ARTIGO

Conjugalidade e amor: um olhar da Gestalt – Terapia na prática clínica

Conjugality and love: a look at the Gestalt – Terapy in clinical practice

Stela Regina Pinheiro Correa Leal*

Universidade CEUMA - São Luiz - MA

Endereço para correspondência

 


RESUMO

Este estudo demonstra que a atuação do Gestalt-terapeuta está fundamentada por pressupostos filosóficos, teóricos, pela precisão da técnica que o tornam capacitado para atender a demanda central do cliente, no caso, a experiência do indivíduo em sua relação conjugal e a sua ligação com o amor. Para sua elaboração, utilizou-se o método fenomenológico, de natureza qualitativa, objetivos descritivos. No presente artigo verifica-se que, para uma relação salutar, a fronteira do eu e do não-eu dos sujeitos do casal carece apresentar-se definida e flexível. Considera-se que o profissional em sua prática terapêutica diante do sujeito ocupe-se em ampliar o sentido do “eu” ao valorizar o potencial positivo deste, com o propósito de discriminar os conteúdos: seu, do parceiro e da relação conjugal.


ABSTRACT

The present study demonstrates that the actuation of the Gestalt therapist is substantiated by philosophical and theoretical presuppositions and by the accuracy of the technique that make it capable to attend the central demand of the clients. In this case, the experience of the individual in his/her conjugal relationship and his/her connection with love. For its elaboration, we used the phenomenological method, qualitative research and descriptive goals. This article verifies that for a salutary relationship the frontier of the self and the not-self of the members of the couple lacks to show itself defined and flexible. It is considered that the professional in his/her therapeutic practice before the subject should be focused on enlarging the sense of self to enhance the positive potential of this, with the purpose to discriminate the contents: yours, your partner’s and your conjugal relationship.

Keywords: Conjugality; Gestalt Therapy; Love; Clinic.

 

INTRODUÇÃO

Segundo Carpagiani (2011), o início do trabalho terapêutico é sempre fonte de angústias, ansiedades e preocupações, pois tanto os conceitos teóricos quanto o uso da técnica, atenção e ética profissional devem ser colocados em prática e o futuro profissional da psicologia deverá ter esses passos bem instruídos e internalizados. Aguirre (2000) considera que ao trabalhar os conceitos teóricos, o uso das técnicas e a ética profissional, o psicoterapeuta torna-se capaz de proporcionar um trabalho de qualidade, assim como, a promoção de saúde do cliente.

Com base nos conceitos teóricos é possível desenvolver uma pesquisa bibliográfica correspondente com a principal demanda vista nos atendimentos clínicos referenciados na literatura específica, já que os consultórios de Psicologia são, além de tudo, locais de produções de conhecimento (CARNEIRO, 2011).

Consideram-se componentes caracterizadores da Psicologia Clínica a ética, comprometimento do profissional com a história do cliente aliados com a abordagem norteadora de sua atuação nesse cenário (CARNEIRO, 2011). Nesse contexto sob o olhar da Gestalt-terapia como abordagem específica, pautada em pressupostos humanistas, existenciais e fenomenológicos, Ribeiro  (2012, p. 40), afirma “... é nesta tríplice visão que o homem se torna inteligível dentro de nossa proposta e, uma vez tendo o homem se tornado mais inteligível, o modo ou os modos de abordá-lo se tornam coerentemente mais eficazes”.

A Psicologia Clínica possui o seu surgimento relacionado à clínica médica, e Freud como seu idealizador. Inicialmente a clínica médica fundamentava-se em diagnosticar, realizar prognósticos e prescrever tratamentos adequados ao paciente em dada situação, tal exame realizado no domicílio do paciente mediante observações e entrevistas. A anamnese como etapa inicial do tratamento clínico foi criada por Hipócrates, a partir de observações. Os termos diagnóstico, tratamento e anamnese utilizados no discurso da prática clínica psicoterapêutica demonstram a influência que esta teve com o discurso médico (VIEIRA; VANDENBERGHE, 2011).

Ao criar a Psicanálise, Freud modifica alguns aspectos do padrão médico colocando o paciente como sujeito de sua história e não mais como objeto de adoecimento ao inserir o seu saber e o seu discurso como centro do tratamento através da escuta. De acordo com Moreira, Romagnoli e Neves (2007), mesmo Freud tendo operacionalizado importantes rupturas, a Psicologia Clínica possui pontos em comum com o modelo médico, como observação e diagnóstico para uma intervenção e tratamento. 

Segundo Vieira e Vandenberghe (2011), três correntes importantes em psicoterapia se estabeleceram no início no século XX: as abordagens psicodinâmicas, as abordagens comportamentais e as abordagens humanistas-existenciais e fenomenológicas. O artigo em questão enfoca exclusivamente nesta última abordagem, pois como cita Ribeiro (2012, p. 41), “no silêncio de Perls”, está um convite para um olhar fenomenológico-existencial para a Gestalt-terapia, conservando a essência proposta por ele.

O termo Gestalt tem sua origem alemã, e aparece inicialmente em 1523 advinda de uma tradução de um trecho da Bíblia, cujo significado remete a “o que está diante dos olhos”. Atualmente, a palavra Gestalt refere-se ao processo de configurar, de dar forma (MAGALHÃES, 2011). Para Ribeiro (2011): “Gestalt é movimento, é processo de resgate do imediato. O ‘que’ as coisas são mora no passado, às vezes em um futuro imaginado. O único modo de ‘surpreender’ a realidade está no presente e aí que a Gestalt das coisas pode ser captada e se fechar” (p.16).

Nessa via, o Gestalt-Terapeuta depara-se constantemente com temas da relação conjugal na prática clínica (FÉRES-CARNEIRO; ZIVIANI, 2010). A conjugalidade ocasiona na reunião de dois polos subjetivos em busca da formação de um terceiro polo (MAGALHÃES, 2010, p. 207). Ribeiro (2007) afirma que é no contato que se finalizam as “gestalts”, sujeitos de relação com percebem-se como existentes através deste.

Para Hansen (2010) a escolha por um parceiro conjugal é ocasionada por muitos desejos, no qual o indivíduo eleito estimula os mecanismos de defesa, ou seja, para que a decisão seja feita são necessários que semelhanças se estabeleçam em virtude dos desejos e defesas familiarizados.

Diante da dinâmica do relacionamento conjugal, o amor sempre foi caracterizado como essencial à sua existência e, além disso, assinala-se como uma das maiores buscas do ser humano ao longo de sua vida: amar e ser amado (CARDELLA, 1994).

Nessa perspectiva, o estudo em questão preocupa-se em abordar como a Gestalt-terapia e seus pressupostos filosóficos e teóricos através da atuação do psicoterapeuta ocupa-se em abordar a conjugalidade e o amor como demanda do cliente.

 

PSICOLOGIA CLÍNICA ENQUANTO PRÁTICA PROFISSIONAL

Segundo Bock (2008), a Psicologia Clínica vincula-se à prática através da Psicoterapia, não limitada a esta enquanto exercício, orientada por um método por clamar uma avaliação, diagnóstico do histórico e do momento atual ao qual o sujeito se encontra, com objetivo de tornar possível a intervenção psicoterapêutica, com o aporte de princípios científicos.

Prado et al. (2012) alertam para relevância do psicoterapeuta fazer uma reflexão acerca dos pressupostos teóricos que o embasam na prática psicoterápica; consonante a isso, Vogel (2012) admite que, anterior ao debate da importância do terapeuta na relação terapêutica, é necessária a definição da teoria aplicada e quais bases têm o seu surgimento, pois estas terão influências diretas no trabalho desenvolvido.

Gestalt- terapia como abordagem terapêutica tem o seu nascimento em 1952 por Frederick Perls e sua esposa, Laura Perls, com a publicação, em 1951, de Gestalt Therapy, redigida por Frederick Perls, Paul Goodman, Ralph Hefferline. Tal abordagem está consolidada a partir de influências teóricas e filosóficas: o Humanismo, Existencialismo, e a Fenomenologia como filosofias basilares, a Psicologia da Gestalt, a Teoria de Campo, a Teoria Organísmica como teorias de base (SILVA; ALENCAR, 2011).

O Humanismo, como pressuposto filosófico, centraliza o homem em suas questões, no fazer-se compreendido e no compreender-se numa concepção de mundo e de existência, pois segundo Heidegger (2006), só este tem capacidade de fazer e de se realizar. Tal pressuposto coloca a Gestalt-terapia ao lado das psicoterapias humanísticas, a um nível que valoriza o potencial positivo da pessoa em que o cliente empodera-se de si e do mundo, ao observar suas próprias limitações (RIBEIRO, 2012).

Ribeiro (2012) afirma que tanto para o Existencialismo quanto para a Gestalt-terapia, o homem é visto como único, tangível, com escolhas e liberdade, conscientes e responsáveis. O Existencialismo expõe o sujeito como resultado de uma experiência única, e que, para compreendê-lo, é necessário que se faça a partir de sua singularidade, da manifestação do seu subjetivo.

Uma influência relevante na Gestalt-terapia é a Fenomenologia que, além de filosofia, é um método que acarreta uma visão específica de mundo ao mostrar a realidade através do fenômeno familiar à consciência do sujeito, isto é, situações, pensamentos, pessoas, sentimentos. Tal sentido conduziu Husserl a perceber a fenomenologia como “ciência descritiva das essências da consciência e seus atos”, em vista de que a relação “sujeito-objeto constitui-se na intuição originária da consciência”. Dessa forma, o reduzir é essencial para o entendimento do fenômeno ao se tratar da procura por significado através da compreensão da totalidade pela consciência (RIBEIRO, 2012, p.65; SILVA, ALENCAR, 2011).

Segundo Ribeiro (2012), a consciência é constituída de intencionalidade ao se direcionar para algo ou alguma coisa; é a tomada de consciência e formação de um sentido que possibilite a compreensão dos fenômenos vivenciados.

Consoante a Psicoterapia, para o autor supracitado, tal reflexão traz uma conduta de paciência mediante o fenômeno-cliente, pois este se observado, se autorrevela. O psicoterapeuta coloca-se diante dele, descreve-o e compreende-o a partir dele e para ele. Nesse encontro, onde o fenômeno se revela, é promovida a relaçãocom, pois cliente e psicoterapeuta tornam-se inteligíveis um para o outro ao encontrarem-se como totalidade.

Na prática, o psicoterapeuta é um facilitador do fenômeno, ao ocupar-se com o que e o como ao atravessar o externo das coisas em busca do contato com o fenômeno. Para que isso ocorra é fundamental que o terapeuta coloque sua ‘realidade em parênteses’, num ato de suspensão de qualquer juízo de valor que lhe pertença. É a chamada “epoché” (SILVA; ALENCAR, 2011). Em linhas gerais, é necessária que a sua atitude seja de receptividade à realidade do cliente (MARTÍN, 2013).

Em vista de tal reflexão a respeito dos pressupostos filosóficos que dão aporte à Gestalt-terapia, suas teorias basilares passarão pelo mesmo prisma, a começar pela Psicologia da Gestalt (RIBEIRO, 2012).

A Psicologia da Gestalt teve como um de seus primeiros responsáveis Max Wertheimer com o auxílio de Kurt Koffka e Wolfgang Köhler. Estes pesquisadores ocuparam-se em estudar a percepção, a aprendizagem e a solução de problemas. Aliados a este conhecimento, a teoria de campo de Kurt Lewin e a teoria holística de Kurt Goldstein, Perls ampliou a Psicologia da Gestalt com o intuito de torná-la um embasamento teórico para a Gestalt-terapia (MÜLLER-GRANZOTTO, MÜLLER-GRANZOTTO, 2007; RIBEIRO, 2012).

Como base teórica, ocupa-se principalmente em avaliar a experiência do organismo em sua totalidade e imediatamente, o todo e suas qualidades, sem torna-lo um agrupamento de partes (RIBEIRO, 2012). Tal afirmação é extraída da lei da pregnância elucidada por Perls como “tendência espontânea ao fechamento de um campo de vivências temporais que é nossa subjetividade” (MÜLLER-GRANZOTTO, MÜLLER-GRANZOTTO, 2007, p.81).

A aprendizagem em Psicoterapia dá-se quando o cliente evidencia uma pluralidade de soluções, através de insights, e percebe a situação como um todo (RIBEIRO, 2012). Em outras palavras: o organismo chega a uma solução criativa através da introvisão (insights) que altera o seu campo perceptual pela reestruturação do meio psicológico (SCHULTZ, SCHULTZ, 2011).

Outra teoria que dá sustentabilidade à Gestalt-terapia é a Teoria de Campo criada por Kurt Lewin e conceituada por Yontef (1998, p.210) como:

"Teoria de campo é um enfoque ou ponto de vista para examinar e elucidar eventos, experimentações, objetos, organismos e sistemas, que são partes significativas de uma totalidade conhecível de forças mutuamente influenciáveis, que, em conjunto, formam uma totalidade unificada contínua (campo), em vez de classificá-las de acordo com a natureza inata ou analisá-las com a finalidade de obter aspectos separáveis e totalidades formativas e somáveis. A identidade e a qualidade de qualquer evento, objeto ou organismo desse tipo apenas o é, em-um-campo contemporâneo, e somente pode ser conhecida por meio de uma configuração, formada por uma interação mutuamente influenciável entre percebedor e percebido".

Somado a este, Ribeiro (1999) acrescenta a explicação de Espaço Vital que, segundo o autor, contém o essencial para o conhecimento da atuação do indivíduo em um meio psicológico e tempo certo. Ao considerar um sujeito um ser de relação com, este está em constante contato com o universo numa dupla dinamicidade, um atuante sobre o outro.

A Teoria Organísmica de Goldstein exerceu influência nos postulados da Gestalt-Terapia igualmente a outras teorias de base anteriormente citadas. Para explicar o organismo, Goldstein utilizou-se de conceitos de figura-fundo. Na clínica, como prática, esse conceito refere-se a explicar o método terapêutico como um todo: o cliente como figura e sujeito que verbaliza figuras (que ora se encontram como figura, ora se encontram como fundo) em função das necessidades deste, e ao fundo o psicoterapeuta (RIBEIRO, 2012).

Feita a análise teórica da Gestalt-terapia, Martín (2013) observa que a prática psicoterápica é responsabilidade do sujeito que a opera e pela forma como o faz. A história do sujeito deve ser respeitada pelo psicólogo a ponto de não ter o seu exercício corrompido ou transformado em uma tática de manipulação da pessoa do cliente.

As formas mais costumeiras de intervir equivocadamente junto ao cliente são fornecer ajuda de maneira inapropriada, julgar e determinar obrigações e deveres ao cliente, dar explicações a este em momentos inadequados (MARTIN, 2013).

Expor suas experiências, quando necessário e adequado na terapia, pressupõe ao terapeuta um interesse no plano afetivo e pessoal, o que dá a esse encontro o caráter humanitário. A humanidade assinala-se pela capacidade do terapeuta em apontar as investidas que o cliente realiza em busca de autenticidade e em oferecer amparo e reconhecimento. Mediante essa reflexão e ao fato de cada vez mais na clínica serem apresentados temas como relação conjugal inseridos na demanda central do cliente (FÉRES-CARNEIRO; ZIVIANI, 2010), o próximo tópico aborda como a Gestalt- terapia enxerga a conjugalidade.

 

CONJUGALIDADE SOB A ÓTICA DA GESTAL-TERAPIA

A conjugalidade resulta no encontro de dois “eus”, dois pólos subjetivos em busca da formação de um terceiro eu, “uma identidade compartilhada” (MAGALHÃES, 2010, p. 207). Ribeiro (2007, p. 11) afirma que é no contato que se finalizam as gestalts, pois sujeitos são sujeitos de relação com os quais se percebem como existentes através do contato.

Para o mesmo autor acima citado, há “tipos de contato: consigo mesmo, com o outro e o mundo conosco” (RIBEIRO, 2007, p.13). Esses tipos de contato resultam da subjetividade que o sujeito tem da forma como se relaciona com o outro e de como a realidade é captada pela sua subjetividade. Ribeiro (2007) considera que todo contato pressupõe uma relação eu-mundo, ou seja: “primeiro eu existo, depois sinto, penso, faço e falo” para depois este sujeito perceber a realidade como algo fora de si, perceber a sua própria percepção acerca da realidade e perceber o que percebeu.

Silveira (2005) observa a importância do conhecimento sobre fronteira nesse contexto, descrito pela teoria de campo de Kurt Lewin. Lewin caracteriza o campo psicológico e social como um grupo de forças atuantes no tempo presente que formam relações entre as partes. Esse campo possui regiões, intrapessoais, interpessoais, físicas e sociais, cujos limites são denominados de fronteiras. Funcionalmente, a fronteira evidencia a distinção e a correlação dos elementos. Na divisa da fronteira, onde o contato acontece, ocorre “a percepção, o afeto, a cognição e a ação”.

Desse modo, para a autora acima citada, a fronteira é o lugar onde há a discriminação do eu entre o não-eu, de modo que seja necessário que os limites da fronteira estejam claros para o sujeito, observa-se a importância do dar-se conta e do elaborar a fim de que o contato com o outro resulte em encontros e não em experiências a fim de perder-se.

Hansen (2010) afirma que a opção por um parceiro conjugal resulta de vários desejos, na qual o companheiro selecionado pode favorecer os mecanismos de defesa, ou seja, para que a seleção seja feita é essencial que similaridades se constituam em virtude dos “desejos e defesos” familiarizados.

Nesse sentido, o casal inicia a relação com sua imagem pré-estabelecida, conforme cita Walsh (2002, p.15) em torno dos papéis que os parceiros ocuparão nessa relação e até mesmo da duração desta.

"A construção dos papéis e das regras da relação é um processo circular de influência recíproca ao longo do tempo. Nenhum casal inicia uma relação a partir do zero, cada indivíduo tem um sistema de crenças e de expectativas em relação ao casamento estruturado a partir da experiência na família de origem e de outras experiências matrimoniais e de casal, imerso na cultura de uma comunidade e sociedade específica. Esses valores permeiam os nossos modos de conceber o casamento e condicionam os nossos modos de ser marido e ser mulher".

Para Magalhães (2010), a escolha de um parceiro por vezes é motivada pela procura do eu na resolução de seus próprios conflitos, o que acaba por dar uma sensação de completude no encontro, pois ambos estão com seus “eus” mal delimitados. Nesse sentido, Cardella (2009) completa:

"Muitas vezes, o casamento passa a ser um meio para suprir carências de ordem psíquica por meio de vínculo com outro, que se torna objeto de satisfação ou prazer. Esta é a raiz de grande frustração e inúmeros rompimentos: quando os parceiros transferem um para o outro, ou mesmo para a relação, a responsabilidade ilusória de dar conta de necessidades afetivas que transcendem a própria relação" (CARDELLA,2009, p.48).

Ante a incapacidade do organismo de dar conta de suas próprias necessidades e promover um contato saudável, este recorre a mecanismos de defesa que garantam seu funcionamento de maneira cristalizada.

Nessa questão, a confluência ocorre quando o sujeito se confunde com o outro, sem discriminação das identidades, pois as fronteiras não estão bem delimitadas. Nesse contexto, um dos cônjuges nega as desigualdades do outro e persiste em torná-lo uma extensão de si mesmo (PINTO, 2013).

Polster e Polster (2001) abordam sobre o desenvolvimento da confluência para a retroflexão no momento em que um dos parceiros transgride a confluência que passa a ser exercida como um acordo entre o casal, ao viver a sua individualidade. A outra parte pode manter-se ressentida, ao exigir que o parceiro mantenha o elo confluente e direciona a este um sentimento de culpa, culpa esta que pode ensejar o sujeito a se autopunir.

A retroflexão é notada quando o sujeito “trata a si mesmo como gostaria de tratar os outros”. Isso se deve ao fato de investir suas energias em si mesmo em vez de direcioná-las para fora com intuito de promover uma modificação no meio que atenda as suas necessidades. Geralmente, o sujeito que retroflete sente-se inadequado e insatisfeito em relação ao meio. Possui a tendência de reparar e verificar o que fez várias vezes (PINTO, 2010).

Hansen (2010) afirma que, ao introjetar, o indivíduo capta para si o que se encontra no mundo, sem seleção. Aceita o outro de qualquer forma para ser aceito. No relacionamento, o sujeito introjetor possui fronteira de contato porosa, vulnerável à demanda dos outros. É comum que este viva em função de seu parceiro.

Para a autora supracitada, o projetivo é o oposto do introjetivo, pois se tornam sujeitos desconfiados, tendem a responsabilizar o outro pelos seus atos, a serem agressivos e a idealizarem o parceiro em uma tentativa em transformá-los no seu ideal de ser amado.

Em contrapartida, Silveira (2005) remete a uma dinamicidade entre a individualidade dos sujeitos do casal e a intimidade para a manutenção saudável do relacionamento:

"dependendo da fluidez e da permeabilidade da fronteira do “nós”, os membros do casal se unem como par e separam-se em unidades individuais. Aliás, o bom funcionamento do casal depende em grande parte de como os parceiros conseguem fazer encontros saudáveis na fronteira do “eu” e na fronteira do “nós”. É necessário que prevaleça um ritmo harmonioso de união e separação, o qual favoreça, de um lado, a intimidade e, de outro, a individualidade".

Relacionado a esse conceito pode-se incluir o ajuste criativo que, quanto à questão abordada, remete à flexibilidade na fronteira com o intuito de experenciar novos contatos; para tanto, é fundamental o autossuporte, que instrui o sujeito na busca de uma conduta mais pertinente em dado momento, a fim de recriá-lo e ressignificá-lo (SILVEIRA, 2007).

Na união criativa, a capacidade de troca, como o diálogo honesto, por exemplo, desenvolve a relação favoravelmente assim como cada membro do casal. Para a autora supracitada, o ajuste criativo na relação conjugal não impede que ambos entrem em conflito, porém irá colaborar para o conhecimento de si, do outro e para o relacionamento. Dessa maneira, a conjugalidade é vista como encontro genuíno em que “o contato, a empatia, o ambiente facilitador e uma boa instrumentalização dos limites tornam a vida mais plena”.

Para Silveira (2007), o criar, no relacionamento conjugal, permite que ambos entreguem-se e estejam presentes em si mesmos, em uma “oscilação entre serem dois e serem um”; desta maneira, o amor está inerente ao ato de criar. Cardella (1994) refere que estar disponível ao seu parceiro assim como impor limites resultam em uma satisfação recíproca, que está ligada às características do amor de quem as experiências, e desta forma o próximo tópico abordará o amor e a conjugalidade.

 

AMOR E CONJUGALIDADE

Para Scorsolini-Comin e Santos (2014), ao examinarem o conto “Substância”,do escritor Guimarães Rosa, definem que o amor é a tinta que escreve a conjugalidade e dá a esta uma nova configuração diferente daquelas que cada cônjuge trouxe de seus vínculos parentais. Uma terceira configuração transformada, atualizada e ressignificada, um eu comum. Silveira (2007) afirma que esta terceira configuração ,particular dos casais que se amam, surge através de “nova linguagem, novas regras que definem a peculiaridade do casal”.

Platão (2012), em sua visão filosófica inatista, define o amor como algo que sustenta, mas que ainda assim se torna ausente, pois sua natureza o torna assim. No conto “O banquete” relata a existência de três gêneros na espécie humana: o macho, a fêmea e o terceiro que é formado a partir da união destes dois, os chamados Andróginos que, pela sua perfeição e completude, desafiaram os deuses do Olimpo e receberam como castigo a divisão de seus corpos, quando foram tornados enfraquecidos. Feita a divisão, cada parte galgou ansiosamente juntar-se a outra.

Corroborada ao mito platônico, destaca-se o amor romântico, ideal de amor preconizado na Idade Média cujo sentido fora ampliado aos dias atuais. O seu surgimento teve como bases constituintes a instauração do amor cortês na Europa Pré-Medieval (COSTA; BELMINO, 2015).

Para os autores supracitados, o amor cortês é uma maneira de rebelar-se contra os modos sociais vigentes na época: o casamento tinha como função a troca de favores econômicos e sociais pelos senhores feudais, a fim de garantir a manutenção de suas posses. Além disso, há um rompimento com o ideal sagrado cristão, onde a figura do feminino é intocável e torna-se alvo de desejo.

Dessa forma, a nova concepção de conjugalidade foi instaurada a partir das escolhas dos cônjuges e a retirada da responsabilidade dos pais em escolher seus parceiros. Em consonância com a liberdade de escolha, há a padronização dos papéis femininos e masculinos na relação conjugal, onde a mulher é direcionada à educação dos filhos e cuidados com o lar e ao homem, o provimento deste (OLIVEIRA, 2004).

Nesse sentido, de acordo com Maia (2011), conforme o novo modelo de conjugalidade se compunha, este se aproxima da idealização do amor romântico a fim de solidificar o acordo conjugal. Jablonski (2003) afirma que, apesar da aproximação, que repercute aos dias atuais, a vida conjugal continua alterando-se conforme as imposições sociais. A fragilidade da relação conjugal no século XXI, os papéis e funções autorizadas a ambos, a emancipação feminina, tanto sexual quanto econômica, a variabilidade no modelo conjugal, visto de um ponto de vista mais individualizado, são aspectos que afastam a relação conjugal deste modelo romântico.

Em contrapartida, Martins (2008) afirma um ponto em comum entre o amor romântico moderno e o conceito de amor atual, que é na crença do controle que homem tem sobre sua vida; neste sentido, Costa (1998) indica cinco aspectos característicos desse amor:

"(a) a idealização de um sentimento pessoal, apresentado como pleno, mágico, exático e superior em intensidade e gozo a qualquer outra experiência emocional do individuo; (b) a desqualificação moral do exercício puramente físico da sexualidade; (c) a exigência de uma sexualidade livre e, ao mesmo tempo, submissa ao amor. Só esta última condição a torna digna do amor sublime; (d) o estabelecimento da sexualidade como pré-requisito da realização do amor sublime e a consequente “sexualização do universo” e, por fim, (e) a exigência de que o indivíduo entregue sua chance de felicidade ao acaso, já que a ele pertence o poder de revelar a pretensa imagem do ser amado que ele possui sem saber, e que corre o risco de jamais encontrar enquanto viver, pois pode confundi-la com mais uma miragem" (COSTA, 1998, p.74).

Dessa maneira, com a característica romântica transmitida socialmente nas relações conjugais, em paradoxo com a preservação da individualidade presente na Modernidade, o indivíduo pode perceber-se em conflito e insatisfeito (DANTAS, 2011; COSTA, BELMINO, 2015). De modo geral para Petersen:

"Cada pessoa tem sua coleção particular de idiossincrasias, trazidas da infância e de sua experiência. Os seus hábitos são peculiares. Ela se sente bem com eles. Pensando em se casar, ela procura alguém que também se sinta com ela como ela é e, ao mesmo tempo satisfaça as suas necessidades emocionais. Isto significa, geralmente, alguém bem diferente dela, e faz parte da atração. Agora combine essas duas coleções de temperamentos, personalidades e características individuais, e veja quanto campo para discordância e dificuldades" (1985, p.41).

Hansen (2010) afirma que, o conflito se dá quando um sujeito deste casal ou ambos experenciam necessidades distintas. Dessa maneira, o sujeito que emana a demanda de insatisfação, poderá recorrer à Psicoterapia, que irá trabalhar na distinção do conteúdo que é seu, e do que é próprio do casal (SILVEIRA, 2005).

Boccalandro (2003) considera que pessoas, que têm dificuldades em suas relações amorosas, desenvolveram isso desde a infância através de experiências de abandono, humilhação ou rejeição e como consequência sentimentos de culpa, menos valia e vergonha. Tal sentimento consolidado gera um sentimento de separação do seu eu no contato com o seu parceiro.

Cardella (1994) afirma que, por conta dessa noção equivocada do que é o amor, a pessoa, que sofreu este tipo de experiência, quando criança, tenderá a ser atraída por pessoas semelhantes aos pais como uma forma de resolver o passado.  O sujeito mobiliza energia psíquica para manter essa experiência ao fundo para que não se torne figura e não seja esta revivida; nesse trajeto, procuram relações que se assemelhem a relações conflituosas que tiveram com seus pais (MARTINS, 2008).

Dantas (2011) propõe que, nesse caso o Gestalt-terapeuta trabalhe com o cliente o aumento do sentido do seu “eu”, a fim de que busque seu autoconhecimento e diferencie os valores familiares introjetados de suas próprias necessidades, em vistas a que facilitem o seu grau de satisfação. Desse modo, o sujeito é capaz de lidar de maneira singular em cada situação (POLSTER; POLSTER 2001).

Martins (2008) ressalta a importância de conceituar o caráter dual da construção do fenômeno amar na conjugalidade. Mesmo que o sujeito tenha reconhecido sua insatisfação e recorrido à terapia, no artigo em questão, ambos os sujeitos do casal cooperaram para o crescimento e estabelecimento do fenômeno amar.

 

METODOLOGIA DE DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA

Este artigo tem como perspectiva central discutir a conjugalidade vista a partir de pressupostos teóricos norteadores da Gestalt- terapia como abordagem humanista-fenomenológica- existencial no cenário clínico. Ressalta-se aqui a atuação do psicólogo e o seu olhar individualizado sobre o indivíduo a partir da conjugalidade e do fenômeno amar como parte intrínseca do processo, de tal maneira que, para sua elaboração, utilizou-se o método fenomenológico husserliano como abordagem, segura e livre de hipóteses ao retornar às coisas mesmas, ao fenômeno percebido diante da consciência. O importante para essa pesquisa é o modo como a conjugalidade é percebida e vivenciada pelo sujeito no mundo e com o outro, sem fechá-la a um conceito definitivo. Em vista de tais considerações, utilizou-se a técnica de pesquisa de natureza qualitativa como forma de abordar o problema central do presente artigo (GIL, 2008).

Holanda (2006) considera que a pesquisa qualitativa tem por responsabilidade pesquisar, explicitar, analisar fenômenos, estes ocultos ou não, os quais não são capazes de serem medidos, pois possuem aspectos humanos. Neste contexto Moreira (2004) caracteriza a pesquisa qualitativa como a interpretação, em termos de flexibilização no processo de nortear a pesquisa, ou seja, não há uma determinação exata do caminho da pesquisa, há uma atenção com o seu contexto na forma com que os assuntos abordados se ligam na composição do trabalho científico.

Quanto à natureza da pesquisa, segundo Prodanov e Freitas (2009), esta se constitui em aplicada por ter como objetivo a formação de conhecimentos para o emprego na prática voltado a resolução de problemas específicos.

Sob a ótica dos seus objetivos esta pesquisa identifica-se como descritiva, pois tem como objetivo central descrever as características dos fenômenos, assim como suas variáveis, sem que a interferência do pesquisador se faça nesse cenário (PRESTES 2003). De outro lado, segundo Gil (2008), há pesquisas classificadas como descritivas a partir de seus objetivos, mas que servem para dar um outro olhar ao problema, o que as aproxima das pesquisas exploratórias. No contexto, esta pesquisa levanta um olhar sob a conjugalidade e o amor a partir da Gestalt-terapia e suas aplicações práticas como pano de fundo.

Nessa perspectiva, para Prestes (2003, p.26), “a pesquisa bibliográfica é aquela que se efetiva tentando-se resolver um problema ou adquirir conhecimentos a partir do emprego predominante de informações provenientes de material gráfico, sonoro ou informatizado”.

Gil (2008) considera a importância da pesquisa bibliográfica por autorizar o pesquisador a um universo de fenômenos maior do que poderia acessar se pesquisado diretamente, o que amplia a sua importância por se tratar de uma pesquisa com dados dispersos no espaço. Ressalta ao pesquisador assegurar as fontes secundárias de pesquisa a fim de não utilizar dados equivocados. Para tanto, é necessário que se certifique das circunstâncias em que os dados foram adquiridos, avaliar criteriosamente as informações a fim de evitar incoerências, discrepâncias e fazer uso de diversas fontes de pesquisa.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Psicoterapia gestáltica é, sobretudo, existencial-fenomenológica e humanista, respalda o psicólogo a enxergar o homem nesse tripé, para torná-lo inteligível para si e em sua relação com o mundo. Ribeiro (1999; 2007; 2011; 2012) possui valorosas obras que evidenciam essa visão de mundo e de homem ao elencar o Humanismo, o Existencialismo, e a Fenomenologia como filosofias de base que, respectivamente, centralizam o homem em suas questões, tornam-no ser único e responsável por suas escolhas, um sujeito de significado e sentido.

Na prática terapêutica, Silva e Alencar (2011) e Ribeiro (2012) concordam que ao trabalhar esses princípios filosóficos o psicoterapeuta, em sua atitude de respeito à singularidade do sujeito, trabalha com o potencial positivo e criativo do sujeito a fim de fortalecê-lo para que este possa entrar em contato com aquilo que o aflige, para poder agir, pensar e se comunicar de maneira saudável.

Nos estudos evidenciou-se que, nesse contexto, o terapeuta além de fazer a suspensão de seus juízos de valor ao estabelecer relação com o cliente, facilita o fenômeno ao utilizar “o que e o como” em seu discurso, o “observa, descreve e sintetiza” em sua manifestação no setting juntamente com o cliente para posteriormente certificar sua percepção do entendido “a oferecendo para apreciação e deleite do mesmo” (SILVA; ALENCAR, 2011).

Tanto para Magalhães (2010) quanto para Féres- Carneiro e Zivani (2010) notou-se um crescimento no número de sujeitos que possuem como queixas clínicas a relação conjugal no qual estão inseridos. Para Polster e Polster (2001), os indivíduos não procuram mais a prática psicoterápica por estarem ou não doentes, mas por estarem atentos às suas necessidades e desejos no sentido de levarem essa preocupação à psicoterapia.

Nessa direção, a noção de contato e fronteira tão bem explicitada por Magalhães (2010), Ribeiro (2007) e Silveira (2005), torna-se importante para este estudo. Na conjugalidade, indivíduos de “relação com” entram em contato, partilham os seus “eu” no propósito de formarem um terceiro “eu”, chamado por Silveira (2007), Polster e Polster (2001) de “nós”, com desejos e necessidades próprias do casal, cuja fronteira é bem delimitada.

Observa-se que, para um relacionamento saudável, a fronteira do eu e do não-eu dos sujeitos do casal precisa apresentar-se definida e flexível, pois é neste encontro de diferenças que ocorrem o crescimento do “eu” conjugal, o ajustamento criativo. Segundo Silveira (2007), “é necessário que prevaleça um ritmo harmonioso de união e separação, o qual favoreça a intimidade e a individualidade”.

Diante disto foi visto que, quando a fronteira expressa rigidez ou porosidade, o organismo se vê impossibilitado de fazer um contato saudável ou evitar o contato, neste caso, recorre às táticas que proporcionem sua integridade e sobrevivência. Segundo Pinto (2010), os mecanismos de defesa funcionam como um ajustamento criativo enquanto não cristalizados, uma busca do organismo em manter o equilíbrio.

Nesse contexto, foi observado, na literatura, quatro mecanismos de defesa: Confluência, Retroflexão, Introjeção e Projeção. A Confluência é verificada quando o indivíduo não pode fazer contato consigo, pois se percebe conectado com o outro, não diferencia o que é seu do outro.

Pinto (2010) considera que na confluência cristalizada, o parceiro confluente age como se o outro fosse sua continuação, sem permiti-lo fazer escolhas ou agir diferente à sua vontade. Quando uma das partes do contrato confluente viola a regra, sente-se culpada e submete-se por vezes às indelicadezas da outra parte. Esta confluência quando rompida pode também se tornar uma retroflexão quando o sujeito que quer manter o elo confluente pune-se a si mesmo, “pela auto degradação, humilhação ou sentindo-se sem valor e ruim”, como uma maneira de oferecer a si o que o outro não ofereceu (POLSTER; POLSTER, 2001).

Nos estudos levantados a retroflexão se dá quando o indivíduo direciona a si as energias que direcionaria ao mundo, torna-se o passivo e o ativo de seu comportamento e possui alta probabilidade de adquirir doenças psicossomáticas.

Nesse contexto, o introjetivo é o indivíduo que incorpora para si atitudes, pensamentos e princípios do outro. Possui dificuldades em experenciar o que é seu, pois, assim como o confluente, não reconhece o que é seu e o que é do outro. O projetivo busca responsabilizar o outro pelo que é seu, não aceita o que sente e “distribui em pedacinhos a sua identidade” (POLSTER, POLSTER, 2001).

Diante do que foi visto, percebeu-se que o amor é algo importante a ser pesquisado quando se trata de relação conjugal, pois de acordo com as obras de Cardella (1994, 2009) a sua presença é essencial para a construção do “eu” do indivíduo, porém Costa e Belmino (2015) afirmam que o amor é uma invenção humana que se refaz e se modifica ao longo dos cenários socioculturais ao variar conforme os aspectos econômicos, religiosos, sociais entre outros.

Não há uma unanimidade em relação à definição do que é o amor pelos autores. Como afirma Martins (2008) é uma tarefa árdua e os que se aventuram a tal façanha admitem que conceito algum irá exaurir o significado e o sentido que o amor pode expressar.

Para literatura há uma flexibilização das escolhas amorosas, ao mesmo tempo em que o sujeito, mediante valores familiares introjetados, escolhe seu parceiro, tem que lidar com aspectos modernos que se contrapõem a essa idealização conjugal como: a emancipação da mulher, tanto sexual quanto econômica, a modificação dos pensamentos à respeito do ideal de um casamento e da formação familiar e novas divisões de papéis no lar (JABLONSKI, 2003).

Apesar de existirem outros tipos de amor na literatura (amor próprio, amor fraterno, amor espiritual e amor materno), no estudo em questão foi enfatizado o amor romântico e o amor erótico encontrados corriqueiramente nas leituras a respeito do amor e da conjugalidade. O amor romântico encontrado na literatura como confluente e até mesmo patológico (CARDELLA, 1994) se distingue do amor erótico por este galgar a prosperidade dos indivíduos do casal, ao satisfazerem suas necessidades de maneira recíproca e assim se realizarem individualmente por ambos apoiarem e permitirem o crescimento um do outro.

A contextualização da conjugalidade como fator influente no mecanismo psíquico do sujeito é de suma consideração, pois como afirma Ribeiro (2007), o indivíduo é resultante do contato que realizou durante a sua vida. Dessa forma, como o ser e o ambiente não são partes rígidas que compõem um campo e sim flexíveis, influenciadas e influenciáveis ao mesmo tempo, levando-se em conta que a conjugalidade é o encontro de duas subjetividades que se relacionam e compartilham uma terceira, com necessidades próprias, conclui-se que, a conjugalidade é um campo relacional do casal onde acontecem as influências que aparecem no contexto de cada sujeito.

No campo relacional, quando as fronteiras do eu de um dos sujeitos que a compõe não estão bem delimitadas ou bastante rígidas, o organismo, numa tentativa de procurar sua autorregulação, recorre aos mecanismos de defesa para o seu funcionamento, mecanismos tais como confluência, retroflexão, introjeção e projeção. 

A relação entre conjugalidade e amor na atualidade possui relevante valor científico, pois como o amor romântico, oriundo do amor cortês da Idade Média e introjetado como ideal de amor a ser vivenciado, transformou-se ao longo do tempo, simultaneamente, houve uma variabilidade nas relações conjugais e nos papéis que cada indivíduo exerce na relação. Nesse sentido, o indivíduo entra em divergência com os parâmetros individualistas gerados pelos valores atuais, os quais o levam a se sentir insatisfeito e entrar em conflito.

Dessa maneira, o sujeito insatisfeito recorre à psicoterapia no intuito de ser trabalhada a distinção entre o conteúdo que é seu e o que é do casal. Nos estudos levantados verificou-se que pessoas que possuem dificuldades em seus relacionamentos passaram por situações traumáticas na infância, que na fase adulta, tornaram-se dispositivos influenciadores para que houvesse uma interferência no contato deste sujeito com o parceiro em questão.

Nos estudos verificou-se que a atuação do psicoterapeuta em relação ao indivíduo que apresenta como queixa central conflitos na relação conjugal é se utilizar de tentativas que façam com que esse sujeito aumente o entendimento do seu eu. Uma possibilidade de intervenção seria que o Gestalt-terapeuta solicite ao indivíduo a construção de frases que se iniciem com o pronome “eu” para depois elaborar com o pronome “você”, no intuito de que ele entre em contato com o seu conteúdo e seja capaz de distinguir o conteúdo dos outros. Desse modo, este sujeito ao entrar em contato com o comportamento cristalizado tem uma “awareness” ao ampliar a sua consciência para o fenômeno, o que o possibilita conceber meios que satisfaçam a sua necessidade, em outras palavras, favoreçam o ajustamento criativo que, segundo Silveira (2005) facilitam o despertar da individualidade e o amadurecimento dos relacionamentos.

Considerou que o Gestalt-terapeuta em sua prática clínica mediante o sujeito cuja demanda central é a conjugalidade e o amor trabalha com este em virtude de expandir o seu sentido do “eu” a fim de que diferencie conteúdos seus, do conteúdo do parceiro e da relação conjugal. Apesar dos mecanismos de defesa diferenciarem-se entre si, a pontuação do Gestalt-terapeuta envolve a valorização do potencial positivo do indivíduo que recorre a clínica no intuito de fortalecer o seu “eu” para que após isso entre em contato com seus conflitos.

A pesquisa bibliográfica possui poucos levantamentos a respeito do assunto encontrando-se em sua maioria pesquisas de campo pouco contundentes e incisivas. Espera-se que a partir deste artigo, sejam feitas novas pesquisas que complementem o tema exposto por ser tão amplo devido às várias formas de conjugalidade e de amor não explicitadas nesse trabalho em questão.

Nessa perspectiva, o estudo em questão abre a possibilidade para outros questionamentos e estudos que contemplem a variabilidade da relação conjugal na atualidade e o papel dos sujeitos nessas relações, o que denota que, apesar dos objetivos terem sido atingidos no presente estudo, o amor e a conjugalidade possuem grande forma de sentir e serem vividos, não se determinando somente à um olhar em relação à isto.

 

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NOTAS

*Stela Regina Pinheiro Correa Leal: Psicóloga graduada na Universidade CEUMA - São Luís / MA.

 

 

Endereço para correspondência
Stela Regina Pinheiro Correa Leal
Endereço eletrônico:stelareginaleal@gmail.com

 

Recebido em 29/07/2016
Aprovado em 21/11/2017