ARTIGO
A vivência além da Esquizofrenia. Um relato de experiência.
The experience beyond schizophrenia. An experience report.
Nádia Meireles Moreira*
CAPS II – Centro de Atenção Psicossocial, Brasília – DF.
RESUMO
Este estudo trata-se de um relato de experiência, de cunho qualitativo, constituído sob a ótica da Gestalt-Terapia.Baseado em análise fenomenológica como método. Tem por objetivo explanar o adoecimento causado pela esquizofrenia, a partir vivência da condução de psicoterapia de grupo. As atividades grupais foram realizadas em CAPS II, entre os anos de 2017 a 2019. Por meio de encontros semanais, com duração de duas horas e média de seis participantes por encontro. Foi possível compreender o sofrimento psíquico na perspectiva da própria pessoa adoecida. Identificar o significado do adoecimento mental, apontar potencialidades do tratamento e indicar manejos e possibilidades terapêuticas. Como resultado: a percepção de melhorias funcionais facilitadas pela vivência da psicoterapia de grupo.
Palavra-chave: Esquizofrenia; Psicoterapia de grupo; Saúde Mental; Gestalt-Terapia.
ABSTRACT
This study is an experience report, of a qualitative nature, constituted under the perspective of Gestalt-Therapy. Based on phenomenological analysis as a method. It aims to explain the illness caused by schizophrenia, from the experience of conducting group psychotherapy. Group activities were carried out in CAPS II, between the years 2017 to 2019. Through weekly meetings, lasting two hours and an average of six participants per meeting. It was possible to understand the psychological suffering from the perspective of the sick person. Identify the meaning of mental illness, point out potential treatment and indicate management and therapeutic possibilities. As a result, the perception of functional improvements facilitated by the experience of group psychotherapy.
KEY-WORDS: Schizophrenia; Group psychotherapy; Mental Health; Gestalt- Therapy.
A esquizofrenia pressupõe danos à sanidade mental. Saúde mental pode ser definida como bem-estar emocional, cognitivo e social em que a pessoa pode exercer suas funcionalidades sem qualquer perturbação mental, de acordo com a Organização Mundial da Saúde – OMS (2001). Está ligada a uma visão holística de concepção biopsicossociocultural, que vai além da ausência de doença. Sendo um completo equilíbrio em todas as dimensões.
A compreensão de saúde mental passa por inúmeras reestruturações desde seu surgimento. Costa-Rosa (2012) pontua que a constituição dos saberes nesse campo atravessa lutas por hegemonia de visões teóricas, ideológicas e estruturais. São mudanças que remetem a estrutura das relações sociais e institucionais. Luchmann e Rodrigues (2007) ressaltam que a Luta Antimanicomial e a Reforma Psiquiátrica foram e são essenciais para findar com perspectivas reducionistas e estigmatizadas nas práticas institucionalizadas na saúde mental.
Por meio do Movimento Nacional da Luta Antimanicomial foram inseridas possibilidades de tratamento além da internação em manicômios. Que viabiliza romper com crenças estereotipadas sobre os modelos de saúde e efetivar tratamento humanizado. Luchmann e Rodrigues (2007) entendem que com a ruptura, de grande parte, dos manicômios e leitos em hospitais psiquiátricos começou a surgir uma possibilidade de ocupação, produção e compartilhamento do exercício de direitos e cidadania efetiva e ativa.
Gumpeter e cols. (2007) destacam a importância deste movimento para impulsionar a Reforma Psiquiátrica. Promulgada na Lei1 nº 10.216 a Reforma Psiquiátrica trata-se de um processo complexo que evidencia mudança nos serviços de saúde mental, a partir de transformações técnicas, jurídicas e éticas nas formas de tratamento às pessoas com transtornos mentais. É a garantia de direitos e reinserção social através da progressiva descentralização de cuidados do hospitalares para a comunidade, por meio da integração de redes social de apoio.
A articulação em forma de redes e os movimentos sociais são elementos centrais na análise das ações coletivas contemporâneas de humanização dos serviços de saúde mental, esboçam Gumpeter e cols. (2007). Movimentos sociais, como Luta Antimanicomial e Reforma Psiquiátrico, são ações coletivas que manifestam transformações. Luchmann e Rodrigues (2007) dizem que estes são portadores de denúncias às várias formas de injustiça social. Impactam e alteram padrões sociais no campo da institucionalidade. Instiga questionamentos e consequentes mudanças. Recria fronteiras no cotidiano das relações sociais. Por meio da articulação em rede ocorre a organização e mobilização na noção de solidariedade pautada no compartilhamento de princípios e valores.
A literatura aponta que a internação manicomial, como controle social, era a forma mais utilizada para tratar as pessoas com transtorno mental grave. Bezerra (2007) salienta que a tradicional forma de tratar a "loucura" é o asilamento/institucionalização (violência institucionalizada) e que esse modelo de tratamento em saúde mental, centralizada no hospital psiquiátrico, representa uma forma de controle social do Estado.
Foucault (2001) descreve a institucionalização e afirma que qualquer forma de prisão continuará a ser desqualificada por estar diretamente ligada aos excessos de controle social. Alerta a importância do cuidado ao analisar as relações de poder envolvidas nos modelos de atenção à saúde mental. Onde o poder ideológico utiliza a representação social para legitimar práticas. Diante disso a reforma psiquiátrica amplia possibilidades e deve ser lida como uma estratégia para o remanejo do "tratamento".
Basaglia (1982), referência mundial para transformação dos serviços e cuidados de saúde mental, afirma que lidar de forma diferenciada com o transtorno mental grave não basta apenas humanizar ou transformar o manicômio. É preciso questionar os fundamentos em que está a necessidade de tratamento. Questionar o paradigma psiquiátrico centrado no eu-saber médico que reduz o fenômeno da loucura à doença mental.
A transformação do campo psiquiátrico para à constituição do campo da saúde mental se caracteriza, segundo Bezerra (2007), em uma mudança paradigmática que se desdobra em vários planos: assistencial, esfera clínica, dimensão política, formação de recursos humanos, campo jurídico e plano sociocultural. E o grande desafio é fazer do transtorno psíquico grave uma questão que ultrapasse as fronteiras do discurso técnico e do saber psiquiátrico, em especial. Insistindo na dimensão existencial e humana que facilmente se esconde por trás dos protocolos médico-psicológicos.
Camuri e Dimenstein (2010) defendem que os cuidados de atenção à saúde mental são carentes. Carecem de intervenção breve, cuidados preventivos, encaminhamentos assertivos e atenção para não superlotar ambulatórios psiquiátricos. Pontuam ainda que o trabalho humanizado produz efeitos positivos que fortalecem processos de descentralização da relação médico-paciente.
Os processos de trabalho no âmbito de saúde mental não devem mais ser notados sob a ótica do modelo biomédico. Não deve se limitar apenas a equipes profissionais que façam trabalhos específicos. É preciso planejar ações, articular a rede, qualificar para práticas de trabalho multidisciplinar, interdisciplinar e transdisciplinar. Buscando assim ampliar o cuidado em todas as esferas possíveis. Bezerra (2007) indicam que essas ações propiciam a desinstitucionalização e aproximação dos âmbitos familiar, laboral e comunitário. Onde o que está em jogo é humanização de serviços, reaproximação do sujeito e capacidade de exercer sua própria identidade.
Esquizofrenia
A esquizofrenia é compreendida como um transtorno do pensamento que se caracteriza por desorganização de diversos processos mentais. Considerada uma das desordens mentais psiquiátricas mais desafiadoras e complexas que afligem a humanidade. Sua prevalência, segundo Associação Brasileira de Psiquiatria – ABP (2018), é de 1% da população mundial. Maior prevalência em homens, sem distinção de raça ou classe social. Os primeiros sintomas surgem em idade precoce. Por constituir-se uma doença de origem desconhecida, há ainda muita controvérsia em relação a sua causa.
No manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais DSM-5, da Associação Americana de Psiquiatria – APA (2014) consta que este transtorno por sua múltipla caracterização e subtipos comporta o espectro da esquizofrenia e outros transtornos de psicose. No qual as características essenciais que definem os transtornos psicóticos são os delírios, as alucinações, desorganização do pensamento (discurso), comportamento motor grosseiramente desorganizado e anormal (catatonia) e sintomas negativos.
O transtorno da esquizofrenia, de acordo com Holmes (1997) apresenta sintomas agrupados em: sintomas positivos – constituídos por delírios, alucinações e desorganização do pensamento; sintomas negativos – compostos pela diminuição da vontade e da afetividade, o empobrecimento do pensamento e isolamento social; sintomas cognitivos – caracterizados por dificuldade de atenção, concentração, compreensão e abstração; sintomas afetivos – definidos pela depressão, desesperança, ideias de tristeza, ruínas e ideias de autodestruição.
Dalgalarrondo (2008) diz que a esquizofrenia é a principal forma de psicose. As síndromes psicóticas do espectro da esquizofrenia são caracterizadas por sintomas típicos como as ideias delirantes, alucinações, pensamento desorganizado, neologismos, retração social e comportamentos claramente bizarros que desencadeia desordem profunda na vida mental. Estes comportamentos/sintomas geram perda de contato com a realidade externa.
De acordo com a OMS (1993), na Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à saúde CID-10, os agrupamentos de F20 a F29 comportam os transtornos esquizofrênicos. Estes se caracterizam, em geral, por distorções fundamentais do pensamento, da percepção e por afetos inapropriados ou embotados. É ressaltado também que é possível manter a consciência e a capacidade intelectual, embora alguns destes déficits cognitivos possam evoluir no curso do tempo.
A evolução dos transtornos esquizofrênicos pode ser contínua, episódica com ocorrência de déficit progressivo, episódica estável ou ter vários episódios seguidos. Consta na CID-10 da OMS (1993) que os fenômenos psicopatológicos mais importantes incluem: o eco, a imposição ou o roubo do pensamento; a percepção delirante; ideias delirantes de controle, de influência ou de passividade; vozes alucinatórias que comentam ou discutem com o paciente na terceira pessoa; transtornos do pensamento e sintomas negativos.
No espectro da esquizofrenia, segundo DSM-5 da APA (2014), algumas das principais variações por caracterização sintomática e comportamental, são: esquizofrenia paranoide, esquizofrenia hebefrênica, esquizofrenia catatônica, depressão pós-esquizofrênica, esquizofrenia residual, esquizofrenia simples. Holmes (1997) faz a ressalva que é importante saber que pessoas clinicamente diagnosticadas com esquizofrenia não são agressivas ou representam perigo. Quando realizado tratamento adequado aos transtornos mentais graves, é possível dispor de uma vida normal. E os surtos e recaídas viram exceções e não regra.
A ABP (2018) diz que os primeiros sintomas, quando o início não se dá por um surto, são insidiosos. É notado comportamento estranho e injustificado, isolamento social, queda de rendimento escolar e laboral, ideias bizarras, ideias de perseguição ou de grandeza, às vezes delírios de conteúdo religioso, alterações do ciclo sono-vigília, mutismo e o ato de falar só como se estivesse em diálogo com outra pessoa. O manejo da esquizofrenia exige acompanhamento psiquiátrico, por vezes neurológico, acompanhamento psicológico (exceto quadros de extremo comprometimento funcional onde a intervenção verbal se faz incompreensível) e uso de fármacos.
Importante ressaltar que as práticas de políticas públicas para transtornos severos e psicóticos ainda carecem de sistematização e investimento. Os cuidados substancialmente dirigidos aos Centros de Atenção Psicossocial – os CAPS, precisam ser articulados aos outros órgãos de competência para articulação do cuidado em rede. Além da contínua reforma psiquiátrica para abolir a medicalização dos sintomas, a hospitalização e as institucionalizações.
Gestalt-Terapia
A Gestalt-Terapia tem por bases filosóficas as correntes fenomenológico-existenciais e humanistas, que trazem compreensões de que o homem é regente de sua própria vida. E o entendimento dos fenômenos sem a "prioris", que por sua singularidade e consciência intencional há ação e interferência no mundo. As teorias de base contribuem por uma compreensão da percepção em um contexto. Que nega a separação das dimensões do homem, pois o que ocorre em parte do organismo, afeta o todo. Yontef (1998) diz que a Gestalt-Terapia considera todo o campo biopsicossocial, incluindo o organismo e ambiente, e utiliza variáveis fisiológicas, sociológicas, cognitivas e motivacionais. Ribeiro (2011) pontua que a Gestalt compreende a pessoa enquanto totalidade. Não é essencialista, é existencialista e focaliza mais o processo do que o conteúdo.
Criada, principalmente por Fritz Perls em 1951, a partir de valores humanistas a Gestalt-Terapia é considerada a terapia do que é vivenciado no presente – o aqui-agora. Possibilita a tomada de consciência frente aos acontecimentos. Ribeiro (2011) afirma que é uma teoria da pessoa porque através de seu campo teórico, entende o ser humano tal como ele é e o descreve a partir do modo em que se encontra, colhendo no aqui-agora o verdadeiro sentido de sua existência.
A Gestalt-Terapia compreende uma abordagem de visão holística do ser humano. Bessa (2012) descreve que a concepção holística é perceber o ser humano enquanto unidade indivisível e compreendido a partir da interação das partes que o compõem. Percebendo-o de forma plural e multifatorial, incorporando a influência do ambiente e a importância da subjetividade nas formas de manifestações das patologias.
De acordo com Holanda (1998), a patologia/doença é compreendida a partir das relações estabelecidas com o meio ou consigo mesmo. Como o homem se constitui nas relações e muitas vezes não é validado nas mesmas, não há diálogo. E uma visão parcial que desconfirma o outro, traz adoecimento. Da mesma maneira, a saúde está nessa dialética relacional em que, a partir da consideração do outro como ser total, de responsabilidade, há afirmação de sua subjetividade e dimensão humana.
A doença é compreendida como um processo dialético. Ribeiro (2006) pontua que cada pessoa possui modo particular de estar-no-mundo e, consequentemente, sua maneira própria de adoecer. A doença é vista como desequilíbrio. Desarmonia da relação da pessoa com o mundo. Frazão (2012) diz que saúde ou doença são pensadas dialeticamente, uma vez que um mesmo comportamento pode ser saudável ou não, a depender de que serviço está.
Dentre alguns conceitos básicos, destaca-se na literatura gestáltica a "awareness" que, segundo Yontef (1998), é uma forma de experienciar. É tomar consciência de si e do que faz. Um processo de estar em contato vigilante com o evento mais importante do campo indivíduo/ambiente, como total apoio sensório motor, emocional, cognitivo e energético. É sempre acompanhada de formação de "gestalt" da tomada de consciência.
Outra conceituação importante é o ciclo do contato – Fatores de Cura e Bloqueio do Contato, onde processo de mudança de figura, em que a necessidade satisfeita por meio da relação com o ambiente sai do foco (tornando-se fundo) para que outra surja, na busca de autorregulação. Contato este que se dá no encontro, na mudança de um ser com o outro. Ribeiro (1997) nos dá uma visão das diversas formas que o contato assume em um processo pleno. Com começo, meio e fim, mostrando a dinâmica da polaridade saúde e seus bloqueios. Cada momento do ciclo é visto como passos de saúde, ou na direção desta, definida por nós, como a mais plena forma de contato.
Fukumitsu, Cavalcante e Borges (2009) salientam que o contato, o encontro e a ampliação de awareness são conceitos fundamentais para atuação em Gestalt-Terapia. Contato envolve cuidado na relação humana e no modo pelo qual a pessoa nota sua singularidade, seu ser-no-mundo e o espaço que se abre para o outro. O encontro ocorre a partir do contato. E objetivo principal é ampliação da awareness.
Lima (2009) pontua que a Gestalt-Terapia é uma abordagem que valoriza o papel da criatividade. Zinker (2007) afirma que na concepção gestaltista, a criatividade é compreendida como a capacidade de refazer-se, de organizar sua existência criativamente. O ato criativo é algo vital aos ser humano, necessidade tão básica que somos impelidos a criar a todo instante. Tal criatividade pode ser entendida como um ajustamento criativo. Que de acordo com Malaguth (2007), refere-se ao ajustamento resultante do sistema de contatos intencionais que a pessoa mantém com seu ambiente/organismo visando a sua autorregulação sob condições diversas.
Para Gestalt-Terapia, o foco está na relação. Yontef (1998) salienta que o processo é mais importante que o conteúdo. Enfatiza que o todo é maior que a soma de suas partes, constituindo assim totalidades. E dessa totalidade emergem as figuras em relação a um fundo. Considera que tudo é uma totalidade, tudo muda e tudo é relacional. Tem por princípio a crença nas potencialidades do ser humano, vê o homem como um ser único e particularizado que tende ao ajustamento criativo e consequente autorregulação organísmica para buscar equilíbrio.
Essa tendência ao equilíbrio que torna o ser-no-mundo em constante adaptação as situações circunstanciais da vida. "Viver o aqui-agora significa buscar uma presentificação, ou seja, trazer a atenção e a intenção ao que acontece no momento presente. É nesse sentido que a Gestalt-Terapia compreende a noção de tempo ‘espiral' e a ‘self' enquanto uma dinâmica temporal" (BESSA, 2012, p. 214).
Tenório (2012) conceitua "self" como um sistema psíquico de caráter existencial, dialógico, processual, dinâmico e variável. Constituído na relação com o outro, se desenvolve na medida que estabelece contatos com seu meio. Tendo a capacidade de variar de acordo com as necessidades e circunstâncias, que privilegia as potencialidades inatas do ser humano. E é o "eu" que se responsabiliza pelas atividades do "self". Bessa (2012), diz que é na fronteira entre o "self" e o contato que ocorrem as trocas com o mundo, permitindo a autorregulação para equilíbrio do organismo.
Partindo da Gestalt-Terapia que entende o homem enquanto ser-no-mundo, ser que vive e existe na e para a relação, o adoecimento mental pode ser entendido a partir da forma de relacionar consigo e com os outros, assumindo uma função e sentido estabelecido na vida.
Psicoterapia de Grupo e Manejo
Partindo da abordagem teórica científica se faz necessário compreender a psicoterapia de grupo enquanto uma modalidade caracterizada pelas relações e trocas. Grupo é mais que uma reunião de pessoas, vai além de um agrupamento. É uma totalidade dinâmica que propicia espaço para compartilhar interdependências, aproximação e trocas com o outro. Ribeiro (2009) pontua que o sujeito é resultado das dinâmicas dos vários grupos a que pertence. Um grupo jamais substituirá a percepção de individualidade que cada pessoa possui, mas possibilita troca dessas percepções.
Para que o grupo ocorra em adequado funcionamento se faz necessário ter clareza sobre a composição. Um grupo de psicoterapia, segundo Yalom (2006), deve buscar composição que equilibre a semelhança e a diversidade no envolvimento e comportamento interpessoais formando vínculos emocionais. O importante é que seja estruturado e proporcione vinculação entre os membros, que estabeleça e mantenha coesão.
Fundamental também ter atenção ao campo geográfico (espaço) e psicológico (membros e papéis) em que se desenvolve um grupo e estabelece a sua dinâmica grupal. Uma vez que o conceito de dinâmica de grupo, criado por Kurt Lewin (1978) para designar estudo das relações entre teoria e prática na Psicologia em pesquisas e experimentações com grupos, não deve ser tomado como sinônimo de técnica de atividades grupais. Essas atividades que se usam como aquecimento, reflexão e interação de grupo denominam-se técnicas de atividade grupal, defende Yalom (2007). E dinâmica de grupo refere-se ao funcionamento e caracterização de determinado grupo, aponta Lewin (1978).
Há diferentes tipos de grupo. Os grupos temáticos, grupo de apoio, grupo para psicoeducação, grupos para orientação e grupos terapêuticos. A respeito das práticas terapêuticas e seu funcionamento, Yalom (2007) caracteriza que há importante diferenciação: psicoterapia de grupo – que ocorre na troca de "feedback" entre membros do grupo, geralmente mediada por uma/uma terapeuta; psicoterapia em grupo – onde trabalha-se um membro de tal grupo por vez; psicoterapia do grupo – onde tudo presente, o grupo como um todo é trabalhado. A prática descrita neste trabalho refere-se à psicoterapia de grupo.
No contexto de prática psicossocial o grupo é mais totalizador e mais integrado, pois é fruto de uma relação de pessoas. Ribeiro (1994) faz a ressalva que o grupo é economicamente mais viável, mais produtivo, dura menos tempo e responde mais prontamente uma demanda de saúde mental coletiva. É um importante recurso de psicoterapia. Deve-se, porém, lembrar-se das individualidades que se apresentam, pois a riqueza de um grupo está necessariamente nas diferenças entre os membros e nas relações que estes estabelecem. Trazendo como base a visão de que as pessoas, individualmente, buscam autorregulação, entende-se que o grupo também caminha para essa direção. Já que toda totalidade tende a um equilíbrio, mesmo que de maneira distinta.
Deste modo, é presumível afirmar que o grupo funciona como uma escola da vida. Ribeiro (2009) chama de pedagogia do cotidiano, em que as lições são apreendidas e aprendidas de acordo com a capacidade de percepção de cada um de seus membros. E partir disso entende-se que a psicoterapia de grupo traz aprendizado aos seus participantes. Conscientização sobre potencialidades e suas limitações. Atribuição de sentido sobre suas ações e melhor compreensão sobre si, sobre o adoecimento, sobre a relação com o outro e sobre a relação com o mundo.
METODOLOGIA
Existem massivas publicações sobre a saúde mental, desconstrução da "loucura" e trabalhos acadêmicos sobre o espectro da esquizofrenia, porém carência de estudos que falem com pessoa que tem transtorno esquizofrênico. Beluci e Ramalho (2006) delineiam que apesar das discussões sobre a saúde mental, pouco se fala sobre tratamento e intervenções devidas acerca do sofrimento psíquico grave. Diante dessa constatação é de grande valia saber como a pessoa com esquizofrenia compreende esses danos. Já que há uma incompreensão dos mesmos e pouco se sabe sobre a origem deste adoecimento. Assim é importante aprofundar nos conhecimentos sobre adoecimento mental, relacionando os valores socioculturais.
Quanto às questões profissionais, é de bastante relevância buscar conhecimento do fenômeno da esquizofrenia a fim de romper com valores estereotipados, já percebidos no âmbito de cuidados com saúde mental. E ter postura mais crítica e coerente com o papel da Psicologia enquanto ciência e profissão. Contribuindo assim para práticas humanizadas e combativas a todo tipo de exclusão.
Este relato de experiência teve e tem por objetivo compreender o adoecimento causado pela esquizofrenia. A partir da condução de psicoterapia de grupo foi possível descrever a autopercepção de algumas pessoas com esquizofrenia e qual o significado na vida destas. Foi também possível relatar as possibilidades terapêuticas além do uso de medicamentos; verificar se a cultura influencia e/ou interfere na compreensão e tratamento da esquizofrenia; foi também plausível elucidar sobre a possibilidade de existir vivências saudáveis, mesmo com adoecimento psíquico grave.
Iniciado no ano de 2017, em CAPS II, os encontros ocorreram semanalmente. Com duração de duas horas e com média de seis participantes por encontro. Quanto à caracterização, o grupo foi aberto e de longa duração – permitida a entrada de novos membros e sem número pré-determinado de encontros. Homogêneo quanto à demanda – esquizofrenia. E heterogêneo quanto ao gênero, sexo, idade (adultos e idosos) e raça.
De cunho qualitativo, a tentativa foi apresentar aquilo que é vivido e descrito enquanto experiência subjetiva. Segundo Gil (2012), a pesquisa qualitativa lida com o que é único e singular. Tem o enfoque diferencial que privilegia interrogar o mundo ao seu redor. Além disso, a pesquisa qualitativa é rigorosa, controlada, fundamentada, crítica e radical – no sentido de ir à raiz do problema. E o objetivo é produzir conhecimento de algo.
Foi todo baseado em análise fenomenológica, que segundo Forghieri (1997), é recurso o que possibilita chegar ao fenômeno como tal, ou à sua essência. Uma ação que permite compreender a significação de alguma vivência para a pessoa. Neste trabalho o objeto de conhecimento foi vivência descrita pelas pessoas que participaram dos encontros grupais. Moreira (2004) diz que nas pesquisas realizadas sob uma vertente fenomenológica existencial o caminho que se pretende seguir é a descrição da experiência. O que interessa é o mundo vivido. A fim de concentrar no que tal realidade significa para a pessoa. Partindo do cotidiano e do modo próprio de viver. Diante disto "o enfoque fenomenológico procura resgatar os significados atribuídos pelos sujeitos ao objeto que está sendo estudado" (GIL, 2012, p. 15).
Os fenômenos observados foram relacionados aos significados do mundo existencial dinamizadas em cada relato no decorrer das atividades grupais. As etapas seguiram os princípios, da análise fenomenológica de Merleau-Ponty, descritos por Gomes (2007) na tríade: descrição, redução e interpretação do fenômeno. O mesmo diz que este método é um movimento entre reflexões com a finalidade de conhecer, definir e compreender fenômeno estudado circunscrito a um contexto.
A descrição foi atribuída aos relatos, depoimentos, falas e causos compartilhados nos encontros – conteúdos verbais foram transcritos em sua totalidade e também observados conjuntamente as falas não verbais. Com todo rigor ético e cuidados sigilosos.
Na leitura posterior, foi encontrada apropriação daquela realidade partindo do cotidiano e da compreensão do modo de viver dessas pessoas. Acontecendo assim a redução do fenômeno. E a análise foi constituída a partir da atribuição de sentido às vivencias narradas nos encontros grupais. A interpretação se deu na tomada de consciência diante da dada realidade subjetiva.
Toda a prática foi baseada neste cuidado que é aqui entendido como atenção para com o outro. Uma tentativa de compreender o outro como um ser em busca de sentido para sua existência. Para Fukumitsu, Cavalcante e Borges (2009), cuidar significa responsabilizar-se pela disponibilidade de testemunhar, acompanhar e compartilhar o caminho do outro, constituindo-se numa atitude de entrega para relacionar-se, conviver com o desconhecido. "Cuidar é, sobretudo, um desafio, onde somos frequentemente ‘provocados' a rever nossas possibilidades e limites, sem invadir ou ser invadido, mantendo a fronteira de contato para viabilizar a saúde possível no contexto no qual a relação se desenvolve" (p.182).
Quanto à nomenclatura tem-se o cuidado de não estigmatizar e reduzir, os/as participantes do grupo e demais pessoas diagnosticadas com esquizofrenia, a rótulos como: esquizofrênico/esquizofrênica, louco/louca, doentes mentais e demais termos esdrúxulos e pejorativos. Pois tais denominações pré-conceituosas desqualificam e estigmatizam. Retiram a identidade de alguém e a reduz a um olhar taxativa e previamente definido. E impedem de serem vistas enquanto portadores/portadoras de cidadania com direitos e deveres tal qual toda sociedade. Aqui tratadas como pessoas que usam o serviço de saúde mental.
As denominações produzem ou retiram subjetividade. As mudanças técnicas e práticas nas instituições de saúde mental designam contextos históricos que apontam manejos alternativos e reformulados, salienta Costa-Rosa (2012). Como a mudança de nomenclaturas de hospício para atenção psicossocial; doente mental para usuário do serviço de saúde mental. Além de mudar termos sociais é necessário transformar o olhar para o usuário do serviço e notá-lo enquanto ser de direitos. Alterar a nomenclaturas é mais que uma nova nomeação, é recuperar subjetividade e respeitar história de vida. Este novo olhar sugere rompimento de paradigmas e modificação de compreensão.
Com a vivência dos encontros grupais foi possível identificar questões existenciais do sofrimento associados aos fatores sistêmicos, culturais, sociais e relacionais. A análise resultou nas unidades de sentido: vivência dos encontros grupais; significados do adoecimento mental; percepções das potencialidades; fenômenos nos encontros e possibilidades terapêuticas.
RESULTADOS E DISCUSSÃO:
Vivência dos Encontros Grupais
A intenção foi ofertar, aos usuários e usuárias do serviço de saúde mental diagnosticados com esquizofrenia, estímulos para caminhar em busca de equilíbrio, ajustamento criativo e melhorias na qualidade de vida. A psicoterapia de grupo foi advinda da percepção de que essas pessoas necessitavam de espaço para psicoeducação, compreensão e autopercepção de suas instabilidades.
Em acolhimentos e atendimentos individuais foram encontradas queixas que formaram demandas coletivas. Tais como: dificuldade em compreender o diagnóstico, perturbações com sintomas psicóticos, medo de internações em hospitais psiquiátricos, pouca clareza sobre uso de fármacos, sentimento de rejeição, menos valia e inutilidade.
No primeiro encontro foi acordada, diante das perspectivas pessoais de cada participante, a caracterização do grupo, explicado as finalidades do dado espaço e confeccionado o contrato – regras de convivência. Este contrato de convivência fora mencionado a cada momento de integração de novos membros.
Um fenômeno que despertou atenção foi o contexto em que ocorreu o primeiro surto. Por mais que sejam experiências peculiares da individualidade de cada histórico de vida, este surto inicial (posteriormente seguido de sintomatologia: perturbações de pensamento e alteração de sensações) se relaciona com alguma experiência potencialmente traumática. O conteúdo das alucinações e dos pensamentos delirantes constitui-se emaranhado a frustrações, exposição a violências ou violações graves. Então o acúmulo de sofrimento que não foi dito em palavras, foi expresso e denunciado em comportamentos disfuncionais, heteroagressivos e principalmente autoagressivos.
O adoecimento mental acontece quando há ruptura de equilíbrio em alguma das dimensões da complexidade humana. Holanda (1998) reflete que para compreender o sentido da patologia e quais as vivencias subjetivas da pessoa que está adoecida, é preciso ir além da descrição de sintomas. Vieira (2010) diz que é comum nas psicopatologias graves a divisão interna muito profunda. Pois a pessoa se percebe fragmentada em que as partes não entram em contato.
Silva (2018) esboça sobre o surto psicótico e ajustamento psicótico. Em que surto psicótico é um estado aflitivo de quem não conseguem estabelecer ajustamentos, por não encontrar nos laços sociais as condições para isto. Enquanto os ajustamentos psicóticos são esforços socialmente integrados as organizações espontâneas.
Dentro desta lógica, algumas queixas sintomáticas e vivências adoecedora foram compartilhadas e contextualizadas ao histórico de vida. Conforme expostas, cuidadosamente descritas como participantes, nas breves e súmulas ilustrações:
Participante 1 – uma pessoa que teve uma infância violada por negligência de afetos e ausência de figuras parentais; a juventude caracterizada por relacionamentos abusivos e cárcere privado; desenvolveu alucinações auditivas com vozes de comando parecidas com seus supostos genitores; alucinações visuais com cenário de sofrimento e dissociação de pensamento sempre que exposta a qualquer hostilidade.
Participante 2 – uma pessoa que fora exposta a situações de violência sanguinária, medo intenso, e aprisionada em ambiente com animais peçonhentos. Desenvolveu, após muito tempo, alucinações com barulhos semelhantes àqueles animais, ranger da porta onde ficara aprisionada e alucinações visuais sanguinárias. Com conteúdo delirante mórbido.
Participante 3 – uma pessoa que vivenciou rejeição familiar e religiosa por conta de sua orientação sexual, passa a ouvir vozes de comando para autodestruição e justificando tais pensamentos perturbadores a sua sexualidade; pensamentos paranoicos e persecutórios devido ao ódio por sua orientação sexual.
Participante 4 – uma pessoa que sofre agressões de extrema violência física, desencadeador de intenso estresse pós-traumático; desenvolve pensamentos paranoicos e atitudes heteroagressivas com distúrbio de percepção dirigida a outros do meio laboral. Por uma simples semelhança soar ameaçadora. Retomou a memória situações de acúmulo de traumas e frustrações e diante da generalização cognitiva, passou a ter delírios de conteúdo de referência e alucinações visuais e auditivas.
Significado do Adoecimento Mental
Os surtos tiveram relação direta com o sofrimento vivido em algum estágio da vida. Para Galli (2009), a doença é um estado do ser humano, indicativo de que sua consciência não está mais em ordem, registrou que não há mais harmonia e essa perda de equilíbrio interior se manifesta no corpo, na mente como um sintoma. Assim, sintoma pode ser sinal e um transmissor de informações, pois a partir do seu aparecimento interrompe o fluxo da nossa vida e nos obriga a prestar atenção. Pode ser compreendido como um jeito de ser no mundo, que opera a partir da forma que o indivíduo se instala na estrutura do ser no mundo. "Em qualquer diagnóstico há sempre visão do mundo antes do mundo, uma teoria antes de uma pessoa, um saber antes de um acontecer" (p. 63).
Contextualizando todos estes fatores surgiram indagações de que há mais que questões de saúde implicadas no transtorno da esquizofrenia. E se este adoecimento assume alguma função e/ou tem algum significado na vida de quem o vivencia. O questionamento também de que a esquizofrenia pode ser reduzida apenas a um transtorno mental. E será possível definir as causas que levam uma pessoa ao transtorno esquizofrênico?
Sabe-se que não há uma explicação definida para causa deste transtorno. Há combinação de fatores genéticos ao histórico pessoal de traumas, humilhações, exposição a perigo, vivências de terror e acúmulo de sofrimento. E se for analisado que o conjunto de toda carga emocional gera uma ruptura na forma de estar-no-mundo é possível perceber que os sintomas denunciam uma dor. E essa dor permite viver experiências que foram bloqueadas. Porém, conforme pontuado Tenório (2012), na psicose, a própria estrutura da percepção fica perturbada. O que dificulta com a awareness das coisas dolorosas e ameaçadoras.
Vieira (2010) indica que na esquizofrenia há confluência. Esta surge de uma relação de não-contato com necessidades autênticas durante a sua vida e diante da desconfirmação com o outro. Confluência é um apego à situação passada que se torna obsoleta. A pessoa perde a capacidade espontânea de focar na sua própria experiência ficando paralisada e interrompendo o contato.
Acontece quando a fronteira de contato não é experienciada. Quando o indivíduo é incapaz de focar na sua própria experiência e, sem intenção, se funde com outra pessoa. Na dificuldade para fazer contato com o outro não se permite a distinção entre indivíduo e ambiente, ressalta Vieira (2010). A pessoa com transtorno esquizofrênico permanece fixada nestas situações. Vivencia situações interrompidas ou não-satisfeitas, sendo submetido a sucessivas interrupções no fluxo natural entre figura-fundo gerando o sofrimento.
A percepção dessas experiências tem significado intenso na sua forma de adoecer. Tornando, de algum modo, acesso ao mundo próprio que vai atualizando suas (im)potencialidades e oferecendo autoconhecimento. "O mundo próprio caracteriza-se pela significação que as experiências têm para a pessoa, e pelo conhecimento de si e do mundo, sua função peculiar é o pensamento" (FORGHIERI, 1997. p. 33).
Talvez tenha uma função de transformar a realidade interna. Fechar ciclos inacabados e experienciar uma vivência que não foi possível anteriormente. Ex. do participante 5 – uma pessoa que fora impedida de conviver com sua neta, a qual expressou profunda relação paternal e carinho, devido afastamento familiar e necessidade de mudança regional para tratamento, passa a ter alucinações com uma figura humana parecida com a tal neta. Que o reconhece e lhe diz de coisas que seriam apenas compartilhadas entre eles. Até que ponto a fantasia é patológica ou protetiva para mascarar uma dor? Bessa (2012) alerta que o homem é senhor de sua história e capaz de trilhar seu caminho em busca de formas de existência favoráveis as suas necessidades.
Mudar os fatos e alterar a percepção de mundo pode defrontar em algum momento com a fragilidade de ver a realidade tal qual é. Perls (1977) assinala que quando a pessoa sente que suas necessidades não são mais atendidas pelo seu modo de agir, ela tende a característica da capacidade de manipulação, não de uma forma premeditada, mas no sentido de agir sobre si mesmo e sobre o ambiente na tentativa de manter seu equilíbrio.
As privações reais de necessidades básicas de subsistência foram notadas no curso do adoecimento. O acesso à cultura e informações também foram critérios importantes. Foi notado que quanto menos acesso a qualidade de vida, maior o caráter primitivo de delírios e alterações do pensamento. Nas queixas dos/das participantes com menor investimento intelectual, havia maior presença sintomas negativos (empobrecimento do pensamento, isolamento social), cognitivos (dificuldade de juízo, concentração e compreensão) e afetivos (desesperança, ideias de ruína e autodestruição).
Notada também que as/os participante com mais contato cultural, qualidade de vida mais acessível e investimento no intelecto, maior foi ocorrência de sintomas positivos (delírios de grandeza, ideias de referência e menor prejuízo cognitivo). Não é leal e nem ético fazer generalização destas percepções, porém importante considerar fatores sociais, educacionais, culturais e valores religiosos nas transformações dos relacionamentos contemporâneos. Não é ousado afirmar que a esquizofrenia é mais que um transtorno mental. Representa a junção de fatores que são comunicados através dos sinais e sintomas. É a tomada de consciência através das relações estabelecidas consigo mesmo e com o mundo. Segundo Galli (2009) os conceitos e teorias só servem para acompanhar o fluxo, pois a vivência da dor permite liberdade de atitude frente ao próprio destino. É o ser humano em movimento, dono e intérprete da sua história que permite conhece-lo.
Vieira (2010) esboça que as alucinações observadas nos quadros psicóticos se referem a um erro na percepção sensorial. Outro sintoma é o comprometimento afetivo. Manifestado através da diminuição na habilidade de expressar-se emocionalmente, inabilidade de experimentar prazer, perda de interesse pela interação social, dentre outros. Perls (1977) alerta que quanto mais figura petrificada de comportamento uma pessoa tem, menor é o seu potencial criativo ao fundo.
Percepções das Potencialidades
Todos os encontros foram iniciados com alguma técnica de aquecimento, seja projetiva ou expressiva, que ajudavam a acolher a demanda do grupo naquela ocasião. Facilitando a vinculação e trocas entre os participantes.
De modo geral, o uso de técnicas projetivas (com imagens e palavras) trouxeram questionamentos mais objetivos sobre a forma de perceber o mundo e generalização das vivências particulares. Como: o uso de imagens parecidas com vultos, sombras, obras expressionistas que retratam alguma angústia; palavras e frases que já foram ditas nos encontros e remetem as perturbações vivenciadas.
Já as técnicas expressivas denunciavam questões existenciais subjetivas. Tais como: o desenhar livremente que constituía algum objeto, figuras humanas e não humanas que naquele dado momento representava alguma inquietação e/ou perturbação; Técnicas de exercício de reflexão como autodescrição com olhos fechados; E também atividades com uso de espelho. Importante esclarecer que toda técnica utilizada fora avaliada e aplicada cuidadosamente. Respeitando limites de contato e confronto de cada participante.
Utilizar técnicas diferentes além de intervenção verbal contribui para estabelecer matriz grupal, aborda Yalom (2006). O importante é proporcionar espaço terapêutico de trocas e compartilhamento entre os membros deste grupo. O uso destas permite produzir novos ajustamentos criativos com tendência ao funcionamento saudável e completude do ser. O ato de criar elimina tensões iniciais e visa totalidade, afirma Zinker (2007).
A troca realizada nos encontros semanais possibilitou reciprocidade, cuidado, apoio mútuo e ampliação de contato interpessoal. Os participantes mais velhos ensinaram sobre as dificuldades, partilharam aconselhamentos baseados em sua experiência de vida e do tratamento crônico, bem como orientaram sobre manejo das instabilidades. Os pacientes mais jovens e/ou os diagnosticados recentemente, mostraram-se receptivos ao aprendizado dos mais experientes e apresentaram novas formas de perceber o mundo, novas formas de tratamento, de busca por funcionalidades e autonomia.
Isso mostra o potencial do contato que ocorre através da troca de experiência, dos sentimentos e da relação com o outro, consigo e com o mundo. Ribeiro (2011) afirma que pelo contato com o outro que a pessoa se percebe como existente. Contato é um dos recursos fundamentais ao processo da autorregulação organísmica.
Silva (2018) defende que contato é um ajustamento criativo e nos ajustamentos de psicoses também há valor criativo. A capacidade de fazer o melhor que pode a partir do que o meio oferece. Galli (2009) considera que o indivíduo possui potencialidades naturais que possibilitam buscar o equilíbrio do seu organismo. Malaguth (2007) diz que a troca é o processo pelo qual a pessoa mantém sua sobrevivência e seu crescimento operando no meio ativa e responsavelmente, provendo suas necessidades físicas e psicossociais.
Outra questão importante foi o espaço para psicoeducação, orientações e esclarecimentos sobre o transtorno. A cada "feedback" (resumo final de cada encontro) foram expostos a gratidão pelo espaço terapêutico de escuta; melhoria nas limitações dos relacionamentos interpessoais; motivação por busca de autonomia; reestabelecimento de auto-identidade; conscientização ao ser compreendido sem se rotular à loucura; diminuição do medo de expressar as instabilidades; encorajamento para auto-afirmação; sentimento de pertencimento; aprendizado de estratégias; menor vulnerabilidade ao julgamento social.
No que compete a autopercepção foi muito marcante como desenvolveram estratégias para compreender as perturbações. Conforme exemplificações:
Participante 6 – perguntar se outra pessoa também está ouvindo aquele barulho para confirmar se é real ou uma fantasia interna. Começar a notar que os vultos ocorrem no escuro e questionar como isso é possível.
Participante 7 – desenvolver a capacidade de confrontar as vozes de comando e buscar a conexão emocional desta com a patologia apresentada.
Participante 8 – reviver desejo de constituir uma família, ao conhecer a história de outra participante que mantém relacionamento conjugal e desenvolve atividade laboral dentro de seus limites. Este sonho de casamento fora lhe retirado anteriormente a vivência grupal, ao ouvir afirmações de que isto não seria acessível a sua realidade, devido seu transtorno.
Participante 9 – fotografar determinada situação para certificar que, de fato, aquela ocasião aconteceu.
Silva (2018) traz a reflexão que os efeitos de desorganização são decorrentes da dificuldade de construção de laços sociais. Necessita buscar no outro a satisfação das próprias necessidades. Segundo Fukumitsu, Cavalcante e Borges (2009), um processo saudável apresenta-se como uma forma fluida de se colocar no mundo no momento em que se está consciente da maneira de vivenciar e reconhecer as questões pessoais e interpessoais. Enfim, a forma como vivencia a singularidade de ser. Ressaltam ainda que "adoecimento não significa paralisia ou incapacidade. Sintomas não precisam desaparecer para que o retorno ao estado saudável aconteça" (p.181).
Na medida em que se elenca um fato, um objeto à consciência, ambos (objeto e consciência) se constituem nessa relação. E a partir de recursos disponíveis no momento, há possibilidade de enxergar, vivenciar e ressignificar. O ato criativo representa a ruptura dos limites é "a possibilidade de a pessoa ser e fazer qualquer coisa" (ZINKER, 2007, p.16).
Segundo D'Acri (2009), o processo de autorregulação organísmica ocorre quando dada percepção de alguma necessidade, a qual se transforma em uma figura, cuja satisfação o organismo busca na interação com o meio. Esta não precisa ser necessariamente consciente, enquanto o ajustamento criativo o é obrigatoriamente.
Não significa que estas observações sejam suficientes para causar remissão de sintomas e "curar" a instabilidade. Isso não é viável porque este transtorno classificado enquanto psicose é controlável e não curável. Porém a partir destas conscientizações é possível maior aceitação ao problema e adesão ao tratamento. E principalmente tentativa de qualidade de vida. Silva (2018) sugere que a ampliação de consciência e de seus aspectos funcionais, relaciona os sintomas existentes na tentativa de minimizar o sofrimento diante do encontro com o outro.
Fenômenos nos Encontros
Diante de tudo isso exposto, outra inquietação importante: a cultura influencia na problemática? E bastante provável que sim! A visão estereotipada e pré-conceituosa interfere bastante no imaginário deste adoecimento e consequentemente dificulta o tratamento. Foi notório os costumes sociais de estigmatizar a psicopatologia e o tratamento. Como ilustrada nos fragmentos: "sou louco"; "tenho "carteirinha de doente mental"; "não posso trabalhar e nem estudar"; "não posso estar em sociedade, porque sou um risco para os outro"; "Ouvir que buscar ajuda psicológica e psiquiátrica é pra coisa de doido"; "Tinha medo porque me disseram que aqui me levariam para internações em hospícios". É disseminada a ideia que "ter problema de cabeça é frescura, falta de fé e coisa de gente fraca".
Essas rotulações, muitas vezes advindas de valores religiosos, círculos familiares e comunitários são significantes. Impedem a real compreensão de um transtorno mental e inviabiliza melhorias para pessoa que sofre com isto. A construção social da loucura leva ao isolamento social. Beluci e Ramalho (2006) destacam que ao longo da história a doença mental foi associada à possessão demoníaca e risco para o convívio social. Na época da inquisição, a loucura era tratada como possível atenuante de heresias. Posteriormente no século XIX, os médicos achavam que era preciso guardar os doentes mentais para manter a integridade física da população. Surgia assim a ideia de manicômios. Por isso não é fácil tentar integrar quem sempre esteve à margem da exclusão social.
Como é possível uma vivência saudável? É fundamental atentar que com olhar acolhedor e resolutivo é estimulado autonomia, protagonismo, valorização e maior qualidade de vida. Ocorre abertura para novas possibilidades, promoção de singularidades e qualificação da saúde. Ribeiro (2011) afirma que essa essência deve ser encontrada através da experiência vivida, aqui-agora. Está sempre pronta para se (re)definir, partindo da convicção teórica de que tudo está em movimento, em processo de mudança, que não existem teorias prontas.
Sempre importante mensurar os limites e possibilidades. Beluci e Ramalho (2006) salientam que este transtorno acarreta déficits de percepção, cognição, pensamento e habilidades sociais. Por conta disso, essas pessoas necessitam de intervenções em ambientes familiar, social e nas tarefas básicas do cotidiano. Para Perls (1977) o contato ou a fuga com o meio ambiente é um componente do equilíbrio organísmico. E que a saúde psíquica emerge da capacidade de apoio e autorregulação do indivíduo com o ambiente.
Foi observado que apesar de limitações cognitivas há um ganho de inteligência emocional e possibilidade de amadurecimento afetivo. Capacidade de altruísmo e empatia. Que também pode ser considerada como exercício de resiliência se for contextualizado todo o histórico de transtorno - das suas origens, manifestações e intervenções. Parte intelecto, por exemplo, fica preservado de alguma forma. Na esquizofrenia, aspectos preservados personalidade são mobilizados, para compensar a presença de alteração orgânica ou ambiental que causa mudança de comportamento e crises, sinalizam Beluci e Ramalho (2006).
Todo encontro iniciado com alguma técnica, foi encerrado com o "feedback". E a cada encontro, se emergiu um fenômeno. Lembrando que encontrar o fenômeno significa compreender o sentido daquele encontro. O enfoque fenomenológico procura resgatar os significados atribuídos pelos sujeitos ao objeto que está sendo estudado, o que corrobora Gil (2012). Os fenômenos mais emergentes percebidos foram: o medo de internação; religiosidade; sexualidade; punição por vivências reprimidas; desejos de atividades laborais; necessidade de cuidados; desejo de cura; sentimento de inutilidade; necessidade de compreensão e auto compreensão; desejo de relacionamentos interpessoais; uso de recursos para evitar crises/surtos e o mais importante: a crença otimista estabilidade do transtorno.
Houve melhor aceitação em pessoas com histórico crônico em relação a pacientes iniciais com crises agudas. Para o tratamento da esquizofrenia, a escuta empática e resolução ativa dos problemas ajuda muito, mas carece de outras práticas. Quanto a intervenções de grupo, que se mostrou bastante útil, o apoio mútuo, troca de experiências, prática em habilidades sociais, discussão acerca da doença e treinamento em resolução de problemas são bem eficientes. E o terapeuta, de acordo com Beluci e Ramalho (2006), funciona como facilitador encorajando o aprendizado, apoio e mudança.
Sobre as perturbações presentes na esquizofrenia, pode-se dizer que nem sempre se consegue manter espontaneamente o contato volta de forma autorreguladora. Porém foi notado que compartilhando as vivências em comum emergem a sensação de universalidade, altruísmo, empatia e pertencimento. Outra questão importante foi o cuidado empático dos participantes que possibilitou compreender e significar o adoecimento. Elucidando reflexões e estimulando espaços para experienciar vivências. Sendo assim, de alguma forma, foi possível promover mudanças em suas relações consigo mesmo, com os outros e com o mundo externo.
Possibilidades Terapêuticas
Olhar com cuidado para a psicopatologia grave e abranger as pessoas diagnosticadas com adoecimento psíquico em meio social, é fundamental para promoção de saúde mental. Pensar em tratamento multifatorial é uma forma coerente com a necessidade de tratamento. Reconhecer que precisa de ajuda é o passo inicial, fornecer essa ajuda é talvez o processo de maior complexidade. A vivência das intervenções grupais mostrou que a combinação de terapêuticas é modo mais adequado pra proporcionar melhorias.
O tratamento farmacológico é imprescindível, porém não o suficiente. Os relatos das/dos participantes indicam a importância de usar regularmente a medicação e ter confiança no médico que os prescreve, mas isto é associado a muitas questões. Tais como: o lugar de suposto-saber que a psiquiatria ocupa; temor da possibilidade internação; pouco entendimento e medo dos efeitos colaterais da medicação; dificuldade de aceitação aos fármacos "tarja preta". Foi unânime angústia sobre o início de tratamento, uma vez que este veio após um surto que provavelmente demandou internação para contenção de crise. Além de histórico de internação devido tratamento irregular.
O grupo permitiu discutir e ressignificar essas vivências por meio da conscientização da importância dos fármacos, psicoeducação acerca dos possíveis efeitos (lentificação psicomotora, alterações hormonais, rebaixamento de funções cognitivas e etc.) funções orgânicas e melhorias a partir do uso. Tudo dito de forma didática, objetiva e compreensível para estas pessoas. Com auxílio de metáforas, representações gráficas e o compartilhar de experiência dos próprios participantes.
Aliado ao atendimento grupal está também à intervenção individual para cuidar de vivências profundamente traumáticas e delicadas. A intervenção grupal auxilia e estimula contato interpessoal. Importante salientar que há boa receptividade dos pacientes e uma aceitação maior ao tratamento quando se recebe atendimento psicológico, pois há espaço para elaboração das angústias e minimização de resistências por meio da psicoeducação e orientação.
Foi notado também que nem todos dispõem de recursos psíquicos para atendimento psicoterápico. Por próprias limitações do adoecimento. Uns mostraram pouco interesse em atendimento individual, outros apresentaram resistência ao atendimento grupal. E outros, nenhum interesse pelo apoio psicológico. Dando preferência a ocupações mais práticas como oficinas terapêuticas e atividades de artesanato. Este é outro ponto importante de comunicação fora do espaço "Psi" e muito valioso nos cuidados à saúde mental, a articulação com a: terapia ocupacional, a educação física, pedagogia, enfermagem e o serviço social.
O apoio e incentivo da família estimula autonomia, minimiza sofrimento e é um grande auxiliar ao tratamento. Por vezes a pessoa que apresenta esquizofrenia se restringe apenas ao convívio familiar, ou de apenas alguns familiares, então o diálogo com estes auxilia prevenção de crises. Bessa (2012), diz que é necessário focalizar a totalidade da relação que o sujeito estabelece com seu meio e como isso pode repercutir na dinâmica de um comportamento saudável ou não saudável para sua existência.
Foi percebido que a combinação mais adequada é: tratamento psiquiátrico; tratamento psicológico; convívio com pessoas queridas; reinserção social por meio de contato com familiares, vizinhança, amigos e espaço de exercício de espiritualidade; desfrutar de espaço de lazer; uso de atividade física; descoberta de novas potencialidades como a arte. E destacando sempre o papel ativo do próprio usuário dos serviços de saúde mental.
Nise da Silveira, pioneira no Brasil, passou a desenvolver uso de arte como atividade terapêutica e provocou mudanças significativas, ao projetar delírios em telas e esculturas. Silveira (1980) ressalva que não podemos afirmar que há um tratamento pronto e fechado para a esquizofrenia, por ser ela uma doença heterogênea, com manifestações clínicas que se modificam facilmente. Entretanto combinar farmacoterapia, terapia individual, terapia de grupo, arteterapia, abordagens familiares e orientação, responde com sucesso às necessidades.
Articular usuários e prestadores do serviço propicia intersubjetividade para produção de sujeitos e, a partir disso, promoção de saúde. Com ampliação de escuta e diálogo é possível ter trabalhadores e usuários nas práticas, condução e implementação dos serviços de saúde mental. Propiciando inovar a gestão de cuidado com a saúde e produzir novas relações de trabalho e de vida.
Considerando limitações de cada contexto, a demanda pode extrapolar oferta do serviço seja por falta de capacitação, por falta de equipes ou ausência de recursos. Fatores que inviabilizaram a participação de alguns pacientes no grupo foram: pouca ou nenhuma autonomia; necessidade de acompanhantes até a instituição o que gera maior gasto econômico; dificuldades de transporte; dificuldade de locomoção psicomotora; incapacidade cognitiva; e também certo desinteresse por parte de cuidadores/responsáveis.
A forma operacional de lidar com a saúde mental, visa transformação social nos combates as formas de exclusões. O que dificulta essa implementação, acessível a práticas de serviços, é o preconceito social (ainda presente) e despreparo profissional. Outra questão que afeta as práticas nos serviços de saúde são os mecanismos institucionais – hierarquia, burocracias, falta de interdisciplinaridade e forças instituídas e forças instituintes presentes em qualquer organização/instituição. O reconhecimento das diferenças e do combate às desigualdades fortalece um campo ético-político pautado nos valores da solidariedade, democracia, liberdade e justiça social, afirmam Luchmann e Rodrigues (2007). Buscando práticas humanizadas e que incluem protagonismo da pessoa com transtorno mental é possível promover convívio social e se torna mais plausível a reabilitação social.
Segundo Pitta (1996), reabilitação psicossocial é a recuperação da cidadania, dos direitos sociais, políticos e legais. Onde reabilitar não significa necessariamente tratar. Tratamento prioriza remoção de queixa sintomática. A reabilitação mais que eliminar sinais e sintomas, busca aquisição de autonomia, retomada de habilidades e uso de funcionalidades.
Faz-se ainda necessário avaliar as reais práticas de saúde mental, respaldadas pela Lei nº 10.2016, que redirecionam estes cuidados. O serviço de saúde mental não visa necessariamente "curar", é proposto estabilizar, buscar equilíbrio e uso de potencialidades. Quanto mais qualificação e humanização aos serviços de saúde mental, menor a necessidade de institucionalizar. É preciso fazer integração social e promover qualidade de vida.
Para a pessoa que sofre de algum transtorno mental grave, e que tenha limitações e/ou restrições consideráveis advindas deste, mais importante que ausência de sinais e sintomas é ter meios de sobreviver e se adaptar as necessidades sociais. Ter direitos garantidos. Dispor de condições básicas de sobrevivência e acesso a cultura, lazer, vivências significativas e demais necessidades humanas.
Nota-se também, que por maiores que sejam os avanços, as práticas de políticas públicas para transtornos mentais ainda carecem de sistematização e investimento. Os cuidados da atenção básica aos cuidados estratégicos ainda são insuficientes frente à demanda, segundo Camuri e Dimenstein (2010). É preciso integrar outros órgãos de competência para articulação do cuidado em rede. Além da contínua reforma psiquiátrica para abolir a hospitalização e internações à revelia do usuário de saúde mental, é preciso romper com a fragmentação dentro da própria saúde mental e promover integração das instituições públicas, sociais, familiares.
Ouvir ou entender os sintomas não fará com que eles desapareçam, mas pode conscientizar sobre o que falta para lidar com o adoecimento e a possibilidade de "cura". Esta é a diferença entre lutar contra a doença e transmutá-la, de acordo com Galli (2009).
Analisar a relação psicose e consciência é um processo de descobertas, que permite chegar ao e no lugar do sentimento e do conteúdo, que permite entrar em contato consigo, com os outros e com o mundo. Afinal o ser humano não se resume apenas a seus instintos, fazemos parte de um todo muito maior, fazemos parte de um conjunto envolvente. "O ser humano, como um ser histórico, é um ser total. O que a Gestalt-Terapia promove é um despertar do indivíduo à sua responsabilidade, como um exercício de escolha e de tomada de posse de sua própria vida." (HOLANDA, 1998, p.43).
A experiência de coordenar psicoterapia de grupo proporcionou maior compreensão das possíveis causalidades de um sofrimento psíquico grave. Aumentou também o questionamento acerca das (in)definições de esquizofrenia. O adoecimento causado por este transtorno perpassa múltiplos fatores. Para tanto é fundamental refletir sobre compreensão das complexidades dicotômicas em: saúde e doença e loucura e lucidez.
Considerações Finais
É fundamental propiciar autonomia (considerando limitações específicas e singulares) e implicar quem sofre de algum transtorno mental no seu papel ativo no tratamento. Conscientizar a sociedade, articular a rede e o contexto destes adoecimentos, para que haja, plenamente, a rescisão de modelos hospitalocêntricos. E consequentemente efetivação de serviço qualitativo e humanizado.
Mediando a interação entre as pessoas diagnosticadas com esquizofrenia, e coordenando processos psicossociais e relacionais, foram notadas melhorias funcionais facilitadas pelo vínculo, o acolhimento, trocas e escuta empática, compartilhar de vivências e processo de ressignificação de angústias. Penso que estamos aprendendo a fazer trabalho em saúde mental e muito há de ser melhorado. Ressalto novamente a importância de desenvolver práticas voltadas à necessidade dos usuários serviço. E também a necessidade de estudos posteriores e consequentes.
É totalmente crível que pessoas com transtorno esquizofrênico podem conviver no seu meio social. Basta compreender o que é a psicopatologia e observar as experiências subjetivas de lucidez e loucura. Ter o cuidado de não apenas desinstitucionalizar, mas acolher e tratar dignamente. Imprescindível conscientizar e cuidar de forma sistêmica, articular redes e estimular funcionalidades. Envolver e permutar cuidados clínicos, vínculos familiares e comunidade no tratamento.
A intenção não é romantizar um sofrimento psíquico, mas alertar para não estigmatizar pessoas de acordo com nomenclaturas psicopatológicas. Respeitar as limitações de cada pessoa e não reduzir as experiências do ser humano em funcionamentos psíquicos. E isto é um aprendizado diário.
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NOTAS:
* Nádia Meireles Moreira - Psicóloga graduada (2015) pela Universidade Católica de Brasília; Especialista em Saúde Mental (2019) pela Universidade Católica Dom Bosco; Mestranda em Psicologia Clínica e Cultura (2020) pela Universidade de Brasília. Psicóloga Clínica; Servidora pública em Centro de Atenção Psicossocial. Tem experiências no contexto: psicossocial, hospitalar, prisional e clínico. Atuante das defesas de Direitos Humanos e cuidados com a Saúde Mental.
1 Lei nº 10.2016 - pressupõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo em saúde mental. Também conhecida como a Lei da Reforma Psiquiátrica, vem afirmar o portador de algum transtorno mental enquanto cidadão de direitos. Regulariza e orienta cuidados devidos da atenção primária, atenção secundária, atenção terciária, atendimentos emergências e proteção social.
Endereço para correspondência
Nádia Meireles Moreira
Endereço eletrônico:nadia.meirelesm@gmail.com
Recebido em: 23/04/2019
Aprovado em: 02/08/2020