ARTIGO

A formação do Gestalt-Terapeuta e a importância de seu reconhecimento.

Marcelo Pinheiro


A Potencialização de um gestalt-terapeuta é um processo intenso. Passa por um desenvolvimento pessoal que com freqüência transforma a atitude que a pessoa tem diante de sua vida. Pode ser comparada a um sacerdócio, não no sentido de introjeções de dogmas, mas no sentido de que não é uma teoria que o individuo aprende e passa a utilizar como quem faz uso de uma chave de fenda. A potencialização de um gestalt-terapeuta é um sacerdócio, pois passa por um processo de auto-construção no qual paradoxalmente a pessoa aprende a ser ela mesma, isto é, se apropria de sua forma, das suas características e habilidades desenvolvidas desde o berço para, na relação que estabelece com seu cliente, ser ele mesmo o instrumento capaz de criar um contexto apropriado e convidativo para o desenrolar do sublime e belo acontecer do desenvolvimento humano.

Facilitar o processo de potencialização de um gestalt-terapeuta é uma tarefa necessariamente artesanal. Como conciliar este fato com a estruturação de um curso que possuísse características suficientemente formais para ser certificado como uma "Especialização em Psicologia Clínica" e que, além disso, se mantivesse viável economicamente? Este foi o desafio que enfrentamos no último ano e meio. Um desafio desgastante, porém recompensador. Um desafio que superamos com sucesso. Hoje nosso curso mantém as características que consideramos necessárias e bastante adequadas para o desenvolvimento de um gestalt-terapeuta e é um curso reconhecido pelo CFP.

Ao longo deste processo tínhamos clareza de nosso objetivo: estarmos adequados aos critérios exigidos a um curso de especialização, sem abrir mão de aspectos que julgávamos fundamentais em nossa organização. Para tanto nos empenhamos em traduzir a estrutura de nosso curso com todas as suas peculiaridades para uma linguagem e organização compatível com a linguagem acadêmica. Tarefa árdua e trabalhosa.

Tínhamos convicção de que o modelo acadêmico mais tradicional não dava conta de nosso objetivo. O modelo tradicional ainda tem toda a sua estruturação baseada na crença da possibilidade de ocorrência de relações instrutivas onde o mestre organiza e transmite o conhecimento para os alunos que supostamente absorveriam tal conhecimento de acordo com um cronograma pré-elaborado.

Quais os problemas deste modelo para nós? Primeiro, acreditamos que a pessoa só pode enxergar o que está dentro de seu campo de possibilidades o qual está ligado às suas histórias pregressas. Isso torna a aquisição do conhecimento uma construção individual que deve ter sua cronologia acompanhada e não pré-estabelecida. O segundo ponto, coerente com o que dissemos anteriormente, é que uma parte muito grande e muito importante do conhecimento que deve ser desenvolvido ao longo da potencialização de um gestalt-terapeuta não existe com antecedência. É e só pode ser construído por cada treinando individualmente, pois envolve suas características pessoais. Neste sentido o papel do “professor” é mais de “facilitador” do que de “instrutor”.

Dentre as características de nosso curso, que acreditamos serem fundamentais para facilitar o desenvolvimento de um gestalt-terapeuta, podemos citar: a estrutura de aulas teórico-vivenciais com características parcialmente construídas em loco, de acordo com as especificidades inerentes ao momento singular de cada aula. Uma didática na qual os alunos não ficam como receptáculos passivos do conhecimento e sim como construtores ativos de seu saber e de suas identidades como terapeutas. Um número reduzido de alunos - atualmente trabalhamos com 10 alunos por turma. Mantivemos uma elevada carga horária voltada para a prática supervisionada, que incluem primeiras entrevistas, atendimentos individuais, atendimento de grupo em co-terapia, além de atendimentos de casais e famílias em equipe com a presença de um supervisor que participa do processo.

A experiência de contextos diferentes de atendimento gera uma situação bastante adequada para que o treinando construa uma identidade como terapeuta. Estar sozinho com o cliente individual é bem diferente de viver uma situação de co-terapia onde duas pessoas vivenciam juntas as peculiaridades de um processo grupal, tendo a chance de se desenvolver tanto em função da situação do trabalho com o grupo, como também em função dos aprendizados inerentes a construção da parceria estabelecida na relação co-terapêutica. Além, é claro, da possibilidade de troca própria de um trabalho em dupla. A situação do atendimento familiar, com todas as suas peculiaridades, também é extremamente enriquecedora, especialmente quando realizado em equipe, contando com a presença do supervisor que tem a oportunidade de participar e assistir ao trabalho do treinando ao vivo e a cores ao invés de apenas através de relatos.

A superação dos obstáculos normalmente traz consigo uma grande oportunidade de crescimento. Além de termos conseguido manter o que consideramos um contexto riquíssimo para a potencialização dos treinandos, o processo de tradução da estrutura do curso para uma linguagem compatível com o modelo acadêmico nos trouxe também um nível mais desenvolvido de organização e auxiliou no amadurecimento de nossas estruturas institucionais. Em outras palavras, pudemos crescer um pouco mais através deste diálogo estabelecido com a ABEP (Associação Brasileira de Ensino de Psicologia) e com o CFP.

A riqueza de uma abordagem tão consistente precisa ser visível para a coletividade, pois é esta visibilidade que torna audível a nossa voz. Se nós acreditamos no valor de nosso discurso, é nossa responsabilidade divulgá-lo. Digo isso não só em função de uma responsabilidade social que considero de extrema importância, mas também porque o reconhecimento social nos traz melhores condições de trabalho. As pessoas normalmente procuram o que elas conhecem e lhes transmite confiança. Nossa abordagem tem se desenvolvido cada vez mais, ampliando sua inserção no universo acadêmico, no atendimento clínico e em praticamente todas as áreas da psicologia. A conquista de reconhecimento dos centros formadores é um passo muito importante neste caminho.

Quanto à responsabilidade social, nós de fato acreditamos que aspectos ligados a valores estéticos inerentes a gestalt-terapia devem ser divulgados para a construção de um mundo melhor. Como exemplo o respeito e admiração pelas diferenças individuais que está ligada a um respeito à sabedoria e ao equilíbrio interno dos sistemas parece estar fazendo falta em nossa atualidade social. Este discurso talvez pareça piegas, mas jamais devemos esquecer que quem chega aos nossos consultórios normalmente são as pessoas que de alguma forma não conseguiram se ajustar a nossa realidade social e este fato nos traz uma grande responsabilidade, pois lidamos com os sintomas de desequilíbrio de nossa estrutura social e o que fazemos com isto tem repercussão importante nos caminhos de nossa sociedade.

Uma abordagem como a Gestalt-terapia, que busca continuamente uma postura mais humilde e mais rigorosa diante da "realidade" e desta forma possui um discurso menos assertivo, naturalmente vai precisar de mais esforço para se fazer compreendida. Se nós acreditamos que temos muito a dizer a partir do ponto de vista Gestáltico, devemos fazer todo o possível para nos fazer ouvir.

O fato de um curso de referencial gestáltico estar entre os primeiros cursos a serem reconhecidos como “Especialização em Psicologia Clínica” no estado do Rio de Janeiro nos parece um indicador importante sobre o amadurecimento de nossa abordagem. Acreditamos que desta forma estamos fazendo uma contribuição significativa para o desenvolvimento da Gestalt-Terapia, até porque nosso movimento incentivará outros núcleos a trilhar o mesmo caminho.