ARTIGO
Gestalt-Terapia e Recursos Humanos: um encontro possível
Gestalt Therapy and Human Resources: a possible meeting
Cristina Maria Giglio Lamas Bayma Salles*
IGT - Instituto de Gestalt-Terapia e Atendimeno Familiar – RJ.
RESUMO
O presente artigo trata acerca do papel do psicólogo dentro de uma organização em processo de mudança. O relato vem uma experiência profissional ocorrida entre os anos de 2008 e 2010, enquanto atuava como psicóloga organizacional. São descritos ações, conflitos, angústias e dilemas que foram presenciados e vividos na ocasião, e como um Gestalt terapeuta poderia lidar com tais situações se fosse convidado a participar de todo o processo. Recursos Humanos (RH) e Gestalt Terapia (GT) caminhando juntos, sob o olhar da complementariedade dos saberes.
Palavras-chaves: RH; Gestalt-Terapia; Organizações.
ABSTRACT
This article discusses the role of the psychologist within an organization in the process of change. The report comes from a professional experience lived between the years 2008 and 2010, while working as an organizational psychologist. Actions, conflicts, anguishes and dilemmas that were witnessed and experienced at the time were described, and how a Gestalt-therapist could handle such situations if invited to participate in the whole process. Human Resources (RH) and Gestalt Therapy (GT) walking together, looking at the complementarity of knowledge.
Keywords: HR; Gestalt-Therapy; Organizations.
INTRODUÇÃO
O tema deste artigo é a importância da presença de um psicólogo atuando em uma organização em processo de mudança. Pensar o quanto faz diferença, dentro de uma estrutura de Recursos Humanos (RH), a participação de um psicólogo com a formação em Gestalt-Terapia (GT) para alinhar e intervir em processos dos mais variados possíveis, principalmente de cunho estratégico.
O objetivo do trabalho visa levantar questionamentos e possíveis caminhos para que o psicólogo deixe de ser apenas "alguém preocupado com pessoas" e passe a assumir um papel mais estratégico, estando envolvido em decisões organizacionais e sendo o verdadeiro guardião das relações (PINHEIRO DA SILVA, 2014), que se fazem presentes em uma empresa.
A justificativa vem da importância de se pensar novas atuações para um psicólogo com formação em GT. Ampliar o campo de participação e vislumbrar outras possibilidades de intervenção são os grandes ganhos que um psicólogo pode ter se sair do universo clínico e utilizar seu saber em outro ambiente.
A metodologia aplicada foi a experiência vivida, descrita pelas situações do dia a dia, colhidas através de depoimentos na época e de fontes bibliográficas, oriundas de buscas de artigos científicos utilizando o Google, com as palavras-chaves Gestalt-Terapia, Recursos Humanos e Organização. Esta pesquisa bibliográfica foi realizada no período de dezembro de 2017 a dezembro de 2018. O intuito foi de mostrar o quanto a Gestalt-Terapia também poderia estar inserida neste contexto.
Nos tópicos a seguir, encontraremos a Contextualização dos fatos vividos e o que me levou a falar sobre eles; como a Gestão de RH era conduzida e organizada na época; como vivíamos o Aqui e Agora daquelas situações; os Desafios do psicólogo organizacional durante os movimentos que aconteciam; o processo de Mudança no qual estávamos inseridos; os Conflitos enfrentados; e a Adaptação e Novos Rumos que tivemos que encarar para o sucesso do processo.
CONTEXTUALIZAÇÃO
Durante muito tempo, enquanto vivia nos corredores de grandes empresas, participando de reuniões estratégicas e planejando ações de desenvolvimento de pessoas, constantemente era atormentada por dúvidas em relação a minha formação em Psicologia. Questionava o que estava fazendo, como ser "psicóloga" em meio a tanta correria por resultados. A vontade de me desvencilhar deste mundo empresarial começara a impulsionar minha busca por outros ares. O incômodo por não estar no lugar certo me fez aproveitar o momento de crise no país em 20141 para tomar a decisão de sair da empresa na qual trabalhava. Mais do que isso: sair do universo corporativo que já estava inserida há pelo menos metade da minha vida. Decididamente achava que aquilo não era para mim.
A velocidade que o tempo atual nos impõe muitas vezes é a responsável por essa falta do "olhar" e do "cuidar" no mundo dos negócios. Os resultados são urgentes e geralmente se sobrepõem aos sentimentos. E assim vamos caminhando.
Já foram tempos em que a área de RH cuidava apenas de processos burocráticos. De uns bons anos para cá passou a atuar mais proximamente deste grande ativo – o ser humano – que não mais é visto apenas como recurso, mas como pessoa, com seus sonhos, desejos, objetivos e busca por desenvolvimento.
Como psicóloga organizacional, acabei me envolvendo em situações das mais variadas possíveis, desde uma entrevista de processo seletivo até a intermediação de conflitos. Sentia-me realizada quando solicitavam meu olhar para determinadas ocasiões e valorizavam o que era dito. Não que eu tivesse a melhor resposta ou fosse a única a saber a solução, mas simplesmente por não achar que apenas "penso nas pessoas e não na empresa e seus números".
Um dos momentos mais interessantes que vivi aconteceu entre os anos de 2008 e 2010. E é através desta experiência que levantarei as questões propostas neste trabalho. Um olhar de como a Gestalt pode se fazer presente no ambiente organizacional, saindo do consultório clínico e invadindo o mundo corporativo.
GESTÃO DE RECURSOS HUMANOS
Havia sido contratada no final de 2008, com mais alguns colegas, para iniciar um novo momento numa empresa multinacional, que acabara de ser vendida a um grande grupo nacional. A proposta fora bastante desafiadora. Já vinha de outras empresas atuando em RH, porém, de forma mais simplista, basicamente realizando recrutamento, seleção e treinamento de pessoas, dentro de estruturas já formatadas.
O projeto que tínhamos pela frente era o de estruturar uma nova área de RH, já que a antiga havia sido desmobilizada em função da mudança de local de atuação. O desenho da nova área havia sido proposto pelo novo presidente do grupo, aproveitando apenas dois gerentes sêniores da antiga estrutura. Nesta nova configuração, a estrutura havia ficado sob a responsabilidade de um diretor de RH e sua equipe (três gerentes, duas coordenadoras, duas consultoras internas e quatro analistas), distribuídos entre as áreas de Treinamento, Consultoria Interna e Folha de Pagamento. Nesta equipe de doze profissionais, apenas as Coordenadoras e as Consultoras Internas possuíam formação em Psicologia. Os demais profissionais eram um Engenheiro Elétrico (Diretor de RH), dois Economistas (Gerente de Consultoria Interna e um Analista), quatro Administradores (Gerente de Treinamento, Gerente de Folha de Pagamento e dois Analistas) e um Analista de Sistemas.
Configurada a nova estrutura de RH, iniciava-se o verdadeiro papel de nossa área: ser agente facilitador no planejamento e execução da estratégia corporativa. Em linhas gerais, nossa missão transitava entre os processos a seguir: recrutar, treinar e gerir pessoas para melhoria de produtividade, cuidar do engajamento dos colaboradores, trabalhar o desenvolvimento de líderes, propor melhorias, cuidar da qualidade de vida, sugerir e validar competências organizacionais, cuidar da carreira das pessoas, monitorar desempenho dos funcionários, trabalhar conflitos e administrar as atividades gerais da área.
Albuquerque (1999) observa uma evolução do conceito de administração estratégica de recursos humanos, visando a mudança do modelo de controle para o de comprometimento, justamente o que vínhamos buscando na ocasião.
Os processos estavam soltos e cada equipe tinha por meta fazer seu novo desenho dentro desta nova realidade. Estava lançado o grande desafio: juntar o antigo com o novo, cuidando dos números e das pessoas. Como área de RH, precisávamos observar o que cada área fazia e também construir novas diretrizes.
AQUI E AGORA
Fora dada a largada para nossos encontros com as diversas áreas da empresa. Começamos a mexer na zona de conforto de muitos profissionais, mas não havia caminho alternativo. Minha função era de consultoria interna de RH, conhecida no mercado como Business Partner2, e tínhamos como papel estar bem próximos do que acontecia dentro de cada unidade de negócio, entendendo sua dinâmica, funcionamento, objetivos e relacionamentos. Ganhar a credibilidade dos funcionários e de seus líderes era nosso grande desafio. Um olhar estranho que até então era feito de bem longe, onde processos já existiam e todas as áreas apenas cumpriam procedimentos.
Nem sempre tínhamos a abertura necessária para entrar neste universo. Propor melhorias, apontar erros, dar suporte, trabalhar juntos. Este era o meu papel e o de mais uma colega de trabalho, por acaso também psicóloga, que dividia comigo tal tarefa.
Com a nossa chegada, o desconforto tornou-se visível. Iniciamos as conversas com cada líder, tentando conhecer seu trabalho, suas metas e seus objetivos. Porém, não bastava observar apenas tecnicamente como as coisas funcionavam, era preciso entender como ele vivia aquela posição de liderança, com seus desejos, medos, angústias e objetivos. Sua carreira não era apenas a mudança de função ou salarial, mas mudança de planos de vida também, dentro dos quais estavam a família, o lazer e o bem-estar de maneira geral. Era nítido que nunca haviam tido uma conversa tão aberta assim. Mas aí estava o diferencial do nosso papel: ser um facilitador de mudança na vida dessas pessoas, entendendo o momento de cada um, plantando questionamentos e dúvidas, levando-os a olhar aquilo que viviam e motivando-os a ir em busca daquilo que realmente poderiam fazê-los mais felizes. E assim fizemos, começando pelas grandes lideranças até chegar ao nível operacional.
Feita a mobilização, também aproveitamos para alinhar as novas diretrizes da empresa e reorganizar os novos processos. Eis que surge uma grande novidade que mexeria enormemente com tudo o que já havíamos conquistado até então. Uma reunião fora marcada pelo presidente do grupo com o intuito de anunciar que a empresa estaria deixando o Rio de Janeiro no prazo de um ano e que precisaria contar com o comprometimento de seus funcionários no sentido de organizar tal processo de mudança. A nova estrutura se estabeleceria no interior de SP, ao lado do seu negócio (agroindústria). Propostas financeiras foram criadas de forma a levar ou segurar seus funcionários para que o movimento tivesse o menor impacto possível nos resultados da empresa. O choque e a perplexidade no rosto das pessoas eram visíveis. Vidas e famílias inteiras estavam em jogo. Decidir pela mudança não era algo assim tão fácil.
DESAFIOS
Um dos momentos mais difíceis que presenciei ao longo dos meus vinte anos em RH ainda estava por vir. As decisões estratégicas eram tomadas pela alta gestão da empresa (presidente, vice-presidentes e diretores), estando o RH incluído neste grupo. Contudo, o papel do psicólogo organizacional, neste momento, não parecia ser importante, já que nenhum executivo de tomada de decisão tinha tal formação. Diante de tantas mobilizações, por que não havia um psicólogo conduzindo ou apoiando de maneira mais estratégica todo esse movimento? Por que quase nunca nos fazemos vistos? Parece que sempre nos falta algo, que somos de um segundo escalão.
Cuidar da relação, do que se vive, poderia ajudar em momentos de crise e de tomadas de decisão quando estas viessem a ocorrer. É fundamental nos fazer presentes dentro da empresa, não somente participando de processos burocráticos, mas nos posicionando frente a dilemas que sempre nos chegam quando as soluções práticas se esgotam. Construir o respeito e reinventar-se enquanto profissional fará com que o psicólogo deixe de ser visto como o pacificador de ânimos e passe a ser agente de transformação.
Tenho visto, pela longa experiência em empresas, que esta falta de posicionamento do psicólogo ainda é muito comum por aí. Nossa função se restringe à área de RH, que já está há muito sendo ocupada por outros profissionais. Não me recordo de ter visto até hoje um psicólogo como presidente de algum grande grupo. Esta curiosidade me levou a fazer buscas aleatórias na Internet3 por grandes nomes de CEOs e infelizmente não cheguei a nenhum que tivesse a formação em Psicologia, com atuação decisória, fora da área de RH. Talvez nosso máximo seja uma vice-presidência, mas sempre ligada a pessoas. Será que ainda vivemos nos bastidores, de forma tímida? Por que não somos protagonistas de grandes acontecimentos? Percebo que temos um longo e árduo caminho a trilhar. Possível, mas muito distante e cheio de obstáculos. Somos ainda muito frágeis sob todos os aspectos: conhecimento técnico, engajamento e representatividade no mercado.
Segundo relatos de Vicente Ferreira e Roberto Pedote na entrevista concedida ao jornalista Lucas Teixeira da Revista Forbes Brasil em setembro de 2017:
"Não se pode mais administrar uma empresa sem enxergar como o seu setor se movimenta no mundo, que tendências internacionais afetam o mercado interno. O CEO4 precisa ter uma visão ampla, global. Ele tem de saber solucionar problemas enquanto gerencia o risco. É preciso ter um olhar interessante, que se sobressaia. Isso nos mostra competência" (FERREIRA, PEDOTE apud FORBES BRASIL, 2017).
Minha função, como a de outros psicólogos, não era de alta gestão. Logo, soubemos da novidade ao lado de todos os funcionários. E nós, envolvidos na mesma situação, precisávamos nos manter de pé e tentar ser o intermediador da empresa com o funcionário. Ora éramos a empresa falando, em outras éramos a voz do funcionário. Vivíamos sentimentos dúbios: às vezes de angústia, outros de esperança.
Partimos para nossa nova saga: retornar às áreas para levantar quem gostaria de ir para SP, os que ficariam até o fim da mudança e ainda aqueles que iniciariam o processo de busca de novo emprego. Foram dias, semanas e meses de tensão, inclusive para mim, que não sabia que decisão tomar. Ao mesmo tempo que divulgávamos as informações, também éramos abalados por elas.
Reuniões entre membros de RH para elaboração da estratégia de aproximação dos funcionários, alinhamento de discurso e divulgação das novidades até encontros com os líderes empresariais, tudo era novidade e aprendizado para mim. À medida que o tempo passava e o processo de mudança ia se consolidando, era natural um certo ar de esperança de que tudo se ajeitaria no final.
MUDANÇA
Viver esta experiência como psicóloga e profissional de RH me abriu a visão para que pudesse entender meu papel como formadora de opinião. O ver o processo e não a pessoa, o entender as mudanças de outra margem, o acolher, o mostrar caminhos alternativos, o tomar consciência de si e das suas escolhas (ZINKER, 2007), quanta coisa fora vivida e talvez tivesse sido menos dolorosa se tivéssemos a possibilidade de trabalhar todas essas questões durante nosso trabalho no dia a dia da corrida rotina que tínhamos.
Levantar necessidades práticas, levar ideias que possam ser discutidas, mostrar resultados através de números e gerar economia dentro da empresa devem fazer parte do escopo de atuação de um psicólogo. Quanto mais envolvimento nas estratégias da empresa, com opiniões coerentes e abertura para ouvir e ser ouvido, mais necessidade o corpo diretivo terá pela nossa presença.
Buscando referências que pudessem embasar a experiência relatada, encontrei em Perls (1988) a contextualização que mais fez sentido, ainda que estivesse falando sobre o trabalho clínico.
"O terapeuta pode ajudar ao paciente em sua autodescoberta atuando como se fosse um espelho de aumento. O terapeuta não pode fazer descobertas para o paciente, só pode facilitar o processo no paciente. Através de suas perguntas, pode levar o paciente a ver mais claramente seu próprio comportamento e ajudá-lo a determinar para si mesmo o que representa aquele comportamento" (PERLS, 1988, p. 88).
Levando para o contexto empresarial, o papel do psicólogo organizacional passa por esse caminho: levar os colaboradores a pensarem seu comportamento, escolhas e caminhos sem ser o seu agente. Ou seja, as decisões a serem tomadas são do próprio indivíduo, reforçando mais uma vez nossa função de facilitador.
Quanta vida há no processo de terapia e quanta vida há num grupo de trabalho numa empresa. Mesmo o último não tendo a função terapêutica, o olhar para si e para o outro são os mesmos.
Quando penso que um trabalho em grupo poderia ter um efeito de descoberta e novos olhares para tudo o que se era vivido, a perspectiva gestáltica me parece bem condizente como mostrado a seguir:
"Porque o cliente precisa dos olhos do terapeuta, não por serem o "olhar certo", mas, sim, porque se constituem "num olhar diferente", e a própria condição de diversidade já possibilita "oxigenar" seus temas. O simples fato de uma outra pessoa ver o mesmo acontecimento a partir de um outro ângulo já provoca movimento. E movimento é saúde" (JULIANO, 1999. p.38).
Por mais que seja usado o termo "terapeuta" e "cliente", a relação encontrada dentro de uma organização pode, muitas vezes, ser caracterizada desta forma, quando a função do RH assume este papel, indo ao encontro das expectativas de seus colaboradores, de suas potencialidades, comportamentos, escolhas. Muito em linha com o que se vive num setting terapêutico, se assim pudesse comparar.
Neste caminho de encontros entre ambiente empresarial e Gestalt-terapia, o trecho abaixo encontra bastante pertinência.
"A terapia consiste, assim, em analisar a estrutura interna da experiência concreta, qualquer que seja o grau de contato desta; não tanto o que está sendo experienciado, relembrado, feito, dito etc., mas a maneira como o que está sendo relembrado é relembrado, ou como o que é dito é dito, com que expressão facial, tom de voz, sintaxe, postura, afeto, omissão, consideração ou falta de consideração para com a outra pessoa etc. Trabalhando a unidade e a desunidade dessa estrutura da experiência aqui e agora, é possível refazer as relações dinâmicas da figura e fundo até que o contato se intensifique, a 'awareness' ilumine e o comportamento se energize" (PERLS; HEFFERLINE; GOODMAN, 1997, p.46).
Experimentar o como se vive e não apenas o que é vivido, olhando sob diversos ângulos, talvez tivesse sido o grande movimento para que novos caminhos fossem descobertos. Quando simplificamos em vez de ampliarmos nossa percepção, o que acontece muitas vezes, tendemos a repetir as mesmas respostas em situações variadas. Perdemos a oportunidade de estar em um novo contato e, consequentemente, de dar espaço para novas possibilidades de mudança.
CONFLITOS
À medida que íamos tomando consciência dos caminhos que iam se desenhando a nossa frente, naturalmente conflitos também começavam a surgir. A poeira ia baixando ao mesmo tempo que novas questões apareciam. Revisão de salários, competências, novos perfis, tudo parecia emergir ao mesmo tempo. Os ânimos também começavam a se exaltar. Os movimentos levavam a grandes inquietudes. Nunca o RH fora tão solicitado a intermediar estes desajustes.
Tanto conflitos saudáveis como improdutivos foram experienciados. Como cada integrante vivia sua dor, seu conflito era manifestado de acordo com sua não-consciência ou consciência do que era vivido. Culpa, medo, desespero, sentimentos comuns a todos, mas percebidos de formas tão diferentes.
Zinker (2007) define de forma bastante interessante um pouco do que tentávamos conduzir na época.
"Os conflitos podem ser saudáveis e criativos ou confluentes e improdutivos. O conflito improdutivo caracteriza-se quando eu mesmo não me entendo e acuso você de alguma coisa que é culpa minha, envolvendo pelo menos duas formas de defesa: repressão e projeção. Os conflitos saudáveis acontecem quando os envolvidos são pessoas integradas, com certo nível de autoconsciência ('self awareness') e nítido sentido de diferenciação. O conflito se há claro desacordo a respeito de algo que é um problema verdadeiro entre nós; o conflito não resulta da projeção de aspectos pessoais em outro indivíduo, aspectos que não conseguimos enfrentar em nós mesmos. Os conflitos saudáveis se trabalhados com habilidade, resultam em bons sentimentos entre as pessoas – são situações em que todos saem ganhando, e não crises em que uns ganham e outros perdem" (ZINKER, 2007, p. 217).
Restava a nós escutar, acolher e proporcionar uma ampliação do campo de visão acerca do que estava acontecendo e sendo vivido. E as dores eram muitas. E os motivos eram normalmente bem mais profundos do que o que era dito. Mas não nos cabia entrar neste universo naquele momento. Nem depois. E nos conformávamos assim.
As intervenções realizadas na ocasião tiveram o objetivo de acalmar os ânimos apenas. A empresa precisava seguir em frente e não havia muito tempo a perder com questões individuais. Os caminhos escolhidos foram baseados naquilo que era possível realizar: ora ao lado dos funcionários, ora ao lado da empresa. E assim seguíamos sem tempo de olhar para trás. Nem para os lados.
ADAPTAÇÃO E NOVOS RUMOS
Com o passar do tempo, os novos projetos da empresa iam se acomodando e, consequentemente, as pessoas iam se adaptando às novas diretrizes. E a vida corporativa ia retomando seu rumo.
Adaptação era a grande palavra da vez. Somos seres em constante adaptação. Vivemos nos ajustando o tempo inteiro. Nem sempre as coisas saem da maneira que desejamos, logo, procuramos encontrar formas criativas de lidar com nossa realidade. Talvez seja essa uma das grandes sacadas da vida, do viver bem. "Trabalhar é impor à natureza nossa face. O mundo fica mais parecido conosco e, portanto, nossa subjetividade ali, fora de nós, nos representando" (CODO; SAMPAIO; HITOMI, 1992, p.190).
Uma das curiosidades vividas naqueles anos fora justamente pensar em como um psicólogo poderia encontrar caminhos para mobilizar a empresa. Como poderia ter sido utilizado para proporcionar aproximações, sejam entre departamentos, entre líderes ou entre colaboradores. Ainda há um longo caminho a percorrer. Cada vez mais as organizações buscam profissionais multidisciplinares, capazes de percorrer áreas diversas e opinar sobre assuntos variados. Poucos são os psicólogos prontos sob este aspecto. É preciso ampliar as formações para além da clínica, porém sem deixar de lado o olhar que nos faz diferenciados neste movimento.
As relações humanas parecem estar cada vez mais fragilizadas e superficiais, onde o "ter" parece também se sobrepor ao "ser" de maneira voraz. Humanizar essas relações é um dos papeis da Gestalt. Enxergar nas relações de trabalho o potencial da complexidade humana e melhor cuidar dos seus possíveis desdobramentos pode vir como um grande diferencial numa empresa. Aproximar o olhar da Gestalt, percebendo o sujeito como ser de relação, ajustável, criativo, conforme Zinker (2007) nos fala, com o olhar empresarial, onde este mesmo sujeito é tido como o responsável pelo seu funcionamento prático e consequente sucesso, pode ser um grande desafio dentro das corporações.
"A Gestalt mobiliza facilmente, tanto os dirigentes como os quadros de controle e os empregados, para as noções vividas de respeito mútuo das riquezas potenciais de cada um, de ritmo, de troca e de contato; ela sublinha a possibilidade de explorar positivamente alguns conflitos em vez de deplorá-los ou esgotar-se em vão por combatê-los; ela sublinha a importância das relações informais, fonte de vida na empresa; ela insiste na necessidade de não omitir a dimensão ideológica, cimento de uma cultura de empresa. A competência não basta: é preciso "acreditar nela!" (GINGER, 2007, p. 80).
Lidar com o ser humano, pensando em sua produtividade no âmbito profissional, é lidar com o sujeito que pensa, sente e se ajusta a partir daquilo que vive e que, muitas vezes, a empresa não está preparada para acolher. Ou simplesmente não se interessa por isso. Perls (1977) nos leva a desafiarmos a manipulação e o controle, tão presentes no universo do trabalho: "tornar-se real, aprender a assumir uma posição".
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Olhando a experiência que vivi há dez anos, não tenho dúvidas de que muito ainda há a ser realizado para que nossa profissão de psicólogo seja reconhecida e respeitada numa organização. Contudo, nenhum caminho será fácil se continuarmos a ficar na nossa zona de conforto.
Ampliar nossa percepção acerca do que vivemos é a melhor maneira de aplicar aquilo que tanto pregamos com os outros em nós mesmos. Fazer uso dos princípios da Gestalt-Terapia a nosso favor poderá nos ajudar a construir uma nova realidade enquanto profissional de Recursos Humanos, nos tornando fundamentais nas definições estratégicas e nos caminhos a serem percorridos para o sucesso de uma organização.
Saindo um pouco das ideias teóricas e partindo para a prática, observamos a seguir algumas sugestões para a atuação do Gestalt-terapeuta organizacional. Temos a nosso favor a capacidade de percepção da realidade e do outro, a postura do diálogo, permitindo intervenções mais assertivas, a crença de que existe uma real possibilidade de mudança de comportamento a partir do envolvimento de cada colaborador nas suas questões internas, de forma que cada um chegue às suas próprias respostas. Mas nada disso terá funcionalidade se não sairmos de nosso universo "psicologizado" e ousarmos cair no mundo dos negócios.
Buscar o envolvimento em questões fora do ambiente de RH seria a primeira ideia para uma atuação mais consistente do psicólogo. Entender que a empresa funciona com base em resultados numéricos, que precisa gerar lucro, que existe um valor de orçamento anual para cada área, que é necessário conhecer a fundo seu segmento, seus concorrentes e área de atuação. Cursos e formação em negócios são fundamentais para que o diálogo que tanto priorizamos em nossa atuação seja de igual para igual. E partindo deste conhecimento técnico/financeiro, começar a gerar propostas de trabalho consistentes e de acordo com a realidade financeira da organização em que participa.
A atuação em Treinamento e Desenvolvimento é bastante pertinente e bem usual, se dentro do orçamento proposto, pois há a possibilidade de criar atividades vivenciais e práticas, promovendo experimentações, novas relações e vínculos.
O desenvolvimento de projetos para Lideranças seria um outro viés do Gestalt-terapeuta, através do qual ideias baseadas em diálogo, mecanismos de autoconhecimento, interação entre pessoas e vivências grupais poderiam despertar novas práticas e compartilhamento de experiências facilitadoras no dia a dia de trabalho.
O trabalho de Avaliação e Gestão de Talentos, direcionando colaboradores para novos desafios na organização por meio de avaliação técnica, de escuta, da troca e da relação com as pessoas para o entendimento de prioridades e potenciais, também é um caminho bem desafiador do Gestalt-terapeuta.
A criação de uma área de escuta psicológica, onde funcionários poderiam agendar um horário ou, em casos emergenciais, serem atendidos de imediato por psicólogos para orientação e direcionamento de suas necessidades, seria uma outra forma de atuação. Tal ação poderia gerar uma melhoria no bem-estar emocional do indivíduo, refletindo em uma qualidade de trabalho positiva e, consequentemente, aumentando a produtividade para a empresa.
Intermediar a gestão de mudanças e conflitos, como já exemplificado ao longo deste trabalho, planejar carreira, realizar diagnóstico setorial, enfim, muitas áreas de atuação se abrem quando o psicólogo está preparado tecnicamente para tais desafios.
Abrir a mente para novos conhecimentos e formações diversificadas farão a diferença na hora da troca de experiências com outros profissionais. Não há outra forma se não através do saber. Se quisermos o respeito e a admiração pelo que fazemos, precisamos ir em busca deste diferencial.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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________ Abordagem Gestáltica e Testemunha Ocular da Terapia. RJ: Livros Técnicos e Científicos Editora SA, 1988.
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ZINKER, J. O Processo Criativo em Gestalt Terapia. SP: Summus, 2007.
NOTAS
* Cristina Maria Giglio Lamas Bayma Salles – Psicóloga graduada pela UERJ com MBA em Gestão Empresarial pela FGV e Especialização Clínica em Gestalt-Terapia pelo IGT. Mais de 20 anos de experiência na área de RH em grandes empresas nos segmentos de Serviços, Energia e Óleo e Gás.
1 Brasil entrou em recessão a partir do 2º trimestre de 2014, diz FGV. (G1.globo.com, 2015).
2 Business Partner – na visão de Dave Ulrich (2002), relatado nos anos 80, a função era bem simples: aproximar o departamento de RH das áreas de negócios. Porém, nos dias atuais, ainda se discute muito sobre seu verdadeiro papel dentro de uma organização. Fico com a definição do Marco Ornellas (2017), consultor empresarial em RH: sua função é coconstruir projetos e soluções que tenham valor para as pessoas, para o negócio e que sejam sustentáveis.
3 Matéria da Revista Exame / Carreira Você S/A – A formação dos CEOS das 10 companhias mais lucrativas do Brasil – 10/12/10.
4 CEO é a sigla inglesa Chief Executive Officer, que significa Diretor Executivo em português. CEO é a pessoa com maior autoridade na hierarquia de uma organização. É o responsável pelas estratégias e pela visão da empresa. Porém, nem todas as empresas possuem um CEO. O termo é mais utilizado em grandes empresas multinacionais (www.signficados.com.br/CEO).
Endereço para correspondência
Cristina Maria Giglio Lamas Bayma Salles
Endereço eletrônico:crislamas2007@yahoo.com.br
Recebido em: 17/07/2019
Aprovado em: 18/12/2019