólogos.

Eu, por exemplo, fiquei na graduação (na Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ) de 2009 a 2014 e nesse período, não lembro de trocas e debates sobre o assunto, nem em disciplinas obrigatórias e nem mesmo nos estágios no Serviço de Psicologia aplicada da universidade.

Apenas na minha inserção na área clínica, em 2017, e a partir da procura por parte dos próprios clientes, comecei a conhecer e pensar nessa possibilidade do atendimento psicológico "online".

Depois, em 2018, quando estava fazendo minha especialização em Gestalt-terapia no Instituto de Gestalt-terapia e atendimento familiar (IGT), soube que esse instituto tinha uma linha de pesquisa chamada: "Possibilidades e limitações da internet como instrumento facilitador do desenvolvimento humano" e através dela, pude entrar em um grupo de estudos e pesquisa sobre Psicologia "online".

Essa minha experiência também é corroborada por Adelia Pimentel:

"É importante aludir já que, nos cursos brasileiros de graduação em Psicologia oferecidos por universidades públicas temos sobre a clínica em meios virtuais, apenas atividades curriculares optativas integradas aos projetos pedagógicos. Portanto é imprescindível à realização de pesquisas para qualificar o manejo clínico em meio virtual" (2017, p. 227).

Vale destacar que a minha experiência na graduação e o artigo citado retratam um período anterior à Resolução CFP n⁰ 11/2018 e agora, com a aprovação da psicoterapia "online" pelo Conselho Federal de Psicologia, torna-se cada vez mais importante incluir discussões e estudos sobre o tema na formação acadêmica dos psicólogos.

Figura 4: Tempo no qual realiza atendimento psicológico "online"

Gráfico de "pizza" representando as respostas da pergunta: "Há quanto tempo realiza o atendimento psicológico "online" (incluindo o período antes da nova resolução, chamada de orientação psicológica "online")?" Com 26,9% das respostas temos três períodos diferentes: psicólogos que atuam "online" de 0 a 6 meses, de 6 meses a 1 ano e de 1 a 2 anos, seguidos de 11,5% que atuam de 2 a 5 anos e 7,7% que atuam há mais de 5 anos.

Um dado também interessante sobre os psicólogos participantes desta pesquisa, refere-se ao tempo em que realizam atendimento psicológico "online", pois somado os períodos, 53,8% começaram a realizar esse tipo de atendimento há até um ano e visto que essas respostas foram recebidas entre outubro e dezembro de 2019, coincide com o momento em que a Resolução CFP n⁰ 11/2018 também completava um ano em vigor, o que mostra que a maioria desses psicólogos começaram sua prática "online" a partir dessa normativa.

Porém, é possível notar também que 46,1% desses psicólogos já atuavam "online" de alguma forma antes da normativa de 2018 (de 1 a mais de 5 anos), o que pode demonstrar que essa prática já se mostrava possível e viável nos seis anos em que a Resolução CFP n⁰ 11/2012 estava em vigor com o atendimento "online" em caráter experimental e que a Resolução CFP n⁰ 11/2018 pode ter regularizado algo que já era praticado por alguns profissionais.

A experiência e a prática "online"

Figura 5: Modalidades de atendimento que realiza

Gráfico de barras representando as respostas da pergunta: "Atualmente, você atua com as duas modalidades de atendimento (presencial e "online")?" 26 dos respondentes (100%) atuam nas duas modalidades de atendimento e nenhum atua apenas de forma "online".

Referente às modalidades de atendimento é interessante notar que depois de um ano da Resolução CFP n⁰ 11/2018, nenhum dos psicólogos que responderam que atuavam apenas de forma "online", todos conciliam essa modalidade com o atendimento presencial. Esse dado talvez seja explicado por essa modalidade de atendimento ser uma prática ainda em reconhecimento e em crescimento pelos profissionais e em esteja em fase de construção e adaptação pelos mesmos.

Figura 6: Tipo de atendimento que realiza

Gráfico de barras representando as respostas da pergunta: "Qual tipo de atendimento "online" você realiza?" 81,8% dos profissionais responderam que realizam apenas o atendimento síncrono e 19,2% realizam tanto atendimento síncrono, quanto assíncrono. Nenhum psicólogo respondeu que realiza apenas o atendimento assíncrono.

Uma informação que chama atenção no resultado do questionário é sobre o tipo de atendimento realizado (figura 6), no qual 100% dos psicólogos atendem de forma síncrona - atendimento em que cliente e psicólogo precisam estar "online" ao mesmo tempo, como por telefone e chamadas de vídeo. E apenas 19,2% atendem também de forma assíncrona (mas nenhum exclusivamente dessa forma) - atendimento esse que não necessita que o profissional e cliente estejam "online" ao mesmo tempo, como por exemplo por e-mail ou mensagem de texto.

Esse dado pode sugerir que o atendimento assíncrono seja um desafio ainda maior para nós, gestalt-terapeutas, assumirmos como prática, pois nele, a troca não é ao mesmo tempo e além disso, requer uma atenção plena a pontos como linguagem escrita, tom de voz e suas nuances e não a linguagem corporal e as expressões faciais dos clientes, como podemos estar mais habituados.

Figura 7: Público-alvo do atendimento "online"

Gráfico de barras representando as respostas da pergunta: "Qual(is) o(s) seu(s) público(s) alvo de atendimento "online"'?" 100% dos profissionais que responderam atendem adultos e desses, 15,4% atendem também adolescentes. Nenhum dos psicólogos atendem crianças ou idosos.

Outro dado interessante, é referente a nenhum psicólogo participante atender idosos ou crianças de forma "online" (figura 7), e essa informação talvez demonstre uma dificuldade dos psicólogos em adaptar essa modalidade de atendimento a esses públicos.

No caso de idosos, é possível que a não familiaridade com tecnologia desse público seja um empecilho e que também não haja tanta demanda.

Porém, no caso das crianças, dependendo da faixa etária, essa familiaridade com a tecnologia já costuma existir e olhar para o que pode estar travando os Gestalt-terapeutas no atendimento psicológico a elas, é importante.

Talvez, pelo trabalho com crianças ter muito do lúdico e precisar da criatividade do psicólogo, pensar nele de forma "online", sendo uma prática recente e que estamos em adaptação, seja mais difícil.

Porém se uma linguagem do público infantil é o brincar e hoje muitas delas já estão brincando por meio "online", em "tablets", games, computadores e celulares, talvez esse seja um caminho viável de comunicação com elas também na psicoterapia "online".

"[...] o brincar irá se configurar como uma forma de linguagem entre terapeuta e paciente, facilitando a expressão e a comunicação. Em muitos casos é possível perceber a projeção que a criança faz de si, do seu meio ou de cenas que vivenciou nas brincadeiras e demais atividades que ocorrem no espaço terapêutico" (BORSTMANN, BREUNIG e MACEDO, 2018, p 83).

Talvez, uma maior apropriação dessa prática - do atendimento "online"- pelos gestalt-terapeutas pode fazer diferença e ajudar no ajustamento criativo para a atuação com crianças e idosos, pois como afirma Zinker (2007):

"Na terapia, "brincar" significa transitar pelos limites extremos do literal, inventando contextos absurdos para situações que hipnotizam por sua pobreza. Brincar significa ganhar vida, experimentar o outro com vivacidade no olhar" (p.54).

Figura 8: Aplicativos e sistemas utilizados:

Gráfico de barras representando as respostas da pergunta: "Quais aplicativos ou sistemas você utiliza para o atendimento "online"'?" O "Skype" aparece em 80,8% das respostas sendo que em 30,8% aparece sozinho como único aplicativo utilizado, e em 38,5% acompanhado pelo "Whatsapp" que é o segundo aplicativo mais citado (em 57,7% das respostas.). Outros aplicativos como o "Zoom", "hangouts" aparecem também, mas em apenas 3,8% das respostas.

Sobre os aplicativos utilizados, o "Skype" se destaca aparecendo em 80,8% das respostas, e segundo a descrição o site do próprio, o "Skype" é:

"Um 'software' que permite conversar com o mundo todo. Milhões de pessoas e empresas usam o 'Skype' para fazer chamadas de vídeo e voz gratuitas entre dois usuários, bem como chamadas em grupo, enviar mensagens de 'chat' e compartilhar arquivos com outras pessoas no 'Skype'. Você pode usar o 'Skype' no dispositivo que preferir: no celular, no computador ou no 'tablet'. O 'Skype' é gratuito para baixar e é fácil de usar (2020).

O "Skype" parece trazer muitas vantagens, já que a maioria dos seus serviços são gratuitos e muitas pessoas já o conhecem e utilizam, porém, uma desvantagem é que até a elaboração desse artigo, na política de privacidade do aplicativo, a empresa dona do "Skype" ("Microsoft") afirma poder usar dos dados pessoais para alguns objetivos:

"A 'Microsoft' coleta dados de você, por meio de nossas interações com você e por meio de nossos produtos. Você fornece alguns desses dados diretamente, enquanto alguns deles obtemos ao coletar dados sobre suas interações, uso e experiências com nossos produtos. Os dados que coletamos dependem do contexto de suas interações com a 'Microsoft' e as opções que você escolhe, incluindo as suas configurações de privacidade e os produtos e recursos que você usa. Também obtemos dados sobre você de terceiros (2020).

Já o "WhatsApp", aparece em 57,7% das respostas, e segundo o site da empresa:

"Mais de 1 bilhão de pessoas, em mais de 180 países usam 'WhatsApp' para manter contato com amigos e familiares, em qualquer hora, em qualquer lugar. O 'WhatsApp' é grátis e disponibiliza serviços de mensagens e chamadas de uma forma simples e segura. Está disponível em telefones celulares ao redor do mundo todo (2020).

O "WhatsApp" apresenta uma vantagem muito grande se pensarmos que, atualmente, boa parte das pessoas de todo o mundo tem esse aplicativo instalado e já o utilizam diariamente. Ele pode ser usado para chamadas de voz, vídeo e mensagens de texto e de forma síncrona ou assíncrona, inclusive podendo ser usado para agendamentos e troca de outras informações sobre os atendimentos.

Além disso, na política de privacidade do aplicativo, a empresa afirma não ter acesso ao conteúdo trocado entre seus usuários: "Todas as mensagens e chamadas são protegidas pela criptografia de ponta a ponta. Assim, ninguém – nem mesmo o ‘WhatsApp' – pode ouvir ou ler o conteúdo das suas conversas com amigos e familiares".

Porém algo pode ser uma desvantagem nesse aplicativo é a impossibilidade de fazer chamadas de vídeo pelo "WhatsApp Web", no computador, sendo possível apenas por meio do celular ou "tablet".

Vantagens do atendimento "online"

A partir das respostas relacionadas ao motivo de atender "online" do questionário (figura 9) já podemos notar alguns pontos relevantes em relação às vantagens do atendimento "online" na percepção dos Gestalt-terapeutas.

Figura 9: Motivo de atender de "online"

Gráfico de barras representando as respostas da pergunta: "Por que você decidiu realizar o atendimento"online"?" 53,8% das respostas apontam que a razão de iniciar o atendimento "online" se deve a uma demanda do cliente, seguida de 38,5% que apontam a necessidade de ampliar mercado e alcançar mais pessoas. 11,5% dos psicólogos citaram a vontade de mudança de país e poder continuar atuando na clínica.

Inicialmente, é possível notar uma semelhança nas razões que levaram esses psicólogos a iniciar essa modalidade de atendimento: Primeiro, a demanda do cliente e esse dado já pode nos fazer refletir sobre o porquê desse cliente está demandando esse tipo de atendimento: talvez por economia de tempo e custo, ou por já estar conectado virtualmente em suas outras formas de se relacionar no mundo e poder buscar essa conexão no atendimento psicológico "online" também.

Independente do motivo, essa já pode ser vista como uma vantagem do atendimento "online": ter demanda e procura para essa modalidade de atendimento e como diz Milton Nascimento em Bailes da Vida, e meu orientador Marcelo Pinheiro sempre cita: "Todo artista tem de ir aonde o povo está.", e se os clientes estão ali demandando essa modalidade de atendimento, nós psicólogos estamos ocupando esse espaço na mesma proporção?

O segundo motivo mais citado pelos psicólogos para atender "online" é ampliar mercado e atingir mais pessoas. Essa se mostra uma grande vantagem do atendimento "online", pois a internet rompe as barreiras físicas de comunicação e é possível atender pessoas em qualquer lugar do mundo, além de podermos ter contato com outras culturas e essa possibilidade pode ser uma experiência muito rica e de grande aprendizado pessoal e profissionalmente.

Além disso, como também foi mencionado nas respostas, o próprio psicólogo, nessa modalidade, tem a liberdade de se mudar e manter trabalho clínico com os clientes que já tinha antes de forma presencial, que se mostrem disponíveis a experienciar a psicoterapia "online", e manter a clínica em funcionamento, sem precisar esperar a burocracia de alugar/comprar e regularizar um novo espaço e conseguir novos clientes.

Já apenas com o atendimento presencial essa vantagem não aparece, pois seria necessária a transição dos pacientes antigos para outro profissional e esperar para organizar um novo consultório e achar novos clientes na nova localidade, e sendo em outro país essa dificuldade poderia ser ainda maior.

Figura 10: Vantagens do atendimento "online"

Gráfico de barras representando as respostas da pergunta: "Quais as principais vantagens/facilidades que você vê no atendimento"online"?" 50% das respostas citam que a vantagem é poder atingir mais pessoas, seguidas de 46,2% que citam a vantagem de não necessitar de deslocamento e facilidade de logística. 26,9% citam o conforto e qualidade de vida possibilitada por essa modalidade de atendimento e 23,1% mencionam o menor custo para o psicólogo.

Outra vantagem mencionada (figura 10), é a de tanto o psicólogo, quanto o cliente não precisarem se deslocar para as sessões. Essa é uma vantagem que traz economia de tempo, um bem cada vez mais precioso para todos, além de talvez poder diminuir o número de atrasos e faltas pelo trânsito ou problemas com transporte público, muito comuns aqui no Rio de Janeiro, por exemplo.

Além disso, talvez o cliente possa ter a liberdade de ter outros critérios para escolher seu psicólogo, não precisando ser uma prioridade que a localização seja perto da sua residência ou do seu trabalho.

O conforto e a qualidade de vida do psicólogo também aparecem como vantagem, tanto pelo motivo de não precisar se deslocar, caso atenda de casa, como pela segurança de atender à noite, por exemplo e poder ampliar a faixa de horário na qual atende, já que estará em casa quando terminar.

E pensando que somos nosso próprio instrumento de trabalho, uma qualidade de vida melhor pode influenciar na qualidade da nossa presença nos atendimentos e assim influenciar positivamente na relação terapêutica.

Mais uma vantagem percebida, é o menor custo financeiro e essa vantagem vale tanto para psicólogo, quanto para o cliente. Este último por não gastar com o deslocamento e para o psicólogo porque além de não precisar também ter esse gasto, quando atende em casa, economiza com sublocação/aluguel e as demais contas do consultório.

Já sobre a relação terapêutica (figura 12), ela é percebida pela maioria dos psicólogos que responderam o questionário (76,9%) como algo que é mantido no atendimento "online" e como Gabriela Faria fala em seu artigo:

"[...] o vínculo terapêutico em psicoterapia "online" é construído por meio de posturas de amor, cuidado, interesse e atenção do terapeuta para com seu cliente que despertem nele a confiança necessária para expressar-se sem medo. Além de disponibilidade para o encontro genuíno a cada sessão, da escuta atenta e do compromisso com o processo de quem está diante dele, através do estudo do caso da pessoa e busca por constante aprimoramento como terapeuta" (2019, p. 88).

Figura 11: Relação terapêutica

Gráfico de barras representando as respostas da pergunta: "Como fica a relação terapêutica no atendimento "online" em comparação ao atendimento presencial?" 76,9% dos psicólogos dizem que a relação é igual e que não veem diferença., já 19,2% citam que a relação terapêutica "online" é mais distante, fria ou evasiva.

Então, apesar de todas as diferenças que o atendimento "online" traz, ele também possibilita, caso o gestalt-terapeuta tenha uma postura cuidadosa e interessada no cliente, a construção de uma relação terapêutica baseada confiança, fundamental para um processo terapêutico potente.

Já em relação à linguagem corporal (figura 12), algo que é possível notar como vantagem vista pelos gestalt-terapeutas da pesquisa é a possibilidade de uma percepção e atenção maior às expressões faciais, que como ficam em destaque na câmera podem ser olhadas com maior cuidado e dali serem tiradas informações e observações importantes sobre o cliente no momento. Como também diz Adelma Pimentel:

"Em se tratando de movimento corporal, no atendimento em meio virtual, no modo síncrono a forma de sentar, posicionar o tórax, a cabeça, as expressões faciais são indicadores para o gestalt-terapeuta ampliar a compreensão do mundo existencial e da expressão subjetiva do cliente" (2017, p. 228).

Figura 12: Linguagem corporal

Gráfico de barras representando as respostas da pergunta: "Como você trabalha a linguagem corporal no atendimento "online"?" 34,6% dos psicólogos citam as expressões faciais, seguida de 23,1% que relata uma dificuldade ou que não conseguem trabalhar a linguagem corporal no "online".19,2% mencionam pedir para que o cliente mude a posição da câmera, 15,4 falam de perceber os gestos e 11,5 mencionam a respiração.

 

Desvantagens do atendimento "online"

Ao olhar para as desvantagens do atendimento psicológico "online", a partir das respostas do questionário, é possível notar algumas dificuldades percebidas pelos Gestalt-terapeutas:

Figura 13: Desvantagens do atendimento "online"

Gráfico de barras representando as respostas da pergunta: "Quais as principais desvantagens/dificuldades que você vê no atendimento "online"?" 53,8% mencionam como desvantagem depender da conexão de internet, já 34,6% citam não poder visualizar o todo do corpo do cliente nesta modalidade. 26,9% apontam a dificuldade de realizar experimentos, 15,4% sentem falta do toque e contato físico e 7,7% mencionam como desvantagem não poder usar essa modalidade para atender emergências e uma preocupação com o sigilo.

A primeira desvantagem bastante citada (figura 13) é a dependência da conexão da "internet" e lidar com tecnologia tem mesmo esse risco: a internet pode oscilar, a qualidade de chamada de vídeo ficar ruim e a imagem distorcida ou congelada, os aparelhos (celular, "notebook", "tablet", computador) podem travar e ainda que o psicólogo tenha tudo funcionando perfeitamente, também depende da qualidade desses itens do cliente no momento da sessão. E não é possível ter cem por cento do controle.

E nesse sentido, o "online" traz essa desvantagem: a instabilidade e incerteza da conexão da "internet" que pode durar toda a sessão, inclusive interrompendo-a no meio ou a qualquer momento, precisando o psicólogo pensar em novas formas de manejo e de acordos com o cliente nesta modalidade de atendimento.

E citando novos acordos, o atendimento "online" tem também necessidade de novas reflexões sobre sigilo e confidencialidade, pois mesmo com todo o cuidado com a escolha do aplicativo usado, do espaço em que realizará a sessão, o psicólogo ainda precisa orientar o cliente sobre medidas de segurança como: não usar aparelhos compartilhados, atualizar o antivírus, escolher um cômodo vazio e silencioso, usar fones de ouvido e, ainda sim, com todos esses cuidados, deixar esse cliente ciente que na "internet" não tem como garantir o sigilo por completo.

Além dessas desvantagens, uma chama a atenção, especialmente no atendimento de um Gestalt-terapeuta: a dificuldade de trabalhar a linguagem corporal (figura 14) e com experimentos (figura 15):

Figura 14: Trabalho com o corpo (presencial x "online")

Gráfico de barras representando as respostas da pergunta: "Quais diferenças você vê no trabalho com o corpo comparando o atendimento "online" e o atendimento presencial?" 34,6% dos psicólogos dizem não fazer um trabalho com o corpo ou achá-lo incompleto\limitado no atendimento "online". Além disso, 26,9% mencionam a perda da visão do cliente como um todo, 19,2% citam a ausência do contato físico e de outros sentidos (cheiro e toque) e 7,7% mencionam a dificuldade de realizar experimentos.

Figura 15: Experimentos

Gráfico de barras representando as respostas da pergunta: "Você costuma fazer experimentos no atendimento"online"? Quais?" 53,8% afirmam que realizam experimentos "online", 26,9% não realizam experimentos e 7,7% dizem fazer poucos experimentos.

Figura 16: Tipos de experimento realizados

Gráfico de barras representando as respostas da pergunta: "Você costuma fazer experimentos no atendimento"online"? Quais?"  Dos psicólogos que realizam experimentos, 37,5% citam que fazem experimentos de respiração, 25% fazem conscientização corporal, 12,5% fazem exercícios de relaxamento, ou de auto toque, ou cadeira vazia ou de fantasia guiada.

Nessa modalidade de atendimento, no caso de ser por chamada de vídeo, frequentemente só se vê parte do corpo do cliente, muitas vezes apenas do peito para cima, o que impossibilita a visão do todo, algo que é tão importante na Gestalt - terapia, porém apesar da limitação da visão do todo, existe muito material na psicoterapia "online" para que o psicólogo possa observar se estiver presente e atento.

"[...] a Gestalt não despreza a entonação da voz, os gestos despercebidos, a expressão corporal e tudo o mais que possa favorecer o surgimento e o contato com o material à disposição da pessoa, o qual ao mesmo tempo ela não pode perceber. Esse processo, a que se dá o nome de conscientização ("awareness"), inclui uma participação ativa da pessoa do cliente, único proprietário de tudo o que lhe acontece" (SILVEIRA, 1997, p. 9).

O olhar da linguagem corporal do cliente, então, pode ficar limitado, gestos podem ser perdidos e até mesmo outras informações como a vestimenta do cliente, por exemplo, podem ser limitadas.

Além disso, na psicoterapia "online", pode aparecer como desvantagem a diferença no uso das funções de contato.

[...] a função de contato é a abertura por meio dos sentidos para vivenciar as trocas com o mundo e a disfunção de contato é o encolhimento, o "embotamento" desse fluxo natural. Na psicoterapia, a pessoa pode ampliar sua "awareness" (conscientização) sobre o próprio processo e reconhecer suas escolhas (QUADROS, 2007, p. 119).

Assim, alguns sentidos do psicólogo, além da visão e audição, ficam limitados de serem usados na psicoterapia "online".

Ou seja, o toque, o paladar, e olfato ficam mais restritos, podendo, também, interferir na percepção do todo por parte do profissional.

"Algumas funções de contato, sobretudo paladar e olfato serão balizadas no atendimento em meio virtual, síncrono e assíncrono em experimentos, em que a imaginação é fortemente estimulada durante a sessão clínica" (PIMENTEL, 2017, p. 227-228).

E essa percepção diferente e limitada de sentidos no atendimento "online" pode ser algo que limita os gestalt-terapeutas na tentativa de usar experimentos por meio "online".

"O experimento gestáltico é uma oportunidade, favorecida na situação psicoterápica, conduzida pelo psicoterapeuta, onde o cliente vai experienciar algo, tornando-se, a um só tempo, sujeito e objeto para a investigação. O papel do psicoterapeuta seria o de um catalisador, isto é, um facilitador, um iniciador, para que uma reação se efetue. Ele não participa do composto; é apenas um desencadeador. Ao longo do exercício vivencial, fica de prontidão para, a cada passo, assegurar a continuidade do fluxo reacional" (FILHO, 1993, p. 24 e 25).

Nas respostas (figura 16), alguns psicólogos disseram que não fazem experimentos ou fazem bem pouco, e quando os citam (figura 17) são os já praticados no atendimento presencial sem citarem a construção de algo novo ou que parece ter surgido na troca nessa modalidade.

Esse dado chama atenção, pois se na Gestalt-terapia, o experimento é algo que surge de acordo com o momento da sessão, do cliente e para um objetivo específico daquela situação, ficarmos presos ou limitados para usá-los na psicoterapia "online" pode trazer uma perda grande para o processo terapêutico.

"[...] Num contexto de diálogo, negociaremos um experimento, nascido naquele momento do relacionamento. A amplitude desse experimento variará de acordo com o momento, como está sendo vivido e a fase em que o cliente se encontra. O experimento é qualquer coisa que aumente a consciência, e pode ser bem pequeno, como o espelhar de um gesto, o esclarecimento de algo que foi dito, uma simples pergunta ou comentário. A decisão de usar ou não o experimento dependerá grandemente da arte do terapeuta, de sua avaliação da fase em que o cliente se encontra, e de sua sensibilidade ao ritmo da proposta e sua habilidade para negociar" (JULIANO, 1999, p. 42).

Portanto, é importante pensarmos que na ausência de outros sentidos, a visão e a audição podem ficar potencializadas, mais atentas e serem usadas de forma mais sensível no atendimento "online", trazendo dados importantes do cliente, especialmente no atendimento síncrono, como menciona Pimentel:

"Quanto à visão, no modo síncrono, esta se constitui como uma das principais funções de contato entre o gestalt-terapeuta, o cliente e o seu mundo, pois é a partir dela que o psicólogo pode apreender os sentidos expressos pelo cliente.  Por meio da visão, o gestalt-terapeuta pode transmitir interesse, acolhimento, empatia, preocupação.  Durante o atendimento, o gestalt-terapeuta ao atentar para a comunicação não verbal, estimula o cliente a buscar significados aos gestos e formas corporais".

"No que diz respeito a escuta, será necessário apreender as intencionalidades contidas nas comunicações por "e-mail"; e por videoconferência, na entonação da voz, e na disposição do cliente para falar e ouvir.  Conforme as demandas do cliente, a queixa primária apresentada será facilitada pelo gestalt-terapeuta incluindo recursos expressivos. Podem fazer juntos um enfoque das capacidades e interesses do internauta, com vistas a trabalhar com as potencialidades do cliente" (2017, p. 228).

E pensando que talvez sejam essas limitações dos sentidos como função de contato que façam com que alguns profissionais vejam a relação terapêutica "online" como mais fria, distante e evasiva em relação ao presencial (figura 11), usar os sentidos possíveis (visão e audição) como forma de transmitir sua presença e interesse no cliente e na sua história pode fazer diferença na construção dessa relação.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O questionário, até então, foi respondido por uma amostra pequena de psicólogos (vinte e seis) e ampliar essa pesquisa para mais profissionais e de diferentes localidades fica como sugestão (e intenção), que pode alterar seus resultados, trazer novos dados e ampliar o olhar sobre a prática "online".

Além disso, outro dado desta pesquisa que devemos levar em conta é o período em que esse questionário foi respondido (outubro a dezembro de 2019) e que marca um período específico.

Hoje, em meados de 2020, estamos vivendo um período atípico e novo, a pandemia do Covid-19, que nos impõe um isolamento social e no qual o atendimento "online" está sendo a única opção de trabalho de muitos psicólogos no Brasil.

Logo, aplicar um novo questionário nesse período e comparar com os resultados aqui apresentados pode trazer muitos dados importantes sobre um novo cenário da prática da psicoterapia "online" no país e uma percepção clara de quanto essa pandemia pode estar mudando a relação dos Gestalt-terapeutas com o atendimento psicológico "online".

Nas respostas recebidas, podemos notar que o atendimento "online" hoje já é uma realidade, porém ainda recente e como tal, ainda em assimilação por parte de nós psicólogos.

As práticas, os acordos, e a forma de comunicação e percepção são diferentes nessa modalidade de atendimento e é importante uma adaptação, ressignificação e criação de novas formas de trabalho no atendimento "online".

A partir do questionário percebe-se que existem vantagens e desvantagens claras para os profissionais nesse tipo de atendimento, mas mostra-se importante e necessário nos apropriarmos delas e do tanto que o "online" pode oferecer, para o melhor manejo do que ele traz.

O rompimento de barreiras de distância, tempo e custo mostram-se como evidentes vantagens, além da ampliação do mercado e a demanda já existente.

Porém as desvantagens citadas, como a percepção do cliente de forma diferente e a dificuldade no uso de experimentos, mostram uma necessidade da construção de algo novo, de um ajustamento criativo e não de um espelhamento do atendimento presencial no "online", pois como afirma Zinker (2007): "O terapeuta criativo é experimental. Sua atitude inclui o uso de si, do cliente e dos objetos do ambiente a serviço da invenção de novas visões das pessoas".

Senti falta pelas respostas e na minha própria prática que como Gestalt-terapeutas trabalhemos com o que surge no "online" e não fiquemos tão presos a técnicas e experimentos que não foram construídos e estudados para essa modalidade de atendimento, pois isso pode nos deixar travados e enrijecidos no contato e influenciar na qualidade da nossa presença ali naquele encontro, pois como Jean Clark Juliano, diz sobre o que o Gestalt-terapeuta precisa para executar bem o seu trabalho:

"A principal característica do terapeuta para executar bem esse trabalho é a qualidade de sua presença: uma atitude descontraída e atenta, inteira, disponível, energizada. Ficando com o fenômeno tal qual ele se apresenta, tal qual ele é, mais do que com aquilo que foi, poderia ou deveria ser" (1999, p. 26).

Então, como podemos cuidar da qualidade da nossa presença nessa modalidade de atendimento? Como podemos estar inteiros ali, observando o fenômeno como é?

"[...]As pessoas tendem a se prender a experiências do passado ou a viver fantasiando possibilidades de futuro. Sonham acordadas em vez de se dedicarem a descobrir o que está imediatamente disponível, enfraquecendo sua energia para a ação".

"Só se é capaz de estar e permanecer no Aqui e Agora depois de uma longa luta para "limpar" o entulho que dificulta nossa percepção daquilo que está bem em frente aos nossos sentidos" (JULIANO, 1999, p. 39).

Por exemplo: se não vemos o corpo do cliente todo, como trabalhar com o que podemos ver? O ambiente que esse cliente escolhe para fazer as sessões, a decoração do local, como ele se veste, a postura, os objetos que tem a disposição são elementos que estão ali para serem usados.

"[...] tudo que o paciente faz, óbvio ou oculto, é uma expressão de si-mesmo. Sua inclinação para frente, e seu rechaço, seus protestos abortivos, sua inquietação, seus enunciados sutis, suas hesitações entre duas palavras por fração de segundos, sua caligrafia, seu uso de metáfora e linguagem, seu uso de "isto" em vez de "você" e "eu"; todos estão na superfície, todos são óbvios, todos são significativos. Estes são os únicos materiais com que pode trabalhar o terapeuta. Suas ideias preconcebidas não vão absolutamente ajudar ao paciente" (PERL, 1988, p. 88).

Além disso, temos também como notar a forma que o cliente cuida do espaço que fará a sessão, como se organiza para tal e esses dados podem dizer muito do cliente também. E esses são apenas alguns exemplos de algo novo e cheio de possibilidades que podemos construir.

"[...] proponho que o Gestalt-terapeuta agregue a clínica várias linguagens expressivas, por exemplo, poesias, fotos, biografias, vídeos de curta metragem, 'links' com músicas de relaxamento" [...]

"As linguagens expressivas e artísticas beneficiam a ruptura com a linguagem técnica peculiar a racionalidade instrumental, possibilitando que o Gestalt-terapeuta ajude ao cliente criar auto suporte e suportes sociais que renovem a esperança em recuperar o sentido da existência e a condição humana".

"No atendimento síncrono as linguagens expressivas e artísticas beneficiam a comunicação, contudo, conforme as escolhas de expressão do cliente, por exemplo:  gostar de poesia, desenhar, música, pintura, etc. Qualquer forma incluída na fluidez da 'awareness' será sempre indicada pelo cliente, e compreendida como metáfora para acesso e desvelamento das camadas que ocultam os sentimentos. Assim, a clínica gestáltica em meio virtual, fundamentada na fenomenologia existencial reconhece na criatividade um dos componentes da visão de mundo do cliente" (PIMENTEL, 2017, p. 229).

Talvez seja necessário nos sentirmos mais à vontade, seguros e nos apropriarmos mais da prática para usufruir de tantos recursos que podem ser usados no atendimento "online". Usar dos recursos disponíveis na própria "internet" como vídeos, músicas, imagens, aplicativos podem facilitar a troca e comunicação entre cliente e psicólogo.

"É esse 'inventar a relação' que constitui a arte do terapeuta: envolve sempre a busca daquilo que é genuíno em si mesmo, fazendo também a garimpagem daquilo que é genuíno no outro. A partir dessa procura, é mais provável que ocorra o encontro, ou vários encontros. Então saímos para uma relação de mutualidade, que é restauradora e curativa em si" (JULIANO, 2010, p. 42).

Então, como principal desvantagem e algo que esse artigo propõe desenvolvermos é: a -ainda- não apropriação e abertura por completo para a nova prática e a construção de algo novo usando as vantagens e também as desvantagens dessa modalidade como fenômeno e tornando esse atendimento tão potente quanto pode ser.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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SILVEIRA, T. M. da. A Gestalt no contexto da Psicoterapia:
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ZINKER, J. III. A Postura Criativa. In: PROCESSO CRIATIVO EM GESTALT-TERAPIA. São Paulo: Summus, 2007, p. 51-92.

 

NOTAS

* Anne Katherine Felix Severino: Psicóloga (CRP 05/51.635).
1 Desde abril de 2020, devido a Pandemia do Covid-19, está em vigor a Resolução CFP nº 04/2020 que substitui temporariamente a Resolução CFP nº 11/2018  e que orienta psicólogos acerca da atuação on-line diante do cenário desta pandemia. Porém, como este artigo e seu questionário foram respondidos antes deste período, neste trabalho usarei como referência a normativa de 2018.

 

ANEXOS:

Termo de compromisso livre e esclarecido

Você está sendo convidado a participar da pesquisa: O atendimento psicológico "online" pelo Gestalt-Terapeuta, cujos objetivos e justificativas são: colher informações sobre o trabalho do psicólogo, mais especificamente, o Gestalt-Terapeuta, no atendimento "online".

Os dados coletados serão utilizados no desenvolvimento do trabalho de conclusão de curso de Especialização em Gestalt-terapia, no Instituto de Gestalt-terapia (IGT), da psicóloga Anne Katherine Felix Severino (CRP 05/51.635), sob orientação do psicólogo Marcelo Pinheiro da Silva (CRP 05/16.499), além de futuros trabalhos e artigos científicos sobre esse tema desenvolvidos pelo grupo de pesquisa do instituto sobre o atendimento psicológico "online".

A sua participação na referida pesquisa será no sentido de responder um questionário "online" com questões sobre a sua experiência como psicólogo e o atendimento "online".

A sua privacidade será respeitada, ou seja, seu nome ou qualquer outro dado ou elemento que possa, de qualquer forma te identificar, será mantido em sigilo. Você também pode se recusar a participar da pesquisa, ou retirar seu consentimento a qualquer momento, sem precisar justificar ou sofrer qualquer prejuízo.

Os pesquisadores envolvidos com a referida pesquisa são: Psicóloga Anne Katherine Felix Severino (CRP 05/51.635), Psicóloga Ana Carolina Fonseca Bianchi (CRP 05/44.939), Psicólogo Marcelo Pinheiro da Silva (CRP 05/16.499) e Psicóloga Juliana Rodrigues Pontillo (CRP 05/28.829), vinculados ao Instituto de Gestalt- Terapia (IGT), situado no Rio de Janeiro e com eles poderá manter contato pelo telefone: (21) 2567-1038.

Enfim, tendo sido orientado quanto ao teor de tudo aqui mencionado e compreendido a natureza e o objetivo da pesquisa, manifesta seu livre consentimento em participar, ciente de que não há nenhum valor econômico, a receber ou a pagar, pela participação.
(  ) Concordo.

 

Endereço para correspondência
Anne Katherine Felix Severino
Endereço eletrônico:annek.felix@gmail.com

 

Recebido em: 25/08/2020
Aprovado em: 23/06/2021