ARTIGO
Os desafios e possibilidades de socialização de crianças autistas na escola numa perspectiva gestáltica.Challenges and possibilities of socialization of autistic children at school in a gestalt perspective
Antonia Jucieelly Silva Caruca*; Deyseane Maria Araújo Lima**
Centro Universitário Estácio do Ceará - CE; Universidade Estácio de Sá e UniNassau -Ceará - CE
RESUMO
O exposto artigo teve como objetivo investigar os desafios e as possibilidades do manejo com crianças autistas que estão no processo de socialização no contexto escolar numa perspectiva gestáltica. A abordagem metodológica é qualitativa com enfoque na revisão integrativa. As publicações selecionadas em bases de dados eletrônicas somaram 06 referências entre artigos publicados na SciElo e Pepsic nos últimos 17 anos. A análise dos dados salientou a natureza dos trabalhos, os objetivos das pesquisas, conclusões apresentadas, do mesmo modo que os assuntos pertinentes o autismo infantil, socialização, escola e Gestalt-terapia. Os resultados revelaram uma escassez de publicações no âmbito da psicologia relacionada ao manejo do psicólogo escolar Gestalt-Terapeuta com crianças autistas na escola. Existe um número superior de teses na área da pedagogia e da psicopedagogia, entretanto que não contempla a abordagem em questão. A Gestalt-terapia tem muito a contribuir com o manejo com crianças autistas no contexto escolar, visto que, possibilitará um espaço que ela desenvolva suas potencialidades com uso de jogos lúdicos e dinâmicos, que favoreça a socialização da criança.
Palavras-chave: Criança Autista; Escola; Socialização; Gestalt-terapia.
ABSTRACT
The objective of the present article was to investigate the challenges and the possibilities of the handling with autistic children who are in the process of socialization in the school context in a Gestalt perspective. The methodological approach is qualitative with a focus on integrative review. The publications, selected in electronic databases, added 06 references between articles published in SciElo and Pepsic in the last 17 years. The analysis of the data emphasized the nature of the work, the objectives of the research, conclusions presented, as well as issues pertaining to child autism, socialization, school and Gestalt-therapy. The results revealed a scarcity of publications in the field of psychology related to the management of the gestalt-gherapist with autistic children in school. There is a greater range of work in the field of pedagogy and psychopedagogy, but it does not contemplate the approach in question. Gestalt-therapy has much to contribute to possible handlings with autistic children in the school context, since it will allow a space for it to develop its emerging potentialities.
Keywords: Autistic Child; School; Socialization; Gestalt-therapy.
I - CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O autismo é cada vez mais alvo de pesquisas e estudos por se tratar de um transtorno cognitivo, que acaba por dificultar a socialização da criança com o meio em que vive e um desses ambientes é a escola. E por se tratar de um recinto novo, poderá defrontar-se com impasses, como se habituar e conviver com os professores e com os outros alunos e, no entanto, pode ser um local que consiga favorecer o desenvolvimento social dessa criança.
O despertar para esse assunto ocorreu ao presenciar uma aluna com autismo, ao exercer o trabalho de monitoria em letramento de um projeto federal, intitulado como "Novo Mais Educação", o qual buscava diminuir a evasão escolar causada por dificuldades no processo de socialização e aprendizagem na escola, porém a educanda era tratada de forma equivocada, o que prejudicava seu processo de alfabetização.
O presente artigo tem como objetivo contribuir na reflexão sobre o manejo com crianças autistas, que estão no processo de socialização no contexto escolar numa perspectiva gestáltica. Tem como intuito identificar os possíveis desafios enfrentados pela criança autista na escola e compreender em uma perspectiva gestáltica o fenômeno da criança autista no âmbito escolar. Diante disto, surgem os seguintes questionamentos: Quais são os desafios e possibilidades de socialização de crianças autistas na escola? E como a Gestalt-terapia, como uma abordagem fenomenológica, compreende esse fenômeno?
De acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-V, 2013), o Transtorno de Espectro Autista (TEA, F84.0), os sintomas são apresentados desde a primeira fase de desenvolvimento do sujeito, porém, pode ficar mascarado por algumas estratégias de aprendizagem ao longo da vida.
"Autismo não é uma doença única, mas sim um distúrbio de desenvolvimento complexo, definido de um ponto de vista comportamental, com etiologias múltiplas e graus variados de severidade. A apresentação fenotípica do autismo pode ser influenciada por fatores associados que não, necessariamente, seja parte das características principais que definem esse distúrbio. Um fator muito importante é a habilidade cognitiva" (GADIA et al, 2004, p. 01).
Para Camargo e Bosa (2009), autismo é uma síndrome comportamental de etiologia variada, sendo caracterizado por déficits de socialização, visualizado pela inabilidade na relação com o outro, usualmente, combinado com déficits de linguagem e alterações de comportamento.
Para Borsa (2007), o fenômeno de socialização infantil ocorre por meio da cultura na qual a criança está inserida, através de um processo interativo, iniciando no nascimento e percorrendo ao longo de sua vida, mesmo ocorrendo mudanças.
A escola é constituída por uma gestão, um corpo docente e os discentes, com isso, ao iniciar sua vida escolar, poderá enfrentar um novo desafio, ou seja, relacionar-se com outra realidade, até então desconhecida, podendo assim, gerar estranhamento e resistência, inicialmente, por parte da criança.
"As modificações que, durante os anos escolares, produzem-se no conhecimento social das crianças, afetam o modo como compreendem às características dos outros e de si mesmas, bem como a sua concepção das relações que as vinculam e sua representação das instituições e sistemas sociais em que estão mergulhadas" (BORSA, 2007, p. 03-04).
É imprescindível a atuação do psicólogo escolar, tendo em vista que contribuirá com os demais profissionais envolvidos em atividades educacionais, como os discentes e a direção, disponibilizando o apoio para melhorias no processo de ensino e aprendizagem desse aluno. O mesmo poderá atuar em vários segmentos educacionais, podendo ser de caráter preventiva, considerando a individualidade de cada discente.
A gestalt-terapia trata-se de uma abordagem psicoterápica que recebeu várias influências, tem como seu principal desenvolvedor Friederich Salomon Perls. É uma abordagem humanista-fenomenológico-existencial, que busca não limitar o sujeito aos sintomas e as patologias, enfatiza à descrição ao invés da explicação, compreendendo o sujeito na singularidade de sua existência, buscando reduzir o juízo de valor da sociedade na qual está inserida.
"A essência das coisas e das pessoas precisa ser descoberta e lida na realidade do outro, pessoa ou mundo. Não basta descobrir cognitivamente a essência das coisas, encontrar-se com seu sentido, é preciso ir além da essência, mergulhando no como das coisas, em seu significado, transformando-o no chão firme, a partir do qual a existência humana faz sentido" (RIBEIRO, 2006, p.28).
O psicólogo escolar gestalt-terapeuta, possibilitará a instituição de ensino uma compreensão diferenciada a cerca da criança com autismo, não se limitando ao diagnóstico que foi dado. Através de estudo de caso, propor um ambiente que venha a facilitar o desenvolvimento de suas habilidades.
Compreende então que, a criança com o Transtorno do Espectro Autista, por ter como uma de suas particularidades a dificuldade de socialização, poderá ter tribulações para adaptar-se socialmente a realidade e ao contexto escolar, e por sua vez, como irá se desenvolver.
II - METODOLOGIA
O estudo que dá base a este artigo tem como método a pesquisa qualitativa, por envolver uma abordagem interpretativa do mundo, o que significa que seus pesquisadores estudam "as coisas em seus cenários naturais, tentando entender os fenômenos em termos dos significados que as pessoas a eles conferem" (DENZIN e LINCOLN, 2006, p. 747).
A pesquisa bibliográfica, corroborando com Gil (2002, p. 44), é desenvolvida com base em material já elaborado, constituído, principalmente de livros e artigos científicos, já a revisão integrativa "emerge como uma metodologia que proporciona a síntese do conhecimento e a incorporação da aplicabilidade de resultados de estudos significativos na prática". (SOUZAet al. 2010, p. 01).
A amostra compreendeu as publicações de artigos indexados em periódicos, selecionados a partir de uma leitura prévia dos resumos anexados, que surgiu os seguintes critérios de inclusão: veículo de publicação, apesar de ter conhecimento de outros veículos de publicação, restringi-me aos Periódicos Eletrônicos de Psicologia (Pepsic) e "Scientific Electronic Library Online" (SciElo), uma vez que percebo que são os órgãos de maior divulgação e fácil acesso.
No idioma de publicação, optei por artigos publicados na íntegra em língua portuguesa. Em relação ao ano, selecionei artigos publicados entre 2000 a 2016, por se tratar de artigos mais recentes em relação ao autismo infantil, totalizando, portanto, um período de 16 anos. A modalidade de produção científica foi incluída com trabalhos originais relacionados à inclusão e à socialização de criança autista na escola, as referências que tiveram pertinência com o tema, tendo como critério norteador do estudo o enfoque sobre a inclusão e a socialização de criança autista na escola, e leis específicas para crianças, pessoas acometidas com o Transtorno do Espectro Autista e a Gestalt-terapia.
Primeiramente, como já foi dito, objetivei verificar a incidência de artigos publicados entre 2000 a 2016, em artigos indexados na Scielo e Pepsic, sobre o tema "Os desafios e possibilidades de socialização de crianças autistas na escola numa perspectiva gestáltica". Para tanto, foram utilizados os cruzamentos dos descritores (palavra-chave) relacionados ao tema, como: criança; autismo; criança autista; criança autista na escola; inclusão de autistas na escola; socialização de crianças autistas na escola, LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), lei Berenice Piana, Gestalt-terapia, autismo na visão da Gestalt-terapia, abordagem gestáltica.
Utilizando-se dos critérios para a inclusão das referências, realizei um levantamento preliminar através da leitura seletiva dos resumos encontrados que foram recuperados, após os artigos selecionados na íntegra, constituindo o corpo que delimitou o material de análise, proporcionando um tratamento mais apurado dos dados. De posse dos artigos recuperados, seguiu-se com uma leitura analítica e integral de cada artigo, a identificação das ideias-chave, a hierarquização dos principais achados e a síntese dos resultados. Utilizando como critério de exclusão, artigos publicados antes do ano 2000, teses, dissertações e pesquisas de campo.
Para melhor organização e compreensão do artigo, realizei um tabelamento do material selecionado e uma análise das linhas mestras dos resultados de cada artigo que seguiu a identificação de dimensões de análises, a saber: tipo de publicação (modalidade de produção), ano de publicação, autores, fonte (periódicos de indexação), instituição e país de origem, temas estudados, principais objetivos/hipóteses investigadas, estratégia metodológica, tipo de delineamento de pesquisa e resultados obtidos. Com isso, pude analisar os artigos selecionados, a fim de obter um panorama detalhado da produção científica sobre a criança autista na escola.
Quadro: Distribuição dos artigos selecionados nas bases de dados.
Periódicos |
Autores |
Ano |
Título |
Acesso |
Método |
Scielo |
Lemos E.L.M.D. et al. |
2014 |
Inclusão de crianças autistas: um estudo sobre interações sociais no contexto escolar. |
Rev. Eletrônica |
Qualitativo |
Scielo |
Camargo S.P.H, Bosa C.A. |
2009 |
Competência social, inclusão escolar e autismo: |
Rev. Eletrônica |
Qualitativo |
Pepsic |
Alexandre J.M.D. |
2010 |
A criança com autismo: os desafios da inclusão escolar. |
Rev. Eletrônica |
Qualitativo |
Scielo |
Vieira N.M et al. |
2014 |
Inclusão escolar de alunos com autismo: o que diz a literatura. |
Rev. Eletrônica |
Qualitativo |
Scielo |
MARQUES, Mário Henriques; DIXE, Maria dos Anjos Rodrigues. |
2011 |
Crianças e jovens autistas: impacto na dinâmica familiar e pessoal de seus pais. |
Rev. Eletrônica |
Qualitativo |
Scielo |
DUSI, Miriam Lúcia, et al. |
2006 |
Abordagem gestáltica e psicopedagogia: um olhar compreensivo para a totalidade criança-escola. |
Rev. Eletrônica |
Qualitativo. |
Fonte: Pesquisa direta 2017 no SciElo e Pepsic.
Na busca de trabalhos que contivesse as necessidades emergentes, tive dificuldades em encontrar artigos recentes referentes ao DSM-V, entretanto foi de fácil acesso os artigos relacionados à criança autista na escola e os meios de inclusão. A maioria dos trabalhos já elaborados, no qual me detive, é de cunho qualitativo, pois se torna mais conveniente com o presente artigo. Sendo assim, o mesmo será dividido em dois tópicos: "Gestalt-terapia: uma abordagem do encontro e Autismo Infantil na escola". Buscarei, através do material disponível, dispor de uma compreensão Gestalt-terapêutica, ao fenômeno de socialização de crianças autistas na escola.
III - Gestalt-terapia: uma abordagem do encontro.
Segundo Bezerra & Bezerra (2012, p. 24), a psicologia humanista surgiu no final da década de 1950 e início da de 1960, nos Estados Unidos, num período de pós-guerra, marcado pela desesperança, crise moral e de valores. Para Amatuzzi (2001), a psicologia humanista surge como forma de exprimir a insatisfação, dos psicólogos com o conceito de pessoa, com as correntes predominantes da época, ou seja, o Behaviorismo e Psicanálise clássica.
A Gestalt-terapia foi criada pelo Grupo dos Sete em 1950, apesar de já vir sendo idealizada, foi em 1951 que é marcado o seu "nascimento" com o lançamento do livro "Gestalt- Therapy", escrito por seus principais desenvolvedores, Frederick Perls, Ralph Hefferline e Paul Goodman.
Possui um vasto e sólido campo de sustentação de conhecimento teórico (RIBEIRO, 2006). A mesma é tida como uma abordagem Humanista, Existencial-Fenomenológica, isto é, o conceito de pessoa tem sua origem no humanismo, por devido a sua natureza se relacionar com temporalidade, ou seja, o mundo da não matéria (RIBEIRO, 2011), o conceito de mundo tem sua ascendência na teoria holística, que é, de algum modo, instrumentalizada pela psicologia da Gestalt e pela teoria do campo, relacionado com espacialidade e trabalham no mundo mensurável de materialidade, assim coloca Ribeiro (2011) e essa vertente é influenciado por essas filosofias.
"Falo de um mundo feito de pessoas e coisas, que estejam em íntima e mútua relação, vivendo um único movimento, a mesma perspectiva, em cumplicidade com um único e comum destino. Pessoas e coisas em um único movimento, dando os mesmos passos, experienciando-se como partes um do outro, em relação ontológica e cosmicamente produtora de significado: mundo-pessoa" (RIBEIRO, 2011, p. 40).
Ribeiro (2011) busca explicar, em linhas gerais, o conceito de pessoa e de mundo, fazendo a relação que há um com outro, o entrelaço que são as duas para a formação desse ser subjetivo em construção no mundo, o "dasein".
Conforme Ginger & Ginger (1995, p. 17), "a Gestalt, para além de uma simples psicoterapia, apresenta-se como uma verdadeira filosofia existencial, uma ‘arte de viver', uma forma particular de conceber as relações do ser vivo com o mundo".
Fenomenologia é um método de apreensão de mundo criada no século XX, e tem como seu principal desenvolvedor Husserl, o mesmo buscou trabalhar com aquilo que se manifesta, rompendo com a pretensão de pensar a coisa-em-si, como anteriormente se fazia. Seu foco está em avaliar a experiência humana do mundo no âmbito das coisas como aparecem.
"Husserl toma emprestado o conceito cético de epoché e desenvolve aquilo que acredita ser o caminho seguro para proceder uma análise filosófica que pudesse realmente atender às exigências do rigor científico, que ele almejava alcançar. Epoché, no sentido fenomenológico, visa colocar entre parênteses a crença em toda realidade temporal e espacial, isto é, em toda a transcendência. Isto quer dizer que não devemos fazer juízo algum sobre o mundo e tudo aquilo que nele se inclui, até mesmo as mais convincentes evidências científicas, uma vez que as ciências naturais alimentam-se deste mundo empírico. Uma teoria rigorosa do conhecimento deve partir da absoluta e total falta de pressupostos. Evidentemente, isso não quer dizer que devemos negar a existência do mundo, o que seria impossível, mas simplesmente que tudo deve ficar em suspenso, 'por decidir'" (NASCIMENTO, 2012, p.02).
O Existencialismo é uma vertente filosófica que nasceu, inicialmente, no século XIX com o filósofo dinamarquês Sören Kierkergaard (1813-1855). Desta maneira, podemos enfatizar que:
"O ponto de partida de Kierkegaard está ligado à sua crítica ao pensamento dominante na Filosofia de então, a hegeliana. Coloca-se frontalmente contra o domínio totalitário da Razão, no qual a vida humana é dissolvida em puros conceitos racionais e subordinada à vida própria das ideias" (EWALD, 2008, p. 157).
Todavia, foi mais difundida e atingiu ao seu ápice na década de 50, com trabalhos de Heidegger e, principalmente, de Jean-Paul Sartre após a publicação do seu livro "O Ser e o Nada" em 1943, no qual gerou resistência por parte da igreja Católica e os comunistas.
Martin Buber (1878-1965), filósofo, pedagogo, jornalista, escritor e um respeitado teólogo, cujo "pregava o encontro autêntico, a relação direta e fraterna" (RIBEIRO, 2006), publicou em 1923 o livro "O Eu e o Tu", no qual Buber discorre sobre a analogia da pessoa com o mundo, e como se coloca no mundo em relação, constante, com os entes. Para isso, o autor chamou a princípio de atitude Eu-Tu e Eu-Isso.
A atitude Eu-Tu concerne de como a pessoa entra em uma relação e deixa-se impactar, permite-se a atravessar pela presença viva do outro, seja este outro uma pessoa, uma situação ou um ente qualquer, assim dizem Luczinsk & Lopez (2010). Todavia, Buber denomina atitude Eu-Isso, qualquer relação que vivencia o momento de forma objetiva e racional as situações que emergem.
"Na perspectiva buberiana, a experiência implica um distanciamento reflexivo, situando-se no âmbito do isso, enquanto a relação está no âmbito do tu. A relação é vivência não experiência. Ao encontrar alguém no modo eu-tu, a consequente perda do espaço, do tempo e a desestabilização do eu possibilitam contemplação, novas sensações, atravessamentos. A relação eu-isso, ao contrário, situa a pessoa no mundo dos objetos, ordenando e sendo extremamente necessária para a elaboração e a produção de significados, desde que não se torne a forma predominante de relação com o mundo" (LUCZINSK e LOPEZ, 2010, p. 78).
Corroborando com os autores, a relação da atitude Eu-Tu, está pautada no encontro genuíno de uma pessoa e o ente, e a relação da atitude Eu-Isso, está direcionada para o mundo com mais objetividade e racionalidade. E com isso, a existência é tracejada pela alternância do Eu-Tu e Eu-Isso e suas proliferações.
Paul Goodman (1911-1972), romancista, poeta, crítico, dramaturgo e anarquista, desenvolveu, no II volume do livro "Gestalt-Therapy" em 1997, a teoria do "self" no que seria o processo permanente de adaptação criadora da pessoa com o meio.
"Chamamos 'self' ao sistema complexo de contatos necessários ao ajustamento no campo imbricado. O 'Self' pode ser considerado como estando na fronteira do organismo, mas a própria fronteira não está isolada do ambiente; e pertence a ambos, ao ambiente e ao organismo" (GESTALT-TERAPIA, p. 179, 1997).
Com isso, de acordo com Goodman, a teoria do "self", trata-se da maneira como o sujeito, lida com sua própria existência no mundo, podendo assim, se reinventar a cada nova situação, e adaptar-se de forma agregadora ao seu ambiente ou situação emergente, e manifestar novas "respostas" a situações semelhantes já vivenciadas pelo mesmo.
A fronteira de contato para Ribeiro (2006) surge para disciplinar à relação da pessoa e seu meio ambiente. Ginger & Ginger (1995) faz uso do pensamento de Perls (1973), no qual aponta como sendo um estudo da maneira como uma pessoa funciona em seu meio, isto é, o estudo do que acontece na fronteira de contato entre o indivíduo e seu meio.
Um dos principais pressupostos da Gestalt-terapia é o ciclo de contato, cujo se refere à construção e fechamentos de figuras de acordo com as necessidades ou situações emergentes. O ciclo de contato busca explicar a necessidade de satisfações de situações emergentes daquele sujeito. A pessoa saudável tem a facilidade de identificar a sua necessidade predominante no momento, e com isso fazendo escolhas para satisfazê-las, e quando suprida a mesma, outra surge, ou seja, está sob o efeito de um fluxo permanente de formações e, depois, de dissoluções de "Gestalten", um movimento circular de figuras (GINGER e GINGER, 1995, p. 129).
"O ciclo é uma expressão do que dizemos ao afirmar que a pessoa humana é, essencialmente, um ser de relação. Quando afirmamos que o universo procede em ciclos, também estamos dizendo que as pessoas repetem o mesmo movimento em escala micro, pois ciclo significa que o presente é o repasse do passado transformado e a projeção do futuro por meio das estruturas já presentes nele. Essa circularidade nos torna essencialmente seres de relação em permanente mudança, ou seja, seres à busca de si mesmos. Isso é contato" (RIBEIRO, 2006, p. 89).
Para Ribeiro (1997), o contato real implica na singularidade em que a pessoa vivencia sua existência, diferenciando assim, uma da outra, percebendo-se única no universo, e no aqui e agora busca experienciar o tempo e o espaço em relação a si mesmo.
O conceito de contato para Ribeiro (2007) implica a noção de espaço vital -não é estático, renova-se a cada contato novo ocorre -, e campo de cada pessoa, pois o campo só é campo no momento em que a pessoa está no campo ou a pessoa é o campo onde tudo acontece. O campo é a pessoa acontecendo.
"O contato inclui a experiência consciente do aqui-agora, envolve uma sensação clara de estar em, de estar com, de estar para e cria algo diferente do sujeito e do objeto com o qual está em relação. É fruto do encontro de duas totalidades, ainda que um dos lados ignore essa relação contatual de totalidade, uma vez que o contato não é, necessariamente, produto da vontade de estar em contato" (RIBEIRO, 2006, p. 93).
O aqui e agora é um dos conceitos que caracteriza a Gestalt-terapia por se tratar do encontro da pessoa com o ser no tempo presente, não sendo passado nem futuro, mas o que está sendo vivido neste instante. Quando relembramos o passado, através da fala, por exemplo, a mesma se torna presente, pois ao falar, surgem emoções semelhantes ou não, nas quais sentidas no episódio relatado. Com isso, a Gestalt-terapia, faz um convite ao outro a viver esse tempo vigente.
"A noção do aqui e agora, oriunda do princípio da contemporaneidade da Psicologia da Gestalt, refere-se não só a um conceito têmporo-espacial, mas, também, a um filosófico. A situação presente, na visão gestáltica, encerra tudo o que é necessário para o indivíduo compreender e experienciar a realidade como um todo. É no aqui e agora que está a energia transformadora que permite a ele reestruturar e fortalecer seu campo perceptivo-existencial, constituindo"– (DUSI, 2006, p. 150) - "um processo totalizador que colhe no imediato todas as possibilidades do agir humano" (RIBEIRO, 1994, p.22).
A concepção de figura e fundo é a forma como selecionamos o que é relevante no instante presente. Figura refere-se ao momento vivido, a situação que se mostra, se revela. Fundo é o momento que já foi vivido ou que já emergiu, formando assim, um ciclo entre figura-fundo.
Para Ginger & Ginger (1995), o estado saudável se caracteriza por um processo permanente de homeostase interna e de ajustamentos externos às condições, fluidas, do meio físico e social.
Galli (2009) aponta que:
"Perls definia a saúde e a maturidade psicológica como sendo a capacidade de emergir do apoio e da regulação ambientais para um auto-apoio e uma autor-regulação, onde o elemento fundamental no auto-apoio e na auto-regulação é o equilíbrio. Uma das premissas básicas da Gestalt-terapia considera que todo o indivíduo possui potencialidades naturais que possibilitam buscar o equilíbrio do seu organismo. Perls considera o ritmo contato/fuga com o meio ambiente como componente principal do equilíbrio organísmico" (GALLI, 2009, p. 62).
Para Miranda (2003), doença seria descobrir uma forma de continuar a viver e conservar a estrutura do "eu/self", quando as condições do campo são vivenciadas como desagradáveis, imutáveis e inevitáveis. Portanto, "adoecer é estar em desarmonia relacional, seja com o mundo em geral, seja consigo mesmo" (HOLANDA, 1998, p. 41).
Em conformidade com os autores, saúde seria o estado natural de o sujeito estar em equilíbrio com seu meio e consigo, ajustando-se, criativamente, a cada nova situação que brota, e doença/patologia, seria a dificuldade em que o sujeito possa vir a ter, ou tem em lhe dar com questões advindas, comprometendo a fluidez no decorrer do ciclo de experiências vividas, ou seja, na formação e transformação de figuras. Em contrapartida, busca não reduzir a pessoa a sintomas ou patologias, trabalhando as potencialidades de cada indivíduo na sua singularidade.
A neurose para Ginger & Ginger (1995) seria a perda da função do "ego", cuja escolha da atitude é difícil ou inconformidade. O ajustamento criador do comportamento encontra-se em desacordo com a "hierarquia das necessidades", com isso, as respostas a novas situações, ou situações semelhantes já vivenciadas pelo sujeito não são atualizados, dessa maneira uma estrutura de caráter enrijecido. Como afirma Perls (1973/81, p.41) "o neurótico não pode ver claramente suas próprias necessidades e, portanto, não pode satisfazê-las. Não pode distinguir adequadamente entre si e o resto do mundo e tende a ver a sociedade como maior que a vida e a si mesmo". Os mecanismos de defesa na Gestalt-terapia são: confluência, introjeção, projeção, retroflexão e egotismo.
A confluência para Ginger & Ginger (1995), trata-se de um estado de não-contato, cujo "self" do sujeito encontra dificuldades de ser identificado, pois há uma espécie de fusão desse sujeito para com algum ente ou entes. O autor, para ilustrar o que seria a confluência, faz uso do exemplo de uma criança pequena com sua mãe, quando se encontra dificuldade entre assimilação e discriminação entre o eu e o meio.
"A confluência é, em princípio, seguida de retração, permitindo ao sujeito reconquistar sua fronteira de contato, reencontrar sua própria identidade, marcada pela singularidade e a diferença. Quando essa retração se mostra difícil, quando a confluência se torna crônica, então o funcionamento pode ser qualificado de patológico" (GINGER& GINGER, 1995, p. 133).
A projeção disserta sobre o que é colocado do sujeito no mundo, minhas percepções, algo que nos pertence. Para Vogel (2012), o contraponto da projeção é que nos faz atribuir ao nosso entorno uma parte de nosso ser, evitando tanto o contato com essa parte como nosso, quanto com o entorno da responsabilidade.
A introjeção aborda o que é apreendido no mundo, o que podemos tomar como verdade para si, e que por sua vez, muitas vezes não é questionando, apenas "engolido".
"A introjeção seria o oposto da projeção, sendo o ato pelo qual introduzimos em nós, algo que pertence ao meio. É a introjeção que nos permite nos alimentar tanto no plano físico quanto emocional, já que só podemos assimilar qualquer coisa, após a introduzirmos em nós. O aspecto limitador da introjeção é o de introduzirmos algo que pertence ao meio sem digerir ou assimilar. Esse material permanece no interior do organismo como algo estranho, diminuindo a sua consciência e liberdade" (VOGEL, 2012, p.115).
A retroflexão consiste em voltar para si uma energia, ou seja, o indivíduo faz com consigo mesmo algo que gostaria de fazer com os outros, por exemplo, a pessoa é vítima de uma difamação e em vez da mesma ir buscar apurar os fatos, ela esmurra uma parede, com isso, volta à agressão para si. Demonstra uma situação inacabada com os outros.
Ginger & Ginger (1995) explica que a atitude deflexiva permite com que o sujeito evite o contato direto, com o objeto primitivo, sendo assim, uma atitude de fuga, de evitação, isto é, manobras inconscientes.
A proflexão seria uma combinação da projeção e retroflexão, no caso o indivíduo faz ao outro o que gostaria que fosse feito para ele. Ribeiro (1997) define como sendo o processo por meio do qual a pessoa deseja que os outros sejam como ela quer, manipulando-os, a fim de conseguir deles o que almeja.
O egotismo é voltar o olhar para si mesmo, é colocar-se no centro das coisas e do mundo, "acredita que os entes devem satisfazer suas necessidades e vontades, o indivíduo impõe suas vontades ao ponto de poder negligenciar na atenção ao seu meio". (GINGER, 1995, p. 134).
Nos mecanismos de defesa na Gestalt-terapia, a confluência se faz presente, dependendo do nível do espectro, a forma como ele se relaciona com seu meio, sendo uma espécie de não-contato, havendo conflito para distinguir ele do meio, como por exemplo, a resistência inicial a um lugar novo, de se adaptar a algo que até então era desconhecida. Já a introjeção pode ser percebida quando a criança demonstra incompreensão pelo que é imposto, podendo emergir a sua forma de se defender do mundo, sendo o mais típico o retraimento da sua vida social.
Na retroflexão, a criança com autismo, decerto retornará essa energia para si mesmo, por sua vez, em forma de agressão, quer dizer, bater com a cabeça na parede ou roer, excessivamente as unhas. A deflexão fica notável devido o seu isolamento social, evitando assim, não proposital, uma fuga de contato, o que se assemelha com a introjeção. O egotismo faz-se perceptível na forma de brincar, portanto pode ser que ele queira os brinquedos só para si ignorando os demais que fazem parte do seu ciclo naquele momento. Esclarecendo que não são com todos que acontece dessa forma, cada um terá a sua peculiaridade de se constituir como organismo na relação.
Para o próximo tópico iremos abordar questões históricas e características nas quais identificam uma pessoa acometida com o transtorno do espectro autista, os desafios e as possibilidades que os mesmos encontram na escola.
3.1 - Gestalt-terapia e o autismo infantil na escola.
O que é ser criança? Ser criança é fantasiar um mundo colorido? É brincar sem se preocupar? Ter amigos imaginários?
Pimentel & Araújo (2007) compreendem a experiência do que é ser criança modificando-se, cronologicamente, que vai de sociedade em sociedade, no entanto, a cultura e os costumes dessa sociedade irão estabelecer o modelo padrão ou ideal de criança, isso de acordo como elas se relacionam.
Porém, a Lei n° 8.069, de 13 de julho de 1990, que se refere ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), tem como primazia, dispor sobre proteção integral à criança e o adolescente, e no seu Art. 2° é considerado criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa com até doze anos de idade incompletos (PILONI, 2015).
Leo Kanner, médico austríaco, em 1943 observando, criteriosamente, 11 crianças descreveu pela primeira vez o autismo. O autor descreveu os casos de crianças que manifestavam características em comum, como a inabilidade de desenvolver relações interpessoais, isolamento exacerbado, retardamento no desenvolvimento da linguagem e dificuldade em se comunicar, a recorrência de repetição de brinquedos e a presença de atividades isoladas, falam Vieira, Baldin e Freire (2014), e denominou como transtornos autístico do contato afetivo.
Em 1978, Michael Rutter propôs uma definição para o autismo, com alicerce em quatro critérios, os quais foram: atraso e desvio sociais, dificuldades na comunicação, comportamentos incomuns, tais como movimentos estereotipados e maneirismo e, início antes dos 30 meses, coloca Klin, 2006.
Para o DSM-V, os principais sintomas de autismo envolvem:
"Déficits persistentes na comunicação social e na interação social em múltiplos contextos, incluindo déficits na reciprocidade social, em comportamentos não verbais de comunicação usados para interação social e em habilidades para desenvolver, manter e compreender relacionamentos. Além dos déficits na comunicação social, o diagnóstico do transtorno do espectro autista requer a presença de padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses ou atividades. Considerando que os sintomas mudam com o desenvolvimento, podendo ser mascarados por mecanismos compensatórios, os critérios diagnósticos podem ser preenchidos com base em informações retrospectivas, embora a apresentação atual deva causar prejuízo significativo" (DSM-V, 2013, p. 31-32).
O Transtorno do Espectro Autista clássico é caracterizado por dificuldades na comunicação, na socialização e comportamentos repetitivos, podendo variar entre leve ou alto funcionamento, envolve o atraso no desenvolvimento da fala, comprometimento no desenvolvimento social, ou seja, dificuldade de interação com o meio onde se encontra inserida. Porém, geralmente, tem um Coeficiente de Inteligência (QI) dentro dos padrões considerados aceitáveis pelo DSM-V. O grave ou baixo funcionamento, os sintomas do espectro são mais profundos, cujas suas habilidades de socialização e comunicação têm uma maior defasagem, e seus comportamentos são mais repetitivos e estereotipados.
Um diagnóstico tardio poderá acarretar na qualidade de vida da pessoa com autismo, podendo assim, dificultar os meios que favoreçam a inserção do mesmo na sociedade. Desta forma, "quanto mais cedo esses sintomas forem identificados, maiores as chances de a criança receber intervenções adequadas e exibir progressos desenvolvimentais mais significativos e duradouros" (SILVA e MULICK, 2009, p. 123). Conforme a Revista Autismo (2010), a síndrome pode já ser diagnosticada aos 02 anos de idade, porém, na maioria dos casos, isso está ocorrendo tardiamente, aos 04 anos de idade.
A socialização trata-se de um processo de interação, fundamental para o desenvolvimento, pois é através desta que assimilará uma cultura, dando inicio ao seu nascimento e percorrendo ao longo de sua vida, sujeitando-se a mudanças no que influencia na construção de sujeito.
Conforme Borsa (2002), a carência de respostas das crianças autistas, tende-se, muitas vezes, a dificuldade de entendimento do que está sendo exigido dela, ao invés de uma atitude de isolamento e recusa. Nesse sentido, "julgar que a criança é alheia ao que acontece ao seu redor restringe a motivação para investir na sua potencialidade para interagir" (CAMARGO & BOSA, 2009, p. 68).
Parafraseando Carvalho & Costa (2010), os manuais que servem de aparato diagnóstico, como o DSM-V, faz uso de critérios objetivos para evidenciar um transtorno patológico, onde considera esse sujeito com características que mostram uma inabilidade em algum aspecto de suas habilidades, dessa forma, pode influenciar com que esse sujeito fique em um grau de sofrimento psíquico e prejuízos psicossociais e afetivos.
O DSM-V tem seu respaldo e sua cientificidade, contudo, a Gestalt-terapia tem a pretensão de lidar com as potencialidades desse fenômeno que emerge, isto é, a criança com autismo, pois como já mencionado anteriormente, buscamos não reduzir o sujeito a patologias e diagnósticos, mas como ela se encontra no tempo que se vivencia, e como a própria lida com a situação presente e as respostas que dará para conjunturas distintas ou semelhantes.
Logo, o psicólogo escolar gestalt-terapeuta buscará entender essa pessoa como um ser de possibilidades, podendo assim, proporcionar um espaço que potencialize isso, a relação que a instituição estabelecerá com ela, provavelmente, influenciará na confiança e no bem-estar dela com a mesma, auxiliando assim no seu desenvolvimento.
No contexto educacional, possui uma extensa normatização, inicialmente, destacando a Lei n°. 9.394/96 Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), na qual dispõe em seu art. 59, que "todas as escolas devem assegurar aos estudantes um atendimento adequado às suas necessidades". (PILONI, 2015, p. 02).
"Art. 59. Os sistemas de ensino assegurarão aos educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação:
I - currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização específica, para atender às suas necessidades; (...)
III - professores com especialização adequada em nível médio ou superior, para atendimento especializado, bem como professores do ensino regular capacitados para a integração desses educandos nas classes comuns" (LDB, 1996, p. 34).
Assim, de acordo com Alves (2002), uma educação inclusiva pressupõe a educação para todos, não só do ponto de vista da quantidade, mas também da qualidade. O que significa que os alunos devem se apropriar tanto dos conhecimentos disponíveis no mundo, quanto das formas e das possibilidades de novas produções para uma inserção criativa no mundo.
Para Bosa (2006), o planejamento do atendimento à criança com autismo deve ser estruturado de acordo com o desenvolvimento dela. Por exemplo, em crianças pequenas as prioridades devem ser a fala, a interação social/linguagem e a educação, entre outros, que podem ser considerados ferramentas importantes para promoção da inclusão da criança com autismo.
"Afirma Kupfer (2004) deve-se promover uma mudança na representação social sobre a criança com autismo, sendo importante que a escola e o professor baseiem sua prática a partir da compreensão dos diferentes aspectos relacionados a este tipo de transtorno, além de suas características e as consequências para o desenvolvimento infantil" (CUNHA; MARANHÃO & FARIA, 2008, p. 367).
Com isso, Cunha et al (2008), ressaltam a importância da inclusão educacional, como principal instrumento de inserção social e objetivo de todo e qualquer tratamento para a criança com transtorno autista.
"Assim como em outros transtornos do desenvolvimento, crianças com TEA possuem necessidades educacionais especiais devido às condições clínicas, comportamentais, cognitivas, de linguagem e de adaptação social que apresentam. Precisam, muitas vezes, de adaptações curriculares e de estratégias de manejo adequadas. Quando as necessidades educacionais de crianças com TEA são atendidas, respeitando a condição espectral do transtorno, ações educacionais poderão garantir que alcancem o nível universitário (especialmente aquelas que não apresentam deficiência intelectual importante), assim como qualidade de vida individual e familiar e inserção social no mercado de trabalho, sempre que as condições fenotípicas da doença possibilitem" (KHOURYet al, 2014, p. 25).
Bosa (2006) enfatiza a importância de crianças autistas conviverem com outras crianças da mesma faixa etária, possibilitando com que elas, com essa convivência, venham a ter um melhor desenvolvimento de suas capacidades interativas, podendo com isso, diminuir o isolamento contínuo.
A atuação do psicólogo escolar tendo como sua abordagem a Gestalt-terapia dar-se-á através da parceria entre gestão, docentes e os pais, propiciando a criação de novos cenários e ensejos que viabiliza o processo de aprendizagem de forma que venha enaltecer a experiência e a vivência no meio, desta maneira, corroborando para o processo de socialização desta criança na escola.
É cabível acentuar, que o gestalt-terapeuta, inicialmente, procurará conhecer o plano-político-pedagógico da escola, com o intuito de propor, se perceber necessário, as reformulações consideradas necessárias para que possa vir a trabalhar em cima das necessidades que, no momento, são emergentes.
Um possível manejo do psicólogo gestalt-terapeuta junto à escola seria trabalhar com ela, através do lúdico, visto que, para Santos (2008), através do brincar, a criança entra em contato com os valores e convenções sociais, habilidades motoras e com isso a socialização dela com os demais.
Os bonecos, fantoches, bolas, carros, quebra-cabeças, músicas, teatro e jogos de um modo geral, podem facilitar a comunicação desta criança com os demais entes, tendo em vista que, será na brincadeira que ela permitirá com que, possíveis conteúdos não consciente ou consciente, possam vir a surgir.
Para Daguano & Fantacini (2011), o lúdico quando presente, como uma ferramenta de ensino, no processo de educação da criança, contribui de forma prazerosa no desenvolvimento e, deixando assim a aprendizagem mais descontraída.
"Os brinquedos são parceiros silenciosos que desafiam a criança possibilitando descobertas e estimulando a autoexpressão. É preciso haver tempo para eles, e espaço que assegure o sossego suficiente para que a criança brinque e solte a sua imaginação, inventando, sem medo de desgostar alguém ou de ser punida. Onde possa brincar com seriedade" (CUNHA, 2007, p. 12).
A brincadeira poderá ofertar a criança com autismo formas de se colocar no mundo a sua maneira, e permite que emerja a forma como a mesma compreenda o seu meio, contribuindo para que ele socialize com os demais entes a sua volta.
Segundo Piloni (2015), as instituições de ensino carecem de produzir estudos, levantamentos, discussões e práticas pedagógicas, bem como articular cursos e simpósios, na busca de uma formação atualizada de recursos humanos para trabalhar com crianças autistas. Fornecer orientação e acompanhamento aos pais ou responsáveis do estudante autista, oportunizando a participação ativa no processo educacional e a interação escola-família-comunidade.
A lei N° 12.764/12, também conhecida como "Lei Berenice Piana", que concebeu a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, no seu art. 1º, §2º, deixou claro que "o indivíduo diagnosticado no espectro autista é considerado pessoa com deficiência, para todos os efeitos legais" (lei N° 12.764/12, 2012).
Assim, Piloni (2015) enfatiza que apesar de um avanço na Legislação Brasileira, a Lei Berenice Piana trouxe uma série de avanços para a pessoa com autismo, porém, ainda enfrentam dificuldades no âmbito educacional, podendo assim, limitar o seu processo de escolarização e aprendizagem.
"Quando não há ambiente apropriado e condições adequadas à inclusão, a possibilidade de ganhos no desenvolvimento cede lugar ao prejuízo para todas as crianças. Isso aponta para a necessidade de reestruturação geral do sistema social e escolar para que a inclusão se efetive" (CAMARGO& BOSA, 2009, p. 70).
A criança com autismo poderá encontrar-se enrijecida no ciclo e na fronteira de contato, evidenciando um bloqueio de comunicação do organismo com seu meio (ambiente), ocasionando, em alguns casos, o isolamento e a diminuição de socialização.
Quando esse ambiente é a escola, essa será capaz, de fazer esse processo de socialização através da inclusão, todavia, para que isso ocorra de forma adequada, à mesma necessita apresentar um ambiente favorável para o desenvolvimento dessa criança acometido com o espectro autista – tendo em vista que a mesma poderá apresentar complicações em ajustar-se criativamente -, em parceria com uma equipe multidisciplinar, para identificar a limitação de cada sujeito, pois embora, possa ter o mesmo diagnóstico, o ser-no-mundo de cada uma, é única e intransferível. Vivendo sua singularidade em um espaço que pode ocasionar estranhamento inicialmente, por isso, faz-se importante, como disse Piloni (2015), um elo entre a família, a comunidade e a escola.
IV - CONSIDERAÇÕES FINAIS.
No exposto artigo, ao longo da sua construção, podemos perceber que o principal desafio que a criança com autismo enfrenta está associado com o processo de socialização e a inclusão escolar, em que a escola mostra-se com dificuldades de se ajustar-se conforme a demanda de uma necessidade emergente.
Os principais desafios encontrados seriam a dificuldade de formação específica voltada para os docentes e todo o corpo escolar, para trabalhar com esse público. Além disto, a ausência da participação efetiva da família como facilitador para o processo de socialização e aprendizagem, visto que, é percebida a necessidade de cursos e palestras com o propósito de orientar no contexto familiar e comunitário.
As possibilidades encontradas para o desenvolvimento saudável desta criança encontram-se no convívio contínuo e na relação mútua que a mesma irá estabelecer com os demais entes da escola, favorecendo com isso o enriquecimento na socialização e no seu processo de aprendizagem.
Um dos manejos possíveis de se trabalhar com criança autista no contexto escolar, seria através de jogos lúdicos e dinâmicos e com uma frequência a ser estabelecido com o docente junto à escola e a família, proporcionar jogos e trabalhos em grupo, assim, possivelmente, gerará a inclusão e socialização desta criança com as demais.
A Gestalt-terapia compreende a criança autista como um ser de possibilidades, que ele poderá vir a se desenvolver de acordo com suas necessidades, é importante salientar que o gestalt-terapeuta não negligência a patologia, contudo estimula a potencialização de sua autonomia e fornece meios para que o sujeito manifeste sua maneira autêntica de estar no mundo, no qual é único e intransferível.
Este artigo se faz importante devido a sua contribuição para o conhecimento de demais pessoas que estejam interessadas no tema em questão, cujo aponta alguns dos possíveis desafios e possibilidades de socialização de uma criança com o espectro autista no contexto escolar, e a contribuição da perspectiva gestáltica para uma melhor compreensão, visto que, artigos científicos com essa temática, ou semelhante, na psicologia ainda há uma escassez.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALVES, C. Educação inclusiva no sistema regular de ensino. O caso do município do Rio de Janeiro, 2002.
AMATUZZI, M.M. Por uma psicologia humana. Campinas: Alínea, 2001.
ASSOCIAÇÃO AMERICANA DE PSIQUIATRIA. Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – DSM- V. 5ª ed, p. 52-54, 2013.
AUGUSTO, Cleiciele Albuquerque et al. Pesquisa Qualitativa: rigor metodológico no tratamento da teoria dos custos de transação em artigos apresentados nos congressos da Sober (2007-2011). Rev. Econ. Socio. Rural, Brasília, v. 51, n. 4, p. 745-764, Dec. 2013. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-20032013000400007> Acesso em 07 fev. 2017.
BEZERRA, Márcia Elena Soares; BEZERRA, Edson do nascimento. Aspectos humanistas, existenciais e fenomenológicos presentes na abordagem centrada na pessoa. Rev. NUFEN, São Paulo, v. 4, n. 2, p. 21-36, dez. 2012. Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2175-25912012000200004>. Acesso em: 18 mar. 2017.
BORSA, J.C. O papel da escola no processo de socialização infantil. São Paulo: Portal dos Psicólogos, 2007.
BOSA, C. A. (2006). Autismo: intervenções psicoeducacionais. Revista Brasileira de Psiquiatria, 28, 47-53.
BRASIL. Estatuto da criança e do adolescente. Lei número 8.069, 13 de julho de 1990. 13ª ed. São Paulo: Câmara dos Deputados, p.117, 2015.
______. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei número 9394, 20 de dezembro de 1996.
______. Lei Federal nº 12.764/2012, de 27 de dezembro de 2012. Institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista; e altera o § 3o do art. 98 da Lei no 8.112, de 11 de dezembro de 1990. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF: 28 dez. 2012.
CAMARGO, Sígla Pimentel Höber; BOSA, Cleonice Alves. Competência social, inclusão escolar e autismo: revisão crítica da literatura. Psicol. Soe., Florianópolis, v. 21, n. 1, p. 65-74, abr. 2009. Disponível em: <http://www.redalyc.org/html/3093/309326582008>. Acesso em: 05 fev. 2017.
CARVALHO, Lílian Cherulli de; COSTA, IlenoIzídioda. A clínica gestáltica e os ajustamentos do tipo psicótico. Rev. abordagem gestalt., Goiânia, v.16, n. 1, p. 12-18, jun. 2010.
CUNHA, C.B; MARANHÃO, R.V.A; FARIAS, I. M. Interação professor-aluno com autismo no contexto da educação inclusiva: análise do padrão de mediação do professor com base na teoria da Experiência de Aprendizagem Mediada (Mediated Learning Experience Theory). Rev. bras. educ. espec. vol.14 no.3 Marília Set./Dez. 2008.
CUNHA, N. H. S. Brinquedoteca: um mergulho no brincar. 4. ed. São Paulo: Aquariana, 2007.
DAGUANO, Lilian Queiroz; FANTACINI, Renata Andrea Fernandes. O lúdico no universo autista. São Paulo, vol. 1, n. 2, p.109-122, 2011.Disponível em: <http://www.claretianobt.com.br/download?caminho=upload/cms/revista/sumarios/55.pdf&arquivo=sumario7.pdf>. Acesso em: 23 mar. 2017.
DENZIN, N. K. e LINCOLN, Y. S. Introdução: a disciplina e a prática da pesquisa qualitativa. In: DENZIN, N. K. e LINCOLN, Y. S. (Orgs.). O planejamento da pesquisa qualitativa: teorias e abordagens. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2006.
DUSI, Miriam Lúcia Herrera Masotti; NEVES, Marisa Maria Brito da Justa; ANTONY, Sheila. Abordagem Gestáltica e Psicopedagogia: um olhar compreensivo para a totalidade criança-escola. Paidéia (Ribeirão Preto), Ribeirão Preto, v. 16, n. 34, p. 149-159, 2006. Disponível em: <http://www.redalyc.org/html/3054/305423754003>. Acesso em: 08 fev. 2017.
EWALD, Ariane P. Fenomenologia e existencialismo: articulando nexos, costurando sentidos. Estud. pesqui. psicol., Rio de Janeiro, v. 8, n. 2, ago. 2008. Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?pid=S1808-42812008000200002&script=sci_abstract>. Acesso em: 25 mar. 2017.
GADIA, Carlos A.; TUCHMAN, Roberto; ROTTA, Newra T. Autismo e doenças invasivas de desenvolvimento. J. Pediatr. (Rio J.), Porto Alegre, v. 80, n. 2, supl. P. 83-94, Abril de 2004. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/jped/v80n2s0/v80n2Sa10>. Acesso em: 05 mar. 2017.
GALLI, Loeci Maria Pagano. Um olhar fenomenológico sobre a questão da saúde e da doença: a cura do ponto de vista da Gestalt-terapia. Estud. pesqui. psicol., Rio de Janeiro, v. 9, n. 1, abr. 2009. Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1808-42812009000100006&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt>. Acesso em: 20 mar. 2017.
GINGER, A.; GINGER, S. Gestalt: uma terapia do contato. Tradução: S. de S. Rangel. 5 ed. São Paulo: Summus, 1995.
GUERRA, I. C. Pesquisa qualitativa e análise de conteúdo: sentidos e formas de uso. Princípai Editora: Estoril, 2006.
HOLANDA, Adriano. Saúde e doença em Gestalt-terapia: filosóficos. Estud. Psicol.(Campinas), Campinas, v. 15, n. 2, p. 29-44, 1998. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/estpsi/v15n2/02.pdf>. Acesso em: 20 fev. 2017.
KHOURY, Laís Pereiraet al. Manejo comportamental de crianças com Transtornos do Espectro do Autismo em condição de inclusão escolar: guia de orientação a professores [livro eletrônico]. São Paulo: Memnon, 2014.
LUCZINSKI, Giovana Fagundes; ANCONA-LOPEZ, Marília. A psicologia fenomenológica e filosofia de Buber: o encontro na clínica. Estud. Psicol. (Campinas), Campinas, v. 27, n. 1, p. 75-82, mar. 2010. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-166X2010000100009>. Acesso em: 06 fev. 2017.
NASCIMENTO, C.L. A centralidade da Epoché na fenomenologia Husserliana. 2012.
PERLS, F. S. Abordagem gestáltica e testemunha ocular da terapia. Tradução: J. Sanz. Rio de Janeiro: Zahar Editores. (Trabalho original publicado em 1973), 1981.
PERLS, F.S., HEFFERLINE, R., GOODMAN, P. Gestalt-Terapia. 2ª ed. 2014, p. 179.
PILONI, Thiago. Lei Berenice Piana e o acompanhante especializado. Conteúdo Jurídico, Brasília-DF: 18 abr. 2015. Disponível em: <http://www.conteudojuridico.com.br/artigo,lei-berenice-piana-e-o-acompanhante-especializado,53247.html>. Acesso em: 17 mar. 2017.
RIBEIRO, Jorge Ponciano. Conceito de Mundo e de Pessoa em Gestalt-terapia. 1° ed. São Paulo. Summus, 2011.
______. Vade-mécum de Gestalt-terapia: conceitos básicos. 2° ed. – São Paulo: Summus, 2006.
SANTOS, S. M. P. dos. Brinquedoteca: a criança, o adulto e o lúdico. (Org.), Petrópolis: Vozes, 2000.
SILVA, Micheline; MULICK, James A. Diagnosticando o transtorno autista: fundamentos e considerações práticas. Psicol. Cienc. Prof., Brasília, v. 29, n. 1, p. 116-131, 2009. Disponível em:<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-98932009000100010&lng=en&nrm=iso&tlng=pt>. Acesso em: 26 fev. 2017.
SOUZA MT, Silva MD, Carvalho R. Revisão integrativa: o que é e como fazer. Ed. Einstein. p. 01, 2001.
VOGEL, Andréa Rodrigues. O papel do terapeuta na relação terapêutica na Gestalt-terapia e na terapia de família sistêmica construcionista social. Revista IGT na Rede, V.9, Nº 16, 2012, página 114 de 152. Disponível em: <https://www.igt.psc.br/ojs/include/getdoc.php?id=2034&article=374&mode=pdf>. Acesso em: 23 mar. 2017.
NOTAS
* Antonia Jucieelly Silva Caruca - Graduação em psicologia pelo Centro Universitário Estácio do Ceará (2017); Curso em Sistema para detecção do Uso abusivo e dependência de substâncias Psicoativas: Encaminhamento, intervenção breve, Reinserção social e Acompanhamento – SUPERA (2016); Pós-graduanda em Saúde mental e atenção psicossocial pela Estácio do Ceará; Psicóloga no Centro de Referência de Assistência Social em Canindé; Psicóloga voluntária no PRAVIDA Canindé.
** Deyseane Maria Araújo Lima - Psicóloga. Formação em Gestalt Terapia. Formação em Gestalt Terapia com casais e famílias. Formação em Gestalt-Terapia com crianças e adolescentes. Especialista em Educação à Distância. Especialista em Educação Inclusiva. Especialista em Psicologia Clínica pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP). Mestre em psicologia. Doutora em Educação. Professora da graduação e pós-graduação em psicologia.
Endereço para correspondência
Antonia Jucieelly Silva Caruca:
Endereço eletrônico:ascjucieelly@gmail.com
Deyseane Maria Araújo Lima:
Endereço eletrônico:deyseanelima@yahoo.com.br
Recebido em: 05/09/2017
Aprovado em: 23/01/2019