ARTIGO
Vida sexual e a religião Batista: um olhar gestáltico
Sexual life and the Baptist religion: a gestalt look
Evane Marendaz*
IGT - Instituto de Gestalt-Terapia e Atendimento Familiar, RJ.
RESUMO
O artigo apresenta os temas sexualidade e religiosidade no âmbito da igreja Batista no Brasil, levantando questões sobre a postura dos Gestalt-terapeutas no que se refere a esse tema. Este trabalho foi desenvolvido a partir de um breve levantamento bibliográfico e de entrevistas com Gestalt-terapeutas e pastores. Expõe de forma sucinta a visão sobre sexualidade dos Batistas e discute a importância da reflexão dos Gestalt-terapeutas em relação ao respeito pelas peculiaridades de cada indivíduo, inclusive e, de forma especial, no que se refere às suas crenças religiosas.
Palavras-Chave: Gestalt-Terapia; Religião Batista; Sexualidade; Valores; Vida Sexual.
ABSTRACT
This article presents the themes sexuality and religion within the Baptist church in Brasil, raising questions about the attitude of Gestalt therapists concerning to this issue. This work was developed from a brief literature review and interviews with gestalt therapists and pastors. Exposes briefly the vision of the Baptists about sexuality and discusses the importance of reflection for Gestalt therapists about the respect for each individual peculiarities, including, and especially, in regard to their religious beliefs.
Keywords: Gestalt therapy; Religion Baptist; sexuality; values; Sexual life.
INTRODUÇÃO
Neste artigo é apresentada uma reflexão sobre a vida sexual daqueles que seguem preceitos religiosos à luz dos princípios da igreja Batista sob a perspectiva da Gestalt- terapia. Considerando-se o princípio da responsabilidade pessoal como um pressuposto, identificamos pontos de contato entre a abordagem “Gestáltica” e os princípios batistas em relação à sexualidade humana. As escolhas do indivíduo são importantes, inclusive as de cunho religioso, e devem ser levadas em conta em todas as áreas de sua vida. Sob a ótica de olhar esse sujeito como um todo em suas relações, essa religiosidade e a Gestalt-Terapia se aproximam e podem ser complementares. Nos limitaremos a tratar das questões ligadas ao relacionamento sexual entre homem e mulher no âmbito da visão Batista. Ressaltamos que não serão abordados nesse estudo aspectos relacionados à homossexualidade por estarem fora do escopo do presente trabalho.
Objetivo
O objetivo deste artigo é realizar uma reflexão sobre a importância do cuidado dos Gestalt-terapeutas em relação ao acolhimento dos clientes Batistas que buscam psicoterapia com temas ligados à sexualidade.
Justificativa
Nos últimos anos foi observado o crescimento do número de pessoas que passam a fazer parte das igrejas evangélicas. Por ser Batista e Gestalt-terapeuta, pude perceber também um aumento proporcional na chegada ao consultório de clientes religiosos com demandas ligadas à forma de lidar com a atividade sexual. Este contexto torna extremamente importante ampliar a reflexão sobre os cuidados necessários para receber esta clientela tão específica.
Como Gestalt-terapeuta, iniciei uma busca por suporte teórico para embasar minha prática com esta temática. Neste processo me deparei com uma escassez de textos acadêmicos que auxiliem na compreensão das posições adotadas pelos Batistas e Gestalt-Terapeutas brasileiros sobre questões ligadas à vida sexual. Esta realidade contribuiu também para a motivação da redação deste artigo.
Para os leitores leigos, esse estudo pode contribuir no sentido de ampliar a discussão sobre outras formas de se pensar a atividade sexual. Para os líderes religiosos, sua contribuição vai no sentido de convidá-los a olhar os membros de suas igrejas como seres dotados de capacidades sexuais que não podem ser ignoradas. Este convite pode auxiliar seu trabalho no sentido de favorecer o acompanhamento dos fiéis da Igreja, no que tange aos aspectos relacionados ao tema da sexualidade. Para os psicólogos é um convite a olhar seus clientes como um todo, inclusive com suas crenças religiosas e necessidades das mais diversas quanto à sua sexualidade.
A ampliação de conhecimentos nesta área pode contribuir para que, seja nos consultórios ou nas igrejas, esse sujeito, integrante da Igreja Batista, possa se apropriar de suas crenças e valores em relação à sua atividade sexual. Esta proposta pode favorecer que o mesmo viva sua sexualidade de maneira satisfatória e plena, sem contrapor o que faz sentido para ele em relação à sua fé.
Metodologia
Para elaboração deste artigo foi realizado um breve levantamento bibliográfico a partir das palavras-chave: sexualidade, sexo, Batista e Gestalt-Terapia nos indexadores “Scielo” e “Google” acadêmico e na bibliografia do curso de Especialização em Psicologia Clínica - Gestalt-Terapia (Indivíduo, Grupo, Família). Para o desenvolvimento deste artigo foi utilizado o referencial teórico da Gestalt-Terapia.
Para apresentar aspectos específicos da Igreja Batista foi realizado breve levantamento nos textos da convenção Batista Brasileira e consulta à Bíblia Sagrada.
Ao longo do período de redação deste artigo (entre 2012 e 2015), foi realizado um trabalho de campo, onde foram realizadas dez entrevistas com pastores batistas, coletando informações de falas desses líderes, que serviram de base para a observação de suas percepções sobre o trabalho do psicólogo com os membros de suas igrejas.
Importante também foi a experiência da autora como Gestalt-terapeuta e membro da Igreja Batista para favorecer o aprofundamento do tema.
OLHANDO O HOMEM COMO UMA TOTALIDADE
Ao longo da história do pensamento ocidental se construiu um modo de olhar o sujeito de forma isolada, ou individualizada. Atualmente é percebido que o homem é um ser relacional e por isso, todo o seu entorno, o seu campo de vivências são importantes e precisam ser considerados. Dentro de uma perspectiva "Gestáltica", não é possível tratar a necessidade imediata do sujeito sem levar em conta sua realidade de vida, seu campo social, suas crenças religiosas e sua sexualidade, etc. O homem não pode ser olhado em partes separadas. Segundo Silveira e Peixoto (2012) somos parte da natureza. Somos filhos da natureza, trazemos a natureza em nós. Somos, também, filhos da cultura na qual nascemos e vivemos. Por isso, as relações de troca do homem precisam receber a atenção apropriada, de acordo com sua realidade. Assim, tanto a religião como o sexo precisam ser considerados quando buscamos compreender o humano.
A questão da sexualidade sempre foi assunto de reflexão no seio das igrejas cristãs. A sexualidade fora do contexto da reprodução tendia a ser tratado por estes religiosos como algo não natural e proibido, como se a sexualidade não fizesse parte da natureza humana, ou se o ato sexual tivesse apenas como único objetivo a reprodução da especie. Vainfas (1989) afirma que a colonização brasileira se deu num momento histórico, em que a Igreja Católica buscava recuperar seu poder perdido com a Reforma Luterana. Segundo o mesmo autor, a família precisava ser constituída a partir dos princípios e valores defendidos por essa igreja em luta, como uma forma de manutenção do seu poder, que era questionado por outras correntes da vida religiosa.
Andrea Santos (2011) afirma que, na cultura contemporânea o corpo e o sexo são tratados como acessórios expostos pelos avanços da tecnologia e das diferentes formas de mídia. São abordados de maneira imediatista e desvinculadas das relações que se estabelecem entre as pessoas.
Desconsideram-se as diferenças entre homem e mulher, os sonhos e aspirações e o cuidado e responsabilidade para com o outro.
Enquanto para Souza (2014), nas orientações de alguns grupos pentecostais para seus seguidores, a vida sexual é tratada como sendo um tabu. Algumas correntes desses grupos religiosos apresentam um além reservado, negando o mundo físico, e apresentando um Deus punitivo que condena os que buscam satisfação pessoal em detrimento da reprodução da espécie, como se o sexo não fosse também para o prazer.
O mesmo autor menciona um desses grupos, onde só podem participar mulheres que se intitulam “princesas”1 . Lideradas pela ex-cantora do grupo SNZ, Sarah Sheeva, e seu cunhado, que lidera o “culto dos homens”, essas pessoas são incentivadas a deixarem o comportamento de “cachorros e cachorras” (sic). Os homens são orientados a atravessarem a rua antes de passarem por uma mulher “gostosa”, afim de não pecarem. É a negação de sua sexualidade.
O tabu em relação à sexualidade, não é exclusividade de alguns grupos religiosos. Pinto, ao falar da gravidez indesejada, diz que “uma das causas da gravidez inoportuna é a falta de diálogo em casa” (PINTO, 2007), dizendo ser esse um grande erro de algumas famílias brasileiras, onde a sexualidade é tratada como tal.
Na prática do atendimento psicológico, da mesma forma que o religioso, apresenta-se a necessidade de abordar o ser humano em sua totalidade. Ele não pode ser tratado apenas por seus aspectos físicos, mas precisa ser respeitado com todas as suas experiências de vida. “Há, entre os psicoterapeutas, certo medo da religião e da religiosidade, um medo que sustenta diversos preconceitos, os quais, por sua vez, não raro aparecem disfarçados em saber teórico” (PINTO, 2006).
O valor da Gestalt-Terapia está em acompanhar o sujeito que faz suas escolhas. Respeitar à forma de expressar sua religiosidade, é respeitá-lo como ser humano dotado de capacidade para assumir suas responsabilidades, consciente das consequências resultantes. O trabalho que se propõe a Gestalt-Terapia é acompanhar e dar suporte ao indivíduo, a fim de que ele se (invente). Polster (2001) afirma: “Assim que a palavra ‘crescimento’ tornou-se bastante usada. Novas pessoas vieram, cada vez mais buscando formas melhores de viver, pensando pouco em cura e muito em auto aperfeiçoamento e em descoberta pessoal”.
Diante do exposto, o psicoterapeuta irá acompanhar seu cliente, possibilitando que o mesmo se aproprie do que faz sentido para ele. Isso significa acolher essa pessoa também em suas crenças e convicções religiosas. Segundo Estarque Pinheiro (2013), “é preciso ter cuidado ao olhar o outro, pois ao olhá-lo, utilizo meus óculos”. Ao estar com o cliente, o psicólogo necessita ter clareza de que suas crenças e valores estão envolvidas na forma como percebe esse seu cliente e compreende sua realidade, e na forma com que será feita a sua abordagem.
Com esse olhar mais ampliado, pode surgir uma maneira de atuação que acompanha, acolhe e favorece a ampliação de “awareness”2 do cliente, não dando soluções prontas, acabadas, mas abrindo possibilidades.
Na experiência de atendimento clínico, alguns clientes evangélicos e não evangélicos, trazem situações relacionadas à sua vida sexual, que os impedem de fluir de forma satisfatória e plena. A percepção é de que, ao longo do processo de atendimento, à medida que vão tomando consciência de suas questões, assumem uma postura de apropriação de suas vivências, inclusive na área sexual.
Assim, esses clientes que estão inseridos no contexto religioso, também possuem questões ligadas à sua vida sexual que precisarão ser consideradas tanto no seu ambiente como pertencente à um grupo religioso, quanto em seu processo terapeutico.
Nesse momento, estaremos refletindo um pouco a respeito do sujeito integrante da igreja batista, que é um ser total.
QUEM SÃO OS BATISTAS
Posições religiosas são assumidas a partir dos segmentos ou grupamentos nos quais se subdividem as diversas denominações ou segmentos evangélicos. Dentre esses estão os batistas que serão apresentados de forma breve a seguir.
Segundo Esperandio (2005), surgida na Holanda e Inglaterra, a Igreja Batista foi levada para os Estados Unidos por um inglês chamado Roger Williams e em 1635, foi fundada a Primeira Igreja Batista nas Américas. No Brasil, os Batistas chegaram entre 1871-1881, por missionários americanos. O mesmo autor afirma que em 1882, quando foi fundada oficialmente a Primeira Igreja Batista no Brasil, já haviam pelo menos vinte anos que esse grupo atuava aqui. Chegaram depois de outros grupos protestantes como os presbiterianos, congregacionais e metodistas.
Seus princípios e crenças fundamentais são sistematizados em uma Declaração Doutrinária. De acordo com esse documento, alguns dos princípios de sua atuação são: A aceitação das Escrituras Sagradas (a Bíblia) como única regra de fé e conduta, o conceito de igreja como sendo uma comunidade local democrática e autônoma, formada de pessoas regeneradas e biblicamente batizadas, a absoluta liberdade de consciência e a responsabilidade individual diante de Deus. Enfatizam a responsabilidade do indivíduo por si mesmo e diante dos outros. Essa escolha do sujeito nos remete ao princípio da singularidade. Sobre singularidade dentro de uma perspectiva Gestáltica, Teresinha diz:
“Cada situação de vida é singular. Assim, cada pessoa é singular a cada instante, num contexto singular... Singular significa também raro, não usual, inusitado, estranho, diferente, que vale por si só, significativo, característico, aquilo que causa surpresa, surpreendente, o que se aplica a um sujeito único”. (SILVEIRA e PEIXOTO, 2012, p.54)
A Declaração Doutrinária dos Batistas (2014) define o homem como:
“Um ser pessoal e espiritual, [...] com capacidade de perceber, conhecer e compreender, ainda que em parte, intelectual e experimentalmente, a verdade revelada, e tomar suas decisões em matéria religiosa, sem mediação, interferência ou imposição de qualquer poder humano, seja civil ou religioso”.
Santo (2008) afirma que uma das principais características dos Batistas Brasileiros está na atividade dos pastores que é “a pregação da palavra” ou o ensino da palavra de Deus, significando “confortar, instruir, corrigir”.
A Declaração doutrinária dos Batistas vê o homem com capacidade de experimentar a relação com o sagrado sem mediações, no sentido de que ele pode escolher e decidir sua forma de crer e pensar sem imposição. A Gestalt-Terapia, contempla a importância do papel do psicólogo, não no sentido de direcionar, ou decidir o que deve ser importante, ou melhor, para seu cliente. Mas, pelo contrário, esse profissional precisa caminhar junto ao seu cliente, entendendo que ele é um sujeito capaz e responsável por suas escolhas.
"A Gestalt-terapia é um relacionamento não-exploratório, não manipulativo pessoa-a-pessoa, no qual o terapeuta considera cada pessoa como uma finalidade em si mesma. Embora a mutualidade da terapia não seja total e exista uma diferenciação de tarefa/papel, nenhum sistema de status hierárquico é encorajado ou adotado pelo terapeuta, isto é, o relacionamento é horizontal." (YONTEF, 1988, p. 256)
Neste contexto é possível perceber uma aproximação entre a doutrina Batista e a Gestalt-Terapia em relação ao modo de se relacionar com o ser humano. Ambas acreditam na liberdade de escolha e na importância do estar ao lado.
SOBRE A SEXUALIDADE
“Por sexualidade podemos entender o conjunto de reações, respostas e sensações envolvidas na interação pessoal com estímulos sexuais, sejam estes estímulos reais ou imaginários. Sexualidade é o conjunto dos fenômenos da vida sexual. Um conjunto de sentimentos, ligados a sensações e comportamentos que une as pessoas, envolvendo a emoção, o afeto e a energia. Envolve fenômenos biológicos, psicológicos, sociais e antropológicos que se manifestam no dia a dia das relações entre as pessoas”. (BOECHAT FILHO e CASTRO, 1999, p.19).
De acordo com esses autores, a sexualidade não pode ser considerada apenas sob alguns aspectos, pois ela abrange vários fenômenos que possuem importância da mesma proporção, assim, para uma maior compreensão de como acontece a sexualidade, é preciso observar como acontece a interação desses fenômenos e como se relacionam.
Alan e Bárbara Pease (2000) afirmam que o centro do sexo fica localizado no hipotálamo, região cerebral que controla as emoções. Os mesmos autores falam das diferenças entre homens e mulheres, que precisam ser observadas. Não entraremos no mérito quanto a essas diferenças, mas sim, na importância de observar que somos diferentes e fazemos trocas com pessoas diferentes. Assim, o sexo não será apenas olhado e pensado no hipotálamo, porém no sentido que cada pessoa dará a ele.
A Bíblia descreve a formação do homem (Gênesis 1:27-28), da seguinte forma: “E assim Deus criou os seres humanos; ele os criou parecidos com Deus. Ele os criou homem e mulher e os abençoou dizendo - Tenham muitos e muitos filhos; espalhem-se por toda a terra e a dominem”. O homem é formado com a disposição futura para o ato sexual, ou seja, ele nasce com essa condição. E a partir de um determinado momento, ele irá decidir com quem irá se relacionar sexualmente, ou não. Assim, vamos pensar nesse momento como se dá essa possibilidade de escolha, na relação entre um homem e uma mulher.
“[...] não basta a gente saber sobre as coisas que nos acontecem para que possamos ter uma boa vida sexual – é igualmente importante sabermos como são as pessoas com quem montamos nossas parcerias para que melhor possamos compreendê-las e, assim, conviver melhor”. (PINTO, 2007, p.11)
Pinto (2007) trabalha a questão da sexualidade como um todo. Ele afirma que a sexualidade é maior que o sexo, e o inclui. Com isso, podemos perceber a necessidade que o indivíduo possui de se conhecer, conhecer ao outro com quem pretende se relacionar e o ambiente ao seu entorno. Homens e mulheres veem o ambiente de forma diferente. Pease (2000) afirma quer as diferenças são tantas, que parece surpreendente um homem e uma mulher em algum momento pensarem em viver juntos. Assim, precisam fazer acordos, a fim de montarem suas parcerias.
Além das diferenças pessoais, que precisam ser vistas, será importante para um melhor entendimento, conhecer também o ambiente que os circundam, pois os valores e práticas sociais exercem uma influência fundamental nas decisões e escolhas do sujeito. E nesse contexto, mesmo sendo dotado de capacidade para desenvolvimento de sua atividade sexual, essa, poderá ser marcada ou influenciada pelos fatores culturais. Isso inclui as suas escolhas religiosas, também.
Para pensar a vida sexual como algo que vai além do ato sexual, que abrange dimensões mais amplas, o leitor é convidado a se permitir fazer uma “viagem” pelo campo da sexualidade, e perceber a beleza dessa possibilidade, quando apropriada de forma plena, e fazendo sentido para o indivíduo.
Pinto (2007) usa um mapa como ilustração, dizendo que esse nos dá uma ideia do que seja uma região, mas não é a região. Pensar a vida sexual de acordo com os parâmetros de uma religião da qual não se tem vivência de seus parâmetros e experiências, pode não ser muito fácil. Para quem vivencia a mesma, possivelmente, possuirá um olhar mais apropriado. No entanto, analisar essa vivência a partir de uma perspectiva de fora, com outros parâmetros, pode ser enriquecedor, o que abre o campo dessa análise mesmo para aqueles que não possuem a vivência do observador.
SEXO E RELIGIÃO: UM CONTATO POSSÍVEL
“A palavra “contato” tem sido utilizada para definir o intercâmbio entre o indivíduo e o ambiente que o circunda dentro de uma visão de totalidade, visto que organismo e meio são um todo indivisível. Contato, desse modo, refere-se aos ciclos de encontros e retiradas no campo organismo/ meio”. (SILVEIRA, 2007, p.59)
As escolhas do sujeito estarão de acordo com seu estilo de vida, serão coerentes com suas seleções. Ao pensar esse sujeito responsável por seu jeito de atuar na vida, se dando conta, mantendo a "awareness" de sua atuação no mundo, não deve parecer estranho que a atividade sexual seja exercida de acordo com as normas, regras e critérios de sua religião, já que essa também deve ser uma escolha dele.
A relação harmônica entre a religião e a vida sexual do indivíduo, pode parecer para alguns, algo quase impossível, por causa de possíveis preconceitos com que se aborda essa questão. Mas quando se entende o sujeito com capacidade de escolhas, e, portanto, que se responsabiliza pelas escolhas que faz como estilo, modo de vida, essa compreensão é facilitada.
Para Kant (2008), pelo seu próprio caráter, a religião traz em si, uma tendência normativa que atende ao sentido ético presente em todo homem, que procura agir de maneira a identificar-se com o Deus que acredita que existe. A religião é a expressão prática desse seu desejo, que se formaliza do ponto de vista humano através da igreja. Não é, portanto, difícil de entender que a religião se expressa sobre as mais diversas áreas da vida do homem.
O homem quando busca uma religião, está na expectativa de se complementar, e a relação sexual pode ser comparada também à um complemento que o sujeito almeja. Entender que o sujeito é dotado de capacidade de escolhas, é compreender que ele é capaz de se responsabilizar por sua atuação na vida, nas relações de troca. E nesse sentido, a religião funciona como um mapa (PINTO, 2007) através do qual o homem experimenta e interpreta sua vida sexual.
Desta forma, conhecer mais a respeito da sexualidade e da religão dentro do contexto de escolhas de um indivíduo, sem nos prendermos às nossas próprias convicções, é fundamental para investigar e compreender, através de suas escolhas e relações, quem é este homem. E isto se aplica a todas as outras áreas de nossas vidas.
Parece que nossa “missão” na vida, é a de influenciar e ser influenciado. Isso é verdadeiro ao analisarmos a influência que a religião e os grupos sociais ao qual pertencem, exercem nas escolhas e experiências da vida religiosa do homem. Podemos compreender melhor essa percepção ao analisarmos algumas propagandas veiculadas na atualidade, como as de cervejas que usam mulheres seminuas, por exemplo, e se utilizam de apelos para que a sexualidade seja usada de forma descontrolada, como se dependesse apenas do desejo de um ser humano, sem levar em conta o outro. É como se o sexo fosse um fim em si mesmo, sem efeitos ou consequências para si ou para o outro.
A prática religiosa, como a expressa sob os Princípios Batistas, dentro de seus preceitos traz a consideração dos efeitos dessa relação de troca para as quais precisamos estar preparados para experimenta-los em toda sua intensidade. Considerar o outro nessa relação não significa abrir mão dos prazeres da vida sexual ou desfrutá-la de maneira menos intensa. Na verdade, esses prazeres se complementam e intensificam nessa troca.
No que tange a religião, às vezes é dito que ela leva o homem a ter medo do castigo de Deus, por isso, o obedece de forma plena. Pinto (2006) afirma que a pessoa que “ama” a Deus porque tem medo Dele está em emergência crônica de baixa intensidade porque não pode se entregar nem a Deus nem à vida.
Outra possibilidade seria pensar em um dos objetivos do medo como proteção e cuidado, tanto próprio quanto do outro. Assim parece que a religião apresenta um de seus focos no cuidado com o homem e com seus semelhantes. O sujeito é levado a pensar nos riscos que afetam não somente a ele, mas também ao outro. Risco, nesse caso do ponto de vista dessa prática religiosa, seria a prática do ato sexual no momento considerado inapropriado, tanto para o sujeito quanto para o outro. Segundo Pinto, (2007) “Coragem não é não ter medo, mas confiar no medo e usá-lo para dimensionar os riscos”. Nesse sentido, a vida religiosa do sujeito é uma questão de opção, mais do que o medo de algo superior, dando significado às suas decisões:
“Se 'no coração estão as razões da vida', estão abertas as portas para a autenticidade. Mais que isso: aqui está o fundamento para a autorregulação. A autorregulação organísmica. Como se não bastasse, também essa frase dá sustentação para aquele que é um dos mais importantes valores da abordagem Gestáltica, a autonomia, a auto-orientação a partir do vivido e do sentido, muito mais do que pelo que é aprendido racionalmente”. (PINTO, 2006, p.4)
Em nossa cultura, construiu-se um mito sobre a sexualidade brasileira (Heilborn 2006) a partir de uma imagem formada historicamente desde os tempos coloniais, quando ao chegarem ao Brasil, os colonizadores encontraram homens e mulheres semi nus e estruturas sociais muito simples. Isso é amplamente explorado até mesmo nas propagandas e "merchandizing" que, mesmo sem a menor relação exploram a imagem, especialmente, de mulheres seminuas para influenciarem os consumidores no seu desejo de compra.
Assim, quando falamos dessa forma de ser influenciado, o que se torna claro é o ato de tentar induzir o outro a determinado comportamento almejado, não levando em conta, o que é importante para aquele sujeito. E o que, tanto a Gestalt-Terapia quanto a religião Batista percebem, é esse sujeito como alguém que precisa se responsabilizar por suas escolhas, que tem liberdade para tal.
Dessa forma, o sujeito que escolhe viver num estilo de vida religioso, adota os preceitos do grupo que ele escolhe e que o acolhe, e geralmente optará por seguir as diretrizes estabelecidas para as diferentes áreas de sua vida. Inclusive na prática do ato sexual, considerando assim estar se respeitando e também ao outro, consequentemente, visto estarem ambos inseridos no mesmo contexto.
E será uma escolha dele, não imposta por sua religião. Esse homem é dotado de capacidade e liberdade de escolhas.
O HOMEM E SUAS ESCOLHAS
“Ao tecer sua história, ao descobrir e atribuir sentido e significado, o homem é livre, tem uma liberdade tal que ele pode se tornar livre até mesmo ante o sagrado ou algo que possa ser superior ou anterior ao homem. Este homem, responsável e possante, angustiado e realizador, é o homem cristão, é também o homem que nos apresenta a Gestalt-Terapia”. (PINTO, 2006, p.5)
O conceito de figura-fundo trata da questão da eleição de necessidades do sujeito. Para Rodrigues (2011), elegemos a todo o momento figuras a serem saciadas que tem por trás um fundo e de acordo com nossas necessidades, esse fundo pode tornar-se figura e vice-versa. Assim, sendo as figuras, necessidades imediatas do indivíduo, podem levá-lo a uma ação de acordo com o que faz sentido para ele naquele momento.
Associando-se essa questão da figura-fundo e as relações religiosas, na denominação Batista, o sujeito elege o momento para realizar o ato sexual, onde o mesmo pode estar como figura e em outro, como fundo. E isso não quer dizer que o desejo, ou a predisposição, não exista.
O que acontece quando esse indivíduo escolhe fazer parte de um grupo religioso, que sugere o momento oportuno para o ato sexual – nesse caso, o casamento - ele o põe como fundo por um período definido por ele. Não se trata de dizer que os conflitos inexistam com essa escolha, pode acontecer, mas esse sujeito, decide o que fazer com seu conflito. Assim, é o belo da Gestalt-Terapia que respeita o indivíduo em suas escolhas e opções, ao perceber que isso faz parte das escolhas dele.
O momento que esse sujeito inserido no grupo religioso decide iniciar sua vida sexual a dois, o induz a postergar esse desejo para o ato sexual como fundo, enquanto não chega o momento de seu casamento. A figura, nesse caso, torna-se seus estudos, trabalhos, planos para uma vida em família de forma satisfatória.
Ao se casar, ele permite que o desejo de se relacionar sexualmente com seu parceiro se torne figura. E não estamos falando em desejo sexual, pois esse o sujeito possui, mas a escolha do momento para o ato sexual. Sobre isso, a Bíblia fala (I Cor. 7:9) “Mas, se vocês não podem dominar o desejo sexual, então casem, pois é melhor casar do que ficar queimando de desejo”. Dessa forma, dá vazão aos seus desejos e instintos, satisfazendo, também, de maneira adequada os princípios e valores religiosos que escolhe para si.
É interessante notar que mesmo que por algum motivo esse sujeito esteja separado de seu parceiro, seja por morte ou separação, ele pode voltar a tornar o ato sexual, que vinha ocupando a posição de figura para o papel de fundo, até se unir a outra pessoa através do casamento. Esse indivíduo se utiliza de seus recursos espirituais e age não apenas com seus impulsos, mas, a partir de escolhas conscientes, conforme afirmam os batistas em sua Declaração Doutrinária em sua definição sobre o homem.
SEXO, RELIGIÃO BATISTA E GESTALT-TERAPIA.
A Gestalt-terapia anda em caminho largo, valorizando o todo. O seu foco de atuação permite incluir diversas perspectivas, inclusive no que se refere à sexualidade e à presença do sagrado na experiência humana.
“Que pode haver de cristão em uma abordagem criada por um judeu dissidente que andou, em sua busca pelo sagrado, pisando em solos orientais? A princípio, pensei em não aceitar a empreitada, pensei que não, não seria possível abordar esse tema, mas aí eu me lembrei de que a Gestalt- terapia surgiu e floresceu em uma cultura, o Ocidente, marcadamente judaico-cristã. Então, deve haver algo de cristão na abordagem gestáltica, ou não teria encontrado eco suficiente para progredir e se instalar como uma das mais importantes abordagens da psicologia ocidental. Dessa maneira, aceitei o desafio de procurar alguns encontros entre a Gestalt-terapia e o cristianismo”. (PINTO, 2006, p.2-3)
Quando amamos, descobrimos a importância dos outros, percebemos nossa incompletude e a necessidade das outras pessoas para sermos felizes, (PINTO, 2007). Para a perspectiva cristã, o amor é o centro e principal objetivo dos ajuntamentos espirituais. Isso está presente em toda a comunidade evangélica, que baseia seus princípios nos textos da Bíblia Sagrada. Embora esse amor seja visto em várias formas de expressões nesses ajuntamentos, fica bastante explícito que no relacionamento entre um homem e uma mulher, ele precisa estar presente na forma de uma entrega completa em todas as suas experiências e sensações. Uma passagem dos versos de Salomão expressa isso com clareza: “Eu sou do meu amado e o meu amado é meu..." (CÂNTICO dos CÂNTICOS 6:23).
Esses sujeitos se encontram com perspectivas próximas, pois são participantes do mesmo grupo religioso. Encaram esse amor como sendo algo que vai além da realização do desejo imediato, mas de continuidade e de interesses mútuos. Os Batistas consideram que o espaço do sexo é no relacionamento conjugal.
Pinto (2008) afirma que dentre as muitas correntes da psicologia, a Gestalt- Terapia é uma das que têm enorme potencial para funcionar como facilitadora do difícil diálogo entre a ciência e a religião. E é nessas escolhas que o sujeito faz, que a Gestalt-Terapia o acompanha, respeitando seu modo de vida, considerando tudo o que para ele é importante. Sua religiosidade não ficará fora de suas escolhas. É um fundamento importante para ele. E é tão importante quanto suas outras relações com o mundo.
Seria um equívoco pensar que a relação sexual estaria vinculada ao pecado, pois o que a igreja batista prega em relação a essa questão, é exatamente o contrário, ao fundamentar-se na Bíblia Sagrada (Gênesis 2:24), que diz: “…o homem deixa o seu pai e a sua mãe para se unir com sua mulher, e os dois se tornam uma só pessoa". O que esse texto nos indica é que existe prazer na união a dois, que se tornam uma só pessoa nesse momento do ato sexual.
Com base em passagens do livro de Cântico dos cânticos, um poema de exaltação ao amor erótico e sensual que existe entre um homem e uma mulher, apresentam o relacionamento sexual como resultado do amor e fonte de prazer. E aqui o texto se refere ao amor erótico, expresso em frases cheias de sensações e experiências do dia a dia dos amantes:
“¹Como você é bela, minha querida! Como você é linda! Como os seus olhos brilham de amor atrás do véu! Os seus cabelos ondulados são como um rebanho de cabras descendo as montanhas de Gileade. ²Os seus dentes são brancos como ovelhas com a lã cortada, que acabaram de ser lavadas. Nenhum deles está faltando, e todos são bem alinhados. ³Os seus lábios são como uma fita vermelha, e a sua boca é linda. O seu rosto corado brilha atrás do véu. 4Você tem o pescoço roliço e macio, elegante como a torre de Davi, onde estão pendurados mil escudos, parte das armaduras de soldados valentes. 5Os seus seios parecem duas crias, crias gêmeas de uma gazela, pastando entre os lírios. 6Eu irei até a montanha da mirra, até a montanha do incenso, enquanto o dia ainda está fresco e a escuridão está desaparecendo. 7Como você é linda, minha querida! Como você é perfeita!” (CÂNTICO dos CÂNTICOS 4.1-7)
Outra questão a ser observada, é que a vivência sexual é individual. No entanto, quando esse indivíduo começa a fazer parte de uma comunidade batista, ele passa a receber orientações sobre valores e normas que são estabelecidas por essa comunidade ou grupo religioso. Embora fique a critério dele escolher o que para ele faz sentido, dentro de suas crenças e necessidades, a apropriação desses valores é fundamental para sua aceitação pelo grupo. Através de suas mensagens ou sermões, exaltam a beleza da vida sexual, quando praticada dentro dos parâmetros bíblicos, que são monogâmicos.
Por mais que algumas pessoas acreditem que religião e religiosidade não devam ser assuntos da terapia, não é possível que nossos clientes deixem sua religiosidade na sala de espera enquanto se encontra com seus terapeutas (PINTO, 2006). Não se apresenta como necessidade a separação entre religiosidade e temas de psicoterapia para que se tornem eficazes, ou para que elas possam se mostrar mais “puras”. Podemos perceber que ao contrário, elas podem se complementar, pois ambas pensam no cuidado do homem, de maneira integral.
Os cultos religiosos podem ser úteis para a compreensão da dinâmica presente na Gestalt-Terapia no que tange o acompanhamento do outro. Esses cultos são meios pelos quais os indivíduos se sentem iguais, sem distanciamento do outro. Isso vale para líderes e fieis, pastores e congregados. Não existe uma hierarquia, um sujeito mais apto, mais espiritual do o que outro. Paganelli (2000) cita o texto bíblico de I Coríntios 12:12-22, para dizer que a igreja, composta por pessoas, deve ser comparada ao corpo humano, onde possui vários membros diferentes entre si, porém igualmente importantes.
A compreensão desses preceitos importantes para pessoas desse grupo torna-se relevante no exercício da prática terapêutica.
“O cliente necessita experienciar profundamente em seu íntimo que o terapeuta o compreende ou, pelo menos, que está fazendo um esforço humanamente possível para compreendê-lo. É somente a disposição dos dois participantes de se engajarem nesse tipo de aliança e vínculo que irá permitir que o ambiente terapêutico seja verdadeiramente curativo” (HYCNER,1995, p.112)
Na Gestalt-Terapia isso também acontece de forma plena; o sujeito se sente como parte fundamental do seu processo na medida em que é considerado seu melhor conhecedor, já que a história é sua. O psicoterapeuta o acompanhará, mostrando possibilidades de formas de atuar em um processo que é seu. A atuação do psicólogo será de extrema importância, da mesma forma que a do cliente.
As escolhas do sujeito estarão de acordo com sua vivência social. E sua religião também faz parte do seu contexto relacional. Quando o sujeito que vive essa realidade busca uma terapia, precisa se sentir acolhido para viver o processo terapêutico de maneira saudável, ou seja, de acordo com suas possibilidades de apropriação, o que faz sentido para ele naquele momento de busca de suporte.
Embora a sexualidade esteja presente na vida do homem desde seu nascimento, e ser uma realidade do seu funcionamento físico, algumas normas de convivência social, podem querer ignorá-la, ou violentá-la. E é nesse momento que tanto a psicologia quanto a religião podem mostrar a que vieram, acompanhando e acolhendo esse sujeito em seu modo de se relacionar, em suas escolhas na vida como um todo. Acompanhando-o de forma respeitosa, incluindo sua religiosidade, se for o caso.
Porém, a falta de habilidade para acompanhar o indivíduo, pode, além de não ajudar, atrapalhar seu modo de atuar na vida. Seja sob o aspecto emocional ou espiritual. E isso pode acontecer por falta de flexibilidade e/ou preparo de quem se disponibiliza para atuar, tanto nas igrejas como nos consultórios de psicologia. Assim, esse cuidado precisa ser observado tanto pelo psicólogo, como pelo pastor ou líder religioso, quando a ele for solicitada essa ajuda, esse caminhar junto.
Pensar em uma forma de atender o outro de maneira responsável, considerando e conciliando todo o seu contexto, é se implicar de maneira consciente a que viemos, tanto nós profissionais psicólogos, quanto aos líderes religiosos, independentemente de que seguimento for.
Dentro deste contexto, podemos afirmar que o Gestalt-terapeuta, quando atua de forma consistente com seu referencial teórico, necessariamente atuará de modo respeitoso e curioso no que se refere a forma em que seu cliente lida com a sexualidade e religiosidade. Ele não fará movimentos no sentido de impor suas crenças e valores ao mesmo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
É preciso pensar que a vida sexual e a religião podem ser experimentadas de forma total pelo indivíduo. Para isso, é necessário que esse indivíduo seja olhado e considerado de forma integral pelo outro, não em partes.
Nas entrevistas com líderes religiosos, foi possível observar sobre o quanto vinha sendo difícil, particularmente na atualidade, as pessoas que são religiosas, em especial os batistas, serem respeitadas em suas escolhas no que tange à sua vida sexual.
Nas trocas com os pares contatados, alguns que fazem parte de uma igreja batista, outros de outras igrejas evangélicas, sempre havia a fala de que alguns clientes os procuravam para o acompanhamento, por não se sentirem acolhidos por outros colegas, quando o tema era a vida sexual. Não se sentiam compreendidos em suas escolhas, algumas vezes se sentiam mais “confusos”, ou incentivados a experimentarem o que para eles não fazia sentido em relação a práticas ligadas à sua sexualidade.
Nas conversas com pastores, havia até certo receio de encaminhar os membros de suas igrejas a psicólogos “não evangélicos”, (expressão dos pastores) quando os mesmos estavam precisando de acompanhamento psicológico. Em especial quando o assunto era ligado as suas relações afetivas. Em algumas dessas conversas surgiram exemplos de alguns desses profissionais, que chegavam a incentivar os clientes a “traírem seus cônjuges”, a “experimentarem algo novo” quando o assunto era relação a dois. E quando isso acontecia, essas pessoas voltavam ainda mais conturbadas na busca de ajuda por esses pastores.
Importante enfatizar que esse relato traz questionamentos que nos levam para a discussões relacionadas à ética profissional destes psicólogos. Vale ressaltar que esta atitude contraria inclusive o código de ética do psicólogo em seu artigo 2, inciso b, página 9, que diz: Ao psicólogo é vedado induzir a convicções políticas, filosóficas, morais, ideológicas, religiosas, de orientação sexual ou a qualquer tipo de preconceito, quando do exercício de suas funções profissionais.
O assunto de que trata esse artigo merece ser ainda aprofundado. Outras questões ligadas ao tema se apresentam neste momento, como: até quando os pastores precisarão se sentir confortáveis somente se estiverem encaminhando os membros de suas igrejas para psicólogos cristãos?
Ainda existe pouco material a respeito do tema sexualidade e religião, tema tão importante no ambiente da Gestalt-Terapia. Indica-se, assim, a necessidade dos pares se empenharem na produção de material para que haja mudança nesse cenário, reduzindo essa escassez de produção escrita.
É importante, ainda, pensar que a vida sexual e a religião precisam ser experimentadas de forma total pelo indivíduo que escolheu viver uma vida religiosa, e que sua sexualidade é significativa para ele. Para que isso aconteça, há a necessidade de que esse indivíduo seja olhado e considerado de forma total pelo outro, não em partes.
Ao compreender esse homem que constrói suas relações, seu modo de vida de maneira integral, é possível pensar na sua natureza com um ser único e singular que precisa ser respeitado em suas escolhas e decisões na vida. Tanto a religião quanto a psicologia, precisam ver esse homem em sua totalidade.
Nesse trabalho, não existiu a pretensão de concluir um pensamento, mas de contribuir para novas possibilidades de olhares para esse tema. Esperamos ter colaborado com estas reflexões, e possivelmente, estimular novas questões que possam servir de base para estudos posteriores.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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BÍBLIA, N.T. I aos Coríntios. Português. Bíblia Sagrada. Nova Tradução na Linguagem de Hoje. Rio de Janeiro: Sociedade Bíblica Brasileira, 2009.
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DECLARAÇÃO DOUTRINÁRIA DA CONVENÇÃO BATISTA
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Disponível em: http://www.batistas.com/index.php?option=com_content&view=article&id=15
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NOTAS
* Evane Marendaz: Psicóloga graduada Universidade Celso Lisboa, RJ -
(UCL) e especialista em Gestalt-Terapia pelo Instituto de Gestalt-Terapia e
Atendimento Familiar.
1 “Princesas“ é um termo que se refere às mulheres
que se resguardam em relação à sua sexualidade e práticas
sexuais no espaço do casamento, enquanto “cachorros e cachorras“ são
homens e mulheres que exercem sua sexualidade com várias pessoas. (SOUZA,
2014, p. 106)
2 “Uma forma de experienciar. É o processo de estar em contato
vigilante com o evento mais importante do campo indivíduo/ambiente,
com total apoio sensoriomotor, emocional, cognitivo e energético”.
(YONTEF, 1998, p.215).
Endereço para correspondência
Evane Marendaz
Endereço eletrônico: evanemarendaz@yahoo.com.br
Recebido em 28/09/2016
Aprovado em 17/11/2016