ARTIGO

Mandalas como recurso terapêutico na prática da Gestalt-Terapia

Mandalas as a therapeutic resource in Gestalt therapy practice

 

Bruna Improta de Oliveira Mendonça*; Maria Alice Queiroz de Brito**

Universidade Federal da Bahia (UFBA) - Salvador - BA.

Endereço para correspondência

 


RESUMO

Mandalas aparecem, desde as culturas mais antigas, como um símbolo de harmonia, integração e transformação. Trata-se de um recurso utilizado em práticas psicoterapêuticas, mas pouco fundamentado teoricamente na perspectiva da Gestalt-terapia. Este artigo busca empreender uma relação sobre as diversas possibilidades de utilização desse recurso na prática clínica sob a fundamentação teórica da Gestalt-terapia. Especificamente, visa revisar criticamente a literatura sobre o tema, fomentar uma ampliação da compreensão do tema em suas possibilidades terapêuticas e, por fim, ampliar a compreensão teórica dessas possibilidades a partir da Gestalt-terapia. A metodologia utilizada foi a revisão sistemática da literatura. Os resultados encontrados demonstram que o tema ainda possui extensa lacuna na perspectiva teórica mencionada, contudo em sua utilização na prática psicoterapêutica, trata-se de um recurso que facilita a revelação do modo de funcionamento do seu criador, facilitando o estabelecimento de "awareness", liberação de "gestalten" cristalizadas, integração dos conteúdos liberados, revelação dos mecanismos de defesa e o modo de operar em suas relações com o outro e com o mundo, e, consequentemente, proporcionando a possibilidade de um contato mais genuíno e fluido.

Palavras-chaves: Gestalt-terapia; Mandalas; Técnicas Gestálticas.


ABSTRACT

Since ancient cultures mandalas appear as a symbol of harmony, integration and transformation. Although being a resource used in psychotherapeutic practices, it is theoretically unfounded from the perspective of Gestalt therapy. Through a systematic review of the literature, this article aims to stablish a relationship between the use of this technique in clinical practice based on the theory of Gestalt-therapy. Specifically, it aims to review critically the literature, to foster a broader understanding of the theme in its therapeutic possibilities, to extend the theoretical understanding of these possibilities from the Gestalt therapy point of view. The metodology was a systematic review of the literature. The results shows  an extensive gap in the theoretical perspective mentioned above,, even though in psychotherapeutic practice, it is an instrument that facilitates the disclosure of the way its creator works, its awareness, the release of repressed content and crystallized gestalten, the integration of the liberated contents, the  revelation of the defense mechanisms and the way of operating in their relations with the other and with the world, and consequently providing the possibility of a more genuine and fluid contact.

Keywords: Gestalt-therapy; Mandalas; Gestalt Techniques.

 

INTRODUÇÃO

As mandalas estão presentes nas mais remotas culturas e em diferentes continentes, consistindo em estruturas ou imagens circulares, cujo nome advém do sânscrito e significa centro, circunferência ou "círculo mágico" (JUNG, 2011b). Nos registros da história da humanidade, esta estrutura aparece como o símbolo universal e essencial da harmonia, integração e transformação, representando, também, o potencial criativo do indivíduo, em suas expressões e comunicações (CATARINA, 2009).

As culturas hindus e budistas são marcadas pela presença deste símbolo, promovendo uma conotação religiosa, explicitada pela afirmação de Jung (2011b) que "em seu uso cultural, os1 mandalas são extremamente significativos, pois seu centro contém em geral uma figura de supremo valor religioso: às vezes, é o próprio Shiva, ou Buda" (pp. 108). A atribuição de uma valorização máxima ao centro do símbolo, coincide com o significado central dos símbolos das mandalas individuais. Jung (2011a) afirma, também, que a verdadeira mandala é individual e provêm sempre de uma imagem interior, construída pouco a pouco através da imaginação ativa e que nenhuma é igual à outra.

A confecção de mandalas consiste em uma técnica bastante utilizada na arteterapia contemporânea, inclusive gestáltica, como podemos ver nos escritos de Ciornai (1995; 2004). Apesar disto, há imensa lacuna na literatura, e a percepção de que dentre os poucos materiais escritos existentes, a grande maioria está fundamentada na perspectiva teórica da psicologia analítica, justificando a importância da elaboração de trabalhos que consolidem este instrumento na prática gestáltica.

Este artigo tem como objetivo principal revisar sistematicamente a literatura sobre o tema e construir, a partir dos resultados, uma relação sobre as diversas possibilidades de utilização das mandalas na prática clínica sob fundamentação teórica da Gestalt-terapia. Como objetivos específicos pretende fomentar uma ampliação da compreensão das mandalas em suas possibilidades terapêuticas e ampliar a compreensão teórica dessas possibilidades a partir da Gestalt-terapia.

Pode-se perceber com a realização deste trabalho importante contribuição para a psicologia, em especial para a Gestalt-terapia, já que a construção e análise de mandalas é reconhecida como um recurso poderoso no processo de autoconhecimento (CIORNAI, 2004; RHYNE, 2000; JUNG, 2011a), mas possui muito pouco catalogado nesta perspectiva teórica. Acreditamos na possibilidade de contribuição significativa para a condução e vivência dos processos terapêuticos utilizando este recurso.

 

METODOLOGIA:

O presente estudo consiste em uma revisão de literatura que, conforme Sampaio e Mancini (2006), se refere a uma maneira de pesquisar que utiliza como fontes de dados a literatura sobre determinado tema, disponibilizando um resumo das evidências relacionadas a uma estratégia de investigação específica, através da aplicação de métodos explícitos e sistematizados de busca, apreciação crítica e síntese da informação selecionada.

Foi realizado um levantamento de trabalhos acadêmicos indexados no SciELO Brasil e no portal de periódicos da CAPES com os seguintes descritores: Gestalt(and)Mandalas; Mandalas; Terapia(and)Mandalas; Psicologia(and)Mandalas nos idiomas português, inglês e espanhol. O levantamento foi realizado no dia 23 de dezembro de 2016 inicialmente com o filtro dos últimos 05 anos, mas foram retirados os filtros disponibilizados pelos sites, pela ínfima quantidade de materiais que surgiram.

No site do SciELO Brasil não foram encontrados trabalhos com os descritores mencionados acima.

No portal de periódicos da CAPES os descritores Gestalt(and)Mandalas e Terapia(and)Mandalas não gerou nenhum resultado, mesmo desativando as ferramentas de refinamento. Ao incluir Psicologia(and)Mandalas surgiu um trabalho produzido na Suíça através da perspectiva de Carl Jung. Ao pesquisar apenas Mandalas surgiram 67 trabalhos, que após refinamento para os últimos 05 anos foram reduzidos para 21. Ao analisar esses 21 trabalhos, percebe-se que todos são publicações internacionais e apontam uma diversidade de áreas de aplicação como medicina (3), filogenética e evolução (2), ayurveda e farmácia (1), artes (1), publicação de livros de colorir (2), ecologia (1), religião e rituais culturais (4), letras (1), educação (1), engenharia (1), linguística asiática (1) e psicoterapia analítica junguiana (3), os quais se dividem em análise de pessoas com TDAH, facilitação de interação entre estudantes de psicologia e análise de um caso clínico pela perspectiva da psicoterapia analítica.

Diante dos resultados precários, foi necessário ampliar as buscas em livros sobre arteterapia, mandalas e Gestalt-terapia, afim de encontrar materiais que guiassem a construção que se segue. Estes resultados fortalecem a importância deste trabalho para a reflexão teórica deste tema na Psicologia no Brasil, mais especificamente da Gestalt-terapia. 

 

SOBRE A GESTALT-TERAPIA:

A Gestalt-terapia é uma abordagem psicoterapêutica que surgiu da inter-relação de várias escolas e correntes filosóficas, metodológicas e terapêuticas, como a fenomenologia, o existencialismo, a teoria de campo, a psicologia organísmica, a psicologia da Gestalt, a psicanálise, as filosofias orientais e a corrente humanista.

Segundo Pinto (2009) a atitude fenomenológico-existencial é o ponto para o qual convergem essas diversas fontes, e que fundamenta a concepção do humano na abordagem gestáltica. Dessa forma, ela tem como valor relevante o fato de que o ser humano é fundamentalmente um ser de relação. A existência humana, desta perspectiva, é definida segundo a relação campo-organismo-meio, sendo impossível conceber o indivíduo fora do contexto e do meio no qual está inserido, bem como das relações que estabelece a partir daí (KIYAN, 2006).

Para Kiyan (2006), complementando essa perspectiva, a existência é relação e, como relação, é também contato. A Gestalt-terapia é construída, portanto, para entender esse processo de contato. O conceito de contato, segundo D´acri, Lima e Orgler (2007), tem sido utilizado para definir o intercâmbio entre o indivíduo e o ambiente que o circunda dentro de uma visão de totalidade. Refere-se aos ciclos de encontros e retiradas do organismo/meio, ocorrendo sempre em um limite denominado fronteira de contato, que une e separa essas duas instâncias (sujeito/meio), tornando-as mais ou menos facilitadoras do contato.

O contato, bem como todo o trabalho dentro desta perspectiva, ocorre e é focado no "aqui e agora", e, segundo Rodrigues (2000), todo o trabalho terapêutico centra no que o cliente traz no momento em que está vivenciando seu processo - seus pensamentos, sensações, sentimentos e intuições -, não descartando nenhuma informação que seja percebida e que seja importante para o processo terapêutico. Essas informações não se restringem ao discurso verbal, mas incluem os gestos, expressão facial, respiração, modo de olhar, ato de desviar o olhar, e tudo o mais que emergir no "aqui e agora".

Conforme afirmam Polster e Polster (2001) o psicoterapeuta primeiro ouve a história e deixa que o significado se manifeste, em lugar de colocar expectativas sobre os possíveis significados, diante dos quais os comportamentos devem se encaixar. Os mesmos autores afirmam que o significado se desenvolve a partir da sequencialidade da vida, e que em psicoterapia o símbolo é mais poderoso quando o significado emerge da experiência.

A Gestalt-terapia, neste sentido, lança mão de recursos terapêuticos baseados no experimento, como um mecanismo que envolve a instrumentalização de diversas técnicas projetivas (KIYAN, 2009; ZYNKER, 2007). Este mecanismo mobiliza o indivíduo a confrontar as emergências de sua vida, através de um sistema de ação contrário ao modelo do "falar sobre", promovendo a operacionalização dos sentimentos e ações, numa situação de segurança relativa demarcada pelo vínculo terapêutico (POLSTER & POLSTER, 2001).

A Gestalt-terapia é, na verdade, uma permissão para ser criativo, como afirma Zynker (2007), e um dos objetivos desta perspectiva é promover a "awareness" do cliente. Entende-se "awareness" como uma condição de extrema qualidade na percepção e consciência de si, do outro e do campo da relação. Uma "capacidade de perceber o que ocorre dentro e fora de si, no momento presente, nos níveis corporal, mental e emocional. Significa a possibilidade de se dar conta, simultaneamente, do meio externo e interno, através de recursos perceptivos e emocionais" (FRAZÃO, 1999, pp. 28).

Mais especificamente, "Awareness" significa um processo de contato, uma relação entre campo, organismo e meio, no qual, o indivíduo presencia, no "aqui e agora", uma profunda e acentuada qualidade de atenção e sentido. É o processo de estar em vigilante contato com o evento mais importante do campo-organismo-meio, com pleno suporte sensório-motor-emocional-cognitivo-energético (YONTEF, 1984).

A possibilidade deste estabelecimento de "awareness" permite que o indivíduo tenha mais clareza das necessidades que surgem em seu organismo, já que se depara com várias necessidades simultâneas a serem satisfeitas, numa tentativa constante de estabelecer um equilíbrio homeostático (PINTO, 2009).

Perls (2011) afirma que a necessidade dominante do organismo, em qualquer momento, se torna a figura de primeiro plano e as outras necessidades recuam, pelo menos temporariamente, para o segundo plano. Esse processo dinâmico, quando em funcionamento harmonioso leva o indivíduo a "fechar a ‘Gestalt'" de determinada situação, dependendo de um ajuste ao meio, da maneira que lhe é possível naquele momento, na tentativa de suprir a demanda emergente (PERLS, 2011). Segundo Kiyan (2006) esse ajustamento nem sempre é uma resolução da questão que está emergente, mas sim a opção que parece melhor, no sentido de cumprir a demanda organísmica que se torna figura naquele momento. Desta forma, o conceito de ajustamento criativo, traz a ideia de um ajustamento possível naquele momento, interagindo criativamente dentro do campo de relação.

A Gestalt-terapia, desta forma, fundamenta atividades que visam o desenvolvimento no indivíduo da tomada de consciência, promovendo facilitação do processo de autoconhecimento e autorrealização. Considerando a construção e análise de mandalas um recurso técnico possível nesta tarefa, parto da explanação do histórico, utilização e simbologia deste recurso, para compreensão e posterior articulação com os conceitos gestálticos.

 

MANDALAS: O CÍRCULO SAGRADO - HISTÓRICO, UTILIZAÇÃO E SIMBOLOGIA.

A estrutura circular está presente na vida dos indivíduos desde a fase embrionária, já que os sujeitos se constituem a partir de uma célula-ovo, com forma circular, em um ambiente materno, o útero que acolhe o embrião, também neste mesmo formato (FREITAS, 2007). Além disso, a referência de planeta que todo indivíduo habita é circular e o círculo expressa a totalidade que os compõem (FREITAS, 2007).

Mandala é uma palavra sânscrita que significa centro, circunferência ou círculo mágico, aparece em quase todas as religiões e, através da Antropologia podem-se verificar os registros e considerar a presença destes símbolos nas mais remotas culturas e diferentes continentes (CAMPBELL, 1997; JUNG, 2011c). O símbolo circular aparece nos rituais primitivos de adoração ao sol, nos mitos, sonhos, religião antiga e moderna, nos desenhos dos monges tibetanos, nos planos arquitetônicos das cidades e na astronomia, sempre trazendo ideia de inteireza (D´ASSUMPÇÃO, D´ ASSUMPÇÃO & BESSA, 1984; JUNG, 1964). Foi descoberto, além disso, através de estudos antropológicos, que nas tribos primitivas, a produção de arte em forma circular aumentava quando a tribo sofria ameaças como guerras e doenças (D´ ASSUMPÇÃO, D´ ASSUMPÇÃO e BESSA, 1984). Talvez as mais antigas da humanidade tenham existido desde a era paleolítica, nos desenhos rupestres rodesianos, que são universalmente difundidos (CAMPBELL, 1997; JUNG, 2011c).

Estes símbolos mostram em todas as partes do mundo uma disposição bastante semelhante de seus elementos, normalmente reunidos no centro em forma de círculos ou polígonos, muitos em formato de cruz ou círculo de flores (JUNG, 1964). Arguelles e Arguelles (1972) reforça que a universalidade da mandala está em sua constante, o princípio do centro. O centro é o começo deste símbolo e, o desenho tradicional sempre utiliza o círculo e o quadrado (ARQUELLES & ARQUELLES, 1972).

Os estudos geométricos, assim como as mandalas, advêm das civilizações antigas, podendo ser reconhecidos nas tradições celta, druídica, egípcia e caldaica, mas muito aprofundados pelos gregos antigos e pelos judeus na Cabala. Basso e Amaral (2011) consideram que os campos de conhecimento e informação sobre os indivíduos podem ser consideravelmente ampliados se levamos em consideração os números e figuras geométricas não apenas em suas bases matemáticas, mas como signos carregados de simbologia.

O círculo é a imagem da totalidade, da unidade, o "um", sem começo e fim, além do tempo e espaço, sem nome, forma, ilimitado e vazio, pleno de potencialidades, infinito em possibilidades (BASSO & AMARAL, 2011). O segredo do círculo, no entanto, é o ponto. O ponto como centro e o círculo representando o campo. O ponto é a semente, princípio o qual o círculo é a expansão infinita; é a máxima contração do círculo. O movimento é ação básica dessas duas direções, espirais com direções diferentes (círculo - centro; centrípeta/ centro - círculo, centrífuga), que a mente percebe como uma só (BASSO & AMARAL, 2011).

O quadrado, por sua vez, tem dimensões e se localiza no tempo e espaço, representando a matéria, a forma (BASSO & AMARAL, 2011). São quatro os elementos básicos da matéria: fogo, ar, água e terra, traduzindo estados da matéria como princípios que se estabilizam, que representam corpo e presença. Quatro é o princípio que fixa uma forma, define, limita, que estabiliza, mas pode também aprisionar, paralisar, congelar e completar. O quatro tem lados opostos, cima e baixo, direita e esquerda, dentro e fora, em uma característica dual, capaz de materializar, coagular (BASSO & AMARAL, 2011).

Sobre a prática terapêutica de utilização das mandalas, D´assumpção, D´assumpção e Bessa (1984) apontam que este recurso é tão antigo quanto a própria humanidade. O que há de novo são metodologias para se trabalhar com ela, de forma dirigida, voltadas para a psicoterapia, acelerando o processo terapêutico. Neste sentido, Jung (2011b) foi um dos primeiros teóricos a se debruçar na compreensão das mandalas a partir da prática psicoterapêutica que, diante das expressões de seus pacientes em desenhos circulares, adotou essa palavra para descrevê-los.

D´assumpção, D´assumpção e Bessa (1984) contudo, revelam que, além de Carl Jung (2011b), a técnica de utilização terapêutica das mandalas teve como uma das precursoras a psiquiatra norte-americana, Joan Kellog (1992), que começou a utilizar este recurso como teste projetivo em pacientes que iriam se submeter à terapia do LSD, na clínica do  Dr. Stanilav Groff, pesquisador e criador da abordagem Holonômica. Através da produção das mandalas, ela percebia quais pessoas tinham risco de surto psicótico caso tomassem LSD. Neste caso, selecionava as pessoas que poderiam se submeter à terapia; nesse processo ele começou a perceber que as mandalas agiam, também, terapeuticamente.

D´assumpção, D´assumpção, Bessa (1984) e Jung (2011a; 2011b) aprofundam que como um fenômeno psicológico, as mandalas aparecem espontaneamente em sonhos, em estados de conflito e em casos de esquizofrenia. Ao trabalhar com mandalas, no entanto, é importante estar atento ao fato de que cada indivíduo é singular (KELLOG e DI LEO, 1975). Isso reforça a ideia de que, apesar de consistir um símbolo universal, não se pode trabalhar com a mandala como representando elementos estáticos do indivíduo, mas como um instrumento que situa como a pessoa está naquele momento, e que é parte de um processo progressivo (KELLOG e DI LEO, 1975).

Na perspectiva psicoterapêutica, a confecção de mandalas consiste em uma técnica que pode ser utilizada para a abertura e/ou fechamento de processos, bem como ser proposta no desenvolvimento de todo o trabalho terapêutico. Pode ser realizada através de diversos recursos, conforme aponta Freitas (2007), a partir de um tema, de um relaxamento, de um conto, uma fábula, ou surgir espontaneamente. 

As técnicas para a confecção das mandalas podem ser utilizadas de diferentes formas, tantas quantas couberem na criatividade humana, como pintadas com tinta guache, acrílica, a óleo, giz de cera, lápis de cor; feitas na terra com flores, plantas e recursos naturais; confeccionadas a partir de colagens diversas, utilizando papéis coloridos, linhas, lã, tecido, sementes, figuras; vivenciadas em forma de dança circular em grupo ou individual; ou mesmo utilizando-se diferentes técnicas ao mesmo tempo.

Certos procedimentos, contudo, são importantes de serem seguidos, a depender do propósito, como traçar o círculo na base quadrada maior (no caso de mandalas pintadas ou colagens), marcando com um ponto o centro, delimitando-o antes de o trabalho começar; além de escolher os materiais a serem utilizados antes de iniciar a prática, deixando-os disponíveis e visíveis para quem vai produzir a mandala. Em uma vivência dirigida, deve-se levar em conta os objetivos propostos, utilizando a técnica adequada ao indivíduo ou ao grupo, e quando for uma vivência livre, dá-se a oportunidade do material ser escolhido, também anteriormente (KIYAN, 2009).

As cores costumam ser analisadas em trabalhos terapêuticos com mandalas, dentro de outras abordagens, podendo assumir uma perspectiva positiva ou negativa, dependendo das circunstâncias que são utilizadas (KELLOG e DI LEO, 1975). Neste trabalho, contudo, em consonância com os pressupostos gestálticos, em especial o método fenomenológico, predefinições e interpretações por parte do psicoterapeuta, em relação às cores, não são levadas em conta. Para Forghieri (2004) a redução fenomenológica é o recurso para se chegar ao fenômeno como se revela por si mesmo, assim o Gestalt-terapeuta usa a descrição das cores usadas, a intensidade do traço no lugar de interpreta-los, deixando que o cliente lhes dê o significado. O "epoché", suspensão das expectativa e julgamentos, e a equalização, como suspensão de hierarquias no significado dos itens de descrição da experiência, são necessários para se chegar à "coisa mesma", o fenômeno em si, representado pela produção do cliente. O foco está nas sensações e representações particulares que aquelas cores possuem para o indivíduo que produz.

 

MANDALA COMO RECURSO TERAPÊUTICO PELA GESTALT-TERAPIA:

Em Gestalt-terapia compreende-se que o indivíduo busca, todo o tempo, um equilíbrio homeostático. De acordo com Perls (2011) essa homeostase é o processo que o organismo encontra de satisfazer suas necessidades. Como essas necessidades podem surgir concomitantemente, existe uma dinâmica interna que permite uma hierarquização das mesmas, de forma que se possa satisfazer uma de cada vez.

A produção de mandalas em situação terapêutica pode fazer emergir do fundo,  a história de vida, - com todos os aspectos que a compõem (situações inacabadas, fluxo de experiência presente, crenças, filosofia vida, religião, mecanismos de defesa, etc.) - conteúdos que o indivíduo tem dificuldades de acessar, e que não se tornam figura, pelas defesas e resistências que reproduz. 

Neste sentido, a mandala é um instrumento portador dos conteúdos emocionais do indivíduo que a produziu. O seu formato circular e o seu centro, traduzem elementos da estrutura da psique, da totalidade, da forma primordial onde nascem todas as formas (BASSO & AMARAL, 2011), projetando ao exterior conteúdos internos nem sempre acessíveis por outras vias como a verbal. Por ser uma possibilidade de se expressar livremente, e sem a verbalização, o indivíduo evita a racionalização dos conteúdos emocionais, que acontece muito nos momentos de expressão pela fala, porém, consonante com as ideias de Basso e Amaral (2011), com uma maior segurança interna, proporcionada pela concretude, materialização, contenção e organização que o quadrado propicia. Esta dinâmica facilita o emergir dos conteúdos, já que para a figura emergir, é necessário um suporte interno como fundo (RIBEIRO, 1985).

Ao projetar na produção seus conteúdos emocionais, no momento da análise, o indivíduo é capaz de tornar figura, aqueles materiais que estavam distorcidos no fundo, e entrar em contato com eles de forma menos dolorosa. Zinker (2007) afirma que nos processos de construção "as formas começam a se destacar em relação a um fundo até então homogêneo. (...) O processo interior das pessoas se reflete em sua produção. Ele vem de um estado em que a energia se encontrava predominantemente indiferenciada para entrar em condição de clareza da consciência." (pp. 277).

A produção e análise das mandalas, portanto, tem um caráter catártico por si só, à medida que o indivíduo tem a possibilidade de externar esses conteúdos que, por outras vias, não conseguem ser acessados ou liberados, proporcionando uma sensação de alívio e bem-estar àquele que a produz.

O terapeuta precisa estar atento às nuances, variações de comportamento, modo de funcionar e expressões corpóreas que o cliente vivencia ao longo da produção, para que no momento adequado possa questionar ao indivíduo o que está acontecendo no aqui e agora. Toda a construção individual e subjetiva, sempre dará pistas do funcionamento deste indivíduo em suas relações (KIYAN, 2009).

Muitas vezes a forma de expressar as insatisfações e fazer contato são similares, mas no processo interno conteúdos muito particulares e divergentes são mobilizados, como a impossibilidade de perceber o erro, a intolerância à possibilidade de produzir algo feio, a própria sensação de inadequação em suas relações, ou mesmo a dificuldade de tomar decisões e sustentá-las. Essas situações vêm acompanhadas de mudanças na respiração, gestos corporais e até pequenas frases de descontentamento, que devem ser percebidas e pontuadas pelo terapeuta contribuindo para a ampliação da "awareness".

Yontef (1984) afirma que na Gestalt-terapia enfatizamos "awareness" "no sentido de saber o que estou fazendo agora (...). E não se confunde esse estar sendo com o que foi, poderia ter sido ou poderia ser. Nós guiamos nosso procedimento baseados na ‘awareness' do que é, energizando a figura em questão no presente e com vivo interesse" (pp. 53). Nestes casos, a partir das intervenções de intensificação destes gestos, ou dos questionamentos sobre "o que você está sentindo agora? O que está acontecendo neste momento?", o cliente passa a se dar conta de que sensações, sentimentos, e desejos emergem deste contato. Neste momento, abre-se a possibilidade de o indivíduo perceber em que situações de vida ele reproduz e tem vivenciado esta forma de agir e sentir. Em todos os casos, as sensações e sentimentos que surgem no momento da produção e da interpretação, representam o momento atual do indivíduo e cabe ao terapeuta conduzir para um "continuum" de "awareness" e uma  tentativa de compreensão global de si mesmo.

Levando-se em conta que é necessário trabalhar e compreender aquele conteúdo que emerge do fundo, a mandala para além de ser geradora de catarse e liberação de tensão, tem o poder de integrar esses elementos que, muitas das vezes, aparecem de maneira confusa. Kiyan (2009) e Andrade (2000) relatam que a arte, de modo geral, possui por princípio básico a integração de polaridades, que tantas vezes a GT busca como objetivo terapêutico, favorecendo a comunicação e coesão de elementos conflitantes, e a reconciliação das necessidades do indivíduo com as demandas do mundo externo.

O contato sempre ocorre em um limite denominado fronteira de contato, mais ou menos permeável a depender do indivíduo e da situação, favorecendo, dificultando ou impedindo, desta forma, o contato final (PERLS, 2011). Na produção de mandalas, o formato quadrangular representa um limite estabelecido pelo formato da folha de papel, ou enquanto moldura que contém o círculo central, atuando simbolicamente como a fronteira de contato, dando contenção e trazendo o limite, o que pode facilitar ainda mais a integração dos conteúdos e equilíbrio dessas polaridades, presentes no círculo. Ao mesmo tempo, como representante da dualidade, o quadrado sozinho mantém a ilusão da separação e do medo (BASSO & AMARAL, 2011). A mandala, no entanto, contém o círculo e o centro, representando o movimento energético dessas polaridades, num livre fluxo de energia ascendente (em direção ao círculo) e descendente (em direção ao centro), representando o também fluxo do ciclo homeostático (figura-fundo), mas com uma borda que estrutura e encoraja o contato, pelo próprio cliente.

É a tensão entre opostos que mantém a nossa integridade identitária ao longo da vida, na medida em que cada movimento feito em direção à mudança gera outro movimento para a conservação, e o processo não se completa sem uma nova síntese entre ambos (SPANGENBERG, 2007). Essas forças para a mudança e preservação, em sua inter-relação, fenômeno denominado resistência, é o que garante o nosso crescimento. Segundo Spangenberg (2007) é importante que o cliente experimente essas duas forças como polaridades dentro da sua própria pessoa, e o conteúdo projetado nas mandalas representa a integração desses elementos.

Zinker (2007) contribui para as informações acima, quando relata que à medida que se avalia uma obra artística final, neste caso específico a produção da mandala completa, o indivíduo tem a sensação interior de plenitude e integração. O terapeuta tem um papel central na promoção deste ambiente seguro e acolhedor, que, somado ao próprio formato geométrico da mandala, permite ao cliente a exploração desses conteúdos de uma maneira menos dolorosa. Kiyan (2009) complementa relatando que "a liberação da expressão, juntamente com o contato confiável que o cliente pode obter no processo terapêutico, pode promover verdadeiras obras de arte humana, no sentido da reconfiguração de uma existência na qual a melhor forma não pôde ser vivida" (pp. 95).

Como já foi dito, as polaridades (crescimento e morte, atração e repulsão de formas e forças, passado e futuro, etc) são mantidas juntas pelo centro (ARQUELLES & ARQUELLES, 1972) e manifestadas pela dualidade do quadrado (BASSO & AMARAL, 2011). Desta forma, centramento (concentração) e crescimento (expansão) definem o ritmo ou processo da mandala, também representado pelo movimento centro-círculo-centro. Pela concentração de sua energia, um organismo é capaz de curar-se, crescer e expandir-se além de si mesmo (ARQUELLES & ARQUELLES, 1972).

Como afirma Spangenberg (2007), a nossa intenção em psicoterapia é colocar quem nos consulta em contato com seu dilema. Respeitar a resistência é, neste sentido, contatar a polaridade das forças em luta, já que representam a própria resistência. O resultado desta confrontação consciente e experiencial, possibilitada pela construção da mandala, em seu devido tempo produzirá uma nova síntese. Este instrumento consiste, portanto, na materialização da própria resolução organísmica do sujeito, na medida em que proporciona a experimentação do dilema e o equilíbrio das forças polares dentro da singularidade de cada um. 

Em outras palavras, a representação mandálica traz a própria representação do indivíduo, enquanto ser-no-mundo, num movimento do "aqui e agora", sem começo e sem fim. O ponto central, representa a continuidade, através de um fluxo organizador, estruturador, em contração (centrípeto) e um fluxo em direção à periferia (centrífugo) de expansão, que destrói a forma conhecida, trazendo novas possibilidades (BASSO & AMARAL, 2011). Cada indivíduo não é nem um, nem outro movimento, isoladamente, mas é um e outro simultaneamente (BASSO & AMARAL, 2011), construindo e destruindo, abrindo e fechando "gestalten", renovando e estabilizando, coexistindo em distintos sistemas.

O mais importante em uma intervenção e relação terapêutica, deste modo, não gira necessariamente em torno do conteúdo das histórias de vida, pois isso está presente em sua totalidade, e em todo o modo que o sujeito se relaciona no contexto terapêutico, mas da forma como esse sujeito se expressa (SPANGENBERG, 2007). Além disso, a sugestão de produção de mandalas deve ser dada preferencialmente quando já te se um vínculo terapêutico, pois ficará mais fácil para o terapeuta detectar os padrões repetitivos do cliente, realizando uma intervenção mais assertiva.

Os padrões repetitivos representam uma matriz ou leitura fixa do mundo e de si mesmo, e por uma resposta comportamental estereotipada (forma), que pretende defender o indivíduo da exposição emocional ao conteúdo, sendo realizada sem tomada de consciência, de forma automática (SPANGENBERG, 2007). Desse modo, se não podemos deixar em evidência a "forma" e não a mudamos, jamais poderemos auxiliar na transformação da matriz emocional do cliente. O experimento com as mandalas permite evidenciar a "forma" como conteúdo de identidade neurótica, na medida em que o sujeito se revela com menos controle que através da via verbal, como já fora mencionado.

Os mecanismos de funcionamento, expressos pela identidade neurótica em Gestalt-terapia, são instrumentos a serviço da manutenção e preservação de uma determinada estrutura de personalidade, o que Spangenberg (2007) chama de "como" da resistência. Não consiste em um eixo patológico, mas uma necessidade de sobreviver e organizar o campo perceptivo em todas as suas possibilidades de seleções e prioridades. Para avaliar estes mecanismos é necessário entender como estão sendo utilizados, a serviço de qual tipo de estrutura de personalidade e quais as consequências de sua aplicação na vida de cada sujeito (SPANGENBERG, 2007).

Em relação à compreensão destes mecanismos na Gestalt-terapia, Kiyan (2006) refere-se à palavra "Self" genericamente utilizada como sinônimo de "eu" ou "eu mesmo", determinando uma característica de instância psíquica, ou seja, um lugar em mim mesmo que "sou eu". Perls, Hefferline e Goodman (1997) articularam a teoria do "Self" e afirmam:

"'Self' é o sistema complexo de contatos necessários ao ajustamento no campo imbricado (...) não deve se pensar 'self' como uma instituição fixada; ele existe onde quer que haja de fato uma interação de fronteira, e sempre que esta existir (...) o 'self' pode ser considerado como estando na fronteira do organismo, mas a própria fronteira não está isolada do ambiente; entra em contato com este, e pertence a ambos, ao ambiente e ao organismo" (pp. 179).

Desta forma, o "Self" não pode ser considerado uma instância, mas um sistema cuja função é variável dependendo da necessidade organísmica e do meio no qual esse organismo busca sua satisfação. Kiyan (2006) complementa que a "força" do "Self" é diretamente proporcional à demanda de energia necessária para o fechamento de determinada figura, de forma que ele se torna mais presente, quanto maior a dificuldade da necessidade ser satisfeita. O "Self" assume função de mediador, e quando há a resolução ele perde a intensidade.

A alienação das partes do nosso "Self" nunca é totalmente satisfatória, mas sempre retornam e grande parte da energia é gasta em manter uma estrutura fixa, numa relação repetitiva entre forma e conteúdo (SPANGENBERG, 2007). Embora fique claro que todos utilizamos todos os mecanismos em seu aspecto relacional e limitador, sempre utilizamos alguns de forma mais constante e intensa que outros, existindo uma ordem entre eles (SPANGENBERG, 2007). Dependendo do mecanismo em jogo, portanto, a dificuldade para ser vencida exige distintas estratégias.

Dentre os mecanismos2 centrais, conforme explicitados por Spangenberg (2007), encontram-se a "projeção, a introjeção, a retroflexão, a deflexão, a confluência e o egotismo". Posteriormente, foram integradas outras possibilidades, conforme expresso por Pinto (2015), envolvendo a "proflexão", como uma interligação da "projeção" e "retroflexão". O trabalho de transformação não é conduzido no intuito de destruir ou agredir o mecanismo prevalente, já que se trata do que assegura a forma que contem a identidade da pessoa, mas modificando seu uso e flexibilizando sua função (SPANGENBERG, 2007), como veremos a seguir.

Já que o "Self" assume essa "plasticidade" em relação a sua função, pode assumir a função ou aspecto de Ego, Id e Personalidade, muito mais para efeito didático que uma correspondência total com a realidade (KIYAN, 2006). Essa mesma autora sugere que a função id está ligada às funções e atos automáticos, como satisfação das necessidades vitais e pulsões internas, a função ego, por sua vez, consiste em uma função ativa do "Self", em que há liberação de atitude por parte do indivíduo, tanto no sentimento de assimilação como de rejeição. Indivíduo deliberadamente manipula o ambiente, a partir de uma tomada de consciência, contatando ou fugindo, dependendo do que seja necessário para fechar uma "Gestalt". Por fim, a função personalidade está ligada à autoimagem. Grosso modo é como cada um se percebe. Esta função tem por tarefa básica assegurar a integração das experiências anteriores, construindo a identidade de cada um (KIYAN, 2006).

As mandalas e a maneira como são produzidas sempre ativam um modo de funcionamento do "Self", de forma que o gestalt-terapeuta vai conduzir a atividade do cliente na perspectiva da ativação da função necessária ao atingimento dos objetivos do trabalho proposto.

Pode-se perceber na prática clínica, que a produção de mandalas livres, sem uma consigna anterior, ou necessidade de uma simetria, ativa o "Self" funcionando como Id, podendo ser realizada por exemplo com pinturas com tinta de dedo (sem pincéis, os dedos funcionam como pincéis, dificultando o controle e a precisão), ou pedindo que o sujeito tente não "escolher" as cores por um padrão de beleza estético anterior e comum, mas que apenas olhem para as cores e experimentem utilizá-las pela livre vontade, sem uma reflexão prévia do que pode ficar "mais bonito" ou harmônico esteticamente. Neste caso, o indivíduo não atua tanto com a "consciência", mas deixa fluir as suas pulsões internas, buscando clarificar esses conteúdos, deixá-los emergir, satisfazer essas necessidades vitais sem controlar o que surge.

Esse tipo de trabalho pode ser interessante de ser conduzido principalmente em indivíduos introjetivos, pelo temor à rejeição, ao ridículo e pelas tentativas de se adequar às expectativas (PINTO, 2015); projetivos, que normalmente estão sempre alertas, defensivos, em permanente estado de atenção e controle (PINTO, 2015); retroflexivos, pela alta capacidade de se conter e se portar do modo "adequado" (PINTO, 2015) e pelos egotistas, por serem muito ligados à imagem, vaidade, perfeccionismo e sensibilidade às críticas (PINTO, 2015). Por estimular a função Id, dificultam o controle e a rigidez, estimulando um modo de funcionar diferente do costumeiro.

Por outro lado, a produção de mandalas geométricas, simetricamente desenhadas e organizadas, em todos os seus âmbitos, ativam e reforçam o modo de funcionamento do "Self" como Ego. Aqui o "Self" atua de maneira ativa, e o indivíduo constrói a mandala com intenção e foco no que quer construir ou destruir, com consciência de cada traçado e o que eles representam, tecendo conscientemente uma estrutura que melhor satisfará a sua necessidade consciente.

Este exercício, por sua vez, tende a ser interessante quando utilizado em sujeitos dessensibilizados, que temem o contato e tendem a resfriá-lo (PINTO, 2015); defletores, que tendem a reagir intensa e exageradamente aos contatos com o outro, com tônus corporal muito energizado e dificuldade de fechar as "gestalten" (PINTO, 2015); profletores, pela tendência à impulsividade e labilidade emocional, além da dificuldade de controlar os impulsos e estabelecer fronteiras sólidas (PINTO, 2015) e, por fim, em confluentes, pela tendência a se misturar, além de necessidade de fortalecimento da fronteira de contato (PINTO, 2015), justamente por promoverem um fortalecimento das fronteiras, maior controle e organização do material que emerge.

No caso da função personalidade, essa vai ser ativada em qualquer tipo de trabalho com mandalas, pois todos promovem uma projeção da autoimagem. Qualquer trabalho realizado vai ser elaborado e interpretado de acordo com a percepção do cliente e da forma como ele se percebe, facilitando a integração dos conteúdos internos e clareza do seu modo particular de funcionar.

Polster & Polster (2001) afirmam que o contato é o meio para a pessoa mudar e para mudar a experiência que tem no mundo. A mudança é o resultado inevitável do contato, na medida em que ocorrem a assimilação do que é nutritivo e a rejeição do que é nocivo. No trabalho com as mandalas, o indivíduo se depara com a possibilidade de compreender a sua inteireza; se permite vivenciar as gestalten ocultas, e vivenciar a sensação de completude e integração. Entra em contato com o seu próprio modo de construir; de existir em relação. Ele experiencia o realizar, o produzir, a sua interação com os materiais e consigo mesmo, e experiencia a possibilidade de mudança; a possibilidade de modificar caminhos, refazer e reconstruir. Melhor dizendo: a possibilidade de modificar caminhos, de refazer-se e reconstruir-se.

 

CONCLUSÃO:

O elemento circular sempre teve papel central na vida dos indivíduos, desde os tempos mais remotos. O objetivo geral deste documento foi fornecer um material teórico, com base nos fundamentos gestálticos, de forma a facilitar a utilização das mandalas dentro desta perspectiva na prática clínica e colaborar com a construção de um arcabouço teórico que ainda está muito insipiente.

Percebemos que a construção e a análise das mandalas tem um caráter pessoal, particular e intransponível, revelando e fazendo emergir conteúdos muito próprios e únicos de quem os preparou, e ativando um modo particular de funcionamento do Self; lembrando que os elementos da mandala em interação com o seu centro, trazem uma representação das propriedades psíquicas que estão sempre em mutação. Por esse mesmo motivo, uma mandala feita por outra pessoa, pode até ser trabalhado com um indivíduo que não a produziu, mas dentro da perspectiva do que irá ecoar em quem a está analisando.

Conforme observado, estes elementos circulares  possuem um poder de centramento, e fortalecimento da fronteira de contato, não só pelo seu formato quadrangular, circular e o seu centro, mas também pela possibilidade de exprimir toda a excitação e revelar o poder criador de cada um, além de proporcionar e catalisar uma revelação dos mecanismos de defesa e disfunções de contato utilizadas pelo indivíduo que as produz. Ao expressar os conteúdos internos, que nem sempre são acessíveis por outras vias como a verbal, a mandala proporciona esse contato com o interior e todas as situações bloqueadas de "gestalten" inacabadas. O indivíduo se percebe em sua inteireza; se permite experienciar a sensação de completude e integração. O formato quadrangular atuando como um limite, uma fronteira de contato, também auxilia no contato mais fluido com o "fundo" e as "gestalten" ocultas, e no fechamento destas com maior segurança, e sensação de completude.

Deve-se levar em conta, como percebido ao longo do artigo, que o experimento de produção e análise das mandalas, assim como qualquer outro experimento artístico, não se trata de um evento único, que resolve um problema central, numa estrutura de uma sessão. Esta é uma ferramenta e um modo de trabalhar experimentalmente com o outro, e consigo mesmo, que pode levar ao desenrolar de diversas questões a serem trabalhadas, muitas vezes, em mais de um momento, e que não se encerram ali, como a resolução de todos os problemas do indivíduo.

Por fim, diante da ínfima literatura acerca deste recurso, e marcando a importância que possui para a prática clínica, este trabalho se propôs a demonstrar o quanto este elemento é significativo, e o espaço que esta reflexão pode e precisa preencher na teoria gestáltica, junto a outros experimentos já difundidos e comumente experienciados.

 

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NOTAS

* Bruna Improta de Oliveira Mendonça: Doutoranda em Psicologia pela Universidade Federal da Bahia (UFBA); Mestra em Psicologia pela Universidade Federal da Bahia (UFBA); Especialista em Gestalt-terapia (IGTBA e Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública); Psicóloga formada pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Atua em clínica individual e de grupos através da Gestalt-terapia e arteterapia gestáltica, facilita oficinas e workshops, contemplando também o foco em Orientação Profissional. Docente do curso de Psicologia da Universidade do Estado da Bahia (UNEB) e da Especialização em Psicologia Organizacional da UNIFACS - Universidade Salvador, além de lecionar em especializações de Gestalt-terapia nas cidades de Salvador-BA, Vitória-ES e Feira de Santana-BA.
** Maria Alice Queiroz de Brito: Graduada pela Faculdade de Psicologia (PUC-SP) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1976); Mestrado em Programa de Pós-Graduação em Psicologia -PPGPSI pela Universidade Federal da Bahia (2012). Diretora do Instituto de Gestalt-terapia da Bahia. Atualmente é docente da Universidade Federal da Bahia; Temas em que leciona: psicoterapia; gestalt-terapia, psicoterapia breve, caixa de areia em gestalt--terapia, psicologia transpessoal, reconfiguração do campo familiar .
1 Jung (2011b) utiliza a terminologia mandalas no masculino. Optamos neste trabalho pela utilização no feminino consonante com a linguagem mais popular e com outros autores citados neste manuscrito.
2 Embora acreditemos na importância de discorrer sobre cada mecanismo isoladamente, optamos por citar, mas não aprofundar esta revisão, diante da limitação estrutural que o artigo nos impõe. Para este aprofundamento indicamos Pinto (2015) e Spangenberg (2007).

 

Endereço para correspondência
Bruna Improta de Oliveira Mendonça
Endereço eletrônico:improta.bruna@gmail.com
Maria Alice Queiroz de Brito
Endereço eletrônico:likaqb@uol.com.br

 

Recebido em: 15/03/2018
Aprovado em: 04/07/2018