ARTIGO
Possibilidades de atuação do Gestalt-terapeuta na psicoterapia de casal a partir da confluência como mecanismo de defesa
Possibilities of the Gestalt-therapist acting in couple psychotherapy from the confluence as a defense mechanism
Antônio de Pádua César Freire*; Deyseane Maria Araújo Lima**
CUEC - Centro Universitário Estácio do Ceará - CE; IPHFC - Instituto de Psicologia Humanista e Fenomenológico do Ceará - CE
RESUMO
Este artigo tem como objetivo discutir quais fatores influenciam as relações amorosas a partir da confluência como um mecanismo de defesa sob a perspectiva da Gestalt-terapia. Promove a caracterização das relações amorosas na contemporaneidade, assim como uma contextualização teórica e prática do gestalt-terapeuta no atendimento a casais. Utiliza como método a revisão integrativa em uma pesquisa qualitativa, trazendo como base de dados livros acadêmicos relacionados ao tema e artigos científicos publicados em revistas eletrônicas. Os resultados desta pesquisa permitem compreender as particularidades da psicoterapia de casal, assim como evidencia as relações amorosas a partir do contato por intermédio da confluência. É importante ressaltar que a atuação do psicoterapeuta de casal possui sua relevância na possibilidade de interação e desenvolvimento saudável de seus participantes.
Palavras-chave: Gestalt-terapia; Confluência; Relações Amorosas.
ABSTRACT
This article aims to discuss which factors influence love relations from the confluence as a defense mechanism from the Gestalt-therapy perspective. It promotes the characterization of amorous relationships in contemporaneity, as well as a theoretical and practical contextualization of the gestalt-therapist in the care of couples. It uses as a method the integrative review in a qualitative research, bringing as a database of academic books related to the subject and scientific articles published in electronic journals. The results of this research allow us to understand the particularities of couple psychotherapy, as well as evidence of love relationships from contact through confluence. It is important to emphasize that the performance of the couple psychotherapist has its relevance in the possibility of interaction and healthy development of its participants.
Keywords: Gestalt therapy; Confluence; Amorous Relationships.
INTRODUÇÃO
O interesse profissional sobre a investigação da confluência nas relações amorosas surgiu a partir da realização de Estágio Específico em Psicologia Clínica no Serviço de Psicologia Aplicada – SPA do Centro Universitário Estácio do Ceará; assim como da facilitação do grupo de estudos sobre psicoterapia de casal e família no período de 2016.1 a 2017.1 na mesma instituição.
Este artigo, sob a perspectiva da Gestalt-terapia, entende a confluência como um mecanismo de defesa presente nas relações amorosas. Para tanto, foram desenvolvidos os seguintes objetivos: compreender a confluência a partir da Gestalt-terapia; caracterizar as relações amorosas na contemporaneidade; descrever a psicoterapia de casal na Gestalt-terapia.
O tema é relevante porque traz como problemática a dinâmica nas relações amorosas a partir da interrupção de contato devido à confluência, que atua de forma cíclica, como mecanismo de defesa, havendo a fusão entre o casal e levando à perda da singularidade e identidade dos sujeitos em relação. Como os sujeitos tendem a se tornar fundidos e unificados em suas ações, na forma de agir e pensar, por intermédio da confluência, é importante indagar se a natureza desta unificação seria saudável ou neurótica.
Segundo Zinker (2007), a Gestalt-terapia é uma abordagem da psicologia que atua diretamente com o encontro existencial entre o terapeuta e o cliente, permitindo que os sujeitos possam se revelar a cada encontro. Para Cardella (2002), os mecanismos de defesa são elementos dos quais os indivíduos se utilizam para se expressar e interagir consigo e com o meio. Na maior parte da vida das pessoas, a relação amorosa faz-se presente, com seus ônus e bônus; seus embaraços e desembaraços, ora nas recordações, memórias e lembranças do passado, ora na vivência/experiência da relação em seu momento presente, ora nas expectativas depositadas e desejadas para o futuro próximo.
Na perspectiva da Gestalt-terapia, para Hansen (2010), a dificuldade nas relações amorosas surge a partir da cristalização de seu modo de funcionar, impedindo o casal de enxergar as possibilidades de agir e existir. Isto promove um funcionamento não saudável por intermédio dos mecanismos de defesa, em especial a confluência, na qual o casal não consegue entrar em contato com seus conteúdos individuais e assim não diferenciam quais conteúdos pertencem a um sujeito e a outro, perdendo a individualidade, tornando-se um só, e em diversas situações o casal age sob este mesmo processo repetidas vezes. As relações amorosas podem ser influenciadas por fatores internos e externos, como por exemplo: os aspectos físicos, biológicos, assim como a confluência, que acarreta na fusão dos sujeitos, perdendo ambos sua individualidade e tornando-os apenas um.
A compreensão das relações amorosas pode ser feita a partir do uso de experimentos, que são formas de vivenciar e promover a conscientização do modo de agir e existir do casal, diferenciando os conteúdos de cada sujeito, tomando-os para si, desta forma evidenciando as individualidades, e possibilitando um funcionamento saudável para o casal.
A confluência é um dos mecanismos de defesa que, segundo Ginger (1995), pode ser considerada uma forma neurótica de interação na relação, caracterizada pela incidência de repetição, sofrimento psíquico e cristalização dos sujeitos, além do não enxergar as possibilidades de ser, agir e existir no mundo e na relação com o meio. Este mecanismo de defesa faz-se presente no dia-a-dia de casais, que de certa forma estão sendo afetados por esta forma de funcionamento da própria relação, sem conseguir lidar com as adversidades que lhes são apresentadas.
Na busca de uma vivência favorável, do melhor ser/existir na relação, de uma melhor qualidade de vida e pelo não atingimento desses objetivos traçados pelos casais, a relação passa por um processo de sofrimento psíquico. Neste momento torna-se necessária a busca pelo atendimento psicológico como uma das alternativas de ajuda e auxílio contra o engessamento da relação amorosa.
A Gestalt-Terapia com casais implica na disposição para acolher, na possibilidade de escutar, no trabalho com as queixas e os sintomas que podem estar vinculados aos mecanismos de defesa, sobretudo a confluência, que é foco do nosso estudo. Este quesito interfere diretamente na intenção de estabelecer vínculo com o casal e por consequência, à confiança de que o psicólogo poderá auxiliá-los neste processo.
Portanto, por ser uma abordagem da ciência psicológica, com sua base epistemológica na teoria humanista e fenomenológica-existencial, onde o ponto inicial é o encontro genuíno dos sujeitos, faz-se necessário que o psicólogo abra mão de seus valores e entre em contato relacional com o outro; assim como, embasado pela teoria holística, na qual o sujeito não é simplesmente a soma de suas partes, tendo em vista que o indivíduo é integral, compreendido como um todo.
A Gestalt-terapia atua ainda com o conceito de presentificação, conhecido como aqui-agora, onde o sujeito entra em contato com suas angústias, ansiedades, medos, emoções, culpas, ressentimentos, etc. Busca, assim, minimizar ou interromper o processo de repetição e rigidez em suas ações, típicos do indivíduo cristalizado, e torna possível o processo de “awareness”, que significa uma conscientização contínua do ser, proporcionando ao sujeito a visão de possibilidades através de um processo criativo.
Este processo criativo, no que se refere às relações amorosas, é proporcionado a partir do diálogo, mediado pelo psicólogo e de intervenções feitas a partir de experimentos, nos quais é possível acessar as questões mais íntimas, os sintomas, emoções e sentimentos, que o casal apresenta.
METODOLOGIA
Conforme definido por Denzin e Lincoln (2006), o modelo teórico-metodológico que se adotou nesta pesquisa foi de natureza qualitativa, que possui seu berço na antropologia e na sociologia e tem como principal abordagem a interpretação do mundo. Possibilita aos pesquisadores um estudo em seus cenários naturais, na tentativa de proporcionar o entendimento dos fenômenos que dispõem os significados e significantes às pessoas que os mesmos contêm.
O instrumento escolhido para atingir o propósito desta pesquisa bibliográfica foi a revisão integrativa. De acordo com o objetivo descrito na introdução, a primeira etapa tem caráter exploratório e documental, que “é desenvolvida com base em material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científicos” (GIL, 2002, p. 44). A segunda etapa é mais descritiva e aborda as características da Gestalt-terapia enquanto abordagem psicológica, com enfoque nos mecanismos de defesa, mais precisamente a confluência, assim como, as relações amorosas na atualidade.
No que diz respeito aos critérios de inclusão, foram realizadas pesquisas nos livros técnico-científicos, assim como nas plataformas de buscas virtuais, como a SCIELO – Scientific Eletronic Library Online; PEPSIC – Periódicos Eletrônicos em Psicologia; e também no Google Acadêmico, onde as palavras-chave usadas foram Gestalt-terapia; Confluência; Mecanismos de Defesa e Relações Amorosas; sendo encontrados 167 itens bibliográficos, tais como: artigos, dissertações, teses e livros.
Já para os critérios de exclusão, o principal determinante foi o idioma, de modo que toda a bibliografia que não estava na língua portuguesa ou traduzida para a mesma foi desconsiderada.
Foram analisados os temas e os títulos dos 167 títulos bibliográficos. 149 foram eliminados, devido ao não enquadramento no tema pesquisado, restando então, apenas 18 títulos. Foram realizadas a leitura dos resumos dos 18 títulos. E, então, 13 títulos foram eliminados, pois não estavam de acordo com os objetivos propostos, restando apenas 5 artigos para compor a bibliografia desta referida pesquisa.
Quadro 1 – Artigos selecionados
AUTOR |
REVISTA |
TÍTULO |
ANO |
ALVES E DORNELAS |
Esfera Acadêmica Humanas |
Um olhar da Gestalt-Terapia sobre o contato nas relações amorosas: Os mecanismos de solidão e do amor |
2016 |
DANTAS |
IGT na Rede |
A Gestalt-Terapia diante do amor nas relações afetivas heterossexuais |
2011 |
HANSEN |
IGT na Rede |
As relações amorosas à luz dos mecanismos neuróticos |
2010 |
PINTO |
IGT na Rede |
O ciúme nas relações amorosas contemporâneas: um olhar gestáltico |
2013 |
PINTO |
IGT na Rede |
Eu e você somos um: Implicações do ciúme na sexualidade feminina e nas relações amorosas da atualidade sob o olhar da gestalt-terapia |
2010 |
Os artigos pesquisados foram publicados no período de 10 anos, entre 2007 e 2017, e são os que tiveram mais influência sobre esta pesquisa, porém, fazendo parte da bibliografia, há livros técnico-científicos que não estão inclusos neste espaço cronológico delimitado devido à sua relevância para a contribuição desta pesquisa.
No que consiste em revisão integrativa, agregou-se valores e consequentemente mais conhecimentos através de leituras de livros, artigos científicos, dissertações de mestrado e teses de doutorado. Para D’Ambrósio (1999), a sociedade está em constante transição, devido às relações, havendo a troca e aquisição do saber e, portanto, o desenvolvimento deste.
1 - A GESTALT-TERAPIA E OS SEUS MECANISMOS DE DEFESA
A Gestalt-terapia é uma abordagem da psicologia cuja base epistemológica se sustenta em teorias fenomenológicas, existenciais e humanistas. Busca o crescimento pessoal do sujeito e a promoção do bem-estar psicológico a partir de vivências e experimentos. Esta abordagem psicológica é relevante, pois:
"[...] é um encontro existencial entre pessoas. Permite que a pessoa se revele no processo desse encontro, em vez de presumir uma visão monolítica e apriorística da humanidade. É por isso que a Gestalt-terapia se presta à criação: ambas enfatizam o desenrolar de algo em sua forma orgânica pura" (ZINKER, 2007, p.113).
Helou (2015) corrobora o entendimento de que a Gestalt-terapia trabalha na perspectiva de promover o processo de crescimento e desenvolvimento do potencial humano. A Gestalt-terapia promove ainda uma filosofia que proporciona ao sujeito um estado de harmonia consigo, com o universo, com a medicina, com a ciência e principalmente com aquilo que é.
Como nos assegura Ferraz (2012), a Gestalt-terapia pode ser considerada uma síntese de várias correntes filosóficas, metodológicas e terapêuticas, produzindo uma forma particular de conceber as relações do sujeito com o meio.
Um dos pressupostos teóricos aplicados na Gestalt-terapia é o contato, onde o sujeito se dispõe a entrar em contato com o que lhe emerge em sua consciência. O sujeito, ao entrar em contato com suas emoções, sentimentos e desejos, torna o contato o ponto que concede suporte para que o próprio sujeito se perceba a partir da presentificação, que visa realizar uma percepção de eventos do passado em que o sujeito se encontra cristalizado, promovendo a realização de um exame íntimo em como o mesmo vai criando, recriando, significando, ressignificando e transformando a sua experiência para o momento presente. Sendo assim:
"A Gestalt-terapia não está interessada em perguntas sobre onde o desenvolvimento do paciente pode ter sido sustado na sua infância quanto está em ajudá-lo a identificar e trabalhar suas ansiedades e bloqueios atuais, talvez melhor denominados distúrbios de contato do que resistências, que impedem que aconteça o próximo ato iminente de crescimento [...]" (FROM; MILLER, 1997, p.26).
Conforme verificado, a Gestalt-terapia é uma das várias abordagens da psicologia que vê inegavelmente o sujeito como um ser em sua totalidade e que está em constante transformação. Seria um erro não salientar que a Gestalt-terapia pode ser definida como uma terapia do contato, na qual o cuidar é considerado um dos seus fundamentos.
Pode-se dizer que a Gestalt-terapia utiliza-se do conceito do aqui e agora para propiciar a presentificação do sujeito para atuar com seus conteúdos. Outro conceito fundamental é de figura e fundo, onde os elementos que emergem à consciência do sujeito no momento formam a ‘figura’ e os que ainda não emergiram são ‘fundo’, havendo uma alternância e dinamicidade desta referência. É relevante, contudo, constatar que o sujeito pode estar cristalizado, sem conseguir enxergar as possibilidades de ser, agir e existir no mundo.
Dessa forma, a Gestalt-terapia, segundo Ribeiro (2006), por ser uma abordagem que promove o contato e o cuidar, adquire um caráter ético e de cidadania, tornando-se política e preenchendo o requisito holístico de sua totalidade, utilizando-se do processo de humanização da pessoa por uma outra pessoa, uma vez que não mais quer distinguir quem é o “cuidador” e o “cuidado”.
"[...] a Gestalt-terapia pode ser definida como uma terapia dialógica, isto é, uma terapia que faz do diálogo seu principal instrumento de encontro consigo, com o outro e com o mundo. [...]" (RIBEIRO, 2006, p.106).
Segundo Orgler; Lima e D’Acri (2012), a Gestalt-Terapia possui uma concepção diferenciada das demais abordagens psicológicas, devido ao seu conceito de saúde-doença, que proporciona aos sujeitos um crescimento e desenvolvimento de si enquanto pessoa na sua totalidade, não segregando o conceito de saúde assim como o conceito de doença.
Já para Camarotti (2007), o conceito de saúde-doença na Gestalt-terapia é composto por uma compreensão do sujeito em si, na qual a doença é identificada como um fruto de sua própria criação, significando que a saúde é a utilização da superação do sujeito nas adversidades.
Para Ribeiro (1994), este processo de saúde-doença na Gestalt-terapia é difícil de ser definido, pois para a própria abordagem não há uma separação de doença física e doença psíquica. Apenas há um sujeito que se encontra adoecido, que está em sofrimento e necessitando de um fechamento de situações inacabadas. Esta abordagem tem como pilar principal promover a autorregulação organísmica, significando que este é o processo de saúde-doença para esta abordagem.
Contudo, para Ginger (1995), o processo de saúde e doença na Gestalt-terapia visa proporcionar o bem-estar do sujeito numa perspectiva holística, ou seja, um bem-estar para o sujeito como um todo, seja no físico, social ou psíquico. A autorregulação é uma forma de satisfação de necessidades do sujeito em relação ao meio na presentificação, na qual são trabalhadas conforme vão emergindo da consciência, a partir do diálogo, tanto com o terapeuta, quanto consigo mesmo, visando a ética e o sigilo profissional do gestalt-terapeuta com seu cliente, promovendo um encontro genuíno e verdadeiro no “setting” terapêutico.
Conforme afirma Cardella (1994), o processo de adoecimento na Gestalt-terapia é a percepção do sujeito que se encontra com impedimentos, bloqueios e certas dificuldades em relacionar-se consigo e de interação com o meio, ocorrendo o processo de repetição e cristalização. Desta maneira, ocorre a interrupção de contato que é denominada de neurose, ou seja, o sujeito age por intermédios de mecanismos de defesa em seu contato com o mundo de forma patológica.
Para Ribeiro (2012), a neurose é a incapacidade de obter uma não gratificação, e em seu ponto central é a própria impotência, que resulta em frustração. Esta frustração apresenta-se de formas diversas, manifestando-se tanto nas atitudes, no corpo e até mesmo na própria linguagem.
A neurose, para Perls, Hefferline e Goodman (1997), é o funcionamento não satisfatório do sujeito, assim como a evitação da espontaneidade expressada pelo mesmo. Sendo assim o sujeito que se encontra cristalizado em seu modo de ser, agir e existir no mundo, acaba entrando num processo de repetição e evitação de contato com suas questões.
Diante deste contexto, o sujeito que se encontra nesta situação, utiliza-se de mecanismos de defesa ou de evitação do contato, que por sua vez, podem ser considerados saudáveis ou patológicos. Assim, quando esses mecanismos são considerados patológicos, eles são denominados de mecanismos neuróticos.
Decidir-se com relação à denominação do termo ‘mecanismos ' e de defesa do sujeito é uma tarefa árdua e delicada, pois:
"Reina uma certa confusão quanto à sua denominação: de fato, vários autores os definem com vocábulos diferentes: mecanismos neuróticos ou perturbações neuróticas na fronteira de contato (Perls), perdas da função do ego (Goodman), defesas do Eu (André Jacques), resistências-adaptação (Polster), distúrbios do self ou interferências na awareness (Latner), interrupções no ciclo de contato (Zinker), mecanismos neuróticos de evitação (Marie Petit)"' (GINGER, 1995, p.132).
Cardella (2002) afirma que podem-se identificar sete mecanismos neuróticos existentes na perspectiva da Gestalt-terapia, em que o sujeito pode utilizar-se dele para melhor adaptar-se e relacionar-se com o outro e com o meio. Os sete mecanismos são: a introjeção, a projeção, a retroflexão, o egotismo, a deflexão, a proflexão e a confluência.
Na introjeção, segundo Ginger (1995), o mundo exterior invade o sujeito de tal forma que o próprio indivíduo não consegue processar e interpretar o conteúdo que lhe foi invadido. Portanto,
"a introjeção, pois, é o mecanismo neurótico pelo qual incorporamos em nós mesmos normas, atitudes, modos de agir e pensar, que não são verdadeiramente nossos. Na introjeção colocamos a barreira entre nós e o resto do mundo tão dentro de nós mesmos que pouco sobra de nós" (PERLS, 1977, p.48).
Já, na projeção, conforme Ginger (1995), ocorre o inverso da introjeção, ou seja, o sujeito atribui ao meio externo a responsabilidade daquilo que é de origem interna. Sendo assim:
"[...] a projeção é essencialmente um fenômeno inconsciente. A pessoa que está projetando não pode distinguir satisfatoriamente entre os mundos interior e exterior. Visualiza no mundo exterior aquelas partes de sua própria personalidade com as quais se recusa identificar" (PERLS, 2002, p.230).
Entretanto na retroflexão, segundo Yontef (1998), o sujeito pratica em si ações que gostaria que os outros lhe fizessem ou ações que gostaria de realizar aos outros. Contudo:
"[n]ormalmnte, a retroflexão é o processo de auto-reformar-se; por exemplo, corrigindo a abordagem não prática, ou reconsiderando as possibilidades da emoção, fazendo um reajustamento, como sendo fundamento para ações ulteriores" (PERLS; HEFFERLINE; GOODMAN, 1997, p. 256).
Porém, no egotismo, para Ginger (1995), o sujeito volta a atenção para si mesmo, promovendo uma autonomia, valorizando-se e criando resistências para evitar de entrar em contato com o meio. Sendo assim:
"Neuroticamente, o egotismo é um tipo de confluência com a awareness deliberada, é uma tentativa de aniquilação do incontrolável e do surpreendente" (PERLS; HEFFERLINE; GOODMAN, 1997, p. 257).
Na deflexão, segundo Yontef (1998), o sujeito passa a evitar o contato ou a própria "awareness", ou seja, praticando a fuga e a esquiva do processo contínuo de conscientização. Portanto:
"Quem usa a deflexão se envolve com seu ambiente mediante acertos e erros, entretanto, para ele isso geralmente se transforma em muitos erros com apenas alguns acertos - na maioria acidentais. Assim, ou ele não investe energia suficiente para obter um retorno razoável, ou a investe sem foco e a energia se dissipa e evapora. Ele termina esgotado e com pouco retorno - arruinado" (POLSTER; POLSTER, 2001, p. 86).
Já na proflexão, para Ginger (1995), acontece uma forma mista da própria resistência, ou seja, há uma junção de dois mecanismos de defesa, a projeção e a retroflexão, significa que o sujeito faz ao outro o que gostaria que o outro fizesse ao sujeito. Contudo:
"Há dois tipos de proflexão: a ativa e a passiva. Em ambos os casos, o proflexor assume uma atitude servil em relação ao outro, na tentativa de manipulá-lo. [...] Assim, espera o "retorno" daquilo que oferece, manipulando o parceiro para que se sinta grato, culpado ou devedor" (CARDELLA, 1994, p. 49).
Para dar um foco maior ao tema proposto nesta pesquisa, o mecanismo neurótico que se destaca é a confluência, na qual o sujeito não consegue se distinguir do meio, não percebendo as diferenças existentes entre si mesmo e o outro, obtendo uma dificuldade maior em identificar e discriminar a si, seus conteúdos e suas questões do outro. Sendo assim:
"É um estado de não-contato, de fusão por ausência de fronteira de contato. O self não pode ser identificado. [...] A confluência é, em princípio, seguida da retração, permitindo ao sujeito reconquistar sua fronteira de contato, reencontrar sua própria identidade, marcada pela singularidade e a diferença. Quando essa retração se mostra difícil, quando a confluência se torna crônica, então o funcionamento pode ser qualificado de patológico (neurótico, até psicótico)" (GINGER, 1995, p.133).
A confluência ocorre quando o sujeito não apresenta contato consigo, é um momento de fusão com o outro ou com o meio, não realizando a identificação da sua forma de ser. Nesse contexto, fica claro que a confluência, além de ser um dos mecanismos de defesa, é de fundamental importância para o funcionamento do próprio ser.
O mais preocupante, contudo, é constatar que a confluência possa vir a ser patológica, no qual o sujeito acaba se anulando diante do outro ou do próprio meio, tornando este movimento de utilização da confluência, como uma forma repetitiva que ocasiona um sofrimento psíquico para o próprio “self”.
Desta maneira, é importante que o sujeito busque auxílio de um gestalt-terapeuta para que o mesmo possa voltar a perceber outras e novas possibilidades de ser, agir e existir no mundo.
2 – A HISTÓRIA DAS RELAÇÕES AMOROSAS ATÉ A CONTEMPORANEIDADE E A CONFLUÊNCIA
No intuito de inserir a questão da confluência nas relações amorosas na contemporaneidade, faz-se necessária a compreensão destas relações amorosas ao longo da história, bem como olhar estas relações em contextos e épocas distintas.
Na Idade Antiga, ainda na mitologia grega, segundo Alves e Dornelas (2016), o amor mútuo passou a ser inato para a espécie humana, advindo do mito andrógino, donde é possível explicar a origem e o porquê da existência desta busca pelo amor, com o intuito do sujeito sentir-se completo.
A partir deste mito, para as autoras Alves e Dornelas (2016), Platão conta como no princípio dos tempos havia três seres especiais que habitavam a terra. Um destes seres era denominado de ‘filho da lua’ e seu corpo descrito como vigoroso e forte, de forma esférica, quatro pernas, quatro mãos, duas faces idênticas, porém um único cérebro e os gêneros masculino e feminino. Este ser resolveu atacar os Deuses do Olimpo, em busca de mais poder, porém, não obteve sucesso, então os Deuses resolveram castigá-lo, fazendo uma cisão em seu corpo, separando os princípios masculino e feminino, deixando estes seres fracos, submissos e vulneráveis, não conseguindo mais realizar tarefas simples do dia-a-dia, pois não sabiam ser sós, a não ser quando resolviam matar as saudades que sentiam e se abraçavam, voltavam a se sentirem fortes e vigorosos, como se fossem um só.
A partir deste contexto, surge o amor mútuo, a sina em busca deste amor, a segregação dos gêneros masculino e feminino, assim como, os primórdios das relações amorosas, que para Alves e Dornelas (2016), confunde-se com a própria origem da humanidade. A confluência na Idade Antiga pode ser percebida por intermédio da mitologia grega, onde o amor é concebido sob a forma de uma criatura especial, vista como vigorosa e forte, porém ao sofrer uma divisão, só consegue tornar-se vigorosa e forte novamente após a união de suas partes. O amor é um sentimento que se faz necessário ser experienciado por todos os sujeitos durante a sua existência a partir de sua condição humana. Portanto:
"O amor autêntico por uma pessoa é experienciado como êxtase no ser do outro, como regozijo por sua existência. É não manipulador, não pegajoso, não exigente. Deixamos que o outro seja. Não queremos violar sua integridade humana ímpar. O tipo mais 'puro' de amor (puro no sentido de expressar como condição prévia o regozijo pela existência do outro, e não no sentido puritano de ser limpo) envolve a experiência total da tensão ou energia interna que faz parte da reação da pessoa ao ser amado" (ZINKER, 2007, p.18).
Passando aos tempos áureos romanos, no decorrer da Idade Média, segundo Pinto (2010), as relações amorosas eram compreendidas uma obrigação social., Não se podia ter o privilégio de escolher com quem se gostaria de manter um relacionamento , as famílias combinavam entre si para que seus filhos tivessem uma relação amorosa, na qual a família do noivo recebia um dote como recompensa para custear as despesas da noiva; além disso as relações amorosas deveriam ser monogâmicas, devido ao surgimento do Cristianismo. A confluência nas relações amorosas a partir da idade média pode ser compreendida já como um mecanismo de defesa ou até mesmo como um mecanismo neurótico, causador de uma interrupção de contato, devido às relações amorosas serem providenciadas por seus genitores e não pelos próprios sujeitos, causando determinantes para haver resistências e frustrações.
Na Idade Moderna, segundo Pinto (2013), surgiram vários movimentos que influenciaram a sociedade nesta época, como o Renascimento e até mesmo a Revolução Francesa, deixando de lado as influências sofridas pelo Cristianismo. Todavia, provocaram mudanças na política, na economia, no aspecto cultural e social, tornando o sujeito livre e individualizado, dando-lhe o direito da sua escolha. Consequentemente isto refletiu também nas relações amorosas, onde o indivíduo começou a buscar satisfazer-se não somente sexualmente, para sua procriação, mas também emocionalmente, socialmente, culturalmente e sentimentalmente. Com a individualidade em evidência na Idade Moderna, os sujeitos tornaram as relações amorosas mais suscetíveis não somente à manifestação da confluência, como também à sua inexistência em concomitância ao fracasso, devido à própria individualização, impedindo do sujeito entrar em contato com o outro, para assim, haver o processo confluente.
Na Idade Contemporânea, para Dantas (2011), as relações amorosas continuam passando por inúmeras transformações, conforme são influenciadas pelo contexto histórico, social e cultural. Constantes são os fatos ocorridos na contemporaneidade que contribuem para a transformação das relações amorosas, ao mesmo tempo em que acumula resquícios de épocas anteriores.
Para Dantas (2011), a influência da Idade Moderna nas relações amorosas transformou o contexto social, econômico, político e cultural da sociedade, e fez com que os sujeitos se retomassem, em um processo de singularidade e individualidade. Isso implicou em consequências no decorrer da Idade Contemporânea, transformando as relações amorosas, que anteriormente possuíam o romantismo como ideal, e passam a um amor erótico, voltado especificamente para a satisfação pessoal. Na Idade Contemporânea, as relações amorosas podem ser compreendidas de forma consciente ou inconsciente a partir da confluência como mecanismo de defesa ou como mecanismo neurótico, no intuito de atingir os objetivos do sujeito a partir da arte da conquista, facilitando o reconhecimento das semelhanças em outros sujeitos.
Deste modo, segundo Cardella (2002), é possível perceber a confluência atuando nas relações amorosas de forma mais efetiva. Contudo:
"[...] quando há confluência, as semelhanças são realçadas, enquanto as diferenças são experimentadas como ameaças, ou nem sequer percebidas. O indivíduo que conflui mistura-se, adere ao outro e em geral, estabelece relacionamentos de dependência, já que dificilmente experimenta diferenciação e discrimina a própria singularidade" (CARDELLA, 2002, p.58).
Para Cardella (2002), parece óbvio que há uma interdependência entre o funcionamento do sujeito e a confluência, mas somente é possível afirmar após uma análise minuciosa por parte do gestalt-terapeuta. Sob o ponto de vista da Gestalt-terapia, o sujeito pode vir a ter sofrimento psíquico, caso o mecanismo de defesa venha a se tornar patológico. Afinal, a confluência é também um dos mecanismos neuróticos, no qual o sujeito submete-se a se fundir com o outro ou com o meio, chegando a se confundir e não saber quais conteúdos são seus e quais são do outro.
As relações amorosas para Hansen (2010) podem ser um dos nortes do processo psíquico por serem tão genuínas. Desde o início da puberdade, período em que iniciam as novas descobertas físicas, biológicas, emocionais e existenciais, a relação amorosa torna-se uma possibilidade real. Há quem possa tentar fugir ou não pensar em fazer parte de uma relação amorosa, renunciando a escolha de uma eventual parceria, buscando outros quereres e prioridades, porém, é difícil deixar de pelo menos pensar na possibilidade de ter um alguém.
Sendo assim, será que é a toa que os parceiros são escolhidos? Por acaso? Por raciocínio lógico ou sorte? A resposta pode estar na busca pela própria vivência de uma relação amorosa. Dentro desse contexto, existem desejos conscientes e não conscientes que os sujeitos buscam satisfazer e realizar em suas escolhas amorosas.
Os mecanismos de defesa podem ou não servir para colaborar com a escolha amorosa:
"Isto é, para que a escolha se faça, geralmente, é necessário que afinidades se estabeleçam em função dos desejos e das defesas conhecidas ou não. Cada um, portanto, de modo geral, procurará escolher em função daquilo que deseja ou tema" (HANSEN, 2010, p.11).
Como bem nos assegura Hansen (2010), pode-se dizer que quando a relação está em um estado de confluência, pode levar os indivíduos à não diferenciação dos sujeitos, ocasionando a perda de si mesmos e um processo de simbiose. Neste contexto, fica claro que em uma construção de vínculo amoroso, as fronteiras individuais são desrespeitadas, podendo-se verificar que há uma relação pouco saudável ou até disfuncional. Porém o mais importante, é que os envolvidos possam constatar o mau funcionamento da relação e buscar, de forma criativa, ajustarem-se com outras possibilidades de ser, agir e existir na relação, por intermédio do auxílio de um gestalt-terapeuta.
A confluência na relação amorosa, para Lucca (2012), se dá a partir do cansaço, devido a um dos indivíduos em relação evitar o contato consigo mesmo, sem entrar em contato com o que acontece internamente, e desse modo acaba confluindo-se com o outro.
Portanto, conforme verificado, a complexidade do ser na relação amorosa possui como um dos mecanismos neuróticos a confluência, que transforma dois sujeitos em um, o que no começo do relacionamento pode ser saudável, porém conforme ocorra a cristalização e o não enxergar de possibilidades de ser, agir e existir em relação, provoca um adoecimento e sofrimento psíquico.
Os indivíduos, para obter uma relação amorosa saudável, necessitam entender a sua forma de se relacionar consigo mesmo e confrontar os medos existentes que mantem o casal com comportamentos cristalizados, deixando assim de lado as atitudes que não favorecem o livre fluxo do crescimento e desenvolvimento pessoal, relacional e conjugal.
Desta forma, o desempenho dos papéis empregados por cada indivíduo em relação pode vir a ser enrijecido, favorecendo apenas o estabelecimento de vínculos inautênticos ou parciais. Portanto:
"Exemplificando, a 'donzela' parte em busca de um 'herói', o 'filho' procura sempre uma 'boa mãe' e a relação entre dois seres humanos integrais torna-se inviável, impedindo a possibilidade de vivenciar o amor, quando o indivíduo permanece cristalizado na camada postiça" (CARDELLA, 1994, p.53).
O entendimento sobre a confluência como um dos mecanismos neuróticos existentes nas relações amorosas sob a perspectiva da Gestalt-terapia, pode ser percebido quando o casal se encontra em sofrimento psíquico e sem conseguir enxergar as possibilidades de ser, agir e existir na relação, devido à cristalização provocada pela própria confluência, gerando uma fusão dos dois indivíduos, não havendo a diferenciação das subjetividades dos sujeitos.
3 – A ATUAÇÃO DO GESTALT-TERAPEUTA NO ATENDIMENTO AOS CASAIS
A formação de um casal tem sua relevância a partir da compreensão do conceito de família, que para Landini (1998), é uma instituição complexa e dinâmica formada por uma ou mais pessoas, que desempenham determinados papéis representativos e que estão organizadas por um sistema, sofrendo mudanças constantes, obtendo variações culturais, sociais, econômicas e políticas.
Para Levenfus (2015), a família está relacionada com a diversidade, visto que há variações de possibilidades nas configurações familiares. Um casal já é considerado como sendo uma família, auferindo as nomenclaturas: nuclear/tradicional (heteroafetivo) e modernas/alternativas (homoafetivo e poliafetivo).
A formação de um casal, para Carrasco (2003), ocorre por meio de dois aspectos: o biológico, a partir da história da evolução do ser humano, que do ponto de vista científico, visa escolher com quem relacionar-se para a perpetuação da espécie; e o aspecto psicológico, que envolve a escolha do relacionamento a partir de emoções, sentimentos e desejos. Contudo:
"O casal, o par amoroso, é um mundo único, complexo, que nasceu da (e na) interseção das histórias de vida (de nascimentos, abandonos, amores, traições, ser homem, ser mulher, ser filho, ser pai) - portanto, da magia das ressonâncias dos significados que cada um traz na bagagem individual e familiar ao longo das gerações" (COLOMBO, 2004, p. 07).
Corroborando com Ferés-Carneiro (2003), o casal se constitui a partir da contínua oscilação entre os cônjuges, no qual um se torna a extensão do outro, ao tempo em que são diferentes. Desta forma,
"[...] ao falar em casal, refiro-me a qualquer dupla ou parceiro íntimo que pretendam uma vida em comum. Alguns dicionários definem casal como qualquer par de indivíduos que mantêm, entre si, uma relação amorosa e/ou sexual. Ampliando essa definição, chamo de família qualquer par com vida em comum que tenha laços sentimentais mesmo sem relacionamento sexual" (SILVEIRA, 2016, p. 147).
O modelo de casal heteroafetivo está definido como a relação entre pessoas dos diferentes gêneros masculino e feminino (DANTAS, 2011). Sendo assim,
"A maneira como homens e mulheres vivenciam as relações amorosas na heterossexualidade recebe forte influência da sociedade patriarcal, influência esta vinda através da educação dada a homens e mulheres e imposta pela sociedade, a qual educava os homens para serem vorazes e ativos no âmbito sexual e as mulheres para serem recatadas e passivas diante das práticas sexuais" (DANTAS, 2011, p. 5).
O modelo de casal homoafetivo pode ser definido como a relação entre pessoas do mesmo gênero, sejam eles, masculinos ou femininos (OSÓRIO, 2013). Desta forma:
"As relações homoafetivas nunca foram muito estáveis, chegando a ser consideradas promíscuas, marginas e até mesmo ilegais (em alguns países). Com a diminuição dos preconceitos sociais e o aumento da tolerância social com os homossexuais, as relações começam a ser mais estáveis, chegando mesmo a ser institucionalizadas, como os casamentos homoafetivos" (DIAS; SILVA, 2016, p. 149).
O modelo de relação poliafetiva, denominado também como poliamorosa, para Souza, Sanches e Donini (2015), é composto por mais de dois conviventes, independente do gênero. Pode sofrer variações em sua formação, como por exemplo: duas mulheres e um homem; dois homens e uma mulher; três ou mais homens; três ou mais mulheres e até formação de numerosos grupos.
Corroborando com Silvério (2014), esta relação poliafetiva pode não estar vinculado a um tipo de identidade de gênero específica, pois abrange relações heteroafetivas e homoafetivas, ou até mesmo biafetivas, nas quais um ou mais de um dos membros pode vir a sentir afeto para ambos os gêneros.
Trazendo a discussão para o campo dos mecanismos de defesa, podemos dizer que a confluência se faz presente em qualquer modelo de casal ou forma de relacionamento, seja heteroafetivo, homoafetivo ou poliafetivo. A confluência atua no casal de forma cíclica, promovendo a autoconscientização das relações do casal ou a interrupção de contato, tornando neurótica a forma do casal se relacionar.
O Gestalt-terapeuta, segundo Zinker (2001), ao atender casais, deve olhar para os problemas apresentados a partir da perspectiva holística, dando foco às experiências vivenciadas pelo casal e observando a forma de se relacionar das partes a partir dos seus limites e fronteiras de contato, identificando quais os mecanismos de defesa (por exemplo, a confluência) que o casal apresenta. É importante que o profissional permita o diálogo entre o casal e que perceba a forma de se comunicar, ao invés de se deter apenas ao conteúdo de sua fala.
Silveira (2016) aponta que o gestalt-terapeuta também deve se embasar na teoria de campo, na qual é possível observar o indivíduo influenciando a constituição de novos campos, assim como sendo influenciado pelos mesmos. Contudo:
"[...] afirmo que as teorias de campo são a base para a Gestalt-terapia de Casal e de Família. As noções de totalidade e de interdependência propagadas por tais teorias, sobretudo pelas mais atuais, permitem uma prática bem sustentada. Ao atender famílias ou casais, embora seja tentador coloca o foco no sintoma, na queixa, sem descartar esses aspectos apreciamos o todo em movimento" (SILVEIRA, 2016, p. 143).
Segundo Zinker (2001), um casal busca fazer terapia para buscar compreender os seus conflitos e tentar resolvê-los de forma dialógica. Isso ocorre quando os demais recursos já se esgotaram, dando continuidade no sofrimento, a dor, a insatisfação ou o funcionamento não saudável na relação.
O Gestalt-terapeuta, para Silveira (2016), ao ter o primeiro contato com o casal, deve ter cuidado ao expressar-se, pois neste momento faz-se necessário que haja o acolhimento do casal, a observação do movimento de interação deste, assim como utilizar de sua percepção como terapeuta para identificar não somente os sintomas, mas sim o casal como um todo e em sua relação. Desta forma:
"Cada casal ou família chega com seus gestos, posturas, particularidades; escolhe onde se sentar; fala ou silencia; expressa concordância ou discordância em relação aos outros membros, comunicando com sua maneira de chegar muito do que está acontecendo" (SILVEIRA, 2016, p. 143).
Trazendo a discussão para a atuação gestalt-terapeuta com casais, deve-se ter cuidado e atenção com a chegada dos clientes, visto que diante dos motivos, demandas e sintomas expostos ao terapeuta, o mesmo devem ter uma atitude profissional, não tomando partido de um ou de outro durante o encontro.
A entrevista inicial com casais, para Pinto (2015), promove continuidade ao primeiro contato e tem como finalidade, dar início ao processo terapêutico, começando bem antes do encontro físico, a partir das “fantasias” imaginadas pelo casal, visto que a psicoterapia é um dos recursos que o casal busca para solucionar suas questões amorosas. Portanto:
"Já de início é bom lembrarmos que, quando falamos em primeira entrevista, não necessariamente estamos nos referindo a um único encontro, mas a um conjunto de sessões que permitirão que o terapeuta e cliente se conheçam e estabeleçam o 'se' e o 'como' de um processo terapêutico - isto é, se existe a necessidade de terapia, se ela deve ser feita com aquele terapeuta e como poderá ser desenvolvida" (PINTO, 2015, p. 9).
O contrato terapêutico com casais, para Karwowski (2015), tem seu início concomitante à entrevista inicial, visto que para o casal, assim como para o terapeuta, há a necessidade de verificar a possibilidade da continuidade do processo terapêutico, partindo para a negociação sobre o local, dia e horários do atendimento, duração dos encontros; assim como, valor do investimento, periodicidade, reajustes, atrasos, não comparecimento; estabelecimento da aliança terapêutica e o sigilo profissional.
A formalização do contrato, seja ele verbal ou por escrito, para Silveira (2016), é um momento de aprendizagem, visto que a dificuldade expressada pelos casais em fazer acordos, o significado do dinheiro, as relações de submissão e poder, hierarquias, regras, assim como as prioridades, se tornam expostas e são colocadas em evidência.
Quanto aos recursos utilizados com casais, para Figueroa (2015), o gestalt-terapeuta deve estar atento às características que o casal lhe apresenta em seu modo de discursar; seu modo singular de ser e agir, suas formas de sofrimento, assim como observar as interrupções de contato, descontinuidades e hesitações, para que seja deliberada a tomada de decisões quanto aos exercícios, vivências e experimentos utilizados na psicoterapia de casal.
Um dos recursos que é considerado importante, porém em determinados momentos passa despercebido tanto para os casais, quanto para o próprio terapeuta, é o espaço terapêutico. Para Silveira (2016), este recurso deve ser um lugar privilegiado, promovendo a potencialidade do casal no que diz respeito às suas falas, olhares, expressões corporais, toques e também a vitalidade do mesmo.
O casal, segundo Zinker (2001), pode chegar à clínica com diversas resistências, na qual o terapeuta deve identificar qual o tipo da resistência para realizar as devidas intervenções. As intervenções podem ser baseadas no uso de experimentos, como por exemplo: cadeira vazia, trabalho corporal, a dramatização, a amplificação, a fantasia dirigida, o relaxamento, entre outros.
Trazendo a discussão para a atuação do terapeuta com casais que apresentam a confluência, faz-se necessário que o mesmo venha a observar como o casal apresenta suas demandas. A utilização dos recursos necessários, a partir da prática de exercícios, vivências e experimentos propostos ao casal, promove que o mesmo venha a ter e usufruir, na prática, da presentificação e do processo contínuo de conscientização (“awareness”). Contudo, tais recursos como
"[...] acolhida, respeito às diferenças, clareza de fronteiras, capacidade de observar e intervir no todo, humildade, segurança, confiança no potencial do casal e da família para mudar, estar junto sem impor, liberdade para perceber o processo, versatilidade, criatividade, coragem, capacidade de trabalhar com a forma e favorecer a “boa forma” são recursos que um terapeuta deve estar sempre desenvolvendo, visto que, para além da técnica, existe um estado de arte nos encontros realizados no campo da família e/ou casal e terapeuta" (SILVEIRA, 2016, p. 163).
Conforme Zinker (2001), o terapeuta precisa utilizar como recurso a observação do casal que vivencia a situação de confluência. Deve permitir que algo se torne figura, que por intermédio deste processo, possa fazer a intervenção, promovendo a “awareness” do casal; caso isto não ocorra, o terapeuta deve criar experimentos que promovam a exposição do casal à uma nova experiência, vivência ou até mesmo a um novo comportamento.
No caso da confluência, o casal tende a se tornar fundido e unificado em suas ações, assim como na forma de pensar e agir, que por sua vez, pode ser considerada saudável, até que haja um processo de repetição, impedindo o bom funcionamento da relação do casal, causando uma interrupção de contato e se tornando uma resistência neurótica.
É importante que o Gestalt-terapeuta propicie momentos de reflexão sobre os momentos de individualidade de cada membro do relacionamento e os momentos da relação do casal, podendo refletir sobre as potencialidades e as dificuldades no dinamismo destes momentos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O desenvolvimento deste artigo permitiu constatar a atuação da confluência como um dos mecanismos de defesa apresentados pelos sujeitos em suas relações amorosas na contemporaneidade, assim como, a descrição da psicoterapia de casal na perspectiva da Gestalt-terapia.
A confluência, ao entrar em ação, provoca a perda da individualidade dos sujeitos durante a relação amorosa, causando uma fusão quanto aos conteúdos e maneiras de agir dos sujeitos em se relacionar. Esta unificação pode ser um funcionamento saudável diante das contingências do casal; contudo, quando há uma repetição e o engessamento deste funcionamento, ocorre a interrupção deste contato, causando a neurose, na qual a confluência passa a gerar sofrimento psíquico.
Ao visualizar o processo de Gestalt-Terapia com casais, torna-se evidente que a saúde e o “bem-estar” psicológico do casal deve ser promovido através da atuação do psicoterapeuta; por intermédio de experimentos, que possibilitem reviver a situação inacabada no momento atual, como possibilidade de ressignificá-la. Para o funcionamento da psicoterapia de casal, é necessário que o gestalt-terapeuta possa propiciar o acolhimento do casal, a observação dos motivos e sintomas, a escuta da demanda, a primeira entrevista, o contrato terapêutico e o estabelecimento da relação terapêutica com o casal.
Ao conduzir a presente pesquisa, tornou-se evidente que a Gestalt-terapia é de suma importância para a condução do processo de psicoterapia de casal, visto que as suas correntes filosóficas, como as teorias de campo, teorias holísticas e teorias organísmicas embasam epistemologicamente e cientificamente a atuação do profissional.
Diante do exposto, reforça-se a ideia de que a dificuldade que os sujeitos encontram, quando se trata das relações amorosas, pode ser trabalhada na psicoterapia de casal por um profissional qualificado, desde que o casal esteja disposto e consiga aderir ao processo psicoterapêutico.
O presente artigo faz-se importante devido à sua contribuição para a literatura do conhecimento científico, auxiliando a comunidade acadêmica interessada no tema em questão, no qual é possível verificar a atuação da confluência como um mecanismo de defesa nas relações amorosas à luz da Gestalt-terapia.
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NOTAS
* Antônio de Pádua César Freire: Graduado em Psicologia pelo Centro Universitário do Ceará. Pós-Graduado sob o Título de Especialista em Docência no Ensino Superior pelo Centro Universitário Barão de Mauá. Graduado em Gestão de Recursos Humanos pelo Centro Universitário Estácio do Ceará.
** Deyseane Maria Araújo Lima: Psicóloga. Formação em arteterapia. Formação em Gestalt-terapia. Formação em gestalt-terapia com crianças e adolescentes. Formação em Gestalt-Terapia com famílias e casais. Especialização em Educação à Distância (SENAC) e Educação Inclusiva (UECE). Mestre em psicologia. Doutora em Educação. Professora da graduação e pós graduação em psicologia.
Endereço para correspondência
Antônio de Pádua César Freire
Endereço eletrônico:paduafreirepsi@gmail.com
Deyseane Maria Araújo Lima
Endereço eletrônico:deyseanelima@yahoo.com.br
Recebido em: 30/06/2017
Aprovado em: 25/12/2017