ARTIGO

Ensaio sobre a dimensão política da arte pelo olhar da clínica gestáltica

Essay on the political dimension of art through the perspective of the gestalt clinic

Dácio Carvalho

Endereço para correspondência

 


Resumo

O presente texto explora a dimensão política da arte refletindo através do olhar da Gestalt-terapia. O corpo do texto atravessa questões referentes à aproximação da Gestalt-terapia com o campo da arte, sua utilização clínica e sua dimensão política. Debatendo sobre como a arte pode realçar ou fazer contraponto ao sistema de ideias e forças de poder que rodeiam o homem bem como a experiência artística como modo de estar consciente de si resistindo aos processos de massificação. Além das reflexões da dimensão política da arte o presente texto realça a dimensão estética e política da Gestalt-terapia.

Palavras-chave: Gestalt; Arte; Arteterapia; Política.


Abstract

The present text explores the political dimension of art reflecting through the Gestalt therapy perspective. The text touch questions regarding the approach of Gestalt therapy with the field of art, its clinical use and its political dimension. Discussing how art can enhance or counterpoint the system of ideas and power forces surrounding man as well as artistic experience as a way of being self-conscious resisting the processes of massification. In addition to the reflections of the political dimension of art, this text emphasizes the aesthetic and political dimension of Gestalt therapy.

Keywords: Gestalt; Art; Art therapy; Politics.

 

Intrudução

A Gestalt terapia é uma abordagem que desde sua origem apresenta uma familiaridade com a arte e com os recursos artísticos. O conceito do que vem a ser um bom Gestalt-terapeuta chega até a apresentar semelhanças com o que vem a ser um artista pelo fato de estar agindo de modo aware, consciente de suas ações e percepções.

"O artista permanece ao mesmo tempo profundamente aware de suas próprias sensações e as articula de modo belo na expressão dessas partes percebidas e projetadas de si mesmo. Para aqueles entre nós que não são artistas criativos, mas que reverberamos com os insights que eles nos proporcionam, esta fusão da expressão e da awareness parece mágica. Essa união é que constitui a matriz de sua criatividade " (POLSTER e POLSTER, 2001 p. 220)

O objetivo do presente texto é explorar a dimensão política da arte através Gestalt-terapia, realçando a sua dimensão política e estética. A fim de debater questões políticas dentro da arte, apresentaremos o histórico da forte aproximação da arte com a Gestalt Terapia. Mostrando questões pertinentes tanto a dimensões políticas da arte como também implicações necessárias à própria abordagem.

Este exercício de pensamento é de extrema importância para se pensar de modo mais profundo sobre aspectos sociais e como os mesmos marcam o sofrimento psíquico das pessoas chegam aos nossos consultórios e também em outros espaços como os serviços especializados de saúde mental, e à rede de saúde pública como um todo. Pensando a arte não apenas como uma ferramenta terapêutica, mas também como as mesmas podem desafiar ou se aliar a um discurso dominante e o modo de como a experiência artística pode tornar o sujeito mais aware de si para enfrentar as contingências as quais este submetido.

Recursos artísticos e sua potencialidade terapêutica

Para iniciar esta questão, lançaremos mão do pensamento da artista plástica Fayga Ostrower no que diz respeito ao seu modo de pensar a arte e os processos criativos. De acordo com seu modo de ver o processo de criação, este não pode ser visto em outro contexto que não seja o integral, sempre entrelaçado com o viver. Nas suas necessidades existenciais, o homem cria não simplesmente por ser prazeroso, mas também por necessidade. E não sendo um processo totalmente consciente, mas sim de dar forma ao subjetivo, intuindo-o e o dando forma. Ou seja, pela via da expressividade aspectos subjetivos são concretizados. (Ostrower, 1977/2014).

Lopes (2014) acredita que as práticas criativas com recursos artísticos tenham a potencialidade de elaboração de questões emocionais, uma relação muito próxima entre criatividade e desenvolvimento pessoal. Pois a criatividade implica novidade e criação de novas ações, sua falta faria com que o homem tivesse ações estereotipadas mecânicas e repetitivas.

Dentro da Gestalt-terapia é destaque o pensamento de Zinker (2007) sobre a criatividade. Desmistificada a noção de que seja algo restrito a personalidades excêntricas e eruditas. Mas sim como condição básica da solução de problemas, ruptura de limites sendo o próprio encontro criativo. Até mesmo o terapeuta visto como artista quando se liberta a lançar mão de toda a sua inventividade. "A Gestalt-terapia é na verdade uma permissão para ser criativo" (p.30)

Logo, não nos deteremos a pensar se a arte por si mesma. Mas enquanto experiência estética a ser explorada por psicoterapeutas como uma potencializadora da expressividade e, dentre de seus vários aspectos possíveis, focando no político. Pois durante anos a maioria das pessoas não foram estimuladas a exercerem sua criatividade de modo a produzir uma diferença significativa no meio. E sim a se adequar a padrões rígidos de escolas tradicionais, empregos mecânicos e monótonos atrofiando a capacidade criativa. (Lopes, 2014)

Rhyne (2000) Acredita na arte como uma experiência que pode fomentar a clareza de insight tanto enquanto um grande artista tanto enquanto um amador ampliando o nosso campo de compreensão. A consciência de si entra em um importante jogo uma vez que a cada um de nós nos é incumbido a luta de repelir o que nos desvitaliza e atrair o que nos engrandece indo a uma postura criativa e ativa frente a existência.

"Acredito que muito de nós passamos a vida em uma escravidão desconfortável e ressentida, tentando, sem muito ânimo, aceitar as exigências de nossas famílias, nossa posição, nossa cultura. Nossos temores nos mantêm imobilizados; temos medo até de questionar, quanto mais de desafiar o sistema de valores que nos é imposto pela sociedade; tememos a solidão da autonomia. Somente quando confiamos em nossas percepções individuais e agimos é que podemos nos perceber em nosso potencial único" (RHYNE, 2000, Pg. 32)

História da Gestalt-Terapia e arte

Para ter um entendimento contextual da Gestalt terapia é necessário olhar para o seu Zeitgeist, o espírito do tempo, o contexto histórico, político, cultural e intelectual da primeira metade do século XX. Historicamente fora um período marcado pelas duas grandes guerras mundiais. Politicamente houvera uma popularização de correntes marxistas e anarquistas que faziam frente ao capitalismo. Culturalmente movimentos de vanguarda artística rompiam com a arte burguesa do século XIX. Intelectualmente a ênfase deixou de ser uma visão de homem idealista para um homem concreto e contextualizado pela influência do Marxismo, além do forte domínio do pensamento psicanalítico. Também houve os trabalhos de Hurssel, pai da fenomenologia, que abrira caminhos tão caros às linhas psicoterápicas fenomenológicas-existenciais. (Wulf, 1996)

Além de um olhar panorâmico sobre o Zeitgeist da época, observar como o mesmo incidiu de modo particular sobre os fundadores da abordagem e que conjuntos de movimentações fizeram em relação à política, à inclinações teóricas e à artes.

Ao se olhar para a história da Gestalt-terapia e com especial atenção para os dados biográficos de seus pioneiros percebe-se que além de influências teóricas explícitas no processo de criação da abordagem há fortes traços frutos das experimentações artísticas de seus criadores. A passagem de uma postura analítica para uma postura focada no presente, na experimentação, no interesse especial pela expressão da corporeidade e no modo de como as palavras são empostadas tirando o foco exclusivo do conteúdo. (Alvim, 2007a)

Aqui, o olhar dado para a arte ultrapassa um recurso de psicoterapia, mas como a possibilidade de uma experiência estética. Uma proposta que dar um lugar diferente para a questão da sensibilidade, dando a mesma reconhecimento e validade e não como algo que prejudica distorce e contamina o olhar profissional. Uma vez que o olhar estritamente intelectual promove um distanciamento entre sujeito e objeto, e este passa a ser reduzido à algo manipulável. O pensamento estético está muito próximo da fenomenologia e da Gestalt-terapia. O clínico gestáltico é aquele que observa o desvelar do consulente como arte e deixa-se se tocar por ela. Sendo o objetivo de seu trabalho facilitar que a obra se reconecte, se harmonize com o criador. (Alvim, 2007b)

Ao se observar de modo mais direto uma modalidade artística como a dança, observamos que apesar de aparente distância teórica e metodológica para o um campo da psicologia encontramos similaridades e afinidades quando olhamos para o corpo não enquanto objeto, mas enquanto expressividade. Não no ter um corpo, e sim ser o corpo com suas possibilidades expressivas. Principalmente quando estamos olhando para a Gestalt-terapia cuja dança se fez presente a partir dos estudos de Laura Perls na década de 30 que garantiu uma ênfase na corporeidade. (Silva, Oliveira & Alvim 2014)

De Reich a Gestalt-terapia herdou o reconhecimento das tensões musculares como sendo a fonte de um caráter rígido, estereotipado, que bloqueia o desenvolvimento. Mas foi a partir do contato de Laura com a dança moderna que veio o foco na awareness corporal.. (Perls, 1977/1992)

Curiosa e peculiar é a maneira de como a desvitalização neurótica descreve a fala neurótica desprovida de energia e espontaneidade. "Não obstante, o contrário da verbalização neurótica é uma fala criativa e variada; não é nem a semântica científica nem o silêncio; é a poesia". (Perls, et al 1951/1997). Ou seja, a fala poética é vista como espontânea, fluida e alinhada aos desejos e necessidades do organismo. Contrapondo à estereotipia e a desvitalização neurótica.

A infância e a juventude de Fritz Perls se passaram em sua cidade natal, Berlim, capital do império alemão. Nos anos que antecederam a primeira Guerra Mundial o contexto era de relativa estabilidade política e econômica. O ar cultural era de palco da vanguarda política e cultural. A arte ortodoxa do século XIX estava por ruir. Amelie Round, sua mãe, era uma mulher de apreço pelas artes. A influência materna fora crucial para Fritz desenvolver gosto pelas artes. Tal relação com a arte se intensificou com seu contato com o teatro expressionista de Reindhardt, aonde a valorização da expressão verdadeira e autêntica marcou pessoalmente a Fritz e suas ideais para o campo da psicoterapia. (Helou, 2015)

Em Perls (1969/1977) podemos ter acesso a transcrições de trabalhos grupais ministrados entre 1966 e 1968 no instituto Esalen na região de Big Sur, Califórnia. Observa-se a partir de uma fala marcada pela oralidade a ênfase que Fritz dava ao modo de como a voz era expressada, chegando até mesmo a confrontar os participantes com a sensação de tédio que falas desenergizadas lhe causavam. Curiosamente uma das expressões que Fritz usa com frequência para descrever incongruências e inautenticidade é "Desempenhar papéis". "Como vocês sabem, a maior parte do nosso desempenho de papéis é destinada a consumir um bocado dessa energia simplesmente para controlar emoções" (PERLS, 1977 p. 85)

Tal estilo e modo de condução dos grupos com uma busca implacável pela autenticidade carrega fortes influências do teatro expressionista alemão (Alvim, 2007a). Além da forte marca deixada pela vivência do teatro expressionista nos anos de sua juventude em Berlim que vivia um rico movimento cultural de vanguarda com Max Heinhardt, pelo qual nutria uma forte admiração. Fritz também teve aproximação com os trabalhos de Jacob Moreno em solo americano já numa idade madura no ano de 1947. Agora o envolvimento com teatro não mais puramente artístico, mas já buscando adaptabilidade de técnicas para a psicoterapia. (Wulf, 1996)

Arte e política.

Marxen (2018) faz análise do campo da arte em suas relações com os âmbitos sociais políticos e terapêuticos. Salienta que em um trabalho multidisciplinar pode envolver intelectuais, artistas e ativistas políticos em ações conjuntas citando como exemplo o movimento Tucuman Arde na ditadura argentina dos anos 60. Mas que a mesma também pode ser usada com fins populistas e banais na sociedade do espetáculo e em favor do sistema capitalista que penetra a subjetividade para gerar o desejo do consumo.

Em terras brasileiras, na cidade de Ouro Preto – MG, Passeti (2008) traz como exemplo do entrelaçamento da arte com a política o grupo teatral The Living Theatre idealizados pelos anarquistas Julian Beck e Judith Malina. Presos em 1971 por subversão e uso de drogas realizavam experimentos teatrais com favelados, miseráveis e filhos de operários. Agiam problematizando o militarismo vigente.

"O LT foi criado na convivência libertaria com o educador e teatrologo Paul Goodman, um professor expulso da universidade americana por ser homossexual. O LT fazia e faz o acontecimento; permanece na luta libertaria contra a prisao, problematizando o militarismo e ampliando resistencias." (PASSETI, 2008 p. 286)

Para o campo do uso enquanto processo terapêutico Marxen (2018) avalia que o campo da Arte-terapia deixa a desejar no que se refere à uma posição frente a um cenário de desvalorização do viés de pesquisas qualitativas em detrimento de uma hegemonia do viés qualitativo. Tal desequilíbrio alimentaria uma lógica baseada em um excesso de quantificações, classificações e vendas de medicações. Aliado a uma crítica a banalizações diagnósticas descreve os recursos terapêuticos como capazes de recuperar potenciais apagados pelo processo de institucionalização.

No livro Gestalt-therapy, cujo tomo teórico fora majoritariamente influenciado por Paul Goodman, está presente uma forma peculiar de leitura da natureza humana que lança a mão da fenomenologia para a superação de dicotomias e do pragmatismo para um olhar sobre a experiência concreta com uma leitura social. Tendo o self como célula integrativa da experiência. Nesta obra, Paul Goodman pensa os aspectos políticos das relações de poder. Defendendo que o excesso de coerções não faz cessar os conflitos, além de inibir os conflitos genuínos que potencialmente teriam soluções criativas. A capacidade de auto regulação seria o horizonte que faria salvaria a psicoterapia de uma postura moralista e higienista. Belmino (2014)

Nesta obra a neurose é vista com uma raiz antropológica, não como um trauma ou conteúdos mnemônicos. E sim como o preço pago por abrir mão da espontaneidade e criatividade em prol da previsibilidade e manutenção do status quo. Conforme a inibição do excitamento torna-se um hábito, ela deixa de ser uma atitude deliberada e passa a se tornar um hábito impregnado, estereotipado e carregado de tensões, ansiedades e adotando uma postura rígida e defensiva mesmo na ausência de perigos iminentes. (Perls, et al 1951/1997)

Nos anos 40, antes mesmo do surgimento da Gestalt-terapia, Paul Goodman, o poeta e crítico social com inclinações anarquistas, já estava envolto com o campo da psicoterapia com um interesse especial pelo seu papel social e seus desdobramentos políticos. Critica a ideia embutida nas psicoterapias que o indivíduo esteja doentio e que a função da psicoterapia seja restaurá-lo à sociedade e suas instituições que produzem as tensões. Na contramão desta ideia nos incita a revisar e rever as instituições e pensar uma prática psicoterápica não do enquadramento, mas do fomento à criação e transformação. Goodman (1945)

A respeito desta modalidade de conflito, as ideias presentes no pensamento de Goodman são retomadas por Muller-Granzotto & Muller-Granzotto (2012). Onde os autores reconhecem a dimensão política dentro da neurose e o modo de como ela se faz presente a partir de elevadas cobranças dos consumistas do mercado. Uma corte é que ao contrário de outras linhas de psicoterapia que vêm a queixa neurótica como um adoecimento a ser captado como forma de produto para ideologias terapêuticas e religiosas os autores se propõem a pensar a neurose como uma resistência à todas essas demandas que o mercado. Sendo a alternativa ajudar os sujeitos a compreenderem suas estratégias de enfrentamento à dominação imposta pela lógica de consumo e produtivíssimo o qual está submetido. Bem como ajudá-los a reconhecer suas limitações e à possibilidade de construção de novas estratégias de enfrentamento.

Cabe nos pensar também como seu consumo de arte e a frenética propagação de conteúdos estão se dando e que implicações elas direcionam para os clínicos Gestálticos? Para abordar estas questões será necessário compreender uns traços narcísicos da contemporaneidade. Trazendo também para a compreensão e discussão o conceito de Clínica Política da Banalidade proposto por Muller-Granzotto e Muller-Granzotto (2012)

A contemporaneidade é marcada por traços narcísicos e imediatistas, a vivência do tempo é marcado por uma aceleração e uma supervalorização do instante, do imediato. O museu se apresentaria como um espaço de resistência. Mas ainda assim, quando o homem contemporâneo olha para a obra exposta e não consegue ter uma experiência estética que o leve para além da existência física dela tenderá a encará-la como morta. Aí é que se percebe seus traços narcísicos, Narciso foi o personagem que não diferenciou o sujeito e o objeto não reconhecendo seu próprio reflexo, daí ver o item de museu como morto. O sujeito contemporâneo absorvido por imagens orientadas por uma sociedade de consumo parece não conseguir se ver fora dela. (Freire, 1994)

A clínica gestáltica tem uma aproximação deste narcisismo do homem contemporâneo ao discutir as novas clínicas políticas, a saber, a clínica da banalidade. Nova modalidade de clínica descrita por Muller-Granzotto e Muller-Granzotto (2012) onde os sujeitos passam por um processo de alienação de seus desejos, ambições, projetos, posições críticas abandonando-os em prol de restos de cultura (ideologias de massa, a qual não exige dele um pensamento crítico) em um movimento de banalização da demanda que lhes são dirigidas.

"Ou, então, é comum para todos nós termos de conviver com pessoas destituídas de ambições, projetos e desejos, como se a única coisa que lhes restassem fosse reproduzir alguns poucos papéis nas periferias das ideologias de massa" (MULLER-GRANZOTTO, MULLER-GRANZOTTO, 2012, p. 197)

Freire (1994) cita como exemplo o trabalho artístico da fotógrafa Barbara Kruger, de modo astucioso utiliza elementos de fotografias adulteradas à fim de propagandas com o intuito de se posicionar criticamente. Fotografias banais típicas de comerciais editadas com o acréscimo de frases provocativas que puxam o sujeito para o campo da reflexão de temas como saúde mental e feminismo. A fotógrafa lança mão de imagens editadas, típicas de comerciais e conteúdos de massa e subvertendo-o instigando a reflexão e criticidade.

Considerações finais

O viés a qual debateu-se a dimensão política da arte a partir da Gestalt-terapia é bastante peculiar. Pois a partir de um olhar que resgata a historicidade da abordagem acentuando o fundo estético da interferência das vivências artísticas de seus fundadores como bem como o contexto da efervescência política e cultural da arte moderna da época tem se uma análise da dimensão política da arte muito próxima da dimensão política da própria abordagem.

Resgatou-se o conceito de neurose presente no livro Gestalt-Therapy que por vezes é tão negligenciado e por outras citado apenas como marco histórico da fundação da abordagem. Vendo-a como uma formação antropológica onde a repressão dos excitamentos em prol da manutenção de um status quo deixa de ser deliberada e passa a ter um modo estereotipado, repetitivo atuando defensivamente mesmo em situações sem perigo iminente. Vendo a arte como uma possibilidade a mais de se intervir na expressividade, na fomentação do bom conflito capaz de criativamente gerar novidade.

Além da noção de neurose também resgatamos a noção de self como síntese integrativa da experiência. Onde, atilado com um viés fenomenológico, quebra-se as dicotomias. Fazendo com que a neurose não seja pensada por uma dicotomia particular e individual/ Social. Reconhecendo o adoecimento como formas de resistência (mesmo que sem muita efetividade) à dominação do outro social.

Sendo assim, uma das dimensões políticas da arte é o modo de como esta vêm a ratificar, aliar-se as produções ideológicas dominantes ou ao modo de como ela a desafia e faz um contrapondo. Fazendo com que a narrativa do outro social e sua dominação biopolítica não seja isenta de uma resistência, um contraponto.

O presente texto se delimitou a explorar a dimensão política da arte entrelaçadas com a Gestalt-terapia. Outras produções como esta são necessárias, onde poderão avançar sob um viés mais propositivo e também sobre aspectos que estão para além da neurose. Como pré-conceitos, descriminações, vulnerabilidades sociais (sofrimento ético-político e antropológico) e até mesmo o campo da psicose.

Referências

ALVIM, Mônica Botelho. O fundo estético da Gestalt-Terapia. Revista da Abordagem Gestáltica: Phenomenological Studies, v. 13, n. 1, p. 13-24, 2007a. https://itgt.com.br/nepac/NEPAC/Textos/O%20fundo%20estetico%20da%20Gestalt_terapia.pdf

ALVIM, Mônica Botelho. Experiência estética e corporeidade: fragmentos de um diálogo entre Gestalt-terapia, arte e fenomenologia. Estudos e Pesquisas em Psicologia, v. 7, n. 1, p. 0-0, 2007b. http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1808-42812007000100012

BELMINO, Marcus Cézar et al. Paul Goodman e o projeto do livro Gestalt Therapy. IGT na Rede, v. 11, n. 20, 2014. http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1807-25262014000100008

FREIRE, Cristina. Um palco de espelhos: narcisismo e contemporaneidade. Psicologia USP, v. 5, n. 1-2, p. 131-143, 1994. http://www.revistas.usp.br/psicousp/article/view/34494

HELOU, Fádua. Frederick Perls, vida e obra: em busca da Gestalt-terapia. Summus Editorial, 2015. Lopes, C. P (2014). Práticas criativas de arteterapia como intervenção na depressão. Petrópolis- RJ, Vozes.

>MARXEN, Eva. Artistic Practices and the Artistic Dispositif–A Critical Review. Antípoda. Revista de Antropología y Arqueología, n. 33, p. 37-60, 2018. https://revistas.uniandes.edu.co/doi/full/10.7440/antipoda33.2018.03

>MÜLLER-GRANZOTTO, Marcos José; MÜLLER-GRANZOTTO, Rosane Lorena. Clínicas Gestálticas: Sentido ético, político e antropológico da teoria do self. Summus Editorial, 2012.

GOODMAN, Paul. The political meaning of some recent revisions of Freud. 1945. https://najculture.org/handle/20.500.11976/466

PASSETTI, Edson. Teatro, anarquia e um alerta aos pluralistas. verve. revista semestral autogestionária do Nu-Sol., n. 14, 2008. https://revistas.pucsp.br/verve/article/viewFile/5159/3686

PERLS, Laura. Concepts and misconceptions of Gestalt therapy. Journal of Humanistic Psychology, v. 32, n. 3, p. 50-56, 1992. https://journals.sagepub.com/doi/abs/10.1177/0022167892323004

PERLS, F. HEFFERLINE R. & GOODMAN P. Gestalt-terapia. São Paulo: Summus, 1997

PERLS, Frederick S. Gestalt-terapia explicada. Summus Editorial, 1969.

OSTROWER, Fayga. Criatividade e processos de criação. 1978.

RHYNE, Janie. Arte e Gestalt: padrões que convergem. Summus, 2000.

SILVA, Carla de Eirado; DE OLIVEIRA, Cíntia Siqueira; ALVIM, Mônica Botelho. Diálogos entre a Gestalt-Terapia e a dança: corpo, expressão e sentido. Revista Ciência em Extensão, v. 10, n. 3, p. 41-55, 2014.

WULF, Rosemarie. The historical roots of Gestalt therapy theory. Gestalt Dialogue: Newsletter for the Integrative Gestalt Centre, 1996.

ZINKER, Joseph. Processo criativo em Gestalt-terapia. Summus Editorial, 2007.

Endereço para correspondência

Dácio Carvalho

E-mail: daciocarvalhopsicologo@gmail.com

 

Recebido em: 04/01/2020

Aprovado em: 28/12/2022