ARTIGO

Adoecimento e Sofrimento nas Organizações derivado do Assédio Moral na Visão da Gestalt-Terapia

Suffering and Suffering in Organizations derived from Moral Harassment in the Gestalt Therapy Vision

 

Daniela Nogueira de Moraes*; Paulo Victor Rodrigues da Costa**

Universidade Celso Lisboa - RJ

Endereço para correspondência

 


RESUMO

Este trabalho tem por objetivo apresentar o processo de adoecimento e sofrimento dentro das organizações, tendo como foco o ser humano e sua subjetividade nas organizações e a gestão desse ser humano. A metodologia utilizada foi a análise da vivência em uma empresa pública, com a inserção de um relato e a partir deste relato, foi feito o estudo bibliográfico para explicar os fenômenos organizacionais, usando como base os conceitos relevantes que permeiam as organizações, a constituição do sujeito e as relações como: a definição de trabalho e o sentido do trabalho na formação da subjetividade humana, o conceito de doença na visão de alguns autores, priorizando a visão da Gestalt-terapia e o assédio moral como constituinte do estado de adoecimento e sofrimento. A descrição do processo de adoecimento e sofrimento, terá como foco causal o assédio moral, desencadeando o desenvolvimento de estresse e da Síndrome de "Burnout", bem como prejuízos financeiros para a organização como absenteísmo, processos trabalhistas e baixa produtividade. O trabalho apresenta a abordagem da Gestalt Terapia no que diz respeito a constituição do homem pela relação dialógica e a presentificação desse "ser em relação" dentro das organizações, com atitudes que no caso do adoecimento e sofrimento dos trabalhadores se mostram mais fixadas nas relações EU-ISSO. Finalmente o trabalho, a luz do pensamento de Martin Buber (2001), configura um cenário de saúde dentro das organizações através do equilíbrio da relação dialógica na alternância entre EU-TU e EU-ISSO, e intervenções em caso de cristalizações em relações EU-ISSO. Prevenir o assédio moral e suas consequências, e intervenções para minimizar o sofrimento nas organizações, tendo como foco a necessidade de desenvolvimento de ações voltadas para a construção de um trabalho que traga satisfação para as pessoas.

Palavras-chave: Sofrimento; Síndrome "Burnout"; Assédio Moral; Relação dialógica.


ABSTRACT

This paper aims to present the process of illness and suffering within organizations, focusing on the human being and his subjectivity in organizations and the management of this human being. The methodology used was the analysis of the experience in a public company, with the insertion of a report and from this report, a bibliographic study was made to explain the organizational phenomena, based on the relevant concepts that permeate the organizations, the constitution of the subject and relations as: the definition of work and the meaning of work in the formation of human subjectivity, the concept of disease in the view of some authors, prioritizing the view of Gestalt therapy and bullying as a constituent of the state of illness and suffering . The description of the process of illness and suffering will focus on causal harassment, triggering the development of stress and Burnout Syndrome, as well as financial losses to the organization such as absenteeism, labor processes and low productivity. The paper presents the Gestalt Therapy approach with regard to the constitution of man by dialogic relationship and the presentification of this "being in relation" within organizations, with attitudes that in the case of workers' illness and suffering are more fixed in EU relations. -THAT. Finally, the work, in the light of the thinking of Martin Buber (2001), configures a health scenario within organizations by balancing the dialogical relationship in the alternation between EU-TU and EU-THAT, and interventions in case of crystallization in EU-EU relations. THAT. Prevent bullying and its consequences, and interventions to minimize suffering in organizations, focusing on the need to develop actions aimed at building work that brings satisfaction to people.

Keywords: Suffering; Burnout Syndrome; Moral Harassment; Dialogical Relationship.

 

1 - INTRODUÇÃO

"Gestalticamente, o homem é, a um só tempo, individual e social, livre e determinado, biológico e cultural, singular e dotado de regularidade no coletivo. Com isso, devolve ao homem e aos problemas do mundo a complexidade que lhes é inerente, substituindo o vício reducionista de dicotomização do real pela valorização do global. Deste modo, evita-se a polarização que desenvolve uma parte e aliena a outra, insistindo em ver incompatibilidade onde há complexidade, unidualidade e inter-relações entre partes de um todo único" (NUNES, p. 187. 2008).

A partir da vivência de sete anos em uma empresa pública, do relato de um trabalhador, vítima de assédio moral com desenvolvimento de Síndrome de "Burnout", e da observação de fenômenos como adoecimento, sofrimento, afastamentos e alto índices de faltas ao trabalho, senti a necessidade de dar um significado para todos esses acontecimentos. Este artigo tem, portanto, a intenção de estudar alguns fenômenos ligados ao trabalho e o sentido do trabalho para as pessoas e organizações, como assédio moral, sofrimento, adoecimento, cultura organizacional e inter-relações. Como diz Carl G. Jung, a triste verdade é que a vida do homem consiste de um complexo de fatores antagônicos inexoráveis: o dia e a noite, o nascimento e a morte, a felicidade e o sofrimento, o bem e o mal.  A vida é uma batalha, sempre foi e sempre será. O objetivo nesse trabalho é iluminar o campo das organizações para que seja uma batalha mais suave e consciente, e que o equilíbrio possível traga a saúde necessária para o trabalho como um sistema que integra e forma sujeitos.

O estudo do mal-estar nas organizações, e no trabalho de forma geral, é extremamente relevante por se tratar de uma condição naturalizada e banalizada como fenômeno social cada vez mais frequente, e apresentando mais vítimas de sofrimento, adoecimento mental, físico ou emocional, de acordo com dados de afastamentos por doença no INSS. A coordenadora do Comitê Gestor Nacional do Programa Trabalho Seguro, a ministra do TST Maria Helena Mallmann, reitera que problemas de ordem psicológica ou psiquiátrica são responsáveis por um número considerável de afastamentos, sendo o estresse e a depressão os transtornos mais frequentes, e, um dos grandes desencadeadores do adoecimento no âmbito comportamental é o assédio. Os transtornos mentais relacionados ao trabalho são um mal invisível e silencioso, e de difícil identificação, mas que vem chamando a atenção da Previdência Social como a terceira maior causa de afastamento do trabalho. Em 2016, de acordo com análise do INSS, o número de trabalhadores que receberam auxílio–doença acidentário subiu 4,67% em relação a 2015, atingindo 2.670 pessoas (informação www.tst.jus.br/web). Analisando os dados do INSS, pode-se concluir que o mal-estar nas organizações hoje em dia está mais relacionado às relações estabelecidas entre os trabalhadores do que aos acidentes operacionais de trabalho.

A proposta deste trabalho é estudar os tipos de relação estabelecidas nas organizações, se autênticas ou somente de utilização de objeto, e suas consequências e implicações para os trabalhadores. O objetivo maior é a viabilização: da compreensão do ambiente organizacional, da implicação das relações na saúde organizacional e formas de auxiliar o bom funcionamento desta relação, privilegiando o melhor funcionamento da organização e saúde física e emocional dos trabalhadores. Com esse intuito, serão explicitados os fenômenos organizacionais como assédio moral, Síndrome de "Burnout", relação dialógica, cultura organizacional e intervenção organizacional, considerando a configuração da organização e a abertura que ela oferece para essa atuação.

No estudo das relações de trabalho o referencial teórico utilizado foi Martin Buber (2001, p. 23) que diz que é através da relação dialógica que o homem se introduz na existência, considerando como fato primitivo a relação que se dá através da palavra, explicitando a existência dialógica ou a vida em diálogo. Para Buber (2001), o homem é um ente de relação, ser situado no mundo com o outro (2001, p.24) e as atitudes desse ser no mundo podem ser traduzidas como atos EU-TU e ato EU-ISSO. De acordo com Buber, "a primeira é um ato essencial do homem, atitude de encontro entre parceiros na reciprocidade e na confirmação mútua. A segunda é a experiência e a utilização, atitude objetivante" (2001, p. 25). Na visão de Buber (2001, p. 29), EU-TU e EU-ISSO traduzem dois diferentes modos de apreensão da realidade, e uma postura dialógica traz em si a alternância das relações EU-TU e EU-ISSO, e, nas organizações, a relação EU-ISSO se apresenta de forma importante na produção e na prestação objetiva de serviços, nos resultados numéricos, metas, despesas, demandas de mercado, e a relação EU-TU permeia os dados quantitativos introduzindo a criatividade e a inovação com o lado relacional e humano. De acordo com Elina Pietrani (2010 ), "a relação EU-TU é a alma da organização, é o lado gente fazendo a diferença, é o potencial criador do inter-humano".

Resumindo, apesar das diversas visões existentes sobre o funcionamento básico intrapsíquico do ser humano e o conceito de saúde e doença, neste trabalho a abordagem utilizada será a apresentada pela Gestalt Terapia, com os conceitos de Perls, que explica o processo psíquico como a busca da auto- regulação organísmica, que se dá através do contato do sujeito com o meio em busca da satisfação de seus desejos, e muitas vezes gera um conflito entre os desejos ou necessidades organísmicas e as necessidades do meio. O contato com o meio exige do sujeito um ajustamento criativo a novas situações e, em caso de conflito entre as exigências do meio e do sujeito, é gerado um conflito interno que tem a função de autorregulação e de sinalização de alguma incoerência interna.  O conflito interno permanece sinalizando ao organismo a perturbação da homogeneidade do fundo de onde surgem as figuras que se apresentam como necessidade organísmica de satisfação, impedindo que outras necessidades emerjam como figura de satisfação. Conclui-se que o processo de adoecimento é gerado pelo excesso de frustrações ou pela rigidez ou cristalização do indivíduo durante o ajustamento criativo, levando a bloqueios no ciclo de contato com o meio e consequentemente ao aprisionamento e estereotipia nas respostas ao meio na busca de satisfação dos desejos.

Fazer apenas uma análise descritiva desta realidade organizacional restringe a abordagem apenas a apontar questões e problemas organizacionais que a primeira vista parecem sem solução visto que são mecanismos de gestão que são pertinentes em uma sociedade capitalista competitiva. Desta forma, este trabalho apresenta as questões organizacionais, principalmente o assédio moral, trazendo reflexões sobre o assunto para que se possa pensar em um caminho viável para reestabelecer a saúde organizacional, financeira e dos sujeitos organizacionais.

Conforme disse Lis Sobol:

"Se em outro momento se podia acreditar que alguns esforços seriam possíveis para mudar o cenário do assédio moral no Brasil, hoje a percepção é de que o assédio, agora disseminado tanto nos discursos como nas práticas, é só uma parte da violência naturalizada do cotidiano do trabalho em nossa sociedade, construído historicamente e sustentado coletivamente. Não há qualquer indício no horizonte que sinalize, nem mesmo os mais otimistas, que estas práticas tendem a ser eliminadas. Sabendo desta complexidade e da atualidade da problemática, é essencial seguir buscando alternativas possíveis e viáveis de transformação. Portanto, muito há ainda que estudar, mapear e intervir neste campo" ( SOBOL, 2017 ).

 

2 - METODOLOGIA

A metodologia utilizada neste artigo foi a contextualização teórica do fenômeno do sofrimento e adoecimento nas organizações, bem como a atribuição de causalidade ao assédio moral, de acordo com a observação da realidade de uma empresa estatal. A observação fenomenológica, sem interferência do observador nem de instrumentos, apenas o levantamento do relato de um trabalhador sobre a dor percebida no ambiente de trabalho. Esse relato trata do processo de adoecimento, com a transformação da felicidade do ingresso em uma empresa pública até a desesperança vivida e a possibilidade de "melhora". Este relato, que integra a parte anexa do artigo, motivou toda a elaboração deste trabalho, perpassando por conceitos e definições importantes para explicar o fenômeno do adoecimento.

Primeiramente foi feita uma análise apurada da construção do sentido do trabalho para o sujeito ao longo do tempo, posteriormente o artigo estuda a dicotomia entre saúde e doença e o processo de construção da doença, do sofrimento e de doenças ligadas ao trabalho especificamente, explicitando o estresse e a Sindrome de "Burnout". Durante a elaboração do artigo fui me dando conta da abrangência do assunto, bem como da epidemia de doenças ocasionadas pelo trabalho, se tornando inclusive um assunto de preocupação das entidades de saúde pública. Desta forma, foi incluído ao final do artigo, uma breve articulação sobre formas de intervenção nestes aspectos de saúde do trabalhador com a utilização da clínica de grupos baseada na Gestalt-terapia.

Na análise teórica, a Gestalt-terapia foi escolhida por tratar o ser em relação, através da relação dialógica, na tentativa de manter o estado homeostático do organismo que é afetado pelo contato saudável, criativo e dinâmico com o meio e o organismo responde promovendo o ajustamento criativo por intermédio do self, caso essa resposta não seja suficiente para equilibrar o sistema, o organismo utiliza respostas estereotipadas e rotineiras que não se adequam ao novo estímulo, então lança mão de "inibições essenciais" (PERSL, 2002). As inibições trazem frustração, que são inevitáveis, sendo saudável para o indivíduo ter flexibilidade o suficiente para suportar e se adaptar às frustrações, traçando novas possibilidades de ação no meio.

A Gestalt-terapia foi a linha escolhida para as intervenções por ter estudos importantes de Perls na abordagem em grupo. Portanto, uma proposta de um plano de ação para minimizar o sofrimento e o adoecimento nas organizações é inicialmente uma identificação formal ou informal da existência de uma doença organizacional, posteriormente, de acordo com a estrutura de gestão, pode-se considerar um trabalho de formação de lideranças e em paralelo o atendimento em grupos dos trabalhadores interessados em melhorar a qualidade de vida na organização, grupos que funcionariam como encontros de orientação e esclarecimento, com espaço para colocações pessoais. Esses tipos de grupo não têm a intenção de funcionar como grupos terapêuticos por se tratar de um local de trabalho, onde o sigilo muitas vezes se encontra comprometido, mas como grupos de apoio pontual, auxiliando o trabalhador a tornar-se o que é de fato. A mudança está a serviço de um nível considerável de estabilidade, segurança e continuidade, ainda que possa ser considerada a mudança de parte do sistema social, do grupo ou da organização.

Kurt Lewin concentrou-se no conceito de mudança social: "elaborando conceitos e uma metodologia de pesquisa e intervenção que encontram aplicação na compreensão da dinâmica de pequenos grupos, das estruturas organizacionais e sociais e seus mecanismos de mudança" (TELLEGEN, 1984). O objetivo funcional do grupo é o desenvolvimento de vínculos afetivos que forneçam suporte para a formação de um grupo de pertinência, no qual os membros encontrem suporte emocional.

 

3 - DEFINIÇÃO DE TRABALHO E SUA REPRESENTAÇÃO EXISTENCIAL PARA AS PESSOAS – SENTIDO DO TRABALHO

A definição de trabalho é basicamente uma atividade produtiva que agrega valor a alguma coisa. Um trabalho que tenha sentido para o sujeito, de acordo com uma pesquisa feita na França e em Quebec com administradores (MORIN, 2001), é aquele que é  uma atividade organizada de forma eficiente, conduzindo a resultados úteis e com um gasto de energia do sujeito de forma rentável. A autora concluiu, pelas respostas dos entrevistados que a maneira como as pessoas trabalham e o que elas produzem têm um impacto na forma como o indivíduo se organiza pessoalmente com relação a alguns aspectos como: liberdade, independência, autonomia, criatividade, gratificação, responsabilidade, relações sociais, potencialidades e a relação prazer/desprazer.

O trabalho é um grande colaborador no desenvolvimento das potencialidades da pessoa e no fortalecimento da identidade do sujeito, se constituindo em valor importante para a formação do sujeito. É através do trabalho e das relações que ele proporciona que a identidade social é desenvolvida e consolidada, e o fazer profissional permite que o indivíduo contribua para o mundo e dê um sentido à sua existência, sendo uma  atividade que contribui para o desenvolvimento de uma sociedade, dos valores sociais e da comunidade, pois é o representante da cultura desta sociedade. O trabalho tem, desta forma, uma conotação no inconsciente coletivo de servidão, porém é um ingrediente fundamental na formação do sujeito no mundo. Dentro deste contexto, o trabalho evolui ao longo dos tempos para a industrialização, porém as relações de trabalho permanecem conflituosas, com interesses contrários.

 As primeiras elaborações sobre a organização do trabalho surgiram com a administração científica de Taylor e Fayol: preconizava-se a racionalização e a padronização das tarefas como instrumentos de gestão para incrementar a produtividade. Os desejos e necessidades das pessoas eram praticamente desconsiderados" (FERREIRA, 2009).

Historicamente a representação do trabalho para as pessoas tem uma conotação ligada ao sofrimento e servidão voluntária. Desde os tempos da escravidão, momento em que o trabalho se apresenta como uma forma de organização social, havia uma polaridade entre os que mandavam e os que serviam, os dominantes e os dominados, as desigualdades eram a base da sociedade e traziam profundo sofrimento e perda de identidade por parte da classe dominada. Analisando esta polaridade, pode ser encontrado o trabalhador e a organização como componentes deste campo, ainda que como polaridades, mas componentes de um sistema. A estrutura organizacional é um todo, com inter-relações organização-indivíduo-meio. Sendo assim, as organizações funcionam como um todo interligado, constituído de partes interdependentes, separadas do ambiente por uma fronteira permeável, implicando em mudanças constantes e busca de equilíbrio. Considerando que trata-se de uma relação, é necessário que haja harmonia entre os dois polos para que o equilíbrio seja mantido.

Inicialmente, nas sociedades pré-capitalistas, o conceito de trabalho estava ligado a produção de bens para o consumo da família do produtor, a produção estava diretamente relacionada ao núcleo de reprodução da força de trabalho (a família). Posteriormente iniciou-se a comercialização do excedente da subsistência, a relação que existia entre o produtor e o produto era uma relação primordialmente afetiva, pois o resultado da produção era a satisfação da família. A partir do século XX, com a Revolução Industrial surgem as grandes organizações para suprir a carência de produtos industrializados, produzidos de forma organizada, em série e de maneira racional e sistematizada, com o estudo dos tempos e movimentos de produção. Inicia-se o conceito do ser humano como parte da engrenagem de produção, e vive-se a separação entre família e produção, tendo apenas o salário para servir de elo entre estas duas estruturas.

Uma característica importante do Capitalismo é a ruptura entre trabalho e afetividade, o homem se torna o representante do trabalho e da razão e a mulher fica com o aspecto afetivo. Com o tempo, as mulheres seguem para o mercado de trabalho, assumindo postura mais racional, e, finalmente o afeto fica órfão. Homens e mulheres se "igualam" em condições de trabalho, mas pagam um preço alto em termos afetivos, a família se desestrutura, há a explosão da sexualidade para dar conta da afetividade perdida no trabalho e culto ao narcisismo e ao individualismo.  Há uma quebra do sentido do trabalho para o trabalhador porque ele não acompanha todo o desenvolvimento do produto, ficando apenas com parte do processo, levando a uma modificação da relação mais afetiva para uma relação fragmentada e fria com relação ao produto, o trabalhador tem o seu trabalho expropriado dos meios de produção e desqualificado do seu saber sobre o produto por ele criado. Ao longo dos anos, essa distância entre o produto e o produtor só foi aumentando, com o desenvolvimento da tecnologia, estabelecimento de metas elevadas, processos complexos de produção que o trabalhador só tem conhecimento de uma pequena parte, competição entre as empresas e dentro das empresas e outros métodos alienantes do trabalhador na produção. O resultado tem sido um trabalhador que não é visto pela empresa enquanto pessoa humana com participação fundamental na produção, passando a ser parte do resultado ou peça passível de substituição, um apêndice da máquina, objeto dentro do processo produtivo, visão "coisificada" do trabalhador, desumanização. O homem deixa de ser o centro de si mesmo, e o produto assume valor superior a ele, sendo ele próprio transformado em mercadoria, pela venda de sua força de trabalho.

De acordo com Vincente de Gaulejac (2005), o paradigma utilitarista transforma a sociedade em máquina de produção e o homem em agente a serviço da produção. A economia se torna a finalidade exclusiva da sociedade, participando da transformação do humano em "recurso". No século XX, com a priorização da eficiência das empresas, o trabalhador passa a fazer parte de uma estrutura de subordinação bem delimitada, com princípios gerais de divisão e especialização do trabalho, autoridade, hierarquia, disciplina, comando, mas principalmente subordinação dos interesses individuais aos interesses organizacionais. De acordo com a definição de trabalho desenvolvida ao longo do tempo, uma condição pode ser observada em todas as fases do trabalho, a necessidade do ser humano se tornar "dócil" para se adequar ao trabalho nas organizações, as pessoas precisam se deixar utilizar como meio para atingir um fim. Os desejos e a filosofia organizacionais se sobrepõe aos desejos pessoais, há quase uma despersonalização do sujeito para atender aos anseios capitalistas. "Paradoxalmente, o trabalho que é tido como referência para a construção de sua identidade, que lhe dá sentido de pertencimento, perde o seu valor, visto que não o reconhece mais" (PIETRANI, 2010).

Surge um sujeito com motivação limitada para o trabalho, considerando que a motivação é impactada pelo sentido que o trabalho tem para ele, a responsabilidade que ele vê do seu trabalho no resultado final, a variedade de tarefas, o "feedback" que recebe dos pares, a autonomia no fazer profissional e o significado que o seu trabalho tem para o social ou para outras pessoas. A motivação está diretamente ligada ao comprometimento que esse trabalhador vai ter com a organização, entende-se comprometimento como engajamento, agregação e reações afetivas positivas como lealdade, o contrato psicológico com a organização; então, o comprometimento reduz a medida que a motivação do trabalhador se limita com a quebra do sentido do trabalho. Embora o desenvolvimento da sociedade capitalista esteja caminhado na direção da humanização das organizações, ainda estamos em uma transição da administração utilitarista e racional para uma dimensão mais humana da relação de trabalho. O movimento da Qualidade Total vem a reestabelecer o vínculo entre a concepção e a execução do trabalho, referencial que o trabalhador perdeu quando houve a industrialização e a produção foi dividida entre os burocratas que concebiam a tarefa e os trabalhadores que executavam a tarefa. Dessa forma, o trabalhador se apropria novamente do valor afetivo do trabalho, e a conotação do trabalho evolui de um sentido negativo para positivo, valorizado.  Em busca do comprometimento do trabalhador com a organização, o sentimento e o afeto voltam a ser vistos como um investimento possível na organização. O desejo de afiliação traz para as organizações o conceito de "cultura organizacional", que é a forma de democratizar as informações, reunindo as formas de pensar, sentir e agir, originadas de uma aprendizagem coletiva que integra todos os membros dessa comunidade.

A Gestalt-Terapia, no pensamento de Fritz Perls (1977), no movimento contra a prisão da cultura e do consumo diz: " Nós descobrimos que produzir coisas, viver para coisas e trocar coisas não é o sentido fundamental da vida. O sentido da vida é que ela deve ser vivida e não comercializada". Nesse pensamento fica expresso o momento existencial do trabalhador, a cultura organizacional vem a ser a ideologia, um modo de exercício da disciplina, um modo de fazer introjetar sem refletir, em benefício da coletividade para ganhar pertencimento. A cultura organizacional faz internalizar objetivos e valores da organização somente pela introjeção sem modificação ou questionamento, aceitação passiva, devoção ao trabalho e à empresa. Trabalhar significa se sujeitar, esse é o convite organizacional, introjetar a cultura e o desejo organizacional sem questionar, apenas se enquadrar. A essência da organização vai se constituindo a medida que ela interage com o meio externo, através do contato de dentro para fora e também para dentro de si mesma. Metaforicamente, Ribeiro &Alvim (2005), denominam a cultura organizacional de "self" da organização, o retrato da alma da organização, que se cria ao longo do tempo baseada nas experiências vividas pelo contato e nas práticas sociais da empresa. Nesse contexto organizacional é preciso que o indivíduo desloque a satisfação dos seus desejos para a realização dos objetivos da organização, abafando sua subjetividade e investindo sua energia de realização na organização. O sujeito dentro da organização precisa se alienar de si mesmo para cumprir seu papel na cadeia de produção capitalista, e esse fator já traz por si só um problema para o sujeito, neste momento dono de uma subjetividade reprimida.

De acordo com Martin Buber (2001), o "self" acontece na fronteira de contato organismo/ambiente, e o fenômeno chamado "contato" está na base do processo de formação da identidade do sujeito. Perls, Hefferline e Goodman (1997, p. 49) conceituam o "self" como sistema de contatos, variando de acordo com as necessidades orgânicas dominantes e os estímulos ambientais, com a função de formar figuras e fundos. Na fronteira organismo/ambiente, de acordo com a Gestalt-Terapia, acontece o fenômeno chamado "contato", que está na base do processo de formação da identidade do sujeito e constituição do "self". Perls, Hefferline e Goodman (1997, p. 49) conceituam o "self" como sistema de contatos, variando de acordo com as necessidades orgânicas dominantes e os estímulos ambientais, com a função de formar figuras e fundos. O "self" se constitui como dinâmico e criativo, é o sistema complexo de contatos necessário ao ajustamento no campo em questão, o "self" está na fronteira do organismo, pertencendo tanto ao ambiente quanto ao organismo. O "self" existe não como uma instituição fixa, mas como um processo de ajustamento do organismo ao ambiente, durante o contado, surgindo no entre. Paul Goodman (1997, p. 49) define saúde como a identificação do homem com o self em formação e doença seria a alienação com relação a esse "self", gerando identificações falsas, desprovidas de espontaneidade, tornando a vida confusa, dolorosa e sem autenticidade.

Se as relações de trabalho são complexas sob o enfoque social (dominados e dominadores), sob o aspecto psíquico a situação não se mostra menos complexa. Frederick Perls (1977) descreve as excitações psíquicas oriundas da atividade do trabalho como fonte de energia de atividades específicas e, quando ficam estagnadas, desencadeiam um estado de ansiedade que corresponde ao acúmulo de excitação contida e engarrafada. Entende-se que existe uma quantidade de energia psíquica destinada às atividades laborais, e, quando ela não é devidamente utilizada para esse fim, permanece estagnada. Ainda sob o aspecto psíquico do trabalho, outros autores falam sobre a tensão no aparelho psíquico e os processos envolvidos na administração desta tensão. Um dos autores que cita este processo é Kurt Goldstein (2000) que coloca o organismo dentro de uma visão sistêmica e holística. Segundo esse autor, os organismos vivem em constante estado de tensão entre ordem e desordem, equilíbrio e desequilíbrio, e estão sempre na busca de maior desenvolvimento e auto realização, e essa busca é uma tendência natural do organismo. Na obra Gestal-Terapia, os autores definem auto regulação organísmica: "Cada situação inacabada mais premente assume a dominância e mobiliza todo o esforço disponível até que a tarefa seja completada; então torna- se indiferente e perde a consciência, e a necessidade premente seguinte passa a exigir atenção" (1997, p. 84).É necessário para a manutenção do equilíbrio intrapsíquico que seja feita a auto- regulação organísmica, com

"o reconhecimento da existência de uma gama completa de dados emocionais, mentais e sensoriais, relativos tanto às necessidades interiores quanto às necessidades do meio, e também dos recursos internos e do meio. A autorregulação organísmica baseia-se na assimilação, em vez de introjetar ou rejeitar, sem consciência suficiente para desenvolver'awareness'" (YONTEF, 1998 ).

Pode-se considerar que o conceito do trabalho introjetado ao longo dos tempos tem uma conotação absolutamente deletéria e contaminada com ideias e arquétipos negativos, e esse já poderia ser identificado como o início do processo de sofrimento e, posteriormente com o agravamento, início do processo de adoecimento. A implantação de gestão individualista, de avaliação de potencialidades e desempenho, incentivou o isolamento dos sujeitos e a preocupação apenas com seu próprio rendimento. A gestão individualista, com cada pessoa centrada em garantir o seu desempenho, reduziu a cooperação, os vínculos sociais, criando uma selva baseada na desconfiança e na competição, surgindo um sentimento de solidão no trabalhador e uma anti reciprocidade.  O sistema de relações de trabalho de co-pertencimento é extinto e enfatiza-se o indivíduo. O assédio é uma expressão da desumanização do sujeito, da degradação e contaminação das relações sociais no ambiente de trabalho.

Considerando que o sujeito se constitui como tal no meio social, na relação, o trabalho é um meio social que tem grande influência naquilo que nos constituímos e somos no momento presente, portanto, o sentido do trabalho para o sujeito é um item importante para a constituição deste sujeito da forma como se apresenta no mundo. O conceito que o sujeito traz em si sobre trabalho, poderíamos ousar dizer que se mistura ao conceito que tem de si mesmo. Se vivencia peso, dor, sofrimento, repressão, resignação, frequentemente irá resultar em uma visão mais resignada e sem esperança com relação ao mundo. O histórico de desenvolvimento do trabalho já traz em si sentimentos pesados enraizados no inconsciente coletivo, se reforçados na atualidade, tendem a cristalizar uma vivência de sofrimento. Diante de um trabalho insatisfatório, opressor e sem sentido para o sujeito, este tem mais chances de desenvolver doenças físicas ou psíquicas, é a subjetividade se objetivando através do corpo. Existe uma transferência para o corpo da carga que o psiquismo não conseguiu elaborar, a doença seria uma válvula de escape dos conflitos emocionais e intrapsíquicos.

 

4 - DESCRIÇÃO DO PROCESSO DE SOFRIMENTO E ADOECIMENTO  ORGANIZACIONAL

Saúde e doença não são conceitos estáticos, que se definam por si mesmos, estão intrinsecamente ligados ao contexto sócio-econômico-cultural, são determinados em sua classificação, produção, desenvolvimento e investigação, de acordo com o momento histórico e com a sociedade. Existem muitas definições de sofrimento e adoecimento, porém o trabalho vai se limitar as definições que consideram o organismo como um sistema, como um todo. Têm a visão do processo de adoecimento e sofrimento como uma "falha" no funcionamento de uma das partes do todo. E com o referencial de que o todo, ou o sistema estaria em contato com o meio, portanto, um sistema aberto.

"A Psicossomática compreende os processos de adoecer, não como um evento casual na vida de uma pessoa, mas sim representando a resposta de um sistema, de uma pessoa que vive em uma sociedade. De uma pessoa que nessa sociedade vive em relação recíproca com outros sistemas – inclusive outras pessoas – e que é parte ativa de uma microestrutura familiar inserida na macroestrutura social e cultural, situada em determinado ambiente físico e que procura resolver, do melhor modo possível, os problemas da sua existência no mundo" (MELLO. p. 97).

Existe uma forte relação entre o conceito de doença da Psicossomática e da Gestalt-terapia, pois as duas consideram o ser integral, como um sistema com um funcionamento harmônico e equilibrado, e a doença seria o desequilíbrio do sistema. O adoecer não é mais somente localizado em um órgão que adoece casualmente, mas é considerado um processo que integra a biografia do ser, sua forma de reagir a diferentes estímulos a que é exposto no meio e aos quais precisa reagir para manter a homeostase do sistema. A doença nas duas concepções, é uma reação ativa do organismo e não só um efeito aos estímulos nocivos (ameaças biológicas), é uma forma do ser se adaptar e manter seu funcionamento em equilíbrio, mesmo frente a desequilíbrios psicossociais.

"A maneira de conceber normal e anormal foi influenciada pelas ideias de Kurt Goldstein, concebendo doença como "um distúrbio no processo vital do homem (auto- regulação organísmica) diante de uma situação que o coloca em risco"... Doença seria, então, uma perturbação nos processos vitais de uma pessoa diante de situações que representam risco para ela. Por essa razão, os sintomas deveriam ser pensados como tentativas de adaptação, em busca de um equilíbrio diante das possibilidades apresentadas simultaneamente pelo organismo e pelo meio" (D'ACRY; LIMA; ORGLER, p. 77).

De acordo com Goldstein, o organismo se apresenta como uma totalidade, entendendo que saúde é o equilíbrio de tudo o que somos, uma totalidade existencial, concebida não como estado mas como processos que facilitam ou dificultam o desenvolvimento do ser humano. Saúde e doença, ou funcionamento saudável ou não saudável, são pensados dialeticamente, considerando que um mesmo comportamento pode ser saudável ou não, dependendo de ser funcional ou não. O funcionamento saudável seria definido por Latner (apud. D'ACRY, LIMA, ORGLER  p.78) por alguns indicadores: comportamento integrado e holístico, fluidez na criação e destruição de formas criadas, autenticidade e espontaneidade no relacionamento com o meio e com o organismo, conhecimento das necessidade inseridas no presente, aceitação do que somos, auto suporte ,  contato sem bloqueios e saudável com o meio e capacidade de apreender os fenômenos como ocorrem no aqui e agora.  Frederick Perls, (1977, p. 20) diz que "... Saúde é o equilíbrio apropriado da coordenação de tudo aquilo que somos." e dentro desta visão, doença seria uma perturbação em algum processo vital diante de situações que representem risco para ela, e os sintomas seriam tentativas de adaptação na busca pelo equilíbrio. Os distúrbios, inibições e interrupções do processo de crescimento estariam a serviço da sobrevivência psíquica, como forma de expressão do ajustamento criativo.

O conceito de ajustamento criativo foi criado por Frederick Perls, para designar o contato intencional e consciente que o indivíduo mantém com o meio para efetuar a sua auto-regulação. A maioria das necessidades humanas tem sua satisfação no meio, através dos recursos internos disponíveis, e do processo de ajustamento criativo ao meio, que torna- se fundamental para a auto- regulação humana. Sendo assim, se houver a cristalização desse ajustamento, o indivíduo assume formas crônicas de resposta, não atualizadas pela criatividade para a necessidade atual, e o ciclo de satisfação das necessidades para manutenção do equilíbrio é colocado em risco, restando desequilíbrio e tensão no organismo. Esse desequilíbrio gera uma sensação contínua de perigo e frustração, permanecendo como uma situação inacabada e suprimida, e que demanda energia para manter reprimida a sua excitação, mantendo as faculdades perceptivas e musculares menos disponíveis para novas situações. Até o momento, pode-se perceber que o organismo é perfeitamente capaz de fazer ajustes em seu comportamento, percepção, ação, intenção e avaliação para se adaptar ao meio com o qual tem contato, mas muitas vezes essa adaptação, esse ajustamento criativo falha, e nesses momentos o organismo entra em sofrimento e adoece.

No ambiente de trabalho ocorre o mesmo processo, o sofrimento está impresso nas partes mais profundas do ser, e esse sofrimento é reforçado pelas organizações que ao se aproveitar da necessidade do ser de realização no trabalho, impõe a esse trabalhador que ele abandone suas possibilidades de  ser no mundo, suas capacidades de julgamento e limitam permanentemente a liberdade desse ser. Depois do sofrimento, com a continuidade da frustração, do estresse, da pressão, das novas formas opressoras de administração dos trabalhadores e da cultura da alta  performance,  finalmente o trabalhador adoece. As preocupações com a saúde do trabalhador estão presentes desde a época da Revolução Industrial, momento em que se apresentou um aumento da classe proletariada, que tinha condições sociais e de saúde ruins, ficando muito sujeita a doenças e epidemias. Essa preocupação se manifestou na criação de normas para regulamentar a higiene das condições de trabalho, porém se limitavam ao modelo ecológico, ou seja, condições higiênico-sanitárias e nutricionais. Foram criadas leis trabalhistas que definiam a relação causal de doenças ocupacionais como resultado de ações de agentes físicos, químicos e biológicos. O adoecimento psicológico no trabalho é mais recente e tem merecido um maior aprofundamento nos estudos das doenças geradas no trabalho como estresse, depressão e outras síndromes ligadas a sobrecarga no trabalho.

No início, o mal-estar é percebido em nível individual e se manifesta através de sintomas somáticos ou psicossomáticos como uma depressão, uma tristeza sem motivo aparente (afinal ele tem um emprego, recebe um salário e tem uma "vida" completa), uma dor de estômago, insônia, taquicardia, que o leva para o consultório do médico, depois do psiquiatra ou psicólogo. A expectativa é que este profissional tenha a resposta para todos os questionamentos e males das organizações, mas infelizmente ele não tem. A medicalização destes tipos de males ligados ao trabalho é muito comum e tem sua importância em determinada fase do processo, porém, os males organizacionais não podem ser curados com remédios, então se trata o sintoma, mas não se atinge a causa. A origem destas doenças é unicamente social, institucional e organizacional. Deste processo de sofrimento e adoecimento organizacional se originam os males maiores dos seres que são aqueles ligados a causas psíquicas como o estresse, a Síndrome de "Burnout" e o suicídio.

 

4.1 – Assédio Moral, Estresse e Síndrome de "BURNOUT"

As organizações são sistemas que funcionam com a articulação dos subsistemas que a compõe e direcionadas para um objetivo. Um dos subsistemas é composto pelas pessoas ou os trabalhadores, que também são subdivididos em subsistemas de acordo com as regras hierárquicas, conforme já abordamos na definição de trabalho. Neste ponto, podemos reconhecer dois itens importantes para a análise das relações organizacionais: 1- Um meio organizacional que é social; 2- Um trabalhador que é um ser com um conteúdo existencial.

Essa diferenciação é importante quando se trata de identificar alguns fenômenos organizacionais. O adoecimento é um desses fenômenos que é absolutamente influenciável tanto pelo meio quanto pelo conteúdo subjetivo do trabalhador. O ponto a ser abordado neste item será a definição do estresse e da Síndrome de "Burnout", e a influência do assédio moral neste adoecimento, portanto, não será feita uma abordagem muito aprofundada do conteúdo subjetivo do trabalhador no desenvolvimento destes males. De acordo com Vicent de Gaulejac no prefácio do livro de Fernando Gastal (2012):

 "Os debates sobre o mal-estar no trabalho giram em torno do confronto entre duas posições. Uma delas privilegia a causalidade psíquica remetendo o 'burnout', o estresse e o suicídio a uma vulnerabilidade do indivíduo confrontado a problemas de adaptação, de reconhecimento e de falta de desempenho. A outra privilegia a causalidade social, remetendo os sintomas do mal-estar à pressão do trabalho, às novas formas de 'management', às reorganizações do trabalho, 'à lean production', chegando até a evolução do capitalismo e à pressão do 'share holder value' - valor para o acionário" (GAULEJAC,2015).

A abordagem tradicional do assédio moral é predominantemente dual, se manifestando como um fenômeno que envolve um sujeito assediador e um sujeito assediado (adoecido), e um fenômeno binário, fatos assediadores que ocorrem ou não ocorrem. A visão binária restringe o assédio a fatos observáveis e comprovados, que é correta juridicamente, mas restringe o assédio moral a fatos, deixando de considera-lo uma situação, e grave. A perspectiva da vítima-agressor tende a buscar soluções para o assédio moral no âmbito psíquico e individual, atribuindo o assédio ao conflito de personalidades apresentando o trabalho apenas como ambiente onde o fato ocorre. A abordagem psicossocial e a Gestalt-terapia entendem o assédio moral com origem na forma de organização do trabalho e da sociedade, e apresentando impactos no psiquismo do sujeito, com uma visão sistêmica e holística.

Segundo Lis e colaboradores;

"As pesquisas, na perspectiva psicossocial, centram a análise dos elementos do trabalho e da sociedade que solicitam, favorecem ou permitem as práticas de assédio moral, as quais são decorrentes da articulação de fatores de ordem individual, grupal, organizacional e social. Além disso, os estudos evidenciam a importância de transcender a análise individual e a perspectiva vítima-agressor" (SOBOLL, 2017).

De qualquer forma, quando o assédio acontece, seja assédio interpessoal ou organizacional, ele é autorizado e permitido pela organização, visto que para se configurar como assédio precisa ocorrer de forma contínua e a organização precisa permitir sua perpetuação. De acordo com o funcionamento da organização, ela pode estar contribuindo para a continuidade do assédio por causa de sua forma de gerenciamento, suscitando nos trabalhadores comportamentos perversos, agressivos, de isolamento, exclusão e ostracismo. O conceito de Assédio Moral foi sistematizado por Lis Soboll como:

"...Processo que se evidencia nas relações no trabalho, caracterizado por um conjunto de atos hostis, que ocorre de forma crônica, continuada e repetitiva, os quais atingem a dignidade, ofendem ou prejudicam aqueles que são alvo das hostilizações" (p. 15, 2017).

Existe um fenômeno processual, que interfere no funcionamento de um sistema (sujeitos trabalhadores/ organização).

Conforme foi citado anteriormente, podemos encontrar o assédio interpessoal e organizacional. O assédio interpessoal está associado a situações personalizadas de perseguição e de armadilhas no ambiente de trabalho, em que a vítima é sempre a mesma pessoa ou pessoas, "escolhidas" pelo grupo como alvo da perseguição. Essa pessoa ou pessoas são isoladas, recriminadas nos seus atos, julgadas, perseguidas, usando os métodos mais cruéis e agressivos. O assédio, mesmo o interpessoal acaba tendo a adesão do grupo por medo de não concordar e se tornar o próximo alvo da perseguição. O assédio organizacional é caracterizado por situações continuadas de violência sutil ou explícita nas práticas ou políticas organizacionais e gerenciais. Normalmente são práticas institucionalizadas, que fazem parte da gestão da organização, principalmente de uma gestão abusiva, e, apesar de podermos identificar os assediadores, o assédio organizacional está no abuso do poder diretivo do empregador. O alvo quando se fala em assédio organizacional é generalizado, atingindo toda a equipe de trabalho ou um tipo de perfil específico como os adoecidos, os frágeis, os críticos, questionadores. A função da existência para a organização do assédio organizacional é a intimidação dos trabalhadores quanto ao desvio do comportamento esperado, um alerta para o coletivo, e o grupo participa e é conivente por receio de ser a próxima vítima.

 A definição de assédio moral pode apresentar mais três características além da repetição que é a intencionalidade, dificuldade para se defender e danos a saúde. A intencionalidade é difícil de ser avaliada pois inclui uma subjetividade que não pode ser medida, não se apresenta de forma clara e pode ser ou não intencional. Em muitos casos, um gestor assedia seu subordinado não por intenção, mas por falta de opção e obrigação enquanto gestor. A dificuldade de se defender também é um indicador frágil pois este item não é decisivo no assédio, visto que nem sempre quem é assediado deixa de ser atacado em sua dignidade e hostilizada pelo fato de se defender, e os ataques permanecem e a humilhação também. A questão das alterações na saúde, não são um indício característico do assédio moral, pois nem todos os assediados adoecem e nem todos que adoecem são assediados.

O assédio moral é um fenômeno antigo no trabalho, porém atualmente vem aumentando, se tornando muitas vezes forma de gestão, em virtude das mudanças ocorridas no mercado de trabalho. O aumento da cobrança de produtividade, o distanciamento hierárquico dos dirigentes e trabalhadores dificultando a comunicação entre os empregados e empregadores, o despreparo das lideranças, a desumanização do ambiente de trabalho, aumento da competitividade e redução do espírito de equipe e de solidariedade são alguns dos fatores que colaboraram para o aumento do assédio moral na gestão dos colaboradores nas organizações.

Assédio moral de acordo com a definição fornecida pelo Núcleo de Combate à Discriminação e Promoção da Igualdade de Oportunidades ( NUCODIS/ DRT/ SC ) pode ser caracterizada por: dar instruções confusas e imprecisas para o trabalhador, bloquear o andamento do trabalho alheio, atribuir erros imaginários ao trabalhador, pedir-lhe sem necessidade trabalhos urgentes ou sobrecarregar o trabalhador com tarefas, ignorar o trabalhador ou não dirigir-lhe a palavra na frente dos outros, fazer críticas ou comentários de mau gosto, impor-lhe horários injustificados, fazer circular boatos maldosos e calúnias sobre o trabalhador, forçar o trabalhador a pedir demissão ou transferi- lo do setor para isolá- lo , não lhe atribuir tarefas ou pedir a execução de tarefas sem interesse, retirar seus instrumentos de trabalho, proibir colegas de falar e almoçar com o assediado e agredir o assediado sempre quando estão a sós. De acordo com os atos apresentados anteriormente, o trabalhador diante de tal conduta do assediador é colocado em posição de impossibilidade de reação por temer a perda do emprego e suporta as sucessivas investidas do assediador sem reagir. O trabalhador que é assediado perde a vontade de trabalhar, exerce suas atividades desmotivado, sua produtividade é reduzida, além de apresentar a queda da qualidade do seu trabalho, o índice de absenteísmo aumenta assim como as doenças profissionais. Uma das doenças que surge oriunda do assédio moral e sexual é o estresse.

Hans Seyle (apud. MELLO, 1992, pág. 98) utilizou o termo estresse para denominar o conjunto de reações que o organismo desenvolve ao ser submetido a uma situação que exige esforço para a adaptação, podem ser situações da vida comum ou de trabalho. O organismo quando exposto a um estímulo que ameaça a homeostase do organismo, seja esse estímulo físico, químico, biológico ou psicossocial, tende a reagir de forma uniforme e inespecífica, anatômica e fisiologicamente que constituem a Síndrome Geral de Adaptação. As reações de estresse resultam, pois dos esforços de adaptação, porém, se as reações ao agressor forem muito intensas ou o agente estressor for muito potente ou a exposição muito prolongada, pode haver como consequência o surgimento de uma doença como uma consequência indesejável, uma úlcera gástrica, elevação crônica da pressão arterial, doenças cardíacas, etc.

O que pode ser considerada uma situação estressante no trabalho? Muita responsabilidade ou nenhuma, relações com superiores e pares ou a falta dela, carga de trabalho grande ou pequena qualitativamente ou quantitativamente falando, excesso ou falta de participação nas decisões, falta de clareza nas instruções ou objetivos de trabalho, falta de informação ou informações contraditórias, ou seja quase tudo! Codo (1994) coloca que em última análise, o que realmente está em jogo como causa de estresse é a desapropriação do homem de seu próprio destino, a alienação da privacidade, a perda do controle da sua própria vida.  Tecnicamente chamado de Síndrome Geral de Adaptação SGA, como já foi dito, caracterizada por dores no corpo, tendinites, cansaço crônico, insônia, problemas de visão, tonturas, memória cada dia pior, raciocínio lento e cansativo, estado constante de alerta, alterações de pressão, dores de estômago, entre outras reações fisiológicas de alerta. A SGA é a expressão do estresse crônico, e para combatê-lo, é necessário planejamento, trabalho e determinação. Tratamentos paliativos com uso de vitaminas, remédios específicos para cada distúrbio relatado são soluções temporárias para os efeitos da SGA, como as vitaminas podem revigorar o organismo por um tempo, mas os efeitos se esgotam visto que o cansaço é um sintoma da SGA. Caso o estresse crônico se prolongue, pode se agravar para o desenvolvimento da Síndrome do Pânico e Síndrome de "Burnout".

O desenvolvimento histórico do conceito de "Burnout" aconteceu a partir da década de 70, com a observação do fenômeno no campo social, foi um conceito fenomenológico, que surgiu a partir da observação e posterior o estudo e análise. De acordo com Freudenberger (apud, GASTAL, 2012 pág. 17), em estudo com profissionais da área de assistência a saúde detectou uma redução da energia empregada no desempenho das tarefas após um ano de trabalho, com perda de motivação e comprometimento com o trabalho, configurando uma exaustão e frustração. Esse grupo chegou a perda do controle emocional, irritabilidade, perturbações de sono e sinais depressivos com desilusão. Constatou-se que esse fenômeno é relativo a ser consumido ou queimado pelo trabalho, então surge o termo "Burnout", junto com os estudos de Maslach (apud GASTAL, 2012), que investigou a carga emocional de enfermeiros, médicos, assistentes sociais e advogados e concluiu que esse termo seria adequado para designar a exaustão emocional gradual, o cinismo e a ausência de comprometimento experimentado quando expostos a altas demandas de trabalho.

Maslach (1993) define "Burnout" como "uma Síndrome psicológica decorrente da tensão emocional crônica, vivida pelos profissionais cujo trabalho envolve o relacionamento intenso e frequente com pessoas que necessitam de cuidado e/ou assistência." A definição de Maslach inclui três sinais essenciais: exaustão emocional, despersonalização e perda da realização pessoal. A exaustão emocional se refere ao esgotamento e falta de energia para a vida como um todo, a despersonalização é a atitude de indiferença, distância, frieza e descrença em relação ao trabalho e aos colegas de trabalho, e a perda da realização pessoal que diz respeito ao sentimento de ineficiência e incapacidade profissional, atinge basicamente a dimensão do EU e a vivência pessoal com o trabalho.

Outros autores posteriormente incluíram outros itens além dos três indicados anteriormente (exaustão emocional, despersonalização e perda da realização pessoal) importantes para a configuração do "Burnout": dores de cabeça, tensão muscular, distúrbios do sono, irritabilidade, sentimentos negativos que afetam a vida pessoal e familiar, tendência a largar o emprego e absenteísmo. Após ser feita a configuração do "Burnout" como um fenômeno que tem três dimensões básicas, cabe ressaltar que ele se diferencia dos outros fenômenos que ocorrem na realidade do trabalho como estresse e fadiga pela relação que as três dimensões têm entre si e suas relações com os estressores organizacionais que as determinam. O "Burnout" se caracteriza especialmente pela incapacidade de reestabelecer as energias após um dia de trabalho, a pessoa tem sempre a sensação de cansaço, independente do gasto efetivo de energia, demonstrando um esgotamento físico e psíquico.

 

5 - INTERVENÇÕES EM ASSÉDIO MORAL ORGANIZACIONAL - PLANO DE AÇÃO PARA MINIMIZAR O SOFRIMENTO E ADOECIMENTO DO TRABALHADOR NAS ORGANIZAÇÕES

"Frente a estressores psicossociais, notadamente quando suas necessidades não estão sendo satisfeitas, o indivíduo tende a reagir, ou melhor, ajustar-se basicamente de duas maneiras (LEVY, 1971): 1- Ajuste ativo – o individuo mostra seu desejo de mudança na estrutura a que está submetido; afasta-se ou solicita transferência do serviço voluntariamente ou tem participação em movimentos trabalhistas. 2- Ajuste Passivo – é o mais comum e conduz a alienação; o indivíduo passa a depreciar o trabalho e senti-lo como um peso e não como fonte de satisfação; o trabalho passa a ser sentido como desinteressante e não envolvente; absenteísmo e maior predisposição à doenças pela falta de coerência social em que o indivíduo está inserido e que atua como agente estressor psicossocial" (MELLO, 1992, p. 103).

Inicialmente para se compreender e modificar o ambiente organizacional é necessário que o psicólogo se aproxime dos trabalhadores e da organização tendo consciência que o mesmo campo que abriga os problemas, também será o gerador dos caminhos para as melhores soluções. Não existem caminhos e ferramentas milagrosas que salvem uma organização de sua doença, a cura é descoberta dentro da própria organização, utilizando as ferramentas vivas e competências que surgirem no campo organizacional. Os processos organizacionais formais e informais abrigam conhecimento sobre o "self" organizacional (cultura organizacional).

Um plano de ação para reduzir o sofrimento e o adoecimento precisa estar focado em recuperar a potência das pessoas, com o resgate do sentido do trabalho, ou melhor, do trabalho com sentido, reestruturação das relações de confiança entre as pessoas e principalmente a redução do caráter de urgência do trabalho, que torna precário o fazer profissional. Considerando que o sentido do trabalho se produz no coletivo, a cura para os sujeitos adoecidos também tem que ser produzida no coletivo, é, principalmente um resgate social, do respeito no grupo da organização e do resgate da auto-estima. Se o isolamento e a individualização são os mecanismos de assédio moral, o coletivo, a união traz a solução. Na depressão e no adoecimento todos pertencem ao mesmo time, existem muitas coisas em comum, que os sujeitos que estão na situação de assédio não conseguem perceber a sua volta. É necessário um acompanhamento sério e comprometido da rede de profissionais envolvidos no tratamento do assediado e do assediador, para evidenciar e esclarecer os mecanismos deflagradores do assédio, que apresentem o fenômeno coletivo para aliviar a sensação de isolamento e ampliar a visão de participante de um fenômeno organizacional.

O psicólogo organizacional poderá ocupar o papel de mediador, entre as questões dos trabalhadores e da organização, mesmo não sendo um papel de fácil execução, pois requer habilidade no trato com os dois lados, para manter a credibilidade com as duas pontas da corda. A cena é exatamente de um cabo de guerra, em um dado momento os trabalhadores apresentam sua força de demanda, e do outro lado está sempre presente a demandada, a organização, com seus interesses capitalistas. A conciliação entre as duas demandas, é sempre complicada, o mediador precisa estar sempre atento às diferentes demandas e pressões que ocorrem por todos os lados.  Podem-se pontuar duas atribuições básicas do psicólogo na área de Recursos Humanos: 1- a captação no mercado e formação dos profissionais para o desempenho de suas atividades; 2- manutenção desses profissionais em condições mínimas de bem estar, onde inclue- se: ambiente de trabalho saudável, remuneração justa e respeito entre os trabalhadores.

Segundo Wanderley Codo (1994), "A Psicologia moderna se desenvolve consciente que o seu objeto está na inter relação entre sujeito e objeto, na dupla conformação entre o homem e o mundo, exatamente na tensão entre um e outro",sendo assim, a Gestalt Terapia, a partir de uma abordagem mais humanizada, tem auxiliado a encontrar caminhos na atuação dos psicólogos nas organizações.

"De maneira congruente a esta perspectiva, a Gestalt-terapia transcende a visão dicotômica, reducionista e pouco complexa do mundo, delineando uma visão de homem e de mundo que substitui a conjunção alternativa ‘ou' – que separa e fragmenta - pela aditiva ‘e' – que relaciona e integra" (NUNES 2008).

Na Gestalt Terapia, o local de trabalho é considerado um dos ambientes do campo organismo-ambiente, em constante transformação e onde o "self" se constitui nas inter-relações. Considerando que a existência do sujeito se constitui através da relação dialógica, a Gestalt Terapia resgata o humano na relação de trabalho, esquecido em virtude da tecnologia que o mecanizou, e discute a forma de apreensão da realidade das organizações.

"A afirmação da primazia do diálogo no qual o sentido mais profundo da existência humana é revelado não nos deve levar à conclusão de que a atitude EU-ISSO seja algo de negativo, inferior ou mal. Ao contrário, ela é uma das atitudes do homem face ao mundo, graças à qual podemos compreender todas as aquisições da atividade científica e tecnológica da história da humanidade. Em si o EU-ISSO não é mal; ele se torna fonte de mal, na medida em que o homem deixa subjugar-se por esta atitude, absorvido em seus propósitos, movido pelo interesse de pautar todos os valores de sua existência unicamente pelos valores inerentes a esta atitude, deixando, enfim, fenecer o poder de decisão e responsabilidade, de disponibilidade para o encontro com o outro, com o mundo e com Deus. Quando, por esta razão, a relação perde o seu sentido de construtora do engajamento responsável para com a verdade do inter-humano, aí então, o EU-ISSO é destruição do si-mesmo, e o homem se torna arbitrário e submetido à fatalidade" (BUBER, 2001 ).

A relação de maior valor existencial é o encontro dialógico, como diz Buber, na qual o TU pode ser uma pessoa ou coisa, o que determina se a relação é EU-TU ou EU-ISSO não é o outro e sim a forma como apreendo esse outro. Sendo assim, Na relação EU-TU, o TU pode ser uma obra de arte, uma flor, Deus, desde que minha relação com esse outro seja intensa e presente, de apreensão desse outro em sua essência, com atenção plena. Dentro dessa abordagem, o ISSO também pode ser qualquer ser que esteja sendo apreendido como objeto de uso, de conhecimento de experiência de um EU.

O gestalt-terapeuta pode atuar nas organizações fazendo a prevenção ao adoecimento com o monitoramento constante através de pesquisa de clima organizacional, entrevistas, questionários ou qualquer outra forma de avaliação que tenha a aceitação dos trabalhadores e da alta administração que seria o primeiro instrumento de identificação de pontos de adoecimento, porém, os trabalhadores e a alta administração precisam depositar credibilidade no instrumento, e, a partir dos resultados, gerar providências para que se façam correções no funcionamento. No caso específico do adoecimento e do sofrimento, os sinais são perceptíveis quando são analisados índices que têm relação direta com a satisfação do trabalhador como o absenteísmo (falta ao trabalho), o presenteísmo (quando o trabalhador está presente no local de trabalho  mas ausente em suas atividades), a superação de metas ou falha no alcance das metas, além de outros com menos relevância para esse estudo.  Frequentemente no sofrimento do trabalhador, existe uma desvalorização do trabalhador enquanto potencial produtivo, com motivos variados: falta de habilidade dos gestores para lidar com pessoas, competição entre os trabalhadores, necessidade de menosprezar aquele que demonstra potencial de crítica e questionamento ou simplesmente para exercer o poder que é confiado a quem tem cargos de liderança.

Tratando especificamente dos grupos já adoecidos de trabalhadores, em organizações com ambientes que não foram submetidas a processos preventivos, com  soluções de avaliação e prevenção ao adoecimento, a proposta de atendimento e encaminhamento individual dos trabalhadores para profissionais da área de saúde mental é a solução paliativa que cabe para afastar os trabalhadores do estímulo estressante a que se encontram expostos, porém, é necessário que seja mostrado para a alta administração os prejuízos causados pelos afastamentos e transtornos psíquicos. Nessas organizações mais endurecidas, quando existe uma gestão doente dos trabalhadores, percebe-se que a estratégia de abordagem do sofrimento e do adoecimento precisa ser mais sutil e com o foco voltado para o esclarecimento do fenômeno que ocorre na organização. O trabalho com grupos pode incluir: sessões informativas, leitura de textos com debates e grupos vivenciais, focando no fortalecimento pessoal dos integrantes do grupo, sem grandes pretensões de mobilização organizacional. As palestras de esclarecimento para os trabalhadores são libertadoras, pois dão nome a coisas que eles pensam e sentem e não sabem nomear. O alivio que um trabalhador pode encontrar ao perceber que está doente com algo vivenciado no trabalho, compreender a origem do seu adoecimento, que não é o único, que tem solução, que merece respeito, é como tomar o remédio certo para suas dores. Essas dores podem não passar imediatamente, mas se tornam mais suportáveis quando vistas e tratadas com o " remédio " certo. O objetivo é que os trabalhadores utilizem o conhecimento para se fortalecer e que tenham a possibilidade de mudar sua condição.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

De acordo com a exposição realizada sobre o desenvolvimento do trabalho, o adoecimento das pessoas e das organizações, pode-se perceber que um trabalho saudável é aquele em que o sujeito se encontra comprometido com o seu "fazer", beneficiando a sua saúde e a saúde financeira e social da organização. Esse seria um indicador de uma organização eficaz. Ketchum e Trist (apud. MORIN, 2001) indicaram as condições que levam o indivíduo a se comprometer e estabelecer uma relação existencial com o seu trabalho: 1- a variedade e o desafio, necessidade de resolução de problemas, 2- a aprendizagem contínua, estimular o crescimento contínuo, 3- uma margem de autonomia, estimulando a capacidade de decisão, 4- o reconhecimento e apoio, estimula a necessidade de vinculação, 5- contribuição social com sentido, o trabalho deve unir a atividade com consequências sociais positivas, 6- um futuro desejável, esperança no futuro.  Nota-se que subjetivamente, o salário não aparece como prioridade nas condições fundamentais do sentido do trabalho, o prazer e o sentimento de realização que são obtidos no trabalho dão sentido a esse "fazer profissional". O trabalho contribui para a formação do sujeito e consequentemente da sociedade e o fato de se ter um trabalho que não tem uma finalidade, que se constitui como uma relação EU-ISSO com uma apreensão utilitarista apenas, com um ambiente com relações superficiais, torna esse trabalho um desperdício de energia de quem o faz, e é extremamente vazio sob o aspecto existencial. Sob outro aspecto, o trabalho que tem sentido permite o contato honesto entre pessoas com quem se tem prazer em trabalhar e conviver, ou pelo menos que se respeitam mutuamente.

Em última instância, o sofrimento nas organizações é causado primordialmente pelo assédio moral e sexual, condição que oprime o trabalhador, retirando o valor e a capacidade laboral, pois ataca a autoestima e o equilíbrio do trabalhador, além de ser uma violência ao psiquismo do sujeito, uma espécie de abuso. O desempenho de um trabalhador é influenciado não só pela sua motivação, competência mas também pelas condições de trabalho, relações que se estabelecem, e tudo que compõe o campo, podendo desencadear uma doença que tem desdobramentos físicos que é o que atualmente conhecemos como Síndrome de "Burnout" e em situações mais críticas pode levar o trabalhador ao suicídio. Conclui-se que a situação de assédio expõe o trabalhador a um risco de adoecimento muito grave, que se configura como o ajustamento criativo possível.

Percebe-se mais uma vez que o foco são as inter-relações, toda a cena organizacional acontece no campo e a forma como os trabalhadores se relacionam entre si e com a organização afeta o estado psíquico dos trabalhadores. Ribeiro (apud. ALVIM & RIBEIRO, 2005) define doença organizacional como um processo relacional que se origina na perda da totalidade organísmica e na dificuldade da organização se auto-regular, e as resistências organizacionais seriam os mecanismos tortuosos de auto-regulação, de resistência, que geram o adoecimento da organização se usados de forma constante promovendo uma "rigidez organizacional".

As questões que permanecem são: como detectar uma gestão organizacional que produz doença nos trabalhadores? A área de recursos humanos tem a competência necessária para transformar organizações doentes em organizações saudáveis e que dão lucro com o formato de profissional de RH que existe atualmente? Os psicólogos estão preparados para compreender o funcionamento sistêmico da organização; e  compreendem  seu papel e estão dispostos a cumprir o código de ética com o qual se comprometeram, a despeito de qualquer pressão que possam sofrer do Capitalismo Selvagem? A organização que visa o lucro pode ser compatível com a organização que tem trabalhadores saudáveis, felizes e realizados? São muitos questionamentos, mas a responsabilidade com a ética, com a moral e com as pessoas é a ferramenta que permeia as respostas que podem ser dadas.

O psicólogo tem um papel fundamental neste processo organizacional, desde que tenha um nível alto de confiabilidade do grupo organizacional e esteja autorizado formal e simbolicamente para tal atuação, seja encaminhando os trabalhadores para tratamentos fora da organização, seja para trabalhos preventivos com grupos de orientação ou grupos de apoio. Impõe-se ao psicólogo organizacional que ele repense antigos conceitos sobre o trabalhador como força de trabalho, recurso de produção, e o encare como sujeito provido de razão e emoção, com direito à liberdade, dignidade, igualdade e integridade, e, dentro deste contexto, a função ética do psicólogo é a promoção da saúde e qualidade de vida das pessoas e da coletividade, contribuindo para a eliminação de quaisquer formas de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Ambientes organizacionais doentes ficam estagnados, cristalizados, apenas na relação Eu-Isso, impedindo que o sujeito aflore nas relações organizacionais, gerando indiferença interpessoal As relações Eu-Isso são importantes mas o ser só é humano se experimenta relações Eu-Tu também. Alinhar objetivos pessoais com necessidades da comunidade, fazer nosso melhor possível para dar sentido a nossa existência, com relações autênticas e honestas com o outro (Eu-Tu) e respeitar todos os "outros" que passarem em nosso caminho, independente de relações positivas ou negativas pois estamos todos em processo de evolução e enquanto seres imperfeitos, precisamos nos aceitar.

De acordo com CODO (1994) a Psicologia Industrial e Organizacional trata um sujeito no trabalho, desprovido de afetos e a Teoria das Relações Humanas se ocupa em instrumentalizar o afeto como forma de aumentar a produtividade, tratando a motivação, liderança, desempenho, habilidade, seleção e treinamento, tornando o sujeito uma ferramenta melhor para o trabalho. A teoria está toda voltada para a racionalidade humana, para um homem que na organização perde a família e o afeto, importando só como eficiência e produtividade.

A relevância deste estudo é exatamente mostrar que o ser é integral, não existe uma separação possível entre sujeito e meio, e o meio organizacional atua como constituinte da subjetividade, necessitando ser cuidado e visto pela gestão organizacional e pelos psicólogos organizacionais. O objetivo maior é que seja criado um ambiente de trabalho decente, com qualidade e respeito e formador de sujeitos com saúde.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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APÊNDICE:

DEPOIMENTO DE TRABALHADOR

"No início era só alegria! Passar em um concurso público, primeiro lugar, futuro tranquilo e garantido. Em pouco tempo percebi que era um grande engano. No primeiro ano não tinha atividade e sofria preconceito por ser primeira colocada, pelo local que morava, por ter estudado em universidade pública, enfim, já tinha percebido que era pessoa errada para o local. Pensava sempre que tinha que conseguir fazer uma limonada com os limões que a empresa me dava, e eram muitos, todos os dias.

A alegria e motivação inicial foram se transformando em estranhamento da situação, culpa por ser tão fraca, sensação de estar sendo sugada para dentro de um furacão e tentativa de compreender e administrar essa nova realidade. Posteriormente, a paisagem verde, azul e cor de rosa, foi ficando cinza, os dias sem colorido, e a tristeza foi tomando conta de mim, e, apesar de todo o conhecimento, esclarecimento, vida pessoal feliz e plena, o sofrimento se instalou de forma avassaladora. Não me lembro de quando o sofrimento se instalou nem em que momento tomou conta do meu corpo, me adoecendo, mas foi muito rápido, e parecia sem retorno. É o tipo de adoecimento que dói no corpo e na alma! Uma dor que não tem nome, não tem fim, mas é absolutamente real, sofrida e com consequências no modo de ser e no corpo. Pensamentos que não me pertenciam tomavam conta de mim, fazendo com que deixasse de acreditar em mim, nas pessoas e na vida. O nome dessa doença poderia ser DESESPERANÇA. Restava muito pouco de mim após a doença. Que doença?? Nem sabia do que se tratava, achava que era eu o problema e não ela!!!. Nós nos confundíamos, eu e ela (A doença).

Foi um processo longo, doloroso e que ainda está em curso, e só foi possível de ser enfrentado por causa de anjos que aparecem em nossas vidas e nos mostram que a ajuda é necessária e a cura é possível. Hoje percebo que a cura está dentro de nós, mas é necessário que alguém nos conduza a esse lugar, que inicialmente é escuro e confuso, mas com o tempo, se torna o melhor lugar do mundo.

Aprendemos na natureza que até as tartarugas são extremamente sábias, se o ambiente é ameaçador, ela se recolhe para dentro do seu casco e aguarda o meio melhorar. Que nós tenhamos a sabedoria de nos recolher para dentro de nós mesmos quando a situação for hostil, e passar um tempo como os ursos, nos alimentando de nossas reservas de bons sentimentos, desejos, saberes e tudo aquilo que nos faça feliz.

Tudo passa, as dores, o sofrimento, as doenças, os algozes, mas o que fica para sempre são os amores, as cicatrizes e aquilo que nos tornamos quando passa a tempestade".

 

NOTAS:

* Daniela Nogueira de Moraes – Graduada em Psicologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, em Administração pela Universidade Estácio de Sá, Pós-Graduada em Psicologia Clínica com ênfase em Gestalt-Terapia pela Universidade Celso Lisboa, formanda em Clínica Atendimento Individual, Grupo e Família no IGT – Instituto de Gestalt-Terapia.
** Paulo Victor Rodrigues da Costa - Graduado em Psicologia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), em Filosofia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Especialista em Psicologia Fenomenológico-Existencial pelo Instituto de Psicologia Fenomenológico-Existencial do Rio de Janeiro (IFEN), Mestre em Psicologia Social pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (PPGPS-UERJ) e Doutorando em Filosofia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGF-UFRJ).

 

Endereço para correspondência
Daniela Nogueira de Moraes
Endereço eletrônico:daniela.habibs@globo.com
Paulo Victor Rodrigues da Costa
Endereço eletrônico:pvrcosta@gmail.com

 

Recebido em: 31/07/2018
Aprovado em: 01/07/2019