ARTIGO

A inclusão de alunos com deficiência intelectual no ensino regular: Repensando a prática docente

The inclusion of students with intellectual disabilities in regular education: Rethinking the teaching practice

Flávio Aparecido de Almeida*

UCAM - Universidade Cândido Mendes, Rio de Janeiro - RJ.

Endereço para correspondência

 


RESUMO

A pesquisa tem como objetivo investigar o processo de inclusão dos educandos com deficiência intelectual (DI) na rede regular de ensino, assim como as práticas pedagógicas dos educadores frente à questão e as maiores dificuldades encontradas por eles que impedem que a inclusão seja uma realidade na escola brasileira. Este trabalho procurou descrever as principais características que envolvem o aluno com DI, assim como as práticas e ações pedagógicas voltadas para esta clientela. A pesquisa contou com autores como: Santos (2006); Mazzotta (2009); Januzzi (2012), dentre outros. Diante do desafio que é a implantação da Escola Inclusiva, se faz necessário a revisão do papel do professor, assim como a visão que estes possuem do aluno com DI, além das metodologias adotadas pela escola.

Palavras-chave: Deficiência intelectual; Contexto escolar; Políticas de inclusão.


ABSTRACT

The research aims to investigate the process of inclusion of students with intellectual disabilities (ID) in the regular network of education, as well as the pedagogical practices of educators on the issue and the greatest difficulties encountered by them that prevent that inclusion be a reality in Brazil. This work sought to describe the main characteristics that involve the student with ID, as well as the pedagogical practices and actions directed to this clientele. The research had authors such as: Santos (2006); Mazzotta (2009); Januzzi (2012), among others. Given the challenge of implementing the Inclusive School, it is necessary to review the role of the teacher, as well as the vision they have of the student with ID, in addition to the methodologies adopted by the school.

Keywords: Intellectual disability; School context; Inclusion policies.

 

Introdução

A inclusão do aluno com deficiência intelectual (DI) tem sido uma temática bastante enfatizada nas escolas brasileiras, além de ser motivo de exclusão. Grande parte dos professores se sentem inseguros por não saberem lidar com estes alunos, além de encararem o aluno com DI como representação de negatividade.

Um grande número de alunos com DI acaba apenas por ocuparem espaço na escola, representando um número a mais, sem realmente serem incluídos. Desta forma, as diferenças não são respeitadas, seus direitos são negados e sua capacidade de aprendizagem extinta.

Sendo assim, as questões norteadoras desta pesquisa são: Que estratégias podem ser trabalhadas pelos professores com os alunos com DI para que possam se desenvolver? Que ações a escola pode realizar para incluir os alunos com DI?

A inclusão necessita transformar-se numa realidade nas escolas, cabendo ao professor ser um instrumento de mudança frente a este processo. Caberá a ele contribuir através de práticas e ações que possam desmistificar o aluno com DI, demonstrando que este aluno pode construir sua própria aprendizagem se suas limitações forem respeitadas e tiver o estímulo necessário para se desenvolver.

Diante deste contexto, a pesquisa busca investigar o processo de inclusão dos educandos com deficiência intelectual na rede regular de ensino, assim como as práticas pedagógicas dos educadores frente à questão, e as maiores dificuldades encontradas por eles que impedem que a inclusão seja uma realidade em muitas escolas brasileiras.

A pesquisa justifica-se por contribuir para a ressignificação do trabalho voltado para a inclusão na escola, demonstrando que é possível a construção de uma educação igualitária, que saiba trabalhar com as diversidades e que isente de sua prática o preconceito.

 

Desenvolvimento

Buscando na história da educação informações significativas sobre o atendimento educacional das pessoas com deficiência, pode-se constatar que, até o século XVIII, a visão a respeito da deficiência tinha base científica para o desenvolvimento de noções realísticas (PESSOTI, 2008). O conceito de diferenças individuais não era compreendido ou avaliado. As noções de democracia e igualdade eram ainda meras centelhas na imaginação de alguns indivíduos criadores. Acrescenta-se que a falta de conhecimento sobre as deficiências em muito contribuiu para que as pessoas com deficiência fossem marginalizadas e ignoradas.

A própria religião, segundo aponta Mendes (2002) com toda sua força cultural, ao colocar o homem como "imagem e semelhança de Deus", proporcionou uma visão errônea, pois, sendo parecidos com Deus, as pessoas com deficiência eram postas à margem da condição humana, vivenciando uma total segregação.

Durante muitos anos esta imagem persistiu e as mudanças em relação à exclusão sofrida por estas pessoas vêm aos poucos sendo modificada na sociedade, por meio de mais acesso à informação e com conhecimento mais profundo dos direitos destas pessoas além dos avanços que o processo inclusivo vem conquistando.

Apesar de algumas mudanças terem sido efetivadas, a pessoa com deficiência enfrenta uma árdua batalha para que sua aceitação possa ser realizada, seja ela no trabalho, no meio social ou na educação.

Dentre as deficiências uma que se sobressai é a deficiência intelectual1, considerada uma das mais identificadas no contexto escolar. Observa-se que os professores estão encontrando dificuldades para trabalharem com os alunos com DI, além de total despreparo que impera em nossas escolas frente ao trabalho com esta clientela. Diversas vezes a culpa por não conseguirem trabalhar com estes alunos recai na formação inconsistente recebida nas universidades, outras vezes pela falta de aparatos existentes nas escolas, ou na inexistência de formação continuada, além de falta de participação das famílias no processo ensino e aprendizagem.

Assim, a exclusão vem se fortalecendo e os alunos com DI são deixados de lado, rotulados, e a oportunidade de desenvolver suas habilidades e explorar situações onde possam construir sua identidade é abortada. Segundo Mazzotta:

"Historicamente, a pessoa com deficiência intelectual (DI), sempre ocupou o lugar da diferença, de singularidade de quem é desviante. Mas sempre foi direcionado ao sujeito características que delegaram a deficiência como algo pertencente a si e determinando-lhe um lugar específico, o lugar do estranho, do diferente, sendo desacreditadas socialmente, reduzidas a uma falta (a falta de inteligência), e inscritas numa espécie de destino pré-determinado" (MAZZOTTA, 2009. p. 31).

A falta de contato entre pessoas sem deficiência e pessoas com deficiência é considerada um dos determinantes do preconceito. O preconceito é definido por Amaral (1998) como um "filtro à percepção", que modela os sentidos fazendo com que não se perceba a totalidade do objeto real. Assim, as informações e conceitos formados acerca de algo ou de alguém, são refletidos nas relações com os estereótipos e não com as pessoas.

O contato com pessoas com deficiência intelectual geralmente não é propiciado na maioria dos ambientes sociais. Quando ocorre, geralmente não há qualquer preparo prévio dos envolvidos, o que pode prejudicar toda interação devido às dificuldades em lidar com as diferenças significativas.

Há um problema que não é apenas de informação, mas a própria formação dos homens sobre tal questão. Ocorre um acúmulo progressivo de informações inadequadas sobre a deficiência que todos recebem desde a infância. Logo, a forma mais eficaz de combater o preconceito é impedindo que ele se instale ainda na infância e para isto, é necessário o acesso a informações adequadas.

Januzzi (2012) enumera as implicações da falta de informações sobre a deficiência intelectual e destaca entre elas o aumento da superstição e de preconceitos que se mantêm entre familiares, instituições e sociedade em geral, ocultando os problemas e dificultando a busca de soluções para os mesmos.

O estigma não se desfaz necessariamente com o contato, pois este pode ser usado para confirmar antigas teorias, conhecimentos ou crenças prévias. Isso pode ocorrer especialmente se as relações estabelecidas forem assimétricas. Aspectos da realidade que contrariam antigas crenças podem ser interpretados como exceções ou extensão da doença, negação.

Para Santos:

"Historicamente a ideia de encarar o preconceito como um construto científico emergiu apenas ao longo dos anos 20, relacionando principalmente à questão racial. Até então, e basicamente durante o século XIX, quase toda comunidade científica americana e européia não se preocupava com a questão porque partia da premissa de que realmente havia diferenças entre as raças, que seriam umas inferiores a outras. Logo, falar de preconceito racial não tinha nenhum significado especial" (SANTOS, 2006. p. 146).

Assim não é possível estabelecer um conceito unitário de preconceito, pois ele tem aspectos constantes (que dizem respeito a uma conduta rígida frente a diversos objetos) e aspectos variáveis (que remetem às necessidades específicas do preconceituoso) sendo representadas nos conteúdos distintos atribuídos aos objetos.

De acordo com Mitter (2003) no ano de 1992 a American Association on Mental Retardation (AAMD), que a partir de 2007 passou a se chamar AAIDD (Associação Americana de Deficiências Intelectual e de Desenvolvimento) reformulou a definição de deficiência intelectual, introduzindo mudanças e o reconhecimento da relevância do ambiente sobre o funcionamento do indivíduo. Além disso, a questão do diagnóstico não se restringe ao indivíduo, pois implica uma avaliação do ambiente e das necessidades deste indivíduo para que melhore sua qualidade de vida na comunidade em que se encontra inserido.

Uma das consequências resultantes dessa nova definição do fenômeno da deficiência intelectual foi o questionamento em torno de objetivos, da estruturação e do planejamento do atendimento educacional oferecido à pessoa com déficit cognitivo. Tais questionamentos se fizeram devido ao fato de que essa nova definição passou a enfatizar mais os aspectos da interação social e da conduta adaptativa presentes na vida da pessoa do que os fatores orgânicos e etiológicos da deficiência.

Observa-se, portanto, que a inclusão de crianças com DI no sistema escolar tem acarretado inúmeros questionamentos e dúvidas em relação não apenas à socialização, mas principalmente à capacidade de aprender que estes alunos têm. As angústias dos educadores são legítimas, devem ser ouvidas e problematizadas. É também fundamental conhecer a forma como os professores concebem o trabalho com o aluno com deficiência intelectual e quais saberes são mobilizados na prática pedagógica com esse aluno.

Mazzotta (2009) enfatiza a necessidade de que se observe não apenas o direito à educação das pessoas com deficiência, mas também o direito a oportunidades educacionais. Isto implica a necessidade da outra concepção de educação, de currículo, e uma organização didática para que a escola regular tenha como função atender a todos os alunos com deficiência em sistema regular de ensino.

Mas, para reconhecer e assumir a diversidade, há que desalojar o estatuído e refletir em termos de certo paradoxo na percepção do outro, na medida em que o reconhecemos diferente, diverso, mas ao mesmo tempo, igual em direitos, deveres, anseios, necessidades e valor.

A implantação e implementação do atendimento pedagógico de que todas as crianças necessitam exige a ressignificação das diferenças, entendendo-se que educar para a diversidade não é o mesmo que diversificar a educação criando-se um subsistema de educação especial, como modalidade dissociada do sistema regular de ensino (VASCONCELOS, 2004).

É necessário que algumas reflexões sejam realizadas, tais como: adequações e adaptações em relação ao currículo, sistema de avaliação, participação da família, qualificação da equipe, formação dos professores, além de uma nova visão sobre a deficiência.

Quando se fala de adequações curriculares estamos falando de estratégias de planejamento e atuação docentes, e nesse sentido, de processos criativos para remover as barreiras de aprendizagem. 

Quanto à atuação pedagógica voltada para o deficiente intelectual, o professor deverá partir de uma aprendizagem organizada, buscando motivar a aprendizagem e criando atividades onde possam ser trabalhadas as relações interpessoais levando o aluno com deficiência intelectual a se sentir integrado e apto a comunicar-se com aqueles que o rodeiam. Assim, ele estará se tornando autônomo para enfrentar as situações cotidianas. Além de contribuir para que o aluno adquira destreza, desenvolva sua capacidade afetiva, corporal e também sua linguagem.

 

Conclusão

Diante de tudo que foi abordado no decorrer da pesquisa, acredita-se que a escola precisa se preparar para a inclusão. A realidade encontrada está distante de transformar-se num espaço inclusivo. É preciso mudar mentalidades para depois mudar práticas enraizadas e espaços físicos.

É necessário que o professor obtenha informações sobre a deficiência intelectual para poder melhor compreender o aluno, suas reações, seu comportamento, seus gostos e habilidades, para que dessa forma possa organizar as atividades de forma que contribua para seu desenvolvimento holístico. Caberá ao professor estar em constante aperfeiçoamento, buscando embasamento teórico que possa subsidiar sua prática didática proporcionando metodologias e estratégias criativas, dinâmicas e que contribuam para o desenvolvimento da autonomia por parte dos alunos, com ou sem deficiência.

Sabemos que esta tarefa não é fácil de ser discutida, pois discutir significa perceber que a formação profissional se encontra envolta de concepções tradicionais, que marcaram a história educacional fazendo com que as práticas pedagógicas adotadas não mais se adaptem às necessidades imediatas da população brasileira. Eis um desafio que precisa ser superado no cotidiano das escolas.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AMARAL, L. A.Pensar a diferença/deficiência. Brasília, Corde, 1998.

JANUZZI, G.A luta pela educação do deficiente mental no Brasil. São Paulo: Cortez, 2012.

MAZZOTTA, M. J. S. Educação Especial no Brasil: História e Políticas Públicas. São Paulo: Cortez, 2009.

MENDES, E. G. Deficiência mental: a construção científica de um conceito e a realidade educacional. 1995. Tese de Doutorado.Universidade de São Paulo, São Paulo.

MITTER, P. Educação inclusiva: contextos sociais. São Paulo: Artmed, 2003.

PESSOTI, I. Deficiência Mental: da superstição à ciência. São Paulo: EDUSP, 2008.

SANTOS, M. P. Educação inclusiva e a Declaração de Salamanca: consequências ao sistema educacional brasileiro. Revista Integração, n. 22, p. 34-40, 2002.

VASCONCELOS, M. M. Retardo mental. Jornal de pediatria. Porto Alegre, v. 80, n.2, p.71-82, 2004.

 

NOTAS:

* Flávio Aparecido de Almeida - Psicólogo (FAMINAS). Graduado em Filosofia (PUC-Minas). Pedagogo (FINOM). Neuropsicólogo (UCAM). Especialista em Psicopedagogia Clínica e Institucional (UCAM). Especialista em Gestão em Saúde Mental (UCAM).
1 Por recomendação da Organização das Nações Unidas (ONU), em 2006 o termo Deficiência Intelectual (DI) substitui Deficiência Mental a fim de evitar confusões com Doença Mental (que é caracterizada por um estado patológico onde as pessoas têm o intelecto igual à média, mas por algum problema, acabam temporariamente sem usá-lo em sua plena capacidade).

 

Endereço para correspondência
Flávio Aparecido de Almeida
Endereço eletrônico:flavio.a.almeida@hotmail.com

 

Recebido em: 20/12/2016
Aprovado em: 24/06/2020