ARTIGO

Diálogos, marcas e conexões: o método em Teoria Ator-Rede

Dialogues, marks and connections: the method in Actor-Network Theory

Gustavo Borges de Oliveira*

UERJ - Universidade do Estado do Rio de Janeiro - RJ.

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O presente artigo pretende discutir a experiência de pesquisar com o referencial metodológico da Teoria Ator-Rede. Essa ferramenta metodológica utilizada foge do modo de pensamento do realismo euro-americano. O método foi utilizado na prática de pesquisa com o intuito de descrever a multiplicidade presente na favela de Santa Marta, que a fazia “favela modelo” nos anos de 2013 e 2014. Esse método é baseado nas idéias de Bruno Laour, John Law, Annemarie Mol e Donna Haraway. Esse método é performado pelo encontro de humanos e não-humanos.

Palavra-chave: Metodo; Teoria Ator-Rede; Multiplicidade.


ABSTRACT

This article discusses the experience of research with methodological framework of Actor-Network Theory. This methodological tool used escapes the modern western way of thinking. The method was used in the research practice in order to describe the present multiplicity in the slum of Santa Marta, which was "slum model" in the years 2013 and 2014. This method is based on Bruno Laour ideas, John Law, Annemarie mol and Donna Haraway. This method is performs by the meeting of humans and non humans.

Keyword: Method; Actor-Network Theory; Multiplicity.


 

Introdução

Este artigo consiste em apresentar o método que utilizei durante a minha pesquisa de mestrado. Na minha dissertação mapeie as práticas que compõem os diferentes Santa Marta. A ferramenta metodológica utilizada foge do modo de pensamento moderno ocidental. Nela descrevo as múltiplas práticas que fazem o Santa Marta ser considerado favela “modelo”. Nesse texto aponto quem são os meus aliados, quais conexões foram feitas entre as leituras do grupo de pesquisa e o que foi encontrado em campo. Utilizo, como referencial teórico, autores dos estudos Ciência Tecnologia Sociedade (CTS) e da Teoria Ator-Rede (TAR). Posteriormente, apresentarei o que são ambos.

Este artigo é divido em três partes: na primeira, busco fazer uma explanação do que é o realismo euro-americano, por ser um pensamento dominante nas chamadas ciências sociais, incluindo a psicologia. A principal questão do realismo euro-americano é a crença na existência de uma única realidade, coerente, lá fora, longe do sujeito. Nesta perspectiva, o sujeito conhece a realidade, mas não a influencia, ele não se afeta. Acredito ser importante falar sobre o realismo euro-americano para deixar bem claro que o caminho seguido neste trabalho vai no sentido contrário a ele. Na segunda parte, faço uma breve apresentação do que são os estudos CTS, para que o leitor conheça o campo de trabalho dos autores que eu utilizo e de onde surgiu a TAR. Apresento, ainda, a importância do trabalho da Annemarie Mol que utiliza a TAR dando uma guinada à prática, diferente do modo mais tradicional de a TAR se situar no campo. Em seguida, mostro o método utilizado por Mol para lidar com a multiplicidade. Destacando preferencialmente o conceito de conexão parcial, o qual ajuda a evitar que a multiplicidade se confunda com o relativismo.

Por fim, mostro a integração de um mundo múltiplo, onde tudo é situado e as relações entre os seres são parcialmente conectadas. Um simples objeto se tornará algo extremamente complexo, com efeitos surpreendentes, conectado a uma rede com diversas camadas. No fim desta leitura, é possível ter conhecido e sintonizado diferentes realidades.

 

Realismo euro-americano

Os pesquisadores de métodos das ciências sociais passaram o último século trabalhando com a suposição de que o mundo é corretamente entendido como um conjunto bastante específico, determinado e mais ou menos identificável. É o que Law denomina realismo euro-americano (LAW, 2003a; 2004a). Desse modo, tais pesquisadores buscavam métodos que assegurassem qualidade e precisão na representação do mundo.

O principal ponto do realismo euro-americano é a concepção de que há uma realidade lá fora, independente de nós e de nossas ações. Essa suposição gera outras consequências: (MORAES, 2010)

"(a) A realidade lá fora é anterior a nós, isto é, o real sempre precede qualquer tentativa de conhecê-lo;
(b) O real é preciso, delimitado e definido.
(c) A realidade lá fora é uma só, única. Uma só realidade, passível de ser conhecida de muitas perspectivas. Estas diferentes perspectivas são, isso é importante, diferentes modos de conhecer algo que é único. O mundo lá fora permanece o mesmo, a despeito de ser conhecido de muitos modos"
(MORAES, 2010, p.32).

Dessa forma, para o realismo euro-americano, o real pode ser conhecido por um sujeito de conhecimento, capaz de abordar o real sem com ele se misturar, garantindo que o resultado de seu conhecimento seja preciso, delimitado, definido, anterior e independente de qualquer intervenção (MORAES, 2010). Parte-se do pressuposto que existe uma única realidade, apesar de perspectivas diferentes sobre ela. Para Law, a literatura dos mundos sociais, nesse caso, funciona assim: embora possamos viver em vários mundos sociais, vivemos em uma única realidade natural ou material.

Law (2003a; 2004a), todavia, faz parte do grupo de estudiosos que entendem que o mundo é fluido, indefinível e múltiplo. Para ele, existem diferentes realidades, não necessariamente consistentes e que, portanto, os métodos precisam nos ajudar a conhecer e lidar com o mundo em sua fluidez e multiplicidade. Assim, precisamos reinventar as práticas e, consequentemente, as políticas, para lidarmos com a bagunça do mundo.

Assim, para o realismo euro-americano, o Santa Marta seria único e existiriam diferentes pontos de vista a respeito dele. O ponto de vista do turista, do policial, dos moradores e do pesquisador seriam diferentes. O último, ao ir a campo, não se afetaria e o resultado de sua pesquisa seria o mesmo, independente de sua intervenção. Porém, não foi exatamente isso que experimentei em minha relação com esse campo. Vi e vivi não apenas um Santa Marta, mas muitos e são a eles que me refiro nesse trabalho.

Portanto, escrevi sobre o realismo euro-americano com intuito de mostrar o oposto do caminho do qual este artigo segue. Quero deixar claro o que conta como realidade para mim. A filósofa Annemarie Mol (2002), em seu livro The Body Multiple, contraria o realismo euro-americano e eu sigo pelo caminho dela, utilizando o seu método em minha pesquisa.

 

Mol e a Multiplicidade

Annemarie Mol é médica e filósofa, além de ser uma importante autora dos estudos de Ciência, Tecnologia e Sociedade (estudos CTS). Os estudos CTS é um campo que surgiu nos anos 80, em que reuniu autores de diferentes áreas do conhecimento e locais. Nos trabalhos produzidos por esses autores, os três domínios que nomeiam esse campo de estudos não são separados e desarticulados, mas sim co-produzidos através de associações heterogêneas que articulam humanos e não humanos. Isso significa que a ciência, a tecnologia e a sociedade são pensadas juntas. No campo dos estudos CTS, o social não é considerado como algo dado, definido de antemão. Ele é efeito de certos arranjos ou associações que reúnem elementos muito diferentes (MORAES; ARENDT, 2013).

O princípio básico dos estudos CTS é que o conhecimento científico e tecnologias não evoluem no vazio. Em vez disso, eles participam de um mundo social, sendo colocados em forma, moldados simultaneamente. Algumas dessas implicações são incontestáveis. Quem vai negar a importância social da informática e que ela não é moldada pelas implicações econômicas e sociais? Outras são menos óbvias. Como é o conteúdo do conhecimento científico? A prática científica ajuda a produzir os objetos que descreve e explica? Muitos estudiosos dos CTS diriam que sim para a última pergunta. Mas como é óbvio, todos, em maior ou menor grau, contrariam tanto o senso comum como versões de filósofos sábios (LAW, 2004a). Os estudos CTS tornam disponível um argumento muito forte sobre a construção social de todas as formas de conhecimento e desconstrói a segurança das formas científicas. Neles, nenhuma perspectiva interna é privilegiada. Todas as fronteiras internas e externas do conhecimento são teorizadas como movimentos de poder e não como movimentos em direção à verdade.

Não posso deixar de registrar aqui que as duas principais autoras que eu utilizo como referência são feministas: Annemarie Mol e Donna Haraway. Os trabalhos das feministas foram de grande importância para o campo dos estudos CTS. Muitos anos atrás, quando Latour e Steve Woolgar descreveram o laboratório como uma cozinha, em vez de um lugar de crânios da ciência, lembraram o movimento feminista. Donna Haraway mostrou como que a ideologia da família nuclear foi literalmente materializada nas gaiolas utilizadas em pesquisas com primatas. Devido às preocupações das feministas CTS, os estudos CTS sofreram algumas mudanças. Durante os primeiros anos da segunda onda de pesquisas feministas, elas lutaram pela inclusão da ação política, poesia e arte nas pesquisas em ciências sociais. Elas incluíram a arte e estética como algo importante ao se fazer estudos CTS. Nos anos 1980, antes dos estudos da ciência trazerem para análise os não-humanos, as feministas citavam o mundo natural. Isso era feito com o intuito de chamar atenção para as práticas de citação. Elas citavam diferentes não-humanos, como por exemplo, árvores, aranhas e gatos. Elas também aprenderam a citar conversas umas das outras. Ao fazerem isso, elas perceberam que era algo interessante e podia ser uma ação subversiva. Os trabalhos das feministas CTS vão se caracterizar ao pensarem na forma como se está sendo feita a ciência e o que isso promove. Elas vão pensar no efeito que isso gera no mundo (BAUCHSPIES; BELLACASA, 2009). Como no exemplo da citação, elas chamam atenção para a forma como o texto está sendo performado. A forma como o texto é performado gera efeitos.

Nem todos os autores utilizados aqui são da tradição da TAR, como é o caso da Donna Haraway. Os estudos pós-teoria ator-rede devem muito a Haraway (LAW, 2004b). Os autores da TAR começaram nos estudos CTS. O principal argumento desses autores é que o conhecimento é um produto social. Ele é produto ou efeito de uma rede de materiais heterogêneos. O conhecimento, para esses autores, sempre assume formas materiais. Ele aparece em artigos, livros, falas em apresentações ou conferências (LAW, 2003b).

Para Mol (2010), a Teoria Ator-Rede não define os termos “teoria”, “ator” e “rede”. Ela brinca com eles e não faz buscar uma coerência. Vou entrar na brincadeira da Mol e fazer uma breve explanação do que seriam esses termos. Depois, aponto a importância dos trabalhos da Mol para essa teoria.

Responder o que é um ator é algo complexo. Uma coisa qualquer como uma porta seria um ator? A TAR não é muito sensível a essa pergunta pois não se questiona o que pode ser um ator. O interesse da TAR vai se dar em mudar nossa compreensão e sintonizar com realidades diferentes. A TAR não pergunta aos atores de onde as atividades deles vêm, mas sim para onde seus efeitos vão, incluindo os efeitos mais surpreendentes (MOL, 2010).

Um ator nunca atua sozinho. Ele atua em relação com outros atores, conectado a eles. Isso significa que sempre se atua sobre eles. Atuar e ser atuado vão juntos. Mais ainda, um ator-atuado não tem o controle. Atuar não é dominar, posto que os resultados do que se está fazendo são inesperados frequentemente (LAW; MOL, 2009).

No Santa Marta, para o bonde (um ator não humano) funcionar, depende da atuação de um operador, de uma equipe de manutenção, que faz reparos semanalmente, e da energia elétrica. Mas mesmo o operador trabalhando normalmente, a equipe de manutenção fazendo seu trabalho e sem a favela apresentar problemas com energia elétrica, o bonde, frequentemente, não funciona. Muitas vezes, no meio da descida, ele para e o operador precisa tentar resolver algum problema. O operador é outro ator. Nem sempre ele consegue resolver o imprevisto do mal funcionamento. Algumas vezes, é preciso que o bonde fique parado até que a equipe de manutenção consiga fazer os devidos reparos. Para um desatento, parece que o operador tem pleno controle do bonde, que faz tudo sozinho, mas se o bonde não colaborar, o operador não faz seu trabalho. Presenciei esse ocorrido em junho de 2014, durante o lançamento da campanha “linha de frente1”, no campinho, no Pico do Santa Marta. Subi normalmente pelo bondinho. Na volta, ele demorou muito para chegar à última estação. Na descida do segundo bonde, responsável por deixar os moradores na parte baixa da favela, ele parou várias vezes. No final, o operador parecia já estar cansado de tentar fazê-lo funcionar. Para Melo (2006), vivemos em um mundo repleto de objetos, coisas que fazem parte das relações que temos com outros elementos que povoam o mundo. Os objetos não são intermediários, eles próprios produzem efeitos.

Para Mol (2010), um ator age, mas qual a intensidade dessa ação? Podemos, de fato, pensar num ator como algo ou alguém isolado? Pode ser que um ator seja celebrado como um herói, mas ele só parece tão forte porque a atividade de muitos outros são atribuídas a ele. Um ator separado, ao ser destacado, só o é pelas atividades de todos os atores associados envolvidos. Um estrategista, por exemplo, pode ser inventivo, mas ninguém age sozinho.

Despret (2012), uma importante autora dos estudos CTS, em seus textos sobre a etologia, acrescenta diversas camadas. Uma questão que ao ser observada superficialmente parece ser simples, ela deixa altamente complexa.  Na TAR, lições sobre o que poderia ser um ator surgem cada vez que novos casos são considerados. A questão não é purificar o repertório, mas sim enriquecê-lo, adicionar camadas e possibilidades. Não é possível determinar o que é feito para ser um ator na TAR. Ela não define o que é um ator; em vez disso, ela brinca com ele (MOL, 2010).

Para a TAR, tudo que existe é constituído de redes. As coisas existem graças às suas relações. Podemos exemplificar o peixe, que é constituído pela água em que ele nada, sua temperatura, o seu pH, o plâncton e outros animais menores que ele come e assim por diante. Mas o peixe também se relaciona com carne, porque compete nos mercados de alimentos. Os atores dependem dos outros ao seu redor, mas não significa que eles são causados apenas por essa proximidade. A causalidade tende a assumir uma forma determinista. Explicações causais não costumam deixar claro como aquilo foi originado. Por outro lado, em uma rede, os atores são levados a agir pela sua própria capacidade de se relacionar com o que está entorno deles. Se a rede em torno deles vacila, eles podem vacilar também. Se eles não estão sendo colocados em cena, não conseguem fazer tudo sozinhos. Eles param de trabalhar (MOL, 2010). Observando camadas mais superficiais da rede, no exemplo do bonde, ela é composta pelos atores da equipe de manutenção, operador, sistema de energia elétrica. Se algum desses elementos da rede falhar, o bonde não funciona, eles precisam trabalhar em conjunto.

A TAR surge com a associação de atores, formando, assim, uma rede em que todos eles são construídos “atores” e a associação permite a cada um deles agir. Eles são colocados em cena, habilitados, adaptados por seus associados, colocando em cena2 a realidade.  Como os atores vêm participar em diferentes “redes”, discursos, lógicas, modos de ordenação, práticas, as coisas ficam complexas. Os atores começam a variar de rede e, com isso, o discurso, a lógica e o modo de ordenar variam (MOL, 2010). Com a criação do plano inclinado, o acesso às partes mais altas da favela ficou mais fácil. Antes, para se chegar ao pico, só era possível com algum veículo automotor, por uma rua extremamente íngreme, a Oswaldo Seabra, ou encarando os 788 degraus. Com a entrada em cena desse novo ator, a vida das pessoas que moravam nas partes mais altas da favela modificou muito. Antes do bondinho existir, crianças ficavam na parte baixa do morro ajudando os mais velhos a carregar as sacolas escada acima, em troca de alguns trocados. Com o bondinho funcionando, os adultos não precisavam mais das crianças ajudando nisso.

As atividades têm efeitos complexos e frequentemente imprevisíveis. As redes que interferem e produzem montagens também conduzem a surpresas. O que explica o que emerge é difícil de saber, porque as montagens, como os atores, são criativas. Produzem efeitos novos e fazem coisas novas (LAW; MOL, 2009).

Estar conectado e ser heterogêneo não são o suficiente para se falar em rede. Depende do tipo de ação que está fluindo de uma coisa para outra. Em inglês, a TAR é chamada de actor net work. Esse termo fica mais claro na palavra “network”, pois há a net, a rede, e o work, o trabalho. Deveríamos dizer “worknet”, pois o foco na TAR é na prática. Ela está preocupada com o trabalho, com o movimento, com o fluxo e com as mudanças que devem ser enfatizadas nas pesquisas. Pelo nome, parece que estamos nos referindo à internet ou algo parecido. (LATOUR 2006).

Segundo Mol (2010), Michel Callon afirma que a TAR não é uma teoria. Isso é verdade por vários motivos: o social e o físico são estudados juntos, em trabalho da TAR; não há tentativa de tirar conclusões de vários estudos juntos, em um quadro explicativo abrangente; não há uma tentativa para caçar provas, em vez disso, o objetivo é traçar os efeitos. Os efeitos que são rastreados são principalmente os inesperados. Isso é facilitado chamando todas as entidades, atores. O que os atores fazem é de uma forma ou de outra surpreendente. Isso implica que a TAR não doma o mundo teoricamente, ou sugere que os eventos possam ser previsíveis. Muita pesquisa é feita e as surpresas nunca são banidas, em vez disso, elas são atendidas.

Para Mol (2010), a TAR pode ser chamada de teoria se um trabalho dela alterar radicalmente o termo teoria. Para ela ser uma teoria, é preciso que os estudiosos ajudem a sintonizar o mundo para se ver e ouvir, sentir e saborear, para de fato apreciá-lo. A TAR é um modo de se envolver com o mundo, que ajuda na obtenção de sentido do que está acontecendo, no que merece preocupação ou cuidado, raiva ou amor ou simplesmente atenção. A força da TAR está em sua adaptabilidade ou sensibilidade. Ela ajuda a contar casos, desenhar contrastes, transformar perguntas e colocá-las de cabeça para baixo, focar no inesperado, adicionar sensibilidade, propor novos termos, mudar a história de um contexto para o outro; além de tudo isso, ser um amante da realidade. Com a TAR, lidamos de forma diferente com o mundo, criamos o hábito de observar como diversas realidades são performadas por diferentes redes. Nela, vamos sendo afetados por coisas diversas. Assim, as nossas percepções e sensibilidades se focam mais na dinâmica das coisas, nas transformações, na performance e não no que é regular, no que está estabilizado.

A TAR defende a ideia de que os seres humanos estabelecem uma rede social, não só porque interagem com seres humanos, mas também com outros materiais. O social não se deve só pelas pessoas, mas também pelas máquinas, animais, arquiteturas, laboratórios... A TAR permite verificar uma multiplicidade de matérias heterogêneas conectadas em uma rede de múltiplas entradas sempre em movimento, aberta a novos elementos que podem se conectar de maneira inédita e inesperada. Todos os fenômenos são feitos dessa rede, que mescla simetricamente pessoas e objetos, dados da natureza e dados da sociedade, oferecendo-lhes igual tratamento (MELO 2006). A TAR é uma teoria não moderna. Isso significa que ela não separa natureza e cultura, humanos e não-humanos, nem tenta explicar níveis inferiores tomando como referência os níveis superiores. O homem é híbrido, construído por uma série de coisas, uma rede de relações heterogêneas, e a sociedade não passa de associações.

Nessa teoria, os não-humanos são de fundamental importância. Os humanos criam objetos interferindo sobre eles, mas estes objetos também modificam a forma de viver do ser e de estar no mundo dos homens. Durante a nossa vida, na nossa relação com eles, ocorrem parcerias em que humanos e não-humanos tornam-se híbridos sócio-técnicos, misturando as qualidades do mundo físico com as do mundo mental. Nossa vida não transcorreria isolada da ação dos objetos sobre nós. Para Melo (2006), nós não os submetemos, não é o pesquisador que o domina, eles têm agência, são ativos.

"A TAR é uma família disparatada de instrumentos material semióticos e métodos de  análise que tratam tudo nos  mundos  natural  e  social  como  efeitos continuamente gerados por redes de relações. Ela não é propriamente uma teoria, mas um conjunto de procedimentos sensíveis à complexidade desta rede de relações que contam histórias interessantes sobre elas e sobre o que nelas interfere. Ela visa estudá-las, explorá-las, descrevê-las e acompanhar a produção ou remodelação de todo o tipo de atores – o que inclui objetos, sujeitos, seres humanos, máquinas, animais, “natureza”, ideias, organizações, desigualdades, escalas ou arranjos geográficos.  Neste sentido, nada tem realidade ou forma fora da articulação destas relações" (ARENDT; MORAES, 2013, p.315).

"Law (2007, 2009) procurou então mostrar como a história da TAR pode ser contada através de uma sucessão de narrativas empiricamente fundamentadas. Não caberia aqui entrar no detalhe das histórias contadas por Law (histórias de casos da engenharia, filosofia  das  ciências,  biologia, estudos  científicos,  que  exploram  vínculos estranhos e surpreendentes entre barcos, bacilos, moluscos  ou  textos  científicos),  mas  registrar,  em todos os casos,  a atenção dada à arquitetura dos sistemas,  à  materialidade  heterogênea  das relações,  à  sua  precariedade  no  tempo  e  no espaço, à indiferença dos pesquisadores quanto à verdade  ou  não  do  que  está  sendo  investigado, mas  a  uma  decisiva  ênfase  naquilo  que  é produzido pela prática, no interesse pela circulação destas  produções  e  pela  importância  dada  ao estudo exemplar de casos particulares" (ARENDT; MORAES, 2013,p.315).

Para Arendt; Moraes (2013), nos anos 90 do século passado, a TAR buscou explorar a lógica das configurações que poderia levar a uma relativa estabilidade. Esse pensamento era contrário ao da sociologia, que sempre procurou os porquês. Em grande parte das pesquisas empreendidas pela TAR, o que estava em jogo era como os objetos chegavam a se estabilizarem e se tornarem duráveis, em determinadas redes.

Os trabalhos de Mol são contribuições importantes para repensar a pesquisa em psicologia social. Um desses fatos é que eles convocam as pesquisas em ciências sociais a darem uma guinada na prática. Isto significa que a autora propõe que nós investiguemos as práticas cotidianas; no caso dela, são as práticas cotidianas de viver com aterosclerose nos membros inferiores, diabetes, anemia, etc. Para ela, a realidade não é algo dado de antemão, mas o efeito das práticas que fazem existir realidades. As realidades são múltiplas, heterogêneas, articulam atores humanos e não-humanos. Como conseqüência, conhecer não é representar o real, mas interferir nas práticas em que elas formam realidades (ARENDT; MORAES, 2013).

No trabalho de Mol, a TAR entra em uma fase performativa e dá uma virada na prática. Nele, emergem novos conceitos e novas preocupações. São necessárias novas estratégias metodológicas para lidar com o distribuído, múltiplo, o não casual, o caótico, que abrem uma perspectiva até então inusitada na TAR: se os pesquisadores fazem, criam as realidades que investigam, se são as práticas dos atores que colocam o mundo em cena, torna-se possível interferir nessa criação e formar outros mundos (ARENDT; MORAES, 2013).

Para Arendt; Moraes (2013) nos trabalhos mais recentes de Mol, ela se dedicou a estudar a maneira de como se desdobra o tratamento de doentes com diabetes. Ela estava interessada em descrever como se articulavam: os pacientes, enfermeiros, médicos, dispositivos técnicos, substâncias químicas, entre outros atores, no hospital e no cotidiano dos pacientes. Ela acompanhou o que faziam esses atores, ao se articularem entre si, e quais as consequências dessas articulações no cotidiano dos pacientes. O interesse não se dava na descrição desse fazer, mas principalmente na maneira como a realidade era “performada” pelos atores, como eles se uniam para manipular e colocar em cena tal realidade. Os trabalhos de Mol se caracterizam por um mergulho nas práticas médicas.

O interesse dela não é focado em questões epistemológicas. Ela não deseja utilizar a filosofia para estabelecer as condições de um conhecimento verdadeiro. A pergunta dela não é “como encontrar a verdade”, mas sim “como os objetos são manejados na prática”.  Com esse deslocamento, ela pretende que a filosofia do conhecimento adquira um interesse etnográfico (ARENDT; MORAES, 2013).

Para Arendt; Moraes (2013), Mol propõe que passemos de uma investigação epistemológica da realidade, cujo viés, em última instância, seria conhecer uma realidade já dada, para uma pesquisa praxiográfica. Isso significa que apenas nas práticas os objetos são feitos, só em ação que alguma coisa é, que alguma coisa passa a existir. O pesquisador que for investigar as práticas de diabetes ou aterosclerose jamais se afasta das práticas nas quais as doenças são feitas. O trabalho de Mol consiste em analisar os modos como a doença vai sendo produzida e ordenada em arranjos múltiplos e heterogêneos. Com isso o que passa a interessar ao pesquisador é investigar conexões parciais e locais entre as realidades e objetos.

No seu livro “The Body Multiple”, Mol vai trabalhar em um hospital, na Holanda, para saber como os médicos e pacientes lidam com aterosclerose dos membros inferiores. A pergunta de Mol é o que é a aterosclerose dos membros inferiores (LAW, 2004a). Para responder a essa pergunta, ela vai precisar mergulhar no mundo da multiplicidade de realidades (MOL, 2002).

Nesse seu livro, a multiplicidade ganha contornos cada vez mais complicados. Ela se embrenhou no labirinto das práticas de um hospital, acompanhando as formas como aterosclerose de membros inferiores era abordada nos diferentes espaços de tratamento disponibilizado.  Ela queria verificar como o paciente era recebido no consultório clínico, como a doença era concebida no setor de patologia, no centro cirúrgico, no laboratório, setor de nutrição e como eram avaliados os tratamentos preventivos, as intervenções cirúrgicas e as análises de tecido. Qual a importância de acompanhar tais práticas? Mol responde: este livro trata-se de um exercício de filosofia empírica, parte de uma narrativa filosófica (ARENDT; MORAES, 2013).

Mol descreve, pelo menos, cinco lugares onde a aterosclerose dos membros inferiores acontece, mas ela poderia encontrar mais. Ela escreve, por exemplo, uma alternativa não invasiva de tratamento de claudicação intermitente3. Ela também visita o departamento de hematologia, onde há investigação sobre a formação da placa que conduz a estenose da perda lúmen. Há vários locais e cada um com seu próprio método de aglutinação, seu próprio conjunto de artesanato e práticas relacionadas com a saúde. Precisamos aceitar que cada um desses conjuntos de métodos produz sua própria versão de aterosclerose, e que existem múltiplas ateroscleroses. Mas ao falar sobre isso com os profissionais, eles falam sobre um único objeto ou à cerca de um conjunto de objetos e processos que se encaixam em um conjunto para produzir uma única realidade (LAW, 2004a).

Essa visão dos profissionais coloca em cena a versão do realismo euro-americano, em que a realidade da aterosclerose está lá fora, feita anteriormente e independente da intervenção médica. Eles supõem que vão abordar a mesma realidade. Com certeza, às vezes, tudo funciona sem problemas. Dor no pé, exame clínico, angiografia, doppler, intervenção cirúrgica e patológica, tudo se encaixa para produzir uma única aterosclerose coordenada (LAW, 2004a).

Outras vezes, os profissionais são confrontados com realidades mal coordenadas. As contradições são importantes para a prática diária da medicina. A maior preocupação do médico está em o que fazer. Em um mundo ideal, todas as indicações se somam e se encaixam. Mas como o mundo não é perfeito, muitas vezes, os envolvidos têm que trabalhar de forma a agir em face de indicações contraditórias. Os profissionais médicos precisam trabalhar com várias verdades possíveis (LAW, 2004a).

Os médicos do hospital onde Mol trabalhou tentaram diagnosticar e tratar a aterosclerose dos membros inferiores com pelo menos meia dúzia de métodos e agenciamentos. A relação entre eles, às vezes, soa incerta, vaga, difícil, contraditória. Mol chama isso de “problema da diferença”. Nós não estamos lidando com diferentes e, possivelmente, perspectivas falhas sobre o mesmo objeto. Pelo contrário, estamos lidando com diferentes objetos produzidos em diferentes agenciamentos de método. Esses objetos se sobrepõem sim, mas não são os mesmos. Diferentes realidades estão sendo criadas e ajustadas mutuamente de modo que podem ser relacionadas com maior ou menor dificuldade (LAW, 2004a).

Existem diferentes ateroscleroses, no hospital; mas, apesar das diferenças, elas estão conectadas. A aterosclerose é colocada em cena mais que uma, menos que muitas. O corpo é múltiplo e não fragmentado. Mesmo que ele seja múltiplo, ele também se encaixa. A pergunta então é como isso é feito (MOL, 2002).

Se atendermos às práticas, tendemos a descobrir a multiplicidade. Um ponto importante é descobrirmos a multiplicidade e não o pluralismo. A diferença entre plural e múltiplo, é que o primeiro é uma aterosclerose em várias versões; o segundo é que em cada tipo específico de articulação se faz uma aterosclerose diferente.  Então não há uma aterosclerose em várias versões, e sim em cada versão performada uma aterosclerose.  Essa é uma diferença muito sutil, mas é muito importante, porque se pode correr o risco de conferir uma certa estaticidade ao objeto e parecer que somos nós que vemos o objeto de maneira diferente. Mas, na verdade, são as práticas que fazem um outro objeto. A ausência de singularidade não significa que a realidade é fragmentada. Implica em algo muito mais complexo: diferentes realidades se sobrepõem e interferem umas nas outras. Suas relações parcialmente coordenadas são complexas e confusas (LAW, 2004a).

O termo aterosclerose é um mecanismo de coordenação operacional em conjunto com as várias distribuições. Ele preenche os limites entre os locais em que a doença é distribuída. Assim, ajuda a impedir que a distribuição se torne a pluralização de uma doença, objetos separados e independentes. Quando nós visitamos um hospital (ou qualquer outro lugar), estamos em um mundo fracionário. Um mundo em que os corpos, organizações ou máquinas são mais do que um e menos do que muitos. Em algum lugar no meio (LAW, 2004a).

John Law e Annemarie Mol (2009), encontram a multiplicidade ao estudarem a ovelha de Cumbria. Eles dizem que, ao desemaranhar as práticas que uma ovelha figura, ela é atuada de uma forma ou de outra, não descobrimos uma ovelha unificada e coerente; pelo contrário, encontramos uma “ovelha múltipla”. Isso acontece porque em cada prática se produz uma ovelha ligeiramente diferente. Por isso, é multiplicidade, não uma pluralidade. Há complexas e intrincadas relações entre as diversas versões de uma ovelha. As histórias das diferentes versões das ovelhas de Cumbria, em março de 2001, ao mesmo tempo incluem e excluem cada uma das outras.

 

Conexões parciais

No texto “O ator-atuado: a ovelha da Cumbria de 2001”, Mol e Law (2009) trabalham com a questão da multiplicidade. Lá, eles vão defini-la como algo que é mais de um e menos do que muitos. Após essa definição, há uma nota de rodapé que fala sobre a noção de conexões parciais, citando a feminista Strathern4. Law faz a mesma coisa no terceiro capítulo do seu livro “AfterMethod”. Após falar sobre a multiplicidade, escreve um texto apontando a importância das conexões parciais. Essa noção ajuda esclarecer a multiplicidade. O ser nunca está sozinho, está sempre em conectado parcialmente, mas isso não é definitivo. Haraway, no seu texto “Saberes localizados”, desenvolve essa questão. Conexão parcial é toda uma situação que me constitui, porque não é totalizante nem totalitária. A partir dessas situações eu sou constituído. Isso não significa que conexão parcial seja algo que acontece apenas dentro de uma pessoa, é algo muito mais amplo que isso. Nessa noção você trabalha com várias disciplinas ao mesmo tempo. Por exemplo, no Santa Marta, eu estava conectado parcialmente com a arquitetura da favela, com o bondinho e com as pessoas que colaboraram com a “minha”5 pesquisa.

Mol, em “The BodyMultiple”, diz que pretende relacionar seu texto aos trabalhos de Donna Haraway, pois é importante importar textos de outros campos para se poder dizer coisas novas. Eles não vêm de uma disciplina clara, são interdisciplinares, de um campo um pouco indisciplinado. Um fluxo de teoria em movimento através das fronteiras. Os limites das disciplinas Natureza e Cultura e Teoria e Política. Relacionar-se com os trabalhos de Haraway é uma boa maneira de dar a este texto um lugar nesse espaço não disciplinar e fluido (MOL, 2002). 

No geral, nada é definido, apenas no particular. Assim como os médicos do hospital, nós encontramos a singularidade, nós a fazemos. A singularidade é muito específica, muito local e inclui a multiplicidade. Haraway diz que nós produzimos saberes que estão localizados em algum lugar, em nossas práticas e nossos corpos. Nós estamos sujeitos a uma rede de material semiótico densa. Isto é, estamos presos a um conjunto de relações que simultaneamente tem a ver com os significados e materiais. Estão em nossa carne, nas nossas versões de visão, nas relações de poder que nos atravessam e são articuladas por nós (LAW, 2004a).

Conexão, para Haraway, supõe um movimento de parte de ambas as partes conectadas, no caso do conhecimento o sujeito e o objeto. Saberes localizados requerem que os objetos sejam pensados enquanto agentes sobre o saber e não como entidades passivas sobre a qual um sujeito produtor de saber elabora seu discurso. Haraway critica a noção de objetividade baseada na distância radical do discurso entre sujeito e objeto (SILVA, 2009).

Haraway critica também o relativismo, que, para ela, é uma maneira de não estar em lugar algum, mas se alegando estar em toda parte. Como alternativa a esse relativismo, ela propõe conexões parciais, que são saberes parciais, localizáveis, apoiados na possibilidade de redes de conexão (HARAWAY, 1995). “Nas ideologias de objetividade, o relativismo é o perfeito gêmeo invertido da totalização; ambos negam interesse na posição, na corporificação e na perspectiva parcial; ambos tornam impossível ver bem” (HARAWAY, 1995, p.24).

Haraway critica o olhar supostamente neutro da ciência. Ela fala que, nesse olhar, há vários não marcados6: noção de branco, ocidental, euro-americano. Dentro desse neutro, pressupõe várias coisas que não estão sendo expressas. Como uma forma de contrapor essa neutralidade, ela propõe a utilização do conhecimento situado, tanto corporal quanto politicamente. O olhar é mais que percebido, ele é produzido.

O objeto e objetividade de que ela fala vêm da idéia de definições de fronteiras, em que redesenhar as fronteiras tem a ver com as negociações que você faz, com quem você está se conectando. Ela descreve que, quando escrevemos, devemos situar de onde estamos escrevendo, com quem estamos negociando, qual o nosso ponto de vista e assim colocar de forma pessoal e o pessoal se torna político.

"A objetividade de Haraway não parece querer dizer "independente de gênero". O que ela espera para a ciência é uma objetividade sensível ao poder. Sendo gênero um fator estruturante de diferenças na sociedade, a objetividade na ciência deve requerer não independência, mas sim sensibilidade às relações de gênero. Uma ciência independente de gênero seria desejada, deste ponto de vista, em uma sociedade sem relações hierárquicas de gênero" (SILVA, 2009, p.88).

Objetividade é mostrar quem fala, e quem escreveu deve informar seus leitores, para que compreendam o caráter parcial do conhecimento produzido por ela. A parcialidade não significa a falta de objetividade, mas a objetividade local. Ela busca construir não apenas novas teorias, mas novas práticas críticas para a produção científica (SILVA, 2009).

Haraway (1995) fala sobre a relação entre os corpos e as linguagens. Ela diz que eles precisam ser marcados, pois o mundo acadêmico é todo codificado, como uma batalha em que é preciso permanecer no jogo do conhecimento e do poder. Por isso, a importância de explicitarmos as marcas7 de nosso texto. Como pesquisadores, temos que assumir a dimensão política dos textos que construímos. Para Haraway (1995), todo conhecimento é marcado, porque o pesquisador está inserido em um cenário de relações, onde ele opera. O texto nos faz ver que o pesquisador é um ator, nessas associações. Nesse momento, a heterogeneidade e o sincretismo são de extrema importância, pois esse sujeito é político e ele está produzindo um mundo ali. Entre os extremos, existe a construção de um mundo comum. São as marcas partilhadas, tecidas nos encontros com os outros, sejam os humanos ou não-humanos. As relações nas quais o pesquisador se constitui precisam estar no texto, por isso produzir conhecimento se torna algo político.

A resposta de Law,et al. (2013), à provocadora pergunta de Haraway, no texto “Saberes Localizados”, (“com o sangue de quem foram feitos os meus olhos?”) se daria localmente, com aqueles com quem se faz a pesquisa, naquele local onde o pesquisador esteve. Para ele, a produção de conhecimento se daria no encontro com o outro, no processo de transformação causado pelo mesmo. No embalo de Law, respondo à pergunta: meus olhos foram construídos nos encontros com meus colegas de grupo de pesquisa, nas dúvidas que eu tirava com o meu orientador durante as aulas, nos cafezinhos e almoços da UERJ. No Santa Marta, moradores, atuantes em causas sociais, foram de muita importância, pela disposição em responder às minhas dúvidas e até indicar livros. Citando os não-humanos que me auxiliaram e estiveram comigo, o principal foi o Santa Marta, em seus labirintos de ruas, arquitetura original e toda sua história. Meu velho notebook me permitiu carregá-lo para os mais variados lugares, sem parar de funcionar. Meu celular me permitiu tirar as fotos, anotar contatos e informações. Com a resposta dessa pergunta, pretendo situar meus leitores, para saberem de que local eu falo, quais conexões me permitiram produzir este conhecimento, pois, para Haraway, o conhecimento é algo marcado, ele se dá através de conexões parciais e foi através delas que eu escrevi esta dissertação. Assim, este é um texto encarnado, que pulsa através das batidas dos dedos, no teclado do computador, tanto quanto no pedalar das subidas ao Santa Marta e, principalmente, na emoção do vivido e do sentido a cada cena testemunhada, a cada palavra escrita, a cada conexão realizada.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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NOTAS

* Gustavo B. Oliveira: Doutorando em Psicologia Social pela UERJ – Universidade do Estado do Rio de Janeiro – RJ.
1 Foi uma campanha realizada pela ONG Justiça Global, que conta a história das pessoas que lutam pelos direitos humanos. Nesse dia, foi exibido o vídeos com a história de pessoas que lutam pelos direitos humanos.  Mais informações sobre essa campanha podem ser obtidas no site < http://www.linhadefrente.org/ > acessado dia 27/10/2014.
2 Utilizei a expressão “colocando em cena” como forma de traduzir o termo "enacting".
3 Claudicação intermitente é uma sensação de câimbra presente ao fazer exercícios físicos. Uma das suas causas pode ser aterosclerose, doença pesquisada por Mol.
4 Marylin Strathern fala de conexões parciais entre diferentes pessoas, grupo de pessoas, além de algo ainda mais complicado: conexões parciais dentro de uma pessoa. O argumento não é que temos identidades individuais. Strathern observa que a Strathern-antropóloga não é a mesma que a Strathern-feminista. Elas escrevem de maneiras diferentes, em circunstâncias diferentes, para diferentes audiências. Ao mesmo tempo elas não são separadas uma da outra. Strathern-feminista está inclusa na Strathern-antropóloga. O argumento de Strathern é informado tanto pela sua leitura e exposição a figuras de cultura da Nova Guiné quanto pelos debates contemporâneos de política de identidades (LAW, 2004a)
5 Escrevi minha entre aspas, pois, apesar de o trabalho só contar com o meu nome, é fruto de um coletivo.
6 Haraway (1995) se refere à categoria de não marcado como a uma ideia de uma ciência universal, pura e não política. Para ela, isso não existe: todo conhecimento é marcado, é político.
7
As marcas que Haraway fala é uma dimensão política que o pesquisador precisa colocar no texto, em qual cenário de relações ele está inserido.

 

Endereço para correspondência
Gustavo B. Oliveira
Endereço eletrônico: Oliveira.gustavo22@yahoo.com.br

 

Recebido em: 29/07/2016
Aprovado em: 06/02/2017