ARTIGO

A relação terapeuta-cliente na abordagem gestáltica

The relationship between therapist and client in Gestalt-therapy

Julia Rezende Chaves Bittencourt de Freitas*

MP - Maternar Psi - Núcleo de Atendimento a Mães, Pais, Casais e Famílias - Rio de Janeiro, Brasil

Endereço para correspondência

 


RESUMO

Pesquisas recentes mostram que os transtornos mentais já são uma das maiores causas de paralisação no trabalho, de afastamento das relações sociais e até de suicídio, causando enormes prejuízos para a vida do sujeito. A psicoterapia, por sua vez, é fundamental para o autoconhecimento e o crescimento pessoal, sendo uma ferramenta eficaz para desenvolver potencialidades e dar-se conta de mecanismos neuróticos. Por isso, cada vez mais, as pessoas estão buscando um tratamento psicoterápico. O objetivo desta pesquisa é estudar mais profundamente a relação entre o terapeuta e o cliente na abordagem gestáltica, uma vez que estudos apontam que essa relação, que envolve empatia, vínculo, confiança, entre outros aspectos, é determinante para o sucesso de qualquer psicoterapia. E a Gestalt-terapia considera a própria relação como sua maior técnica e sua principal ferramenta de trabalho, a qual denomina relação dialógica, sendo ambos afetados um pelo outro, promovendo transformação e crescimento. Para isso, é feita uma reflexão epistemológica das bases filosóficas e teóricas da Gestalt-terapia, procurando relacioná-las com sua metodologia e a atuação do psicólogo no setting terapêutico.

Palavra-chave: psicoterapia; Gestalt-terapia; relação; psicologia clínica.


ABSTRACT

Recent research shows that mental disorders are already a major cause of downtime at work, withdrawal from social relationships and even suicide, causing huge losses to the subject's life. Psychotherapy, in turn, is key to self-knowledge and personal growth, and an effective tool to develop potential and avoid neurotic mechanisms. Therefore, more and more people are seeking a psychotherapeutic treatment. The objective of this research is to study more deeply the relationship between the therapist and the client in Gestalt-therapy, since studies show that this relationship, which involves empathy, bonding, trust, among other things, is crucial to the success of any psychotherapy. And the Gestalt-therapy considers the relationship itself as a major technique and its main working tool, which is called dialogic relationship, both being affected each other, promoting transformation and growth. For this, an epistemological reflection of the philosophical and theoretical foundations of Gestalt-therapy is done, trying to relate them to their methodology and the role of the psychologist in the therapeutic setting.

Keywords: psychotherapy; Gestalt-therapy; relationship; clinical psychology


 

INTRODUÇÃO

A psicoterapia é fundamental para o autoconhecimento e o crescimento pessoal, para lidar com as questões e demandas da vida cotidiana e para o tratamento de transtornos emocionais. Diversos estudos já demonstraram que a relação terapeuta-cliente, baseada em empatia, vínculo e confiança, entre outros elementos, é o fator decisivo no sucesso do tratamento e a Gestalt-terapia considera a própria relação como sua maior técnica e sua principal ferramenta de trabalho.

De uma maneira geral, a palavra terapia ainda tem um sentido restrito. No dicionário, ela é definida como “o conjunto das ações e práticas destinadas a curar ou tratar as doenças”, tendo um ponto de vista muito reducionista. Afinal, a própria Organização Mundial de Saúde (OMS) já definiu que saúde “não é a ausência de doença ou enfermidade, mas um estado de completo bem-estar físico, mental e social”.

Ginger e Ginger (1995) afirmam que, na perspectiva global da Gestalt-terapia, a terapia visa à manutenção e ao desenvolvimento desse bem-estar harmonioso e não à cura ou reparação de qualquer distúrbio – “que subentenderia uma referência implícita a um estado de ‘normalidade’, posição oposta ao próprio espírito da Gestalt, que valoriza o direito à diferença, a originalidade irredutível de cada ser”.

No livro “Essential Research Findings in Counselling and Psychotherapy: The Facts are Friendly” (Descobertas de pesquisa essenciais em aconselhamento e psicoterapia: os fatos são amigáveis), Cooper (2008) afirma que a boa relação terapêutica é um forte indicativo de sucesso no tratamento, sendo fator mais importante do que a abordagem ou as técnicas utilizadas pelo terapeuta. Ou seja, “é a qualidade da relação entre cliente e terapeuta, se são honestas uma com a outra, se compreendem o que dizem; se têm respeito um pelo outro, que facilita a melhora do cliente”.

Ao contrário da maioria das abordagens, que defendem a neutralidade e o não envolvimento do terapeuta, a Gestalt-terapia defende a impossibilidade dessa neutralidade e a utilização do terapeuta e da relação construída como principal ferramenta no processo terapêutico, principalmente por acreditar que o sujeito se constitui nas relações, sendo a relação terapêutica uma delas.

Um dos objetivos centrais desta abordagem é ampliar a consciência do cliente sobre sua forma de se relacionar consigo mesmo, com os outros e com o mundo à sua volta e mostrá-lo um caminho de maior autonomia e independência, baseando-se no auto suporte, contando com seus próprios recursos internos.

A maturidade nada mais é do que a responsabilidade pela própria vida e é exatamente neste sentido que esta abordagem trabalha, ajudando as pessoas a tornarem-se mais maduras emocionalmente a partir de uma maior conscientização a respeito de si mesmas.

Neste artigo, vamos discorrer sobre o surgimento da Gestalt-terapia, o contexto histórico à época e o caminho percorrido por seu fundador, Fritz Perls, até lançar essa nova abordagem, além de explicar as influências filosóficas, como a Fenomenologia de Husserl, o Humanismo e o Existencialismo, e suas bases teóricas, como a Psicologia da Gestalt, a Teoria Organísmica, a Teoria de Campo de Kurt Lewin e o Holismo, a fim de contextualizar a pesquisa.

Em seguida, vamos explicar como ocorre o processo terapêutico na abordagem gestáltica e como acontece a relação terapêutica, fator principal para o sucesso dessa linda e transformadora jornada, baseada na relação dialógica de Martim Buber, em que Eu-Tu e Eu-Isso se alternam, objetivando a maior presença da primeira, para que se construa um contato genuíno entre as partes, ocasionando crescimento e transformações.

 

1. GESTALT-TERAPIA: HISTÓRIA, PRESSUPOSTOS FILOSÓFICOS E BASES TEÓRICAS

1.1- História

A Gestalt-Terapia surgiu na década de 60, nos Estados Unidos, fundada por Frederick Salomon Perls – ou Fritz Perls. Sua concepção se deu em torno dos anos 40, na África do Sul, quando Perls, insatisfeito com as limitações que encontrava com a Psicanálise, escreveu o livro “Ego, Hunger and Agression” (Ego, Fome e Agressão), lançado em 1942 na África do Sul e em 1947 na Grã-Bretanha. Seu objetivo inicial era fazer uma revisão da teoria de Freud, na qual discordava em alguns pontos, o que causou revolta no meio psicanalítico, fazendo com que fosse desligado. Em sua caminhada, fez terapia com Karen Horney e com Wilhelm Reich, com quem começou a olhar para o corpo.

Em 1950, Fritz, junto com sua esposa Laura Perls e outros teóricos - Paul Goodman, Paul Weisz, Elliot Shapiro, Sylvester Eastman Isadore, Ralph Hefferline e Jim Simkin, criou o “Grupo dos Sete”. A partir daí, Perls investiu na estruturação de um novo campo clínico, escolhendo o nome de “Gestalt” e lançando o livro base da teoria “Gestalt-terapia, em 1951, escrito juntamente com Paul Goodman e Ralph Hefferline. Nessa época, seu desenvolvimento ainda era lento, obscuro e limitado.

Apenas em 1968, na Califórnia, a Gestalt-terapia ganhou força, durante o amplo movimento de contra-cultura. Surgiu nessa época com o objetivo de ser anti-intelectualista, anti-positivista, anti-racionalista, anti-mecanicista, anti-explicativa e anti-determinista, “visando mostrar a importância de se trabalhar holística e existencialmente com os clientes, atingindo os níveis emocionais e relacionais” (RODRIGUES, 2000).

A palavra Gestalt é alemã e não tem tradução literal para o português, mas possui o sentido de “forma”, de “estrutura organizada”, de “configuração” ou de “um todo que se orienta para uma definição”. Exemplo: Quando ouvimos uma sinfonia, percebemos que ela é composta por várias partes, tais como o som de cada instrumento, o ritmo e a tonalidade musical. Estas partes nos trazem um estímulo auditivo que nos permite reconhecer a música tocada. Porém, a soma de tais partes – a própria sinfonia – não se resume a estas partes.

Seus pressupostos filosóficos são baseados no Humanismo, na Fenomenologia e no Existencialismo, a partir dos quais ela constrói sua visão de homem, o que define sua prática e sua teoria. Também possui influência da Teoria Organísmica, Teoria de Campo, Psicologia da Gestalt e Holismo.

A psicologia da Gestalt foi um campo estritamente experimental, que se ocupou em trazer questionamentos que foram contrários à visão mecanicista e atomística, como citado acima. Mas vale ressaltar que Psicologia da Gestalt e Gestalt-terapia não significam a mesma coisa: possuem assuntos diferentes, com campos de atuação e preocupações diferentes. Enquanto a Gestalt-terapia está voltada para o campo clínico, com teorias e técnicas que visam dar ao homem condições para seu crescimento, a Psicologia da Gestalt foi um campo de pesquisa, que trouxe uma série de novas perspectivas para entender a maneira com a qual o homem percebe o mundo.

A Gestalt-terapia considera o homem em si como um fenômeno, que se revela lentamente, sendo visto como um ser complexo, que a todo o momento se reorganiza de acordo com as suas necessidades, não podendo ser então conhecido completamente, nem com características fixas e imutáveis, e que faz parte de um contexto, um campo, no tempo e espaço, que o modifica e é modificado por ele a todo instante.

Trata-se de uma prática psicoterapêutica que se orienta por uma visão integradora do homem, procurando vê-lo como um todo, não como um “neurótico”, um “esquizofrênico” ou como um “isso” ou “aquilo”. A patologia é apenas mais uma das várias partes do todo que aquele indivíduo é, e sua "doença" é encarada como a maneira mais "saudável" que encontrou para enfrentar situações insuportáveis ou conscientemente inconciliáveis.

Ela dá ênfase à tomada de consciência da experiência atual, o aqui e agora, e reabilita a percepção emocional e corporal, pouco valorizadas no mundo ocidental, que censura a expressão de tristeza, raiva, angústia e até de alegria e amor, por exemplo.

1.2- Pressupostos Filosóficos

Humanismo

O Humanismo, que defende a ideia de que o homem é considerado o centro do mundo e da existência, surgiu como a terceira força da Psicologia, quando já existiam a Psicanálise e o Behaviorismo, considerados a primeira e a segunda, respectivamente.

O Humanismo acredita que existe em cada ser humano um potencial que ultrapassa sua existência, um impulso para o crescimento e para o processo de individualização, em que o homem é responsável pela sua atualização. É uma concepção do mundo e da existência, cuja questão central é o Homem, tornando-o mais verdadeiramente humano.

Segundo Heidegger (apud RIBEIRO, 1985), o homem é o centro das coisas porque só o homem existe, ou seja, só ele tem maneiras características de se fazer e de se realizar.

O Humanismo acredita que o valor do homem é infindável, por isso exalta as potencialidades do homem e o valoriza como um ser em busca de si mesmo e de seu desenvolvimento.

Ele se preocupa com a valorização do ser humano, lidando com o que há de positivo em cada pessoa, sendo capaz de se autogerir e regular-se. Tal conceito de Rogers recebe a denominação de autorregulação organísmica. Esta força direciona o indivíduo o tempo inteiro em direção à maturidade e à independência.

Existencialismo

A Gestalt-terapia tem uma visão de homem baseada no existencialismo, que valoriza a subjetividade, a singularidade, a responsabilidade e a vivência e tem como foco principal a existência humana.

Para Ribeiro (1985), essa existência é uma grande interrogação, que vai além da relação entre ato humano e intenção, pois, para o existencialismo, todo ato psíquico é intenção. E essa intencionalidade é própria da consciência, pois ela é ativa, viva e livre, e não um depósito morto de objetos e imagens, cabendo a ela dar sentido às coisas.

Um filósofo existencial que influenciou a Gestalt-terapia foi Jean Paul Sartre, que considera o universo não como uma rea1idade, mas sim como o universo humano, no qual o homem está inserido em sua subjetividade. De acordo com ele, “a existência precede a essência” e “o homem escolhe o que projeta ser, usando de sua liberdade, ou seja, o homem é um ser se fazendo”.

Para Ribeiro, o homem é visto como um ser concreto com vontade e liberdade pessoais, consciente, responsável, particularizado, singularizado no seu modo de ser e agir, concebendo-se como único no universo e individualizando-se a partir do encontro verdadeiro com sua subjetividade e sua singularidade.

Ginger e Ginger (1995) definem a Gestalt-terapia como uma filosofia existencial, uma “arte de viver”, uma forma particular de conceber as relações do homem com o mundo.

Fenomenologia

A atitude terapêutica adotada na Gestalt-terapia é baseada na Fenomenologia, sendo seu método focado na descrição do fenômeno. Ou seja, os fenômenos da situação terapêutica são vistos isentos de qualquer a priori e o terapeuta apenas acompanha o fluxo de consciência do cliente, buscando compreender o que está sendo revelado, a fim de captar seu sentido para fazer o cliente perceber o que está sentindo.

Ela foi criada por Edmund Husserl e defende o estudo dos fenômenos, que tem origem do grego "phainestai", entendido como “aparecer” ou “aquilo que se mostra por si mesmo”, ou seja, pode ser considerado fenômeno tudo aquilo que se pode ter consciência.

A Fenomenologia como método de estudo dos fenômenos psíquicos é denominada de psicologia descritiva, focando em descrever o "o que" e o "como" (estrutura e função), pois se propõe à descrição dos fatos que se apresentam, seguindo alguns princípios, como a suspensão do “à priori”, o retorno às coisas mesmas, a visada de consciência e a produção de sentido.

Segundo Ribeiro (1985), a descrição fenomenológica é fundamental, porque o olhar habitual não permite evidenciar o fenômeno em si mesmo. Ele não chega a nós independente de nós, ou seja, a interpretação do fenômeno é e pode ser diversa, pois existe em todo fenômeno um sentido relacional entre a coisa em si e a sua percepção por parte de outro.

Ele afirma, portanto, que o fenômeno busca captar a essência mesma das coisas. Essa essência mesma das coisas busca descrever a experiência assim como ela acontece e se processa. Mas para isso acontecer é preciso colocar a realidade entre parênteses, suspendendo todo e qualquer juízo.

Ribeiro (1993) explica o que entende por trabalhar fenomenologicamente:

“Trabalhar fenomenologicamente é tentar ficar com a realidade como é em si, é trabalhar a partir dela. É ver o fenômeno como a realidade primeira e a partir dele e só dele caminhar para a compreensão do que significa ir alem do fenômeno.” (RIBEIRO, 1993, p. 15).

Vale ressaltar que, dentre os fenômenos a serem observados no "setting" terapêutico, é de fundamental importância estar atento à linguagem corporal do cliente, porque o não-verbal revela mais do que as palavras previamente pensadas.

1.3- Bases Teóricas

Psicologia da Gestalt

Os gesta1tistas colocaram-se criticamente frente à doutrina elementarista-associacionista da época, mostrando que a percepção não é uma composição de sensações separadas. A percepção mostra um caráter de totalidade, uma forma, uma gesta1t. Sua frase clássica: "O todo é maior que a soma das partes".

Essa noção de estrutura do todo é central na Gestalt-terapia, onde o objetivo é o "insight", a clareza estrutural. A ênfase no presente também é outra importante influência.

Detendo-se na experiência imediata e ao mundo como é visto na percepção comum, descobriram alguns princípios gerais da percepção, como: o indivíduo não vê conjuntos de sensações, mas tota1idades unificadas, e figura e fundo - a figura parece mais sólida, se destaca, enquanto o fundo é apenas o espaço vazio.

Outra grande contribuição foi a Teoria de Campo, que fornece conceitos específicos como figura e fundo, situação inacabada, e introduz uma fundamentação conceitual básica.

Teoria de Campo

A Gestalt-Terapia utiliza como uma de suas teorias básicas a Teoria de Campo, a qual se destaca para a compreensão do fenômeno que falamos anteriormente.

Segundo Yontef (1998), a Teoria de Campo de Kurt Lewin se refere à noção de que eventos, experienciações, objetos, organismos e sistemas são partes significativas de uma totalidade conhecível de forças mutuamente influenciáveis, que, em conjunto, formam uma fatalidade interativa contínua.

“Características do campo: 1. um campo é uma teia sistemática de relacionamentos, 2. um campo é contínuo no espaço e no tempo, 3. tudo é de um campo, 4. os fenômenos são determinados pelo campo todo, 5. O campo é uma fatalidade unitária: tudo no campo afeta o resto.” (YONTEF, 1998, p. 184)

Nesse sentido, entende-se que tudo o que existe e que acontece no mundo pertence a um campo de inter-relações de maneira que nenhum fenômeno deve ser identificado e entendido de maneira isolada, visto que é apenas uma parte de um todo unificado e contínuo, isto é, que se compõe e se modifica a todo o momento no tempo e no espaço, importando o campo como é experienciado por uma pessoa naquele momento.

Ribeiro (1999) apresenta como ponto central a noção de que o homem deve ser entendido como uma totalidade integrada e por isso deve ser compreendido dentro de um campo, considerando ainda que os indivíduos se comportam como ser-no-mundo, ou seja, ficam sempre inter-relacionados com o mundo e não separados dele.

Teoria Organísmica

Kurt Goldstein amplia as descobertas dos Gestaltistas para o comportamento em geral e para uma teoria da personalidade, onde liga a noção de figura e fundo ao processo motivacional e comportamental, pelo qual o organismo seleciona no meio aquilo que necessita para sua conservação.

Ele distingue assim duas dimensões: 1) os sistemas internos de compreensão fisiológica, funcionando organismicamente como um todo inter-relacionado no sentido de restabelecer o equilíbrio através de homeostase; 2) os sistemas de contato, sensoriais e motores, pelos quais o organismo obtém do meio o que precisa para atender às suas necessidades vitais.

Assim, o mundo não é um mundo de leis físicas e químicas para o organismo, mas um mundo de sinais e significados. E em circunstâncias adversas, o organismo é capaz de desenvolver mecanismos adaptativos, o qual a Gestalt-terapia denomina ajustamento criativo, um importante conceito da teoria.

“(...) as funções mais ou menos do metabolismo representam a atividade da tendência básica de todo organismo de buscar equilíbrio. Alguns acontecimentos tendem a perturbar o equilíbrio do organismo a cada momento e simultaneamente surge uma contratendência para recuperá-lo (PERLS, 1975, p. 72).”

Holismo

O termo holismo vem do grego "holos" e se refere à totalidade, ao todo, relativo ao conjunto. Foi utilizado pela primeira vez em 1926, pelo filósofo sul-africano Jan Christian Smuts, em seu livro “Holismo e Evolução”, no qual estabeleceu uma relação entre vida e matéria, considerando-as como partes de uma totalidade maior e única.

“(...) compreende que o mundo consiste per se não apenas em átomos, mas em estruturas que têm um significado diferente da soma de suas partes. A mera mudança da posição de uma simples peça de um jogo de xadrez poderia significar toda a diferença entre vencer e perder. A diferença entre a perspectiva isolacionista e a holística é mais ou menos a mesma que entre uma pele sardenta e uma bronzeada pelo sol" (PERLS, 1975, p. 63).

A Gestalt-terapia segue essa visão integradora e enxerga o homem como um organismo unificado, não acreditando haver divisão entre mente e corpo. Sua perspectiva holística visa à manutenção e o desenvolvimento de um bem-estar harmonioso.

Para Perls (1981), os pensamentos e as ações são feitas da mesma matéria, sendo as ações físicas inter-relacionadas às ações mentais. E as“partes” são capazes de afetar o todo, assim como o “todo” afeta as “partes”.

 

2. A RELAÇÃO TERAPEUTA-CLIENTE NA GESTALT-TERAPIA

“ Seja como você é. De maneira que possa ver quem és. Quem és e como és. Deixa por um momento o que deves fazer e descubra o que realmente fazes. Arrisque um pouco, se puderes. Sinta seus próprios sentimentos. Diga suas próprias palavras. Pense seus próprios pensamentos. Seja seu próprio ser. Descubra. Deixe que o plano pra você surja de dentro de você.” (PERLS, 1975, p. 28)

O trabalho do terapeuta é ajudar seus clientes na descoberta de si, acompanhando-os nessa caminhada, de modo a ampliar sua "awareness", seu crescimento e seu amadurecimento.

A Gestalt-terapia é uma prática psicoterapêutica que se orienta por uma visão integradora do homem, procurando vê-lo como um todo, não como um "neurótico", um "esquizofrênico" ou como um "isso" ou "aquilo". A patologia é apenas mais uma das várias partes do todo que aquele indivíduo é, e sua "doença" é encarada como a maneira mais "saudável" que encontrou para enfrentar situações insuportáveis ou conscientemente inconciliáveis.

Não significa que há uma negação do estado patológico, do sofrimento do paciente pelo estado em que se encontra. Somente é feito um novo enfoque, baseado na constatação que - através de tal estado - a pessoa foi capaz de sobreviver e de chegar até ali, ao ponto em que está. E, assim como houve uma necessidade para esta pessoa organizar-se desta maneira, a Gestalt-terapia questiona se não haveria outras maneiras, outras formas de ser e viver, que possam atender mais precisamente ao momento na qual a pessoa vive - suas necessidades atuais (RODRIGUES, 2000).

Ela parte do pressuposto que cada indivíduo apresenta sua específica organização interna, pois cada ser é único e inigualável e o seu funcionamento é sua melhor tentativa de se adaptar ao meio. Logo, se houve uma estrutura constituída para dar conta de um problema sofrido, esta estrutura teve sua necessidade, surgiu para uma função em alguma época e se hoje é tida como uma "doença" é porque se encontra desatualizada em relação ao contexto presente de vida.

Por isso, o trabalho clínico é voltado para uma ampliação da consciência do indivíduo sobre seu próprio funcionamento, sobre como ele age ou como se bloqueia em sua tentativa para alcançar seu próprio equilíbrio.

Dessa forma, o foco terapêutico é deslocado das mãos do terapeuta e vai para a relação terapêutica, onde o terapeuta trabalha para que o indivíduo perceba a responsabilidade sobre suas escolhas e alcance dentro de seu próprio tempo e possibilidades, uma atitude mais autônoma e autossustentada.

A relação que se estabelece entre cliente e terapeuta é um dos aspectos mais importantes do processo psicoterapêutico e a psicoterapia utiliza a postura dialógica, priorizando o humano que há no outro. Assim, o objetivo da terapia é uma experiência mútua, de estar em relação com a pessoa, é uma experiência de encontro, um encontro genuíno, onde o cliente é recebido como ele é, com suas forças e fraquezas, limites e possibilidades.

Por isso, a Gestalt-terapia é uma prática que requer disponibilidade do terapeuta para investir, para “caminhar junto” com o cliente e para se envolver num processo humano. Portanto, ele precisa ter algumas características, como empatia, capacidade de ouvir e prestar atenção no outro, não julgar, estar disponível e aberto ao encontro genuíno, ser curioso, criativo e observador, se abrir para o novo, permitir-se ser ignorante, ou seja, perguntar querendo conhecer, estar pronto para o inesperado, além de viver de verdade sua vida, entre tantas outras.

A teoria que embasa o processo da relação terapeuta-cliente nessa abordagem é a filosofia de Martim Buber, conhecida como relação dialógica, na qual as palavras-princípio Eu-Tu e Eu-Isso demonstram as duas dimensões da filosofia do diálogo que fundamentam a existência do homem.

Buber lutou para que o ser humano saísse de seu egoísmo e estivesse disposto a engajar-se no diálogo, por acreditar que o homem por si só não existe - ele só existe enquanto ser em relação com o mundo e/ou com os outros. Assim, o homem torna-se produto de seus relacionamentos, que são modos possíveis de existência e refletem dois pólos da mesma humanidade, que são: a relação Eu-Tu e a relação Eu-Isso, as quais são consideradas essenciais ao homem (RYCNER, 1995).

O diálogo genuíno (a relação dialógica) é um encontro que acontece entre Eu e Tu, a partir da qual me identifico como Eu e identifico o outro corno Tu. A atitude Eu-Tu é um ato essencial do homem, urna atitude de encontro entre dois parceiros na reciprocidade e na confirmação mútua.

A relação Eu-Tu consiste em estar plenamente presente, quanto for possível com o outro, com poucas finalidades ou objetivos direcionados para si. Nesta relação acontece um encontro existencial, é onde se acolhe a alteridade, a singularidade do outro, implica em reciprocidade e unicidade. É na relação Eu-Tu que reside a possibilidade da emergência da noção de “eu” (HYCNER, 1995).

Esta relação tem as qualidades de proximidade e franqueza, presença e mutualidade. É um momento em que estamos totalmente absorvidos pelo outro, o que nos coloca em contato profundo com a nossa humanidade. A disponibilidade para o encontro Eu-Tu torna o ser humano capaz de reverenciar a existência, portanto de integrar o sagrado e profano (CARDELLA, 2015).

A relação Eu-Isso tem um propósito e é dirigida para um objetivo. É a “coisificação” do outro. Este modo de relação compreende funções de discernimento, vontade, orientação, reflexão, autoconsciência e awareness de separação. É neste modo que a pessoa organiza sua existência no tempo e no espaço, e assim a atitude Eu-Isso é um aspecto necessário da vida humana (HYCNER, 1995).

Segundo Buber (1939), o viver de uma forma saudável implica na alternância entre a relação Eu-Tu e Eu-Isso na qual acontece a conexão (Eu-Tu) e a separação (Eu-Isso), encontrando-nos sempre um busca do ponto de equilíbrio entre nossa separação e conexão com o outro.

Ele afirma que o homem não pode viver sem o Isso, mas aquele que vive somente com o Isso não é homem. Transcender a atitude Eu-Isso é o que possibilita o diálogo, é o que nos permite adentrar a esfera do "entre". Ou seja, considerando o homem um ser inter-relacional e dialógico por natureza, muda o paradigma de um modelo individualizado para o domínio do "entre", que é o que acontece entre as duas pessoas em relação.

Na psicoterapia, o terapeuta assume a função de organizar o diálogo e de confirmar a existência do outro, sem ter nenhuma certeza pressuposta, apreendendo-o como um ser único.

Para a concepção do homem, Buber contribuiu acrescentando a importância da relação no sentido de confirmar a existência, pois o homem é um ser relacional que precisa ser confirmado pelo outro. Este reconhecimento dá ao terapeuta um grau de humildade de render-se diante da existência quando esta se revela à sua frente.

"Nós não existe, mas é composto de Eu e Tu; é uma fronteira sempre móvel onde duas pessoas se encontram. E quando há encontro, então eu me transformo e você também se transforma." (BUBER, 1939, p. 9)

Laura Perls (1994) afirma que a relação dialógica é o eixo central da Gestalt terapia. A experiência ocorre na fronteira de contato, onde Eu e Tu se encontram. Ela afirma que o gestalt-terapeuta não usa técnicas, ele usa a si mesmo na situação com toda a habilidade e experiência de vida acumulada e integrada.

Segundo Hycner (1995), a Gestalt-terapia é vista como uma abordagem dialógica que valoriza a relação entre pessoa e pessoa. No “entre”, todos participamos quando estamos envolvidos e realmente interessados em outra pessoa.

Para Yontef (1993), a função do trabalho terapêutico é buscar restaurar o contato através da relação dialógica, nesse encontro de duas pessoas, no qual uma se deixa impactar e responder à totalidade da outra, e onde o interesse de ambas é no que acontece entre elas.

Trata-se de uma psicoterapia que pela forma de abordar o sujeito e estabelecer a relação terapêutica e o curso da mesma se insere nas psicoterapias de base fenomenológico-existencial e é considerada uma terapia de contato.

Ela está atenta ao revelar-se contínuo do ser, não imprime significados ao outro e trabalha basicamente na esfera do “entre”, isto é, é no “como” a relação se estabelece e se desenvolve que o trabalho terapêutico vai se construindo. E é neste espaço do “entre” que o ser de cada um germina e se transforma. E em algum momento surge o contato genuíno, quando a pessoa estará realmente interessada em si e também no terapeuta, interessada num outro genuinamente.

Este movimento acontece num vir a ser que nunca se completa, num movimento contínuo, alimentado pelas potencialidades em constante atualização, sempre em aberto, mutante, diferente a cada dia, revelador e novo.

Neste contato o terapeuta acompanha o modo de existir do cliente a cada momento, auxiliando-o na descoberta do próximo passo para que possa vivenciar a liberdade e a responsabilidade sobre si e seu viver. Começa então um contato genuíno e se instala a mutualidade e, neste momento, o cliente estará pronto para fechar esta relação e abrir outras no constante fluir de seu ser no mundo.

Cardella (2015), no livro “A clínica, a relação psicoterapêutica e o manejo em Gestalt-terapia”, afirma:

“Na clínica gestáltica, é importante que a relação terapêutica se configure em morada, que haja hospitalidade para que o paciente alcance abertura e sustentação na instabilidade e na precariedade da condição humana, e restaure ou inaugure a condição de peregrino e caminhante, engajado na incessante obra de ser si mesmo, cocriando o mundo e o próprio destino” (CARDELLA in FRAZÃO e FUKUMITSU, 2015, p. 56).

Polster e Polster (2001) afirmam que o terapeuta age a partir de seus próprios sentimentos usando seu estado psicológico como um instrumento de terapia, relacionando com a arte e o artista. Para eles, “do mesmo modo em que o artista que pinta uma árvore tem de ser afetado por essa árvore específica, também o psicoterapeuta precisa estar ligado à pessoa específica com quem ele está em contato” (p. 35).

Eles também relatam que a amplitude do terapeuta para o desenvolvimento terapêutico é muito grande na Gestalt-terapia, assim como no trabalho rogeriano e na orientação existencial, visto que a terapia é entendida como “um envolvimento humano de duas vias”, assim como em qualquer relação.

Cardella (1994) aborda, de forma pioneira, o amor como instrumento e alicerce primeiro do trabalho terapêutico. E define:

“O amor terapêutico manifesta-se através de um estado e um modo de ser caracterizados pela integração e diferenciação da personalidade que nos permite ver, aceitar e encontrar o outro (cliente) como um ser único, diferenciado, e semelhante na sua condição de humano” (CARDELLA, 1994, p. 42).

Para que a relação aconteça os dois lados precisam estar “disponíveis” para sustentar o contato. É necessário fazer contato e permitir o contato. Cada pessoa deve se responsabilizar pela sua “parte” da relação, pela sua “parte” no processo do contato.

Juliano (1999) explica bem o que considera a tarefa principal do terapeuta em sua relação com o cliente:

“A tarefa do terapeuta é acolher o cliente, com tudo que este traz de tenebroso ou sublime, deixando-o depositar no chão sua bagagem, que se tornou pesada de tanto ser carregada as costas. À medida que desenvolvem o calor da intimidade e a confiança, o viajante recém-chegado se dispõe a abrir seus pacotes, mostrando então seus conteúdos e compartilhando histórias de viagem, dos lugares longínquos de onde foram trazidos os objetos que hoje, malgrado o peso a ser carregado, constituem a sua atual riqueza e patrimônio” (JULIANO, 1999, p. 21)

Ela ainda completa: “A escuta interessada do terapeuta é curativa por si só, uma vez que consegue, por espelhamento, fazer emergir o interesse da pessoa, abrindo espaço para que surjam características que estavam escondidas ou negadas” (p. 21).

Para Perls (1981), a tarefa central da terapia não é fazer com que os pacientes aceitem interpretações arcaicas de sua história passada, mas é ajudá-las a se tornarem vivas para a experiência imediata no momento presente. É acordar para a imediatez e simplicidade do agora. O clássico “por que” da Psicanálise dá lugar ao “o que” e ao “como”.

Além disso, a Gestalt-terapia se preocupa mais com a forma e a estrutura do que com o conteúdo da fala. Este sistema modifica radicalmente o que o terapeuta e o cliente vão focalizar, tornando possível começar a partir de qualquer ponto, com qualquer material disponível: um sintoma, um sonho, um suspiro, uma expressão facial, um modo de se sentar, etc. Ou seja, o trabalho se dá em cima do fenômeno, do que aparece, do que emerge.

A busca de uma solução terapêutica trabalhável no presente dá à Gestalt-terapia seu ímpeto para improvisar e experimentar, mais que explicar. A vivência e o acontecimento são as melhores explicações. Ao trocar o local da descoberta, do passado para o presente, da lógica das causas para o drama dos efeitos, Perls foi mais além: ele tornou possível para o paciente em terapia revisar todo o seu padrão de existência a partir da perspectiva do agora. Então a construção que o paciente faz da sua vida se torna uma escolha, não um fato do destino. A medida de saúde, para Perls, é a habilidade de experimentar o que é novo, como novo.

Ginger e Ginger (1995) explicam:

“a terapia dá ênfase à tomada de consciência da experiência atual (‘o aqui e agora’, que inclui o ressurgimento eventual de uma vivência antiga) e reabilita a percepção emocional e corporal (...), desenvolve uma perspectiva unificadora do ser humano, integrando ao mesmo tempo as dimensões sensoriais, sociais e espirituais, favorece um contato autêntico com os outros e consigo mesmo, um ajustamento criador do organismo ao meio, assim como uma consciência dos mecanismos interiores que nos levam, bem frequentemente, a condutas repetitivas” (GINGER e GINGER, 1995, p. 17).

Dessa forma, pode-se considerar a terapia como uma tomada de consciência global da forma de funcionamento do indivíduo, assim como de seus processos. Para isso, há um destaque dos processos de bloqueio e interrupção do ciclo de contato em que as insatisfações, medos e inibições são desmascarados.

Para Aguiar (2005), “a perspectiva do ser humano relacional também implica que o processo terapêutico, que tem como fio condutor a relação terapêutica, se apresenta como uma alternativa para a reconstrução e/ou reconfiguração dos padrões de relação da pessoa com o mundo, sendo a relação terapêutica percebida como instrumento de cura, como um fenômeno interativo facilitador da emergência de formas mais saudáveis e satisfatórias de interação com o meio” (p. 40).

Juliano (1999) se refere a determinadas atitudes que permeiam qualquer processo terapêutico, que seriam: a confirmação, que é a capacidade de confirmar o outro como uma pessoa separada. Apesar de podermos discordar do seu ponto de vista, reconhecemos a sua opção e a respeitamos por ser o modo se ser do outro. A inclusão, que é a capacidade de o terapeuta conseguir se colocar no lugar do cliente, sendo capaz ao mesmo tempo de estar em contato com os seus próprios sentimentos; o ouvir em voz alta, que é o ato de ouvir atentamente e verificar com o cliente se o que foi dito por ele foi entendido da mesma forma pelo terapeuta, é estar completamente presente e atento ao outro. E a relação terapêutica, estar em terapia relacionando-se com o terapeuta e compartilhando com ele histórias e sentimentos que estavam guardados é um ato de escolha, que pode ser considerado o maior de todos os experimentos.

Karwowski (2015), no livro “A clínica, a relação psicoterapêutica e o manejo em Gestalt-terapia”, afirma que “a abordagem tem no contato um de seus principais conceitos; na relação dialógica buberiana a tradução dessa noção e sua operacionalização para o processo terapêutico; na fenomenologia e no existencialismo a fundamentação da noção dialógica, de homem e de mundo”. Dessa maneira, instaura a troca, a interdependência e o entre como elementos primordiais para o desdobramento da psicoterapia.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A relação terapeuta-cliente é um tema bastante discutido no meio acadêmico e entre os psicólogos que atuam na clínica. Há abordagens que defendem a ideia de que o terapeuta deve manter uma certa distância de seu cliente para que consiga avaliá-lo de forma eficiente, com neutralidade e sem envolvimento afetivo.

Visto que a Gestalt-terapia enxerga o terapeuta como um ser humano, que também se constitui nas relações e possui sua bagagem e história de vida, para esta abordagem não é possível que ele se neutralize ou fique distante de um cliente. Inclusive, a relação que se estabelece entre terapeuta e cliente, chamada de relação dialógica, é considerada a principal técnica e ferramenta de trabalho de um Gestalt-terapeuta. E, para isso, ele precisa ter uma postura ativa, acolhedora, empática, disponível para o encontro genuíno e autêntico, fatores que fazem diferença para o sucesso do processo terapêutico.

Um dos objetivos centrais desta abordagem é ampliar a consciência do cliente sobre sua forma de se relacionar consigo mesmo, com os outros e com o mundo à sua volta e mostrá-lo um caminho de maior autonomia e independência, baseando-se no auto suporte (auto aceitação, autovalorização, autoconfiança), contando com seus próprios recursos internos, possibilitando ajustamentos criativos.

A maturidade, para a Gestalt-terapia, nada mais é do que a responsabilidade pela própria vida e é exatamente neste sentido que ela trabalha, ajudando as pessoas a tornarem-se mais maduras emocionalmente a partir de uma maior conscientização a respeito de si mesmas. Isso se dá através de uma terapia de contato, feita no aqui e agora, dentro de uma relação dialógica que se estabelece entre o terapeuta e o cliente, visando à ampliação da conscientização, integração da personalidade e aumento do autossuporte.

A relação terapêutica é muito importante para o desenvolvimento emocional do cliente. Afinal, acredita-se que o espaço da terapia e o contato com o terapeuta são um pequeno exemplo de como é o contato do cliente com os outros em seu meio. Como nesse espaço o terapeuta não julga e devolve suas impressões de como o cliente se relaciona, trata-se de uma relação verdadeira. Desta forma, o cliente pode aprender a estabelecer um contato melhor e mais significativo com o mundo à sua volta também.

Portanto, não se pode falar em neutralidade por parte do terapeuta, pois este deve estar inteiramente a serviço do processo terapêutico do cliente, compartilhando com ele experiências, sensações e emoções que emergem nessa relação.

O terapeuta precisa “colocar entre parênteses” ou “suspender” sua vida no momento em que cuida da vida do cliente, mas, ao mesmo tempo, precisa entender a experiência do cliente e também ser capaz de estar em contato com sua própria experiência. Por isso, quanto mais trabalhado emocionalmente o terapeuta está, através de sua própria terapia pessoal, melhor profissional ele tende a ser, já que suas questões não serão confundidas com as questões do cliente, por mais que possam ser parecidas em alguns momentos.

Na perspectiva global da Gestalt-terapia, a terapia visa à manutenção e ao desenvolvimento de um bem-estar harmonioso, integrando o que a pessoa sente, pensa e a forma como se comporta, respeitando suas necessidades (ou suas figuras), e não à cura ou reparação de qualquer distúrbio, pois essa abordagem valoriza o direito à diferença, ou seja, a originalidade irredutível de cada ser.

Assim, o sintoma (seja ele depressão, pânico, compulsão, gastrite, distúrbio psicossomático, etc) pode ser compreendido como um “sinal” do organismo, de ajustamento não criativo ao meio, podendo ser ressignificado ao longo do processo psicoterapêutico e utilizado na busca de uma autorregulação mais saudável para a vida do cliente.

Essa abordagem não trabalha para o ajustamento do sujeito à sociedade, mas sim para promover sujeitos autênticos. E para que isso seja possível, o terapeuta também deve ser uma pessoa autêntica. Ou seja, é importante construir uma relação entre terapeuta e cliente que seja autêntica, genuína, pautada pelo diálogo de pessoa para pessoa, no decorrer da qual, pouco a pouco, o sujeito vai ampliando sua percepção e atribuindo seus próprios significados.

A partir da experiência sensorial imediata, o cliente vai desenvolvendo o contato com outras camadas, como emoções, memórias, fantasias, expectativas, em um processo em que ambos vão caminhando juntos e explorando as vivências, descobrindo os bloqueios, mas também outras possibilidades e as potencialidades.

Há situações em que o terapeuta se mostra muito pouco e o cliente se sente caminhando sozinho, impossibilitando a formação de um bom vínculo e inviabilizando o processo. Vale ressaltar que a exposição não deve ser total ou desmedida, tomando o espaço do cliente, mas a troca é importante para que se estabeleça uma relação de confiança, disponibilidade, permitindo que o processo aconteça.

Afinal, a Gestalt-terapia instaura a troca entre terapeuta e cliente e o “entre” como elementos primordiais para o desdobramento da psicoterapia e o sucesso do processo de "awareness", autonomia e autenticidade do cliente.

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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NOTAS

* Psicóloga clínica, com formação em Psicologia Perinatal e Parental pelo Maternelle, em formação em Gestalt-terapia pelo Dialógico - Núcleo de Gestalt-terapia e cursando especialização em Terapia de Casal e Família pela ATF-Rio, além de ter capacitação em Psicologia Hospitalar. É uma das idealizadoras do Maternar Psi - Núcleo de Atendimento a Mães, Pais, Casais e Famílias. Atende adultos, casais e famílias, além de gestantes, pós-parto, mães e pais em seu consultório na Barra da Tijuca (RJ).

 

Endereço para correspondência
Julia Rezende Chaves Bittencourt de Freitas
Endereço eletrônico: juliabittencourtpsi@gmail.com

 

Recebido em: 16/08/2016
Aprovado em: 16/10/2016