EDITORIAL

 

Marcelo Pinheiro da Silva*

IGT - Instituto de Gestalt Terapia e Atendimento Familiar – Rio de Janeiro, RJ, Brasil

Endereço para correspondência

 

A Gestalt-Terapia brasileira perdeu uma de suas pioneiras. Jean Clark Juliano nos deixou em 13 de outubro de 2016. Personalidade marcante na História de nossa abordagem, Jean acompanhou desde o início tanto a história da Gestalt-Terapia brasileira, como também a história desta revista.

Já em nosso primeiro número, pudemos contar com um artigo no qual Jean relata a história de nossa abordagem a partir de um olhar feminino, a partir do viés de Laura Perls.  Texto escrito com elegância extrema, faz parte da bibliografia obrigatória do curso de especialização em psicologia clínica ministrado no IGT. Também neste mesmo número, publicamos uma entrevista em vídeo, na qual, ela fala de sua história, trazendo detalhes extremamente relevantes acerca do caminho percorrido por nossa abordagem em seu desenvolvimento no Brasil.

Todos os contatos que tivemos com Jean foram marcados por sua doçura e por sua postura colaborativa. Atuava nitidamente em prol da Gestalt-Terapia, sem priorizar interesses pessoais.  Como seria bom se tivéssemos várias Jean Clark Juliano. Com certeza o mundo seria melhor e nossa abordagem estaria muito bem encaminhada.  Mas, infelizmente só tínhamos uma e, ela se foi.  Não sem antes deixar um rico legado de livros e artigos, escritos de forma elegante e com a simplicidade de quem sabe o que faz. 

Nenhum aluno dos cursos de especialização do IGT, passou pelo instituto sem ler algo escrito por Jean. Acredito que seja a única autora que conseguiu unanimidade. Não tenho registro de nenhum aluno que tenha feito críticas negativas ou que não tenha ficado grato ao ler seus textos.  Isso não é para qualquer um. Demonstra uma clareza, uma riqueza e uma consistência inusitadas.

Nosso contato com Jean sempre foi marcado pela percepção de algo de sublime por parte dela.  Algo que retrata o que há de melhor em nossa abordagem, um movimento construtivo, um puxar para frente, fundamental a quem acompanha pessoas em suas buscas pessoais, mas que talvez não seja algo que se aprenda.  Depois de tantos anos facilitando o desenvolvimento de Gestalt-Terapeutas não sei se alguém pode aprender a gostar do outro, a torcer verdadeiramente pelo outro, e isso é tão importante para um terapeuta.  A final de contas não podemos escolher do que gostamos ou não gostamos, só podemos escolher o que fazemos com o que gostamos ou não gostamos.

Felizmente posso observar que grande parte das pessoas que buscam se potencializar como psicoterapeutas trazem em si esta vontade de ver o outro bem. Em contrapartida, infelizmente, não posso dizer o mesmo de algumas pessoas que, inclusive, estão entre as formadoras de opinião em nossa abordagem.  Lamentavelmente esta postura de buscar se levantar, puxando o outro para baixo, criando intrigas, dizendo mentiras, insuflando uns contra outros, ainda é presente em nossa comunidade.  Postura típica de quem não se vê com capacidade de se sustentar por suas próprias habilidades, assim como ocorre com alguém que está se afogando, que por não conseguir se manter na superfície, puxa qualquer um que se aproxime para baixo, no desespero de conseguir respirar.

Não são muitas as pessoas que agem desta forma, e não é difícil identificá-las, são pessoas que tendem a se colocar como vítimas e, assim como quem quer proteger o outro, buscam falar mal de terceiros. Adoram uma fofoca, com frequência inventada. São indivíduos barulhentos, e de algum modo, conseguem eco na comunidade gestáltica. Este é um fenômeno que precisa ser estudado. O que em nossa comunidade a faz tão suscetível a pessoas que se colocam desta forma?  Se olhamos para a história da Gestalt-Terapia podemos perceber que este tipo de comportamento, desagregador, não aparece só no Brasil.  Se faz presente desde os primórdios de nossa abordagem, aparecendo em grande parte dos locais aonde ela se desenvolveu.

Existem inclusive aqueles que exploram, de forma nitidamente comercial, os conflitos históricos de nossa abordagem. Até hoje o conflito “costa leste / costa oeste” dos Estados Unidos vem sendo cultivado, mesmo que em outras partes do mundo, por certas facções da Gestalt-Terapia.  Como se até hoje aquelas posturas descritas na época, ainda pudessem ser vistas como separadas.  Como se estes dois lados da Gestalt-Terapia, se algum dia existiram, ainda permanecessem coesos.

“[...] as pessoas podem se tornar nutritivas, tóxicas ou ambas as coisas, dependendo da situação. Das nutritivas não precisamos falar muito. São queridas, iluminadas, polares, disponíveis, generosas. Seu maior defeito é a ingenuidade de avaliar os outros por si mesmas, tornando-se presas fáceis das tóxicas. Estas, por sua vez, podem contaminar o ambiente, provocando náusea, mal-estar, vampirizando a vida alheia, roubando nossa energia e nos tornando impotentes. E, ao usurpar nosso poder, trabalham contra si mesmas, inviabilizam nossa possibilidade de ajuda e, principalmente, nosso afeto, que poderia ser o melhor lenitivo para sua dor.”(JULIANO, 2010, p.65)

Torço para que algum dia estas pessoas, talvez inspiradas pelo legado de Jean Clark, se sintam com um mínimo de capacidade para ajudar na construção desta abordagem, que é tão rica e que tem tanto a oferecer, ao invés de atuarem de forma destrutiva, atrapalhando seu desenvolvimento.

 

Marcelo Pinheiro da Silva
Editor Chefe da revista virtual IGT na Rede.

 

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

JULIANO, Jean Clark -  O TERAPEUTA COMO FIGURA: REFLEXÕES, In: A vida, o tempo, a psicoterapia. (p.61-69). São Paulo : Summus Editorial, 2010.

 

Notas

* Psicólogo Marcelo Pinheiro CRP nº 05/16.499 Gestalt-terapeuta, Mestre em Psicologia Social (UERJ), especialista em psicologia clínica pelo CRP, especialista em psicologia organizacional pelo CRP, especialista em atendimento de casal e família na abordagem sistêmica (I.T.F.- RJ),  coordenador do curso Especialização em Psicologia Clínica - Gestalt-Terapia (Indivíduo, Grupo e Família), editor chefe da Revista Virtual IGT na Rede, coordenador do Centro de Documentação da Gestalt-Terapia Brasileira e sócio-fundador do IGT. Presidiu o XIV Congresso Internacional de Gestalt-Terapia Rio 2015.

 

 

Endereço para correspondência:
Marcelo Pinheiro da Silva
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Recebido em: 07/11/2016
Aprovado em: 07/11/2016