ARTIGO
Psicoterapia infantil online: Um novo caminho possível frente à Pandemia da Covid- 19
Online child psychotherapy: A new possible path in the face of the Covid-19 Pandemic
Luana Estrella Ribeiro Villas-Bôas*
PUC-Rio - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – Rio de Janeiro, RJ.
RESUMO
O presente artigo tem como objetivo discutir a experiência do atendimento psicoterapêutico online à crianças e adolescentes, popularizada a partir da pandemia causada pela Covid-19. Buscou-se, portanto, uma revisão da literatura sobre as especificidades da prática da psicoterapia infanto-juvenil a partir da abordagem gestáltica entendendo que a demanda pelos cuidados com a saúde mental intensificou-se a partir da pandemia. A relevância do tema justifica-se pela escassez de literatura quanto ao atendimento online voltado para o público infantil bem como as particularidades desta prática. Verificou-se que este novo serviço em contrapartida ao atendimento presencial tem benefícios próprios, porém necessita de diferentes manejos diante de um novo "setting" terapêutico.
Palavras-chaves: atendimento psicoterapêutico; infantil; online; pandemia.
ABSTRACT
The present article aims to discuss the experience of online psychotherapy care for children and adolescents, popularized since the arrival of the pandemic caused by Covid-19. Therefore, a literature review was sought on the specifities of the practice of child and adolescent psychotherapeutic care based on the gestalt approach, understanding that the demand for mental health care intensified from the pandemic. The relevance of the theme is justified by the scarcity of literature regarding online care aimed at children and the particularities of this practice. It was found that this service in contrast to the personal assistance has its own benefits, however it needs different management in the face of a new therapeutic setting.
Key-words: psychotherapeutic care; children; online; pandemic.
Introdução
A pandemia causada pelo novo coronavírus (Covid-19) apresenta-se como a maior emergência de saúde pública que a população mundial vivencia em décadas. Esta nova doença se define como uma infecção respiratória com altos níveis de transmissibilidade. Destaca-se ainda a falta de imunidade previamente adquirida, o que agrava a crise sanitária vivenciada neste momento (SCHUCHMANN et al., 2020).
O primeiro caso de infecção pelo novo coronavírus foi anunciado na China em dezembro de 2019, no entanto, a rápida disseminação da doença em nível global fez com que a Organização Mundial da Saúde a declarasse como uma pandemia em março de 2020 (SCHUCHMANN et al., 2020). Como estratégia de prevenção, a primeira medida adotada de maior impacto foi o isolamento social a fim de evitar a aglomeração de pessoas e, portanto, a propagação do contágio.
O acelerado avanço da doença, somado ao distanciamento social, a instabilidade gerada na economia e o excesso de informações disponíveis, e muitas vezes divergentes entre si, propiciam um ambiente favorável à uma instabilidade na saúde mental da população de forma geral. Estudos recentes apontam os diversos impactos psicológicos e o consequente crescimento do sofrimento psíquico gerado a partir da pandemia (PEREIRA et al., 2020).
Neste sentido, fez-se necessário a discussão sobre esta temática na medida em que o cuidado com a saúde mental dos indivíduos durante um período de crise sanitária, também pode ser vista como uma das estratégias de enfrentamento da doença (LINHARES; ENUMO, 2020).
Considerando o exposto, cabe reiterar a prática da psicoterapia como uma das possibilidades de cuidado na atenção psicossocial, o que, dentro do contexto de pandemia, fez-se presente mediante os atendimentos online através de plataformas digitais. O presente artigo destaca o serviço da psicoterapia online voltada para o público infanto-juvenil, objetivando produzir literatura acerca desta nova possiblidade de atendimento explorada a partir da Covid-19.
A intensificação do sofrimento psíquico na pandemia
Muito embora os estudos quanto ao crescimento do sofrimento psíquico durante a pandemia ainda sejam escassos, por se tratar de um fenômeno recente, diversos autores estão discutindo as repercussões negativas que o isolamento social, a mudança de rotina, o convívio familiar intenso e o medo do contágio da doença estão sendo vividos pelos indivíduos (SCHMID et al., 2020)
De acordo com Schmid et. al (2020) alguns sintomas como depressão, ansiedade e estresse estão sendo identificados na população de forma geral devido aos impactos psicológicos da pandemia, o que segundo as autoras, denota implicações psicológicas diretamente relacionadas à Covid-19.
Segundo Linhares e Enumo (2020), a psicologia evidencia-se no contexto dos cuidados com a saúde mental na pandemia uma vez que reúne fundamentação teórica e conceitual que uma vez aplicadas podem contribuir para a compreensão dos aspectos psicológicos durante um período de crise. Este cenário, portanto, ressalta a relevância das intervenções psicológicas como a psicoterapia, especialmente, no período de pandemia visando a saúde mental da sociedade como um todo.
Cabe ressaltar que os cuidados com as repercussões psicológicas geradas pela pandemia não devem ser negligenciados, na medida em que, segundo Linhares e Enumo (2020), ao desvalorizar o cuidado com a saúde mental dos indivíduos geramos lacunas importantes ao enfrentamento das implicações negativas associadas à doença. Nesse sentido, as autoras defendem que as consequências psicológicas da pandemia podem se apresentar de forma mais duradoura e profunda que o próprio sofrimento físico causado pela Covid-19.
Entende-se, portanto, que os cuidados com a saúde mental através dos serviços de atendimento psicológico no formato online evidenciam-se ainda mais pertinentes no momento atual de crise sanitária. Não obstante, cabe pontuar que não apenas os adultos são impactados pelas imposições de isolamento social e mudanças na rotina que a pandemia gerou, sendo as crianças e adolescentes igualmente afetados.
Os impactos no desenvolvimento infantil a partir da Covid- 19
Estudos apontam que a saúde física das crianças é a menos afetada, em comparação aos adultos, pelo Coronavírus. No entanto, importante salientar os aspectos relacionados à saúde mental dos infantes tendo em vista que estes se configuram como uma população vulnerável diante das mudanças repentinas que a pandemia colocou em evidência (LINHARES & ENUMO, 2020).
Dentre algumas das medidas sanitárias de combate ao coronavírus, destaca-se o distanciamento social. Esta precaução culminou no fechamento das escolas, as quais passaram a oferecer, em sua maioria, aulas e atividades na modalidade à distância, isto é, online. De igual modo, muitos dos principais cuidadores destas crianças também passaram a trabalhar remotamente através do chamado "home office". Tais medidas, portanto, afetaram diretamente a rotina e as relações interpessoais destas crianças (FIOCRUZ, 2020).
Segundo a Fiocruz (2020), há estressores no tocante à intensificação das relações familiares o que se articula com a fragilização do funcionamento das redes de apoio, como escolas, atividades extracurriculares e profissionais externos. Nesse sentido, percebe-se que durante a pandemia da Covid- 19, houve um sobrecarga das funções de cuidados de quem reside com a criança o que pode gerar um mal-estar nas relações e no desenvolvimento psíquico infantil.
Outrossim, cabe destacar que as crianças e adolescentes também podem ser afetadas por eventuais instabilidades financeiras vivenciadas por seus familiares, uma vez que a própria economia sofreu impactos e gerou um aumento significativo do nível de desemprego na sociedade. Ademais, o acometimento da doença por familiares ou ainda a morte de pessoas próximas também podem gerar inconstâncias no seu desenvolvimento (FIOCRUZ, 2020).
De acordo com a cartilha elaborada pela Fiocruz quanto aos aspectos referentes à saúde mental das crianças na pandemia da Covid-19, destacam os autores que as reações emocionais e alterações comportamentais mais frequentes são: "dificuldades de concentração, irritabilidade, medo, inquietação, tédio, sensação de solidão, alterações no padrão de sono e alimentação" (pág.4).Segundo os especialistas, estas manifestações são esperadas diante do cenário atual. Com efeito, os autores entendem que diante de tais dificuldades cabe incluir a ação de cuidadores nas estratégias de atenção psicossocial voltadas para este indivíduo, o que aqui enfatiza-se o trabalho do psicólogo clínico no atendimento infanto-juvenil.
A psicoterapia infantil sob a perspectiva da Gestalt- terapia
De acordo com os pressupostos da concepção de homem para a abordagem gestáltica, emerge a visão deste como não fragmentado e, portanto, analisado, como um todo, o que aduz uma visão integral do sujeito da qual não pode separá-lo do contexto que o cerca (AGUIAR, 2014). Nesse sentido, a criança, segundo os preceitos da Gestalt Terapia, também deve ser vista como um ser global, inserida nos diversos contextos que a constitui tais como: emocional, orgânico, espiritual, social e histórico.
Segundo a autora, há ainda uma busca intensa pelo equilíbrio destes diversos fatores que constituem o sujeito, entendendo que um afeta diretamente o funcionamento do outro. Aguiar (2014) explica tal afirmação expondo o exemplo de uma criança que fica doente e como seu adoecimento pode afetar seu comportamento social, uma vez que se torna menos disponível para brincar ou ainda que se sinta menos capaz de realizar coisas, o que abala, por sua vez, a autoestima.
Entende-se, portanto, que não podemos analisar o comportamento de uma criança, o que na Gestalt Terapia podemos nomear como sendo a "figura", ou seja, algo que se destaca, isolado de seu contexto, comumente entendido nesta abordagem como o "fundo". Esta dinâmica entre figura e fundo nos dá o entendimento do indivíduo como um todo e pressupõe a fluidez com que diferentes fenômenos se tornam figura em momentos distintos. No contexto da psicoterapia, por exemplo, vemos que há comportamentos diversos que são levados para tratamento e análise e como estes se modificam com o tempo (AGUIAR, 2014).
Nesse sentido, cabe ressaltar que definir uma criança como "agressiva", "teimosa" ou qualquer outro adjetivo não se aproxima com a visão de homem sob a perspectiva da Gestalt Terapia, uma vez que esta é apenas uma característica que emerge neste momento, mas que se configura dentro de um contexto especifico (AGUIAR, 2014).
Segundo Aguiar (2014), ao deparar-se com uma queixa trazida pela família, o Psicoterapeuta infantil não deve, portanto, analisar um sintoma como o problema a ser resolvido, entendendo que aquele sintoma é uma expressão criativa da forma que a criança se apresenta ao mundo, ainda que esteja disfuncional.
Com efeito, o trabalho psicoterapêutico efetivo com a criança deve ir além do espaço terapêutico na medida em que se torna indispensável a inclusão dos responsáveis, bem como o contato com a escola, a família ampliada e profissionais que acompanham seu desenvolvimento. Entende-se, portanto, que o envolvimento no "setting" terapêutico dos sujeitos atuantes na vida desta criança pode ser analisado como promotor de saúde ou de adoecimento da mesma. Ao incluir o contexto em que a criança está inserida deixamos de enfocar apenas no sintoma como cerne do tratamento (AGUIAR, 2014).
O modo, no entanto, com que o trabalho terapêutico infantil acontece, deve ser diferenciado da psicoterapia com adultos, conforme aponta Oaklander (1980). Segundo a autora, os atendimentos voltados para este público serão desenvolvidos especialmente através do uso de brinquedos, jogos e atividades lúdicas. Neste sentido, entende-se que a criança e o adolescente irão falar sobre si e o que vivenciam através da brincadeira o que implica na aproximação do terapeuta destes recursos.
O brincar, portanto, segundo Lima e Lima (2015) é um meio facilitador de expressão da criança sob a perspectiva da Gestalt- terapia. De acordo com as autoras, através da brincadeira a criança aproxima do setting terapêutico suas angústias, medos, fantasias e até sua representação de família.
No tocante à psicoterapia infantil, esta se apresenta, portanto, como um mecanismo de contato com a criança a partir da representação lúdica, não havendo um foco sobre a verbalizações de suas questões a serem trabalhadas na terapia, com as quais nos deparamos através das brincadeiras. Entende-se ainda que através destes recursos e da fantasia da criança, esta irá encontrar caminhos para lidar e modificar sua realidade através de estratégias criativas. O papel do psicoterapeuta infantil, portanto, é de facilitar este processo acolhendo os limites de cada sujeito a partir do contexto em que está inserido (BORSTMANN; BREUNIG; MACEDO; 2018).
O advento da psicoterapia online
A prática da psicoterapia online se encontra regulamentada desde a resolução do Conselho Federal de Psicologia sob o nº 11/2018, no entanto, esta possibilidade de atendimento tornou-se ainda mais evidente com a chegada da pandemia causada pela Covid-19.
São muitos os benefícios encontrados na possibilidade do atendimento virtual, tais como a praticidade, comodidade e o custo reduzido devido a não necessidade de deslocamento, locação de consultórios entre outras despesas. Em contrapartida, encontramos ainda algumas preocupações pertinentes quanto à ética nesta modalidade de atendimento no que se refere a confidencialidade e privacidade das consultas (PIETA; GOMES, 2014).
Segundo Pieta e Gomes (2014), tais práticas, no entanto, foram sendo aperfeiçoadas desde sua implementação, na medida em que se ampliaram os cursos de capacitação para psicólogos voltado para o atendimento online assim como foram ajustados os códigos de éticas e orientações visando contribuir para a disseminação desta prática. De acordo com as autoras, há ainda inúmeros estudos que demonstram a eficiência dos resultados nesta modalidade de atendimento.
Neste sentido, as restrições impostas pelo distanciamento social decorrente da pandemia do novo Coronavírus exigiram da maioria dos psicólogos a conversão de seus atendimentos presenciais para o formato online, viabilizando e difundindo ainda mais esta prática. Para aprimorar este tipo de serviço, considerado novo até então, o Conselho Federal de Psicologia apresentou ainda uma nova resolução visando oferecer novas orientações aos psicólogos acerca dos atendimentos online durante a vigência da pandemia (CFP, 2020).
Cabe reiterar que para além das preocupações quanto à saúde física decorrentes da nova doença, denotou-se ainda um crescimento significativo pela procura por atendimento terapêutico devido ao sofrimento psicológico vivenciado por grande parte da população durante a pandemia, o que reforça ainda mais a relevância do atendimento psicoterapêutico online. Acredita-se ainda que os indivíduos submetidos ao isolamento social estão mais suscetíveis a apresentar sofrimento psíquico (PEREIRA et al, 2020).
A psicoterapia online com crianças e adolescentes: um novo caminho possível.
Apesar da regulamentação do atendimento psicoterapêutico no modo online ter ocorrido em meados de 2018 pelo Conselho Federal de Psicologia, esta prática, como discutido acima no presente artigo, não era tão bem aceita pelos profissionais psicólogos, havendo também certa resistência do público em geral. De igual modo, este formato de atendimento voltado para crianças e adolescentes também não encontrava espaço.
No entanto, sabe-se que o advento da pandemia da Covid-19 exigiu uma série de mudanças nos modos de trabalho e na prestação de serviços, o que também foi aplicado à Psicologia que de modo geral, passou a atuar com tele atendimento através de chamadas de vídeos. Este novo modelo de trabalho fez-se igualmente necessário quanto aos atendimentos infanto-juvenis, uma vez que, estes também experimentaram os efeitos do isolamento social.
Esta prática, no entanto, mostrou-se ainda mais desafiadora na medida em que não era analisada nem mesmo possível entre os Psicólogos, haja vista a suposta necessidade de presença física em um atendimento infanto-juvenil. Assim sendo, a nova experiência deste tipo de atendimento deparou-se ainda com a falta de literatura acerca da temática o que visa fornecer subsídios para sua pratica, justificando, sobretudo, a produção deste artigo.
Isto posto, convém reiterar uma das premissas da Gestalt- terapia: a ênfase no contato. Nesse sentido, nos referimos ao contato em dois sentidos: o do cliente com suas emoções e da relação que acontece no espaço dialógico (Silva, 2015). Desta forma, destacou-se como um imperioso desafio pensar a psicoterapia infantil em um formato que não fosse o presencial.
A partir desse contexto, diferentes questões foram inicialmente apontadas como: a privacidade das sessões, o estabelecimento do contato visual e corporal por tempo prolongado com uma criança ou adolescente, a dificuldade de oferecer recursos lúdicos que tivessem utilidade efetiva para o processo terapêutico, a percepção das expressões corporais geralmente marcantes no contato presencial ou ainda o próprio acolhimento de possíveis expressões intensas relacionadas às emoções vivenciadas no processo.
No entanto, diante da necessidade de manter os atendimentos com as crianças e adolescentes ou ainda de atender as novas demandas crescentes no período de pandemia, fez-se necessário a adaptação do trabalho do psicólogo infantil buscando oferecer apoio e orientação a estes infantes bem como às suas famílias.
Mediante tal demanda, nova e desafiadora, o psicólogo infanto-juvenil se deparou com a necessidade de procurar ainda mais estudo e aprimoramento de sua prática no que se refere à psicoterapia online. Neste sentido, os cursos de formações, aulas online bem como inúmeros debates sobre o tema, proposto, por exemplo, pelo IGT- Instituto de Gestalt- Terapia e Atendimento Familiar se apresentaram como de grande valia neste momento.
Os ajustamentos criativos necessários a este novo atendimento
Entende-se que a Gestalt- terapia se apresenta como uma abordagem na qual o psicólogo, através do encontro dialógico, visa ampliar as possibilidades de ajustamento criativo do sujeito (AGUIAR, 2014). Deste modo, durante a pandemia do novo coronavírus, esta necessidade fez-se ainda mais relevante tendo em vista a urgência de adaptação no período de crise.
Deste modo, percebeu-se que, neste modelo de atendimento, o cuidado com a qualidade da presença do Psicólogo, ainda que virtual, tornou-se ainda mais pertinente, buscando, sobretudo, um olhar e uma escuta atenta e empática às necessidades do cliente.
Ademais, foi necessário ressaltar com os pais a importância da privacidade do novo espaço terapêutico da criança, uma vez que o "setting" não se configuraria mais pela disposição física do consultório, visando proteger o sigilo profissional. O cuidado com a qualidade da internet bem como o equipamento oferecido à criança para realização das chamadas de vídeo também precisou ser abordado com os responsáveis, uma vez que, se entendeu necessário a possiblidade de certa movimentação corporal durante os atendimentos como uma forma de expressão.
Destarte, foi necessário ainda a combinação com os adultos responsáveis da disponibilização de recursos expressivos básicos ao alcance da criança durante a sessão, tais como papéis, canetas, lápis-cera, revistas, livros infantis, massinha de modelar entre outros materiais que pudessem estar de acordo com o processo terapêutico no qual a criança pudesse acessar a qualquer momento conforme o andamento das sessões e os temas a serem trabalhados.
Os Psicólogos, por sua vez, também buscaram ao longo deste período, o seu próprio aperfeiçoamento a partir do uso de recursos como os jogos online, histórias através de arquivos digitais e atividades que pudessem ser utilizadas no modo compartilhamento de tela através de plataformas digitais de chamadas de vídeo. Estes profissionais também se organizaram para terem objetos lúdicos ao seu dispor que pudessem interagir com a criança através da tela, como o uso de fantoches e bonecos, por exemplo.
As dramatizações de histórias encontram seu ponto alto entre as crianças menores e não alfabetizadas, o que não demonstrou qualquer perda de seu objetivo em contrapartida ao seu uso presencial. Os adolescentes, por sua vez, demonstraram maior aceitação através de jogos online e a própria ênfase no diálogo entre Psicoterapeuta e cliente.
O cuidado com a relação terapêutica, uma das prioridades da Gestalt- terapia, mostra-se ainda mais importante no contexto do atendimento online. Segundo Freitas (2016), a abordagem gestáltica enfatiza a relação dialógica, isto é, entre Psicoterapeuta e cliente, como sendo a maior técnica e ferramenta do trabalho o que por si só pode promover transformações e mudanças.
Cabe ressaltar que tais observações a partir da prática clínica com crianças e adolescentes foram compartilhadas entre alguns psicólogos infanto-juvenis, especialmente nas supervisões dos atendimentos do curso de formação em psicoterapia infantil oferecido pelo IGT- Instituto de Gestalt- Terapia e Atendimento Familiar. O compartilhamento de experiências clínicas entre psicólogos, seguindo as normas de sigilo profissional, nos diversos espaços de estudo, como aulas online, workshops, simpósios, dentre outros, apresenta-se, portanto, como extremamente valioso para a produção acadêmica e, consequentemente, o aprimoramento da prática clínica.
Considerações finais
O presente artigo buscou discutir sobre a nova prática do atendimento psicoterapêutico infanto-juvenil disseminado a partir da pandemia do novo coronavírus. Neste escopo, foi abordado o crescimento do sofrimento psíquico deste período bem como os impactos no desenvolvimento infantil gerados pelo isolamento social. Tendo como base a perspectiva da Gestalt- terapia, foram abordados conceitos relativos à sua teoria que orientam a prática destes atendimentos.
Denotou-se que diante de um novo desafio para o psicólogo infantil, foram possíveis ajustamentos criativos frente a necessidade de realização dos atendimentos visando fornecer suporte psicológico para os infantes neste período de crise. As adaptações quanto à privacidade, sigilo, uso dos recursos terapêuticos entre outros, mostrou-se imprescindível para esta experiência levando maior segurança e suporte para as famílias e o espaço de expressão e transformação que a psicoterapia infanto-juvenil se propõe.
Entende-se que a relação terapêutica a partir da abordagem gestáltica deve ser enfatizada no "entre", isto é, na troca entre Psicoterapeuta e cliente como um elemento primordial para o sucesso do atendimento. O cuidado com este vínculo, ainda que sobre o contexto da virtualidade demonstrou suas especificidades e adaptações necessárias ao setting terapêutico, revelando-se como um ajustamento possível diante do cenário de crise sanitária vivido durante a pandemia do Coronavírus.
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NOTAS
* Luana Estrella Ribeiro Villas-Bôas - Psicóloga graduada pela Puc- Rio. Mestranda em Psicologia Clínica na Área de Família, Casal e Criança (PUC-RIO), Pós-Graduanda em Psicoterapia Infantil na Abordagem Gestáltica (IGT) e Pós-graduada em Psicologia Jurídica (UCAM).
Endereço para correspondência
Luana Estrella Ribeiro Villas-Bôas
Endereço eletrônico:luanaestrellapsi@gmail.com
Recebido em: 31/07/2020
Aprovado em: 22/10/2020