ARTIGO
Reflexões sobre a internet à luz da Gestalt-terapia
Reflections on the internet in the light of Gestalt therapy
Fabrício Siqueira Basso*
Setting Centro de Psicologia Clínica
RESUMO
Atualmente, mais do que outrora, estamos envolvidos com a internet e seus reflexos em nossas vidas. Sejam através dos discursos na clínica (tradicional ou ampliada), na maneira como somos contatados e contatamos para a primeira consulta ou durante o processo terapêutico, ou até mesmo em nossos próprios discursos e gestos na vida, é importante entendermos a internet como um dado pertencente a um campo em que há um ajustamento, um laço social. Esta nova maneira de se situar e se comunicar no mundo implica o clínico neste processo, colocando-o e exigindo-o um posicionamento. Sob a ótica da Gestalt-terapia busco neste artigo abordar questões que surgem ao levantar tal problematização.
Palavras-chave: Contato; Internet; Ajustamento criativo; Gestalt-terapia.
ABSTRACT
Today, more than ever, we are involved with the internet and its reflections in our lives. Whether it is through the speeches in the clinic (traditional or extended), in the way we are contacted and contacted for the first consultation or during the therapeutic process, or even in our own speeches and gestures in life, it is important to understand the internet as A data belonging to a field in which there is an adjustment, a social tie. This new way of situating oneself and communicating in the world implies the clinician in this process, placing it and demanding it a positioning. From the perspective of Gestalt therapy I seek in this article to address issues that arise when raising such problematization.
Keywords: contact; internet; creative adjustment; Gestalt-therapy.
Introdução
Nos tempos hodiernos, mais do que outrora, estamos envolvidos, às voltas com os reflexos da internet em nossas vidas. Não seria diferente na clínica (tradicional ou ampliada). Casos de sofrimento ético-político e antropológico, preconceitos diversos, ajustamentos de todo o tipo nos chegam envolvendo a internet (inclusivos, banais, antissociais, evitativos e de busca).
É mister refletirmos sobre as mudanças pragmáticas que esta tecnologia nos impõe. Estamos implicados com ela de várias maneiras, sejam nos discursos do consultório, na maneira como somos contatados e contatamos (para a primeira consulta ou durante o processo terapêutico), ou até mesmo em nossos próprios discursos e gestos na vida.
Entendendo a internet como um dado virtual1 participante de um laço social realizado por nós, sujeitos com-plexos, inter-relacionais, busco refletir neste artigo sobre alguns pontos que considero importante neste enlace: suas implicações, como ocorre, e questionamentos diversos sobre o desdobramento de tal ato/nó em diversos contextos.
Discorro sobre temas que a envolve em: ajustamentos antissociais, sofrimento ético-político e antropológico, ajustamentos evitativos, ajustamentos banais, modalidades de prática clínica virtual, enfim, situações que implicam o(a) Gestalt-terapeuta nela e o(a) coloca/exige um posicionamento.
Não procuro desenvolver este artigo para encontrar, tampouco dar, explicações, mas sim para levantar questões e apontar lugares deste nosso envolvimento no mundo em transformação.
PROBLEMATIZAÇÃO
O acesso à internet nos possibilitou ampliar vários limites, sendo o principal deles: o físico. Podemos ter acesso a pessoas de todo o mundo, nos relacionar com elas por voz, texto ou videoconferência, conversar, divertir, jogar, criar vínculos, fazer amizades, namorar, fazer sexo “virtual”, aprender, trocar, agredir, machucar e se machucar, cometer crimes, etc.; temos acesso a informações variadas de quase tudo, nos formatos de textos, imagens e vídeos; podemos realizar atos virtuais considerados legais como: pagar contas, realizar compras, contratar, consultar, acessar contas de bancos, etc. Enfim, podemos fazer quase tudo que poderíamos fazer fora dela, e tudo isso sem sair de casa ou em qualquer lugar e a qualquer hora.
Conseguimos transcender algumas barreiras físicas, espaço-temporal. Praticamente não há morte na internet. Em certa medida transcendemos nossa condição mortal. Outra faceta da internet é a de uma memória quase que eterna e infinita, estando disponível a todo o momento e a todos, bastando apenas uma atualização (um ato). Entretanto, com a entrada da internet – de uma maneira mais impetuosa e massiva na atualidade -, e as suas possibilidades, também vieram algumas transformações em nossas vidas, como a maneira de se comunicar, de se relacionar com o outro e com si mesmo.
Compartilhamos coisas que, na maioria das vezes, não nos exigem esforço de expressão, e muitas vezes, nem de compreensão por parte do leitor tampouco do “falante virtual”. O que se passa?
Estamos diante de uma questão social, de uma transformação em nossas relações devido a esta massiva e impetuosa influência da internet no estilo de nossas vidas. Obviamente esta transformação é acompanhada por um viés econômico: a mercantilização das informações. Conforme Chaui (2014 e s/d), esta transformação foi-nos apontada nos estudos de David Harvey e Garcia dos Santos. A saber, respectivamente, pela nova forma do capital, a globalização, que é determinada pelo capital financeiro, o que o torna desagregador e fragmentário do universo do trabalho produtivo; bem como, pela maneira que este mesmo capital globalizado opera: com apenas uma única mercadoria, a informação.
Além deste viés econômico, do qual não será o foco de meu artigo, a questão com a qual me ocupo está neste novo modo de vida - talvez não tão novo, porém mais presente. Não se trata de se posicionar contra esta tecnologia, ou este novo modo de vida que, inclusive, estou utilizando-a para poder me expressar e criar sentido. Trata-se, porém, de pensar sobre esta nova maneira de se comunicar, relacionar-se com o outro, com si próprio, com os objetos, o íntimo, o privado, o mundo, enfim, esta nova maneira de se situar.
Conforme Levy (1999), a palavra virtual deriva do latim “virtus”, que significa força, potência. E, é necessário corrigir a noção que temos do senso comum sobre o virtual. Pelo senso comum, enganosamente confrontamos virtual – como aquilo que não existe, ou é artificial - com o real – como aquilo que de fato existe. Entretanto, o virtual, segundo a tradição filosófica, se opõe ao atual. O virtual é aquilo que existe em potência e não em ato, sua tendência é atualizar-se. Por exemplo, uma árvore está virtualmente presente na semente. Virtual e atual não são contraditórios, mas sim modos diferentes de ser. Já o real é o que de fato existe.
Também é importante destacar que o autor em tela diferencia “possível” de “virtual”. “O possível já está todo constituído (...) é exatamente como real: só lhe falta a existência”, algo que o faça sair do limbo, da condição fantasmática. Contrariamente à condição estática e já constituída do possível, “(...) o virtual é como o complexo problemático, o nó de tendências ou de forças que acompanham uma situação, um acontecimento, um objeto ou uma entidade qualquer, e que chama um processo de resolução: a atualização” (p. 16)
Porém, com a revolução da cibernética e da informática, e o advento da cibercultura como resultado destas, mudou-se o conceito de virtual para algo real e já existente, possível de ser atualizado - infinitamente. Mais ainda, é algo que existe sem poder ser localizado no tempo (acrônico) e no espaço (atópico) determinado. (CHAUÍ, 2014)
Isso significa que pessoas de qualquer parte do mundo, a qualquer momento ou ao mesmo tempo - quase que em tempo real, sem prejuízos de fusos horários -, e em qualquer quantidade, “(...) se coordenem, cooperem, alimentem e consultem uma memória comum” (LEVY, 1999, p.49)
Destarte, a virtualização do ciberespaço substituiu o núcleo da experiência humana - a presença -, por processos de coordenações atópicos e acrônicos. (CHAUÍ, 2014)
Chauí (s/d) desenvolve este ponto de vista apoiada nos trabalhos dos autores Paul Virillo e Maria Rita Kehl e Eugênio Bucci que, segundo a sua interpretação,
“(...) mostram que o olhar instituído pela mídia nada tem em comum com a experiência perceptiva do corpo próprio, uma vez que os meios de comunicação destroem nossos referenciais de espaço e tempo, constituintes da percepção, e instituem-se a si mesmos como espaço e tempo – o espaço é o “aqui” sem distâncias, sem horizontes e sem fronteiras; o tempo é o “agora” sem passado e sem futuro” (p.14).
Mas isto, a internet, não será antes obra da transformação tecnológica? Vejamos o que Walter Benjamin tem a nos dizer.
A INTERNET COMO PRODUTO DA REPRODUTIBILIDADE TÉCNICA
Walter Benjamin, em seu artigo intitulado: “A obra de arte na era da sua reprodutibilidade técnica” (1955), nos dá algumas pistas acerca do processo transformador que a reprodução técnica nos impõe2.
A história da obra de arte é marcada de maneira significante pela reprodução técnica. Esta, era praticada por discípulos nos aprendizados, pelos mestres para difusão de suas obras, e por terceiros interessados no lucro.
Segundo Benjamin (1955), a história do processo técnico de reprodução se deu pela primeira vez com a xilogravura, passando por outros processos como a “estampa em chapa de cobre e água-forte”, mas foi somente a partir da litografia no início do século XIX é que a técnica obteve um processo mais preciso e novo, pois “permitiu às artes gráficas pela primeira vez colocar no mercado suas produções não somente em massa, como já acontecia antes, mas também sob a forma de criações sempre novas”, dando liberdade assim para produzir imagens atuais, diárias. Contudo, apesar do salto que a litografia deu, foi somente com a entrada da fotografia que este processo técnico sofreu uma mudança drástica: “Pela primeira vez no processo de reprodução da imagem, a mão foi liberada das responsabilidades artísticas mais importantes, que agora cabiam unicamente ao olho”. Começou-se a conduzir o olhar. A construir uma instrução determinada para o movimento.
Contextualizando e reproduzindo o que disse Benjamin (1955): “Se o jornal ilustrado estava contido virtualmente na litografia, o cinema falado estava contido virtualmente na fotografia”, faço através da técnica atual, um computador, o próprio elemento contido virtualmente na litografia e na fotografia.
Na reprodução tecnológica de uma obra de arte, tal qual a reprodução de uma imagem animada na tela de um computador (como uma foto, ou um site), nota-se a perca de um elemento deveras importante: “o aqui e agora”, “sua existência única”. E é somente neste lugar, nesta existência única que se descobre a história e os rastros do trajeto original daquilo que se apresenta. Nas palavras de Benjamin (1955):
“Generalizando, podemos, dizer que a técnica da reprodução destaca o domínio da tradição (d)o objeto reproduzido. Na medida em que ela multiplica a reprodução, substitui a existência única da obra por uma existência serial. E, na medida em que essa técnica permite à reprodução vir ao encontro do espectador, em todas as situações, ela atualiza o objeto reproduzido.”
Ao mesmo tempo em que se dá a possibilidade de criação, atualização, ela retira da criação a sua história e materialidade original. Seu valor cultivado é a da “perfectibilidade”; sua característica é a “transitoriedade e a repetibilidade” (BENJAMIN, 1955). Ou seja, uma espécie de reprodução artificial, estática, sem história viva. Afinal, não somos perfeitos, sofremos a ação do tempo e da matéria, percebemos o mundo de uma maneira bem peculiar e limitada; de tal modo, que toda criação é sempre original e nova ao mesmo tempo, somos movimento.
Ao nos relacionarmos com alguém pelo computador ou pelo celular, por exemplo, não estamos diante de uma pessoa, ou um público, de carne e ossos, há apenas nós mesmos e um aparelho tecnológico reprodutor. E, por assim nos relacionar, utilizamo-lo como tal, editamos, alteramos o mais original do que foi reproduzido como se estivéssemos mexendo com algo artificial, uma criação tecnológica que, aliás, nos identificamos com tal artificialidade. Nos con-fundimos com a máquina.
A reprodutibilidade técnica possibilita à massa certa autonomia e notoriedade. Deu-se palco e voz à massa, antes possibilidade apenas de poucos como os detentores de mídias televisivas, impressas e de rádios, agora é “Coisa de todos”. “Com isso a diferença essencial entre autor e público está a ponto de desaparecer. Ela se transforma numa diferença funcional e contingente. A cada instante, o leitor está pronto a converter-se num escritor” (BENJAMIN, 1955)
Ora, salvo os recursos necessários para acessá-la como o financeiro e a cobertura local concedida por uma empresa tecnológica, a internet se apresenta também com uma característica heterogênea e acessível. Porém, por termos acesso a ela através de uma tecnologia reprodutora - fragmentada do ponto de vista das experiências perceptivas e destituídas de sua origem material-histórica -, acabamos perdendo contingências do fazer.
Há uma concordância, tanto em Chauí (2014) quanto em Benjamin (1955), em que a reprodutibilidade técnica nos permite reproduzir de maneira não original, mas de maneira artificial o tempo e o espaço. O contexto, a situação e a apresentação, o mostrar-se de maneira direcionada e fragmentada são algumas das características apontadas pelos autores em tela. Pintamos-nos, nos fotografamos, a utilizamos como “a ótica objetiva de uma câmera” faz, nos fazemos, reproduzimos tecnologicamente de maneira não originais.
Quais as consequências que esta experiência poderá nos trazer? O que a Gestalt-terapia pode nos orientar sobre o virtual? Antes de respondermos a estas perguntas, é preciso entender o conceito de contato e “awareness” em Gestalt-terapia.
O CONTATO EM GESTALT-TERAPIA
O virtual, a internet, se apresenta como um potencial quase que inesgotável. Podemos ser quem quisermos, encontramos nela dados o suficiente para servir a função de ego (já atravessada por um excitamento, pela função id) em seu processo de identificação e alienação.
Conforme a definição descrita por PHG (1951), Função Id
“(...) é o fundo determinado que se dissolve em suas possibilidades, incluindo as excitações orgânicas e as situações passadas inacabadas que se tornam conscientes, o ambiente percebido de maneira vaga e os sentimentos incipientes que conectam o organismo e o ambiente” (p.184).
É preciso entender a Função Id não como um conteúdo ou memória, mas sim, como uma impessoalidade, processo de retenção e repetição de formas que orientam as ações. Ações estas realizadas por um corpo de atos vislumbrando dados possíveis, cuja definição os autores em tela definem como Função Ego:“(...) é a identificação progressiva com as possibilidades e a alienação destas, a limitação e a intensificação do contato em andamento, incluindo o comportamento motor, a agressão, a orientação e a manipulação” (PHG, 1951, p.184).
Estes dados, já identificados e disponíveis, nos servirão em outros momentos, como função personalidade no sistema “self”’.
Entendendo por função personalidade
“(...) o sistema de atitudes adotadas nas relações interpessoais; é a admissão do que somos, que serve de fundamento pelo qual poderíamos explicar nosso comportamento, se nos pedissem uma explicação. (...) a Personalidade é essencialmente uma réplica verbal do self; é o que responde a uma indagação ou a uma auto-indagação” (PHG, 1951, p.187 e 188).
Separadas apenas didaticamente para entendermos, compreende-se o sistema “self”, ou suas funções, como dimensões de um mesmo acontecimento, um ajustamento criativo. “Enquanto aspectos do ‘self’ num ato simples espontâneo, o Id, o Ego e a Personalidade são as etapas principais de ajustamento criativo (...)” (PHG, 1951, p.184).
Ora, os dados virtuais do ciberespaço, do computador, também nos servem para fluir, ajustar, contatar. Afinal, “Contato é ‘achar e fazer’ ‘a solução vindoura’, independente de qual dado disponível seja” (PHG, 1951, p.48).
Para PHG a experiência se dá na fronteira entre o organismo e o ambiente. E o nome designado para este fenômeno é “contato”. “O contato é ‘awareness’ do campo ou resposta motora no campo. A ‘awareness’, por sua vez, não é uma reflexão sobre o problema, mas é ela própria uma integração criativa deste” (PHG, 1951, p.44 e 46).
Entendendo a “awareness” como o movimento, ou uma orientação implícita do campo, Robine (2006) traduz a palavra “awareness” deste conceito dado por PHG para compreendermos melhor esta frase: “O contato é conhecimento imediato e implícito do campo, ou resposta motora no campo” (p.76, grifo meu)
É mister salientar que este contato e a sua fronteira em nada tem a ver com um “lugar” geográfico ou físico, “pois designa aquilo que em um momento dado ressalta do fundo como figura e que, portanto, é incessantemente mutável. É uma outra maneira de denominar a experiência em curso” (ROBINE, 2006, p.77).
Robine explica que a origem da figura que aparece tem a ver com o “id da situação” de um “dado da situação”. Ou seja, tem a ver com o excitamento que escoa na materialidade dada da situação.
MG e MG (2007) interpretam, como Robine, a leitura do contato como uma unidade de uma determinada vivência temporal em um campo (organismo/meio), compreendendo a dinâmica deste contato, a “awareness”,como um processo temporal. Para MG e MG, “awareness”
“(...) é abertura sensível (para os dados materiais), excitamento (como escoamento temporal pelas possibilidades abertas pelos dados) e unificação presuntiva (ou transcendente) de uma só história (que são minhas experiências de contato retidas)” (2007, p.182).
Portanto, a leitura que se faz do contato em Gestalt-terapia é a de um processo temporal, ou melhor, um movimento em curso (“awareness”) em um campo. Este, por sua vez, não é entendido como um lugar espacial - tampouco reflexivo ou representativo apenas -, mas sim como um intercâmbio entre materiais. Um intercâmbio entre a materialidade do dado, e as possibilidades que esta materialidade abre para nossos co-dados, nossas vivências retidas e projetadas: horizonte de passado e horizonte de futuro respectivamente (MG e MG, 2007).
É preciso tomar cuidado ao refletir sobre o tema da internet para não cair em um pensamento solipsista ou em um sistema fechado, monadal. Cuidados com definições patologizantes como narcisismo, exibicionismo, voyeurismo, etc.3 Pois, pensar como um sistema fechado em Gestalt-terapia é um erro epistemológico, haja vista que a teoria do “self” trata-se de uma descrição fenomenológica do campo, a saber, a experiência de contato mútuo entre o organismo e o ambiente; e sua leitura se dá nas etapas de contato. É preciso entendê-la dentro de uma dinâmica temporal, “como um processo temporal”, um “processo de figura/fundo em situações de contato” no “presente transiente concreto” (PHG, 1951, p. 177, 178 e 180).
Isto não significa que não podemos utilizar conceitos como o narcisismo, exibicionismo, voyeurismo, etc. Mas sim, que precisamos compreendê-los situados em um campo de presença.
Ora, sob este olhar que a Gestalt-terapia tem acerca das nossas vivências, cabe perfeitamente dizer que há contato no uso da internet – seja lá qual atividade for. Mais ainda, nossas vivências com os dados materiais no mundo (com uma pessoa, um smartphone, um computador, uma bola, ou outro objeto qualquer), são da ordem de um movimento virtual (“awareness”) a caminho de uma atualização.
Mas, será que o contato que ocorre na experiência com a internet difere, em algum sentido, de outras experiências sem ela?
CONTATO COM A INTERNET
Conforme o conceito de contato em Gestalt-terapia, pudemos compreender que em nosso uso da internet há contato. Logo, há um ajustamento criativo. Afinal, “Todo contato é ajustamento criativo do organismo e ambiente” (PHG, 1951, p.45).
Entretanto, a internet se mostra de forma ambígua em relação à criação. Tal qual qualquer outro dado, podemos olhar para a internet como um lugar potencialmente de criação: de inspirações, projeções, montagens, neologismos, produção de textos, expressões, etc.; mas também podemos entendê-la como um lugar que tem um potencial de cristalização, que “mata” criações.
É comum compartilhamos frases, textos, imagens, vídeos, sem ao menos nos por em ação de maneira mais enérgica, ou então sem nos implicarmos naquilo que nos chega como dado.
A consequência disto, conforme PHG (1951) é uma experiência de pouca “awareness”, ou seja, pouco contato. “(...) caso a interação na fronteira-de-contato seja relativamente simples, há pouca “awareness”, reflexão, ajustamento motor ou deliberação” (p.69)
Em situações de contato pouco enérgico, fazemos um mínimo de esforço corporal para expressar algo, produzirmos um gesto. É comum confluirmos, haja vista que na ausência de uma novidade, ou de uma figura, o self se expressa fluindo-com.
Mas, devemos culpar a internet por isso? Não. A confluência existe como ajustamento criador com ou sem ela. Porém, temos de convir que na dinamicidade das pessoas, animais, seres corpóreos no mundo, têm menos controle, portanto, mais riscos.
Riscos? Sim, de contatarmos. Seja qual for ou como for, de nos movimentarmos e encontrarmos o novo, o desconhecido, aquilo que escapa ao controle. A internet não deixa de fazer parte do mundo, mas faz parte do mundo de uma maneira mais controlada, onde, nem sempre, se corre “menos riscos”.
A internet se mostra como uma espécie de “consciência”, lugar onde posso fixar dados e co-dados para analisar e utilizá-los volitivamente. Traz consigo uma proposta de domínio das informações. Uma consciência artificial capaz de dar conta daquilo que não conseguimos: do escoamento do tempo por nós, e de nossa consciência retardada tentando fixar-se naquilo que consegue “pegar”. Para PHG (1951) “(...) a consciência é o resultado de um retardamento da interação na fronteira” (p.69).
Temos uma espécie de possibilidade de consciência ampliada e compartilhada com a internet. Ela nos possibilita estar nas redes sociais a qualquer hora e a todo tempo – haja vista que cada inscrição feita nela fica registrada e disponível para acessar na atualidade de cada atualidade possível. Podemos ver e sermos vistos quando bem entendermos, bastando apenas uma atualização.
Esta possibilidade de ampliação da atualidade compartilhada está posto em nossas relações de tal modo, que o que ocorre na internet e fora dela, ambos atuais, agora fazem parte de um mesmo referencial de co-dados disponíveis para boa parte das pessoas no Brasil (quiçá do mundo). Quando me refiro de um acontecimento na internet, sinto-o e relaciono-o como um acontecimento na atualidade – cabe aqui ressaltar o poder que aplicativos como o “whatsapp” e o “facebook” possibilitam esta vivencia coletiva inscricional e atual dos dados virtuais.
Um exemplo disto é o caso dos chamados “revenge porn”, ou pornografia da vingança, onde ex-namorados ou ex-maridos compartilham fotos e/ou vídeos íntimos de suas ex-companheiras em grupos de conversas, que por sua vez é compartilhado infinitas vezes pelos participantes de cada grupo compartilhado, podendo chegar até um nível em que “todos” tenham a informação. Consequentemente, o virtual compartilhado passa a ser o atual compartilhado (todos sabem), provocando assim, na atualidade e na realidade daqueles que têm suas intimidades violadas e violentadas, graves consequências.
O espaço da internet nos possibilita um maior controle, é fato. Como Benjamin (1955) já havia dito, a tecnologia “nos abre, pela primeira vez, a experiência do inconsciente ótico”. Podemos até saber o exato momento em que uma pessoa, que não está na frente dos meus olhos, envia, recebe, e visualiza uma mensagem. Podemos usá-la para atestar a atualidade do outro, como tirar uma foto ou gravar um vídeo no exato momento e enviá-lo para o solicitante quase que em tempo real. Torna-se consciente um espaço onde ações humanas eram inconscientes: “os múltiplos aspectos que o aparelho pode registrar da realidade situam-se em grande parte fora do espectro de uma percepção sensível normal”.
Com essa nova possibilidade de controle, podemos tentar dominar o outro: aquilo que não sou eu; aquilo que não controlo; aquilo que se apresenta como um excesso; aquilo que não se deixa dominar, tal qual um excitamento da função id. Cabendo, portanto, espaço para manifestarmos nossa ansiedade (enquanto um excitamento inibido) também no ciberespaço. Aliás, este controle que temos com a internet é um prato cheio para que a função ato, na tentativa de eliminar o perigo que o excitamento inibido traz expresso pela ansiedade, a utilize de maneira que possa produzir um comportamento obsessivo e compulsivo.
Ainda como parte deste controle, podemos observar o seu reflexo em nossos comportamentos imediatistas. Em outros tempos - quando a internet não estava tão desenvolvida, nem tão presente em nossas vidas -, tínhamos que lidar por mais tempo com a ansiedade presente quando desejávamos algo, por exemplo, como fazer uma compra.
Ficávamos por mais tempo com alguns desejos sem realizá-los, tínhamos que esperar um pouco mais para concretizarmos. Atualmente, por esta característica controladora e acessível da internet – e neste exemplo específico é obviamente explorado pelo mercado econômico -, se tenho o desejo de comprar algo a qualquer hora ou em qualquer lugar, consigo realizá-lo – concretizo-o, mesmo que virtualmente. Característica da revolução tecnológica apontada por Benjamin (1955) ”Cada dia fica mais irresistível a necessidade de possuir o objeto, de tão perto quanto possível, na imagem, ou antes, na sua cópia, na sua reprodução”.
Se quero ler um livro, por exemplo, que ainda não possuo, não preciso mais me deslocar para uma biblioteca para lê-lo, nem mesmo me deslocar até uma loja física para comprá-lo, eu simplesmente acesso a internet e o leio quando e onde quiser. Não encontro mais limites físicos, temporais, sociais, e até mesmo humanos para realizar meu desejo. “Fazer as coisas "ficarem mais próximas" é uma preocupação tão apaixonada das massas modernas como sua tendência a superar o caráter único de todos os fatos através da sua reprodutibilidade” (BENJAMIN, 1955)
A exemplo de Benjamin (1955), ChauÍ (2014), orientada pelo conceito de “compressão espaçotemporal” de David Harvey, entende que a internet é um produto da globalização da produção econômica que transformou a nossa experiência espaço-temporal. “(...) a compreensão do espaço ou ‘atopia’ – tudo se passa aqui, sem distâncias, diferenças nem fronteiras – e a compressão do tempo ou a ‘acronia’ – tudo se passa agora, sem passado e sem futuro” (p. 219).
Por conta desta atopia e acronia, parece ter havido uma mudança de relação com o nosso desejo. O desejo ganhou liberdade, porém voa tão longe que se esquece de onde surgiu, o corpo. No ciberespaço posso ser quem eu quiser, fazer o que quiser, e como eu quiser.
Por ter esta proposta de acessibilidade – controlada eintelectualizada, da ordem da volição –, a fim de realizar desejos e dominar informações, o ciberespaço se mostra como um grande domínio de In-form(a)ções. Ou seja, é um lugar potencialmente formador de ações, e, portanto, também negadora de ações.
Entretanto, paradoxalmente, a internet não é somente este lugar descrito como algo intelectualmente controlado, haja vista que quem a utiliza são pessoas. Logo, a internet também se apresenta como um sistema aberto, passível de provocar sensações e estímulos diversos que nos fogem o controle. Por exemplo: podemos ser atravessados por um afeto conversando com outras pessoas, lendo um texto que alguém escreveu ou um vídeo que alguém criou.
Conforme nos mostra Benjamin (1955), a tecnologia nos coloca diante de revoluções sociais e culturais. A internet, como produto da tecnologia, não é diferente. Coloca-nos diante de mudanças e limites sociais, pessoais e culturais. Novas culturas e novos paradigmas estão sendo estabelecidos e re-estabelecidos com a sua influência.
Somos mediados por representações, valores, ideais, parâmetros antropológicos (humanos). Nossa relação com o outro e consigo se estabelece também pela via representativa – o que corresponde à função personalidade do self. Atualmente alguns parâmetros sociais estão sendo reformulados (atualizados) pela influência da internet. O que antes já era tido como dado, limites, “leis”, valores, ou seja, como parâmetro, atualmente está sendo colocada em suspenso, fazendo assim com que nós mesmos a (re)estabelecemos. Por exemplo, em minha profissão, quando alguém me manda uma mensagem (considerada por mim como não urgente) em hora fora de meu horário de trabalho (às 23:00 horas, por exemplo), sou eu quem irei decidir (dar um limite) se responderei ou não, pois, o parâmetro que diz até que horas posso mandar uma mensagem para alguém não está mais aqui com tanta força.
Estamos re-escrevendo os paradigmas de nossas relações - esta via de mão dupla em que acolho e sou acolhido. Algumas tradições já não estão fortes o suficiente para nos/nós regermos/acolhermos. A questão aqui, porém, não se trata de escrever a favor da tradição – dos valores, culturas, ideologias, e representações estabelecidas -, mas sim de refletir sobre o movimento que estamos realizando na atualidade. Aliás, movimento este que parece ser pró-indivíduo, dando maior liberdade para a realização do desejo individual na relação com os parâmetros já estabelecidos coletivamente – conforme dito logo acima. Aqui, mais uma vez, como percebido por Benjamin (1955), a tecnologia parece possibilitar ao indivíduo uma capacidade de transgressão social.
A internet, portanto, é um lugar ambíguo, pois ao mesmo tempo em que é controlado não é totalmente controlado. É um sistema aberto em que há o inesperado através de um aparelho fechado (codificado).
Retomando a pergunta: o ajustamento criativo que realizamos com a internet traz algum componente diferencial de outros ajustamentos sem ela? Em Gestalt-terapia, apesar da teoria do “self” ser uma descrição de um campo, e não uma interpretação nem prognósticos dele, PHG (1951, p.69) nos aponta algo que pode nos auxiliar a pensar sobre esta questão:
“(...) caso a interação na fronteira-de-contato seja relativamente simples, há pouca awareness, reflexão, ajustamento motor ou deliberação; mas onde a interação é difícil e complicada, há uma consciência intensificada. Uma complexidade crescente dos órgãos sensoriais significa que há necessidade de maior seletividade, à medida que um animal torna-se mais móvel e se aventura no meio de mais novidades”.
Ou seja, pode ser que com a internet possamos ter um contato pouco enérgico, com pouca “awareness” (sensorial, relativo à função id; e motórica, relativo à função ego), por ser em diversas situações uma interação demasiada simples.
Se pensarmos em uma formação de um sujeito que nasce neste momento de intenso contato com a internet, poderíamos pensar em um “prejuízo” da “awareness” sensorial e motora deste sujeito. Em outras palavras, conforme indicado por Chauí (2014 e s/d), é preciso pensar na possibilidade de um prejuízo da experiência do corpo próprio merleau-pontyano. Este corpo vivido, engajado no mundo, entendido como uma função existencial, e não intelectiva.
Cabendo, portanto, estudos acerca desta temática de como será a constituição, ou as possíveis consequências, do corpo perceptivo em sujeitos criados em situações que pouco estimulam seu desenvolvimento corporal perceptivo.
Por outro lado, podemos perceber que a internet também nos possibilita situações em que há contatos vigorosos – “awareness” sensorial, motora e principalmente reflexiva -, quando levamos em consideração o sistema aberto que se apresenta para o sujeito na experiência de utilizá-la – como em relacionamentos virtuais e no (re)estabelecimento de parâmetros sociais, por exemplos.
A RELAÇÃO COM O OUTRO PELA INTERNET
Conforme observado anteriormente, a utilização da internet possui um grande potencial de “awareness” reflexiva - correspondente ao processo de contato da função personalidade do “self”4 -, porém, é nas redes sociais, em especial, que podemos encontrar uma espécie de contato bem interessante: um contato plástico de minhas representações sociais.
As redes sociais têm como um dos seus propósitos conectar pessoas, entretanto, como vou me apresentar ao outro se dá de uma maneira bem mais controlada que a dinâmica da vida real. Muito em razão disso pela tecnologia, posso escolher quem eu quero ver, conhecer, conectar, relacionar, conversar, etc; mais ainda, posso escolher como vou me apresentar, o que eu quero que o outro veja em mim, pense de mim, enfim, posso escolher o que vou mostrar e, consequentemente, o que vou esconder. Conforme já dito por Benjamin (1955) - ao falar sobre o fenômeno da exposição perante a massa através do uso tecnológico -, há uma ação política ao usar a tecnologia.
“Seu objetivo é tornar "mostráveis", sob certas condições sociais, determinadas ações de modo que todos possam controla-las e compreendê-las, da mesma forma como o esporte o fizera antes, sob certas condições naturais. Esse fenômeno determina um novo processo de seleção, uma seleção diante do aparelho, do qual emergem, como vencedores, o campeão, o astro e o ditador”
Esta possibilidade plástica que tenho de “controlar” minhas representações sociais me traz um poder e um grande prazer ao dominá-las e manipulá-las. Afinal, agora – da mesma maneira como ocorre conosco em relação aos parâmetros sociais descrito acima-, posso escolher qual definição, valor, olhar, representações sociais eu quero re-inscrever, compartilhar, e estar identificado. Tenho o controle para mostrar o que eu quero sobre mim, construo a minha imagem perante o outro conforme o que eu quero mostrar, enfim, eu escolho qual figura emergir para o outro.
Porém, por estas representações serem, também, a determinação de um horizonte de passado que não cessa de se apresentar e que não se deixa dominar – por não serem conteúdos, mas, excitamentos e hábitos correspondentes à função id do self -, esta manipulação das representações sociais nunca será de fato controlada. Uma figura é sempre figura de um fundo.
Motivo pelo qual o outro a ser dominado (conquistado, desejado) também nunca para de cessar. É comum vermos encontros de amigos, por exemplo, em que mais de uma pessoa dividi a atenção do momento presente com outras pessoas e/ou grupos virtuais das redes sociais. A possibilidade do outro – como um desejo, aquilo que ainda não domino, que ainda não tenho; como aquele que não está ciente daquilo que quero que esteja, por exemplo - parece ser uma constante a ser dominada (ou realizada).
Quero mostrar para o outro (meu objeto desejado) o que tenho de bom, o quanto delicioso é aquilo que estou comendo, o quanto estou feliz, lindo, etc. Desta maneira demonstro, também, portanto, o quanto quero ser desejado e o quanto quero ter/ser dominado. Afinal, quando alguém confirma – curte, compartilha ou comenta positivamente, por exemplo -, aquilo que estipulo como objeto a ser desejado, construímos, assim, o domínio do que sou eu, dos valores e parâmetros ligados a mim e ao outro. Construímos e corroboramos, assim, quem somos: eu e o outro.
Desta maneira, preencho as possibilidades de meu tempo com minhas próprias representações manipuladas - ou como diria Benjamin (1955), com imagens reproduzidas não originais -, reforçando-as e confirmando-as.
Portanto, as redes sociais irão nos servir e possibilitar, sempre que puder, a fim de dominar aquilo que não para de se apresentar e que não se deixa dominar, um meio de ligação com o outro. Independente se já estivermos nos relacionando no presente e concretamente com “um outro”.
Parece-me que desta maneira dificilmente nos relacionamos com o outro (presente) de maneira presente. A utilização da internet, neste sentido, pode estar nos possibilitando e reforçando a habituarmos a realizar um movimento em que se acaba evitando a realidade, ou concretude, para dominar o virtual - haja vista a atratividade e facilidade que o virtual traz para o sujeito -, sendo assim, nos habituarmos a experiências destituídas de algumas de nossa percepção sensível natural estruturante.
Não se trata de dizer aqui que o virtual possa estar isolando o sujeito do mundo. Aliás, as redes sociais propõem exatamente o contrário, conforme dito anteriormente, conectar pessoas. Mas, sim, de que seu uso está transformando nossas formas de relações no mundo.
No movimento natural em que o outro ocupa o lugar dos meus desejos, nota-se nas redes sociais um movimento excessivo da busca imediata de sua realização - talvez pela acessibilidade, velocidade e facilidade da tentativa de se realizar desejos no virtual.
Sendo fácil, portanto, encontrarmos sujeitos nas redes sociais agindo de tudo quanto é maneira para conquistar a atenção deste outro (ele mesmo). “Vendendo” imagens que cultuam ideais de sucesso e felicidade; postando e compartilhando fotos de ostentação ligados a si, como as famosas “selfies” ou vídeos de autopromoção; compartilhando, filmando ou fotografando cenas explicitas de sexo, tragédias, acidentes chocantes, etc.
Dito de outra maneira, como consequência deste jogo de domínios, avaliação, aprovação, aceitação, autorização, admiração e motivação que o outro possui de “mim”, acabamos por encontrar muitos comportamentos do tipo narcisista, exibicionista e “voyeurista” nas redes sociais.
Não obstante termos a necessidade de estar conquistando o outro, podemos perceber, também, uma espécie de acolhimento no coletivo. As redes sociais nos possibilitam sentir-se pertencente a um ou mais grupos de pessoas, a um coletivo. Conseguimos muitas vezes deixar de nos sentirmos solitários em nossa rotina. Encontramos, também, atitudes gratuitas sendo compartilhada solidariamente, ajudas, cuidados, sentimentos de alegria, felicidade, amizade, tristeza, etc.
Precisamos reconhecer que com a internet temos, de maneira muito mais fácil e acessível, maiores possibilidades de encontrar iguais para poder trocar, compartilhar. Isto nos traz alguns benefícios, inclusive terapêuticos, que abordarei logo adiante.
Sabendo que a internet é apenas um dado e/ou um co-dado de um ajustamento criativo, acredito ser importante, agora, pensarmos um pouco sobre estes ajustamentos na qual ela coparticipa.
AJUSTAMENTOS E INTERVENÇÕES NA INTERNET
Devido ao reflexo das redes sociais em nossa vida (pessoal e profissional), além das implicações descritas acima, também nos deparamos com situações no mínimo novas nos contextos clínicos. Como, por exemplo, o reestabelecimento e delimitações do setting terapêutico. Atualmente, por conta de nossas inserções nas redes sociais e de sua acessibilidade, é comum nos depararmos com situações em que o consulente em processo terapêutico nos interpela questões do processo via redes sociais, como pelo aplicativo do “Whatsapp”. O que fazer? Como proceder?
Esta questão merece uma atenção especial, pois, por ser comum, a maioria dos clínicos que utilizam o celular e que possuem a ferramenta do “Whatsapp” em sua vida já se deparou nesta situação, ou então, se já não experienciou, terá grandes possibilidades de experienciar.
Em outros momentos, conforme já abordado, tínhamos já pré-estabelecido certos limites compartilhados, como tradição, “normas de condutas”. Éramos muito bem delimitados por nosso tempo, espaço físico e geográfico: se alguém quisesse realizar uma sessão, por exemplo, teria que nos procurar pessoalmente ou via telefone, e vir até o nosso consultório com hora marcada. Hoje em dia, por conta destas novas formas de experiência - acrônica e atópica -, nos deparamos com uma ampliação dos limites de nosso espaço físico, geográfico e de nosso tempo. Acarretando, assim, situações em contextos clínicos como no exemplo já citado, a interpelação de um consulente via “Whatsapp” – salvo a singularidade de cada situação -, tratando sobre questões trabalhadas na consulta já realizada, ou demandando respostas a tais interpelações.
Ora, no exemplo supracitado, o campo, o setting, parece ter perdido os seus limites “físicos” e “temporais”. Se não delimito, estendo a sessão realizada, ou então, realizo uma nova sessão via internet. Em ambos os casos é preciso refletir o que é que está sendo feito e como está sendo feito. Em outras palavras, precisamos delimitar.
Posso encarar esta nova situação, por um lado, como um empecilho, haja vista que realizo sessões presenciais somente com hora e local marcados, e atender tal solicitação do consulente via internet teria que ser levado em consideração o rigor teórico-metodológico e ético que pratico, ou seja, se responderei como um profissional - afinal de contas minha relação com ele é profissional -, tenho que ter as condições que julgo serem necessárias para poder trabalhar. Por outro lado, abre-se uma possibilidade, igualmente a anterior: a de realizar uma nova sessão. Entretanto, no que tange realizar uma sessão via internet, cabe aqui, portanto, refletirmos sobre os parâmetros de uma sessão, suas delimitações, como o “objeto” de sessão e o seu tempo.
Se tomarmos como base que uma sessão tem como parâmetro “a pontuação das “formas” “Gestalten” de evitação, ou de criação, nas quais, por obra do próprio consulente, o clínico foi envolvido” e que o seu tempo é medido conforme a “revelação de uma Gestalt em que há manifestação de uma inibição reprimida, ou a superação dela”, então é possível realizar uma sessão via ‘Whatsapp”, por exemplo (MG e MG, 2007, p. 319 e 320). Obviamente, será preciso delimitar suas características ou propostas no contrato (seja ele presencial ou virtual).
A Gestalt-terapia, sob esta ótica, se apresenta bem atual, capaz de acompanhar toda esta transformação nas relações. Isto se dá, acredito, pelo fato de sua teoria (a teoria do “self”) ser uma descrição fenomenológica do campo, um “processo temporal”, “um processo de figura/fundo em situações de contatos” (PHG, 1951, p. 178 e 180). Deste modo, para a Gestalt-terapia, a acronia e a atopia da internet tem lugar e tempo: no campo organismo/ambiente e no presente.
A fenomenologia de Merleau-Ponty nos confirmar esta possibilidade de inferirmos um ajustamento em uma conversa por escrito, por exemplo. Pois, tal qual uma fala falante presentificada por um gesto corporal, como em uma sessão presencial de psicoterapia, na comunicação por escrita (ou em imagens ou vídeos), também encontramos um excesso, “o excesso daquilo que quero dizer sobre o que é ou o que já foi dito” (1960, p. 95), a presença de um estranho, tal qual outrem5.
Em outras palavras, somos afetados no campo por este excesso (função id) que se manifesta no encontro com os dados (podendo ser uma escrita, uma imagem ou um vídeo) que nos permite vislumbrarmos um horizonte de futuro (função personalidade), um sentido, uma teoria de ajustamento criativo, por exemplo.
Agora, entendendo que há a possibilidade de realizar sessões pela internet6 – haja vista que na Gestalt-terapia o clínico é o próprio instrumento de leitura e intervenção no campo -, como se configurariam estes campos? Como seriam os ajustamentos criadores nela?
Obviamente que é impossível abarcar ou delimitar todos os ajustamentos, haja vista que todo ajustamento é criativo, portanto, novo e diferente. Porém, podemos nos orientar pelos ajustamentos que PHG e outros autores nos descrevem, ou seja, nas descrições fenomenológicas, didáticas, do processo de contato no campo organismo/ambiente.
Podemos encontrar facilmente ajustamentos de todo o tipo - evitativos, antissociais, banais, de busca, de inclusão -, nas redes sociais, principalmente em redes como o “Facebook” e o “Whatsapp”. Imagens, frases, textos, vídeos, áudios, enfim, gestos pictóricos e palavrescos que marcam uma síntese temporal (horizonte de passado e horizonte de futuro) realizado por um ato.
Ajustamentos introjetivos marcados por imagens, vídeos, frases de mestres, “diga como sou e como tenho que me comportar, diga o quanto sou culpado ou o quanto valioso sou”; ajustamentos retroflexivos em expressões que os tornam vítimas de algo; ajustamentos projetivos, muito comuns em expressões que versam a culpabilidade de algo ruim: como a política, a religião, instituições, times de futebol, etc.; ajustamentos confluentes: o repasse, o compartilhamento de imagens, vídeos, frases, textos, áudios, etc., de maneira impessoal, sem entender ou “mastigar” antes de repassar o que se recebe, “o outro é o meu modelo”, “o que o outro me manda é o mesmo que eu penso ou sinto, é uma verdade, mesmo sem ter me implicado nisto”; e o ajustamento egotista que pode ser caracterizado por publicações que expressam o cultivo de sua imagem, de sua vida, como algo a ser admirado e desejado “seja meu fã”.
Os ajustamentos confluentes e os egotistas, a meu ver, parecem ter um destaque especial nas redes sociais. É notável a quantidade de pessoas que compartilham coisas sem se implicar, como notícias falsas ou imagens e vídeos de frases prontas; bem como a grande quantidade de pessoas que publicam fotos e vídeos de autopromoção, seja de seus objetos materiais (como automóveis, vestimentas, alimentícios), ou de objetos imateriais (como “possuir algo”: textos, fotos e vídeos).
Mas também, vale lembrar que a internet, os jogos, as redes sociais, a pornografia, são alguns dos objetos mais utilizados nos ajustamentos banais. O acesso “portátil” do smartphone traz consigo um campo muito fértil para um ajustamento banal - um campo que permite evitar enfrentamentos de demandas-, haja vista sua acessibilidade e facilidade de uso. Um exemplo de ajustamento banal bem comum nas redes sociais são as demasiadas horas em que passamos vendo sobre a vida das pessoas, jogando, lendo, assistindo, etc.
Não é comum nos depararmos com ajustamentos de busca na internet. O que encontramos comumente é o que fazem com os ajustamentos de busca: chacotas, montagens, ações que tratam os sujeitos que produziram um ajustamento de busca como meros objetos de sua satisfação. Inclusive, este tipo de ato merece receber um destaque especial aqui, pois tenho notado uma grande prática do mesmo em minhas redes sociais, a saber, os ajustamentos antissociais.
Não é difícil recebermos ou visualizarmos conteúdos - compartilhados através de grupos, páginas de redes sociais ou por mensagens individuais -, de cenas de tragédias, acidentes, pedofilia, traição, exposições e agressões envolvendo seres humanos ou animais.
É também verdade que boa parte daqueles que compartilham estes conteúdos acabam fazendo sem pensar nas implicações (como em um ajustamento confluente) que isto pode ocorrer. Porém, o efeito que o primeiro ato - o de um ajustamento antissocial-, realizou é sentido naqueles que recebem tais conteúdos: um impacto do perverso.
Muitas vezes nos sentimos constrangidos, com vontade de “salvar” aquilo que vemos nas experiências das fotos e vídeos. Haja vista que nelas sempre há alguém sendo destruído ou aniquilado.
Se por um lado existem os ajustamentos antissociais, por outro, parece estar havendo um fenômeno bem perverso nas redes sociais. Uma espécie de metamorfose da vontade soberana denunciada por Giorgio Agamben (1995) em seu livro “Homo Sacer: o poder soberano e a vida nua I”.
Agamben expõe em seu livro a tese-denúncia de que o Estado democrático de direito moderno malogrou ao tentar cessar a vontade soberana, e que ela continua sendo produzida, metamorfoseada, em nossas relações.
Sua denúncia acerca das características da biopolítica moderna nos faz um alerta para reconhecermos as metamorfoses deste modelo que organiza e produz nas relações sociais uma relação de exceção, totalitária, uma relação de inclusão pela exclusão. Um soberano que inclui o outro, porém como vida nua – destituída de identidade, representações e valores próprios7.
O alerta de Agamben sobre as metamorfoses da exceção soberana parece-me fazer total sentido ao pensar em alguns fenômenos que encontro nas redes sociais. Práticas totalizadoras como o compartilhamento de fotos, vídeos, perfis, verdadeiros dossiês de pessoas em situações de traição conjugal – o chamado “revenge porn”8 -, conteúdos íntimos compartilhados sem o consentimento dos envolvidos, intimidades violadas, pessoas sendo utilizadas como “memes”9, piadas nas redes sociais, pessoas que são marcadas de maneira soberana, tratadas como verdadeiros objetos, tendo a sua vida “nua” diante de uma vontade soberana (o compartilhamento).
Um grande avanço foi a criação de leis como a Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014 (o “Marco civil da internet”) e a Lei nº 12.737/12 (“Carolina Dieckmann”), que regulamentam o uso da internet no Brasil. Porém, ainda estamos muito aquém no que diz respeito à legislação da internet no Brasil.
Entretanto, não posso ignorar o fato de que a própria internet e suas redes sociais possibilitam, também, humanidades aos mesmos sujeitos em sofrimento ético-político e antropológico por estarem com a vida nua. Podendo servir, assim, como enfrentamentos políticos às situações de sofrimento provocadas por tais vontades soberanas; bem como a possibilidade de reestabelecer suas humanidades através de solidariedades gratuitas: suas representações sociais, identidades, e possibilidades de voltar a pertencer a algo que se identifique. Por exemplo: através da constituição de grupos de apoio, encontrar e compartilhar com iguais, “ser visto”, encontrar “ouvidos”, etc. Enfim, a internet também é lugar de acolhida ética, política e antropológica.
Agora, após refletir sobre como se configurariam os campos e os ajustamentos criadores na experiência com a internet, para a Gestalt-terapia, surgem outras questões práticas. Questões cruciais que influenciam a configuração do campo. Como a presença do outro, a influência que o olhar do outro traz para a configuração, a visada de um gesto corporal, enfim, a complexidade que a presença traz.
Podemos até fazer uma leitura de um ajustamento no fato de realizar um encontro via internet, porém, não tem como não pensarmos, do ponto de vista clínico, em possíveis “prejuízos” deste encontro. A percepção do estranho, por exemplo, manifestado na carne do outro (função id), da expressão corporal da síntese temporal realizada pelo sujeito (função ato) parece, de alguma maneira, limitada.
A premissa da Gestalt-terapia de dirigir a atenção para como o consulente está expressando (a forma), e não o que o consulente está falando (o conteúdo), fica prejudicado. Qualquer experimento proposto visando a “awareness” sensório-motora terá limitação. Perderíamos, provavelmente, gestos corporais espontâneos.
Em todo caso, o corpo é quem parece ficar, voluntariamente ou involuntariamente, como fundo. Têm-se uma tendência para a “awareness” reflexiva. Portanto, reconhece-se uma limitação de compreensão e intervenção do ponto de vista clínico.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Sem dúvida, a internet e as redes sociais nos possibilitam a ampliação de limites, uma espécie de consciência ampliada compartilhada, acessos e facilidades diversas no tocante à informações, relacionamentos, desejos, atividades cotidianas, burocráticas, expressões, experiências, comunicações, etc. Colocou-nos em atualização, reconfiguração de nossas fronteiras no campo organismo/ambiente.
Por ser uma forma de agir no mundo está criando novos significados, novos sentidos, logo, traz novas formas (função id – retenção e repetição de hábitos), novos valores e representações sociais (função personalidade) e, consequentemente, novas sínteses temporais (função ego).
Sendo assim, a internet é lugar de contato, porém, como nos orientou PHG10, nem todo contato há “awareness”. Há com a internet, potencialmente, contatos vigorosos e contatos pouco enérgicos.
Este último, diz respeito a experiências corporais pobres, experiências que não incluem características e dimensões essenciais para o aprendizado e desenvolvimento humano, como a espessura espacial e temporal, conforme nos alerta Chauí:
“A atopia e a acronia como formas da experiência contemporânea são indissociáveis do surgimento de um mundo novo, o mundo virtual, desprovido de espessura espacial e temporal, no qual nosso corpo, perdendo todas as características e dimensões que Merleau-Ponty descrevera, se reduz, de um lado, à percepção visual de imagens planas e fugazes, e, de outro, à atividade de manipulação e controle de operações e sinais propostos pelos programas ou autômatos.” (2014, p.219).
Tal qual Benjamin (1955) já havia nos apontado acerca da transformação que a tecnologia nos implicou, a saber: a destituição de nossa percepção sensível original, a autora em tela corrobora no que diz respeito a este prejuízo da experiência de um contato fragmentado e empobrecido que o mundo virtual, um produto da tecnologia, nos coloca. A autora traz à luz a maneira como estas práticas podem influenciar as assimilações e desenvolvimentos do corpo vivido, entendido como o engajamento prático do corpo no mundo, como uma função existencial (não intelectiva). A grosso modo, o corpo vivido aproxima-se da nossa definição de “awareness” sensório-motor, correspondente à função "id" do "self", que está relacionada com a nossa forma habitual de como nosso corpo age no mundo.
Chauí é categórica, “A atopia e acronia do mundo virtual significam, ao fim e ao cabo, um processo ilimitado de desincorporação dos seres humanos” (2014, p.221).
É diante de tal problematização que surgem perguntas a serem feitas. Qual será a consequência da assimilação desta forma de experiência que, do ponto de vista da “awareness” sensório-motora, remete mais a alguém espectador do que ator? De alguém que beija e é beijado pelo teclado, abraça e é abraçado por uma máquina, vê alguém e é visto por uma tela? Trará prejuízos à experiência, aos saberes corporal? Quais consequências terão aqueles sujeitos que serão - ou já estão sendo -, desenvolvidos com vivências mais reflexivas do que experiências corporais complexas?
Aliás, um estudo sobre o desenvolvimento de uma criança que está em contato com a internet, jogos, redes sociais, e como constitui suas representações e seus hábitos faz-se mais que necessário. Como será a constituição de uma criança que se relaciona desde o nascimento com a tecnologia por intermédio dos pais? Formas de brincar, se relacionar, conhecer e apreender o mundo, ser cuidado(?), etc. Seria bem interessante tentar entender este terceiro (ambíguo) na relação pais-filhos.
Em contra partida, paradoxalmente, é por este mesmo viés da internet, em que verificamos uma espécie de “desincorporação”, que também podemos ser afetados. Apaixonamo-nos por pessoas “virtuais”, nos excitamos, sentimos nojo, alegria, sorrimos, sentimos tristeza, medo, choramos. Ora, também com ela nosso corpo se torna presente.
Sendo assim, o corpo parece resistir à “desincorporação” denunciada por Chauí (2014) e a transformação da percepção original apontada por Benjamin (1955).
A internet não deixa de ser um dado material e virtual pertencente à configuração de um campo, de um ajustamento criativo. Neste sentido, a Gestalt-terapia ainda continua atual, nos permitindo acompanhar e servir de instrumento teórico, metodológico e ético neste novo contexto. Afinal, conforme já descrito, até no “escrito” é possível vislumbrarmos a formação de uma gestalt, o nó, a síntese temporal que um corpo de atos faz para se expressar. Ainda que sejam através das palavras (gestos palavrescos) ou através de imagens e vídeos (gestos pictóricos), sou afetado por esta virtualidade tal qual outro dado qualquer.
Outra pergunta a ser feita é: o que se pode fazer para que a internet não se torne mais um meio pelo qual uma vontade soberana - como nas situações do “revenge porn”, em manifestações discriminatórias coletivas, homofóbicas, preconceituosas, etc.-, provoca nos sujeitos envolvidos o sofrimento ético-político-antropológico?
Na própria internet, conforme já exposto, tem este potencial de enfrentamento e acolhimento ético. Talvez uma conscientização, um alerta para os ajustamentos confluentes que podem estar corroborando com uma agressão ao outro, lhe imputando vida nua, possa ser um meio. É preciso estar atento ao que se está compartilhando, curtindo, corroborando, re-inscrevendo.
Por fim, saliento a importância de estudos, pesquisas e reflexões a respeito deste campo da internet, que ainda carece, a fim de nos ajudar a compreender um pouco mais nossas formas de relação no mundo em transformação.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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NOTAS
* Psicólogo clínico e Gestalt-terapeuta.
1 Utilizo aqui, por ora, a palavra virtual para designar um dado disponível para uma ação futura, uma virtualidade, um dado em potencial. Mais adiante discorrerei a respeito desta definição.
2 Em sua análise é possível entrever uma intenção política/econômica por traz das reproduções técnicas amplamente exploradas - como na estética da “objetiva”, por exemplo -, a fim de manter as atuais relações de produção. Explica Benjamin (1955) que a experiência “tátil”, “habitual”, das reproduções técnicas, da “reprodução em massa corresponde de perto à reprodução das massas”, ou seja, a uma espécie de controle das massas. Logo, caminhando, assim, a humanidade para uma auto-alienação de suas percepções sensíveis originais e, em última instância, da sua força de trabalho. Em contrapartida, este mesmo processo possibilitou aos operários aparecer, ver-se e manifestar-se, provocando assim uma revolução cultural.
3 BELMINO (2010) contribuiu para esta discussão sobre modelos referenciais epistemológicos no que tange a comportamentos envolvendo a internet e conceitos patologizantes.
4 ROBINE (2006) e MG e MG (2007, 2012a e 2012b), descrevem a função personalidade como um aprendizado que se repete, se reescreve no campo social, e que serve ao mesmo tempo como medida e parâmetro racional de valores éticos, morais, biográficos, institucionais ou de modos de conhecimento: científico, filosófico ou religioso.
5 MG e MG em seu livro Clínicas Gestálticas (2012, p.288 e 289) propõe uma equivalência do termo “outrem” em Merleau-Ponty à função id da Gestalt-terapia de PHG. Segundo MG e MG, tal qual o termo “outrem”, a função id também se refere a uma impessoalidade presente no campo fenomenal. “(...) por não podermos retornar à origem das formas que geram excitamento, não podemos dizer se elas pertencem a nós ou a outrem. Melhor dizer que elas são impessoais, como se fosse outro que, à diferença do outro tal como nós o conhecemos na cultura (outro social), não está determinado, motivo pelo qual o denominamos de outrem.”
6 Vale ressaltar aqui que escrevo do ponto de vista ético da Gestalt-terapia. Esta opção não exime um possível diálogo em relação às posições éticas estabelecidas pelas resoluções do CFP, como a RESOLUÇÃO N° 011/2012 que “Regulamenta os serviços psicológicos realizados por meios tecnológicos de comunicação a distância, o atendimento psicoterapêutico em caráter experimental” (CFP, 2012)
7 No artigo intitulado "Estado de exceção na crítica agambeniana: uma leitura do sofrimento e possível intervenção à luz da Gestalt-terapia" (BASSO, 2014), descrevo de maneira mais detalhada sobre o tema; discorro sobre o sofrimento ético-político e antropológico daqueles que se encontram nas formas de exceção, bem como a leitura e proposta de intervenção que, a meu ver, a Gestalt-terapia possa oferecer a estes que estão com a vida nua."
8 Conforme já descrito no texto, o “Revenge Porn” (ou pornografia da vingança) é “(...) uma forma de violência moral que envolve a publicação (principalmente nas redes sociais) e distribuição com o auxilio da tecnologia, sem consentimento, de imagens e/ou vídeos de conteúdo sexual explícito ou com nudez. As principais vítimas são as mulheres e os agressores, quase sempre, são ex-amantes, ex-namorados, ex-maridos ou pessoas que, de qualquer forma, tiveram algum relacionamento afetivo com a vítima, ainda que por curto espaço de tempo”. (CRESPO, 2015)
9 Segundo o site de enciclopédia livre Wikipédia, o termo “memes” é uma referência a um conceito criado pelo biólogo evolucionista e escritor Richard Dawkins em 1976 no seu livro The Selfish Gene. Seu conceito leva o mesmo nome, memes, e se refere a uma unidade de informação capaz de se multiplicar através da propagação de ideias e informações passadas de indivíduo para indivíduo. Por sua vez, o termo “memes” utilizado na internet tem por definição “(...) tudo aquilo que os utilizadores da Internet repetem (...) uma ideia que é propagada através da World Wide Web. Esta ideia pode assumir a forma de um hiperlink, vídeo, imagem, “website”, “hashtag”, ou mesmo apenas uma palavra ou frase. Este “meme” pode se espalhar de pessoa para pessoa através das redes sociais, blogs, e-mail direto, fontes de notícias e outros serviços baseados na web tornando-se geralmente viral”. (WIKIPEDIA, s/d)
10 Conforme PHG, “O contato, como tal, é possível sem ‘awareness’, mas para a ‘awareness’ o contato é indispensável” (PHG, 1951, p.33).
Endereço para correspondência
Fabrício Siqueira Basso
Endereço eletrônico: fabricio-psi@hotmail.com
Recebido em: 15/12/2016
Aprovado em: 31/12/2016