ARTIGO
A Anorexia em Adolescentes Sob a Ótica da Gestalt-terapia
The anorexia in adolescents from the perspective of Gestalt therapy
Marianne Lima de Carvalho*; Deyseane Maria Araujo Lima**
Centro Universitário Estácio FIC - CE.
RESUMO
O presente estudo tem por finalidade analisar a anorexia em adolescentes sob a ótica da Gestalt-terapia, desse modo, foram salientados, inicialmente, os desafios da adolescência, com ênfase na concepção histórica deste período de desenvolvimento na abordagem da Psicologia Sócio-histórica. Assim, pode-se observar como a Gestalt-terapia pode auxiliar através de métodos e experimentos, tais como a Fantasia da Roseira, Jogo Rápido, entre outras enfatizadas no estudo. Além disso, por meio das bibliografias estudadas, foi verificado a ocorrência do alto índice de anorexia em adolescentes. A presente pesquisa qualitativa é de caráter bibliográfico e utiliza como fontes: livros, revistas acadêmicas, artigos científicos, dissertações e teses. Como resultado, o estudo apresentou a grande relevância da Gestalt-terapia com adolescentes anoréxicas, visto que, sendo uma terapia holística, trabalha com a totalidade do organismo, não considera apenas a fala, mas o corpo e seus significados através da postura corporal, microgestos, respiração, voz, olhar, dentre outros aspectos. Dessa forma, o cliente é incitado a reconhecer tais ações, facilitando a tomada de consciência das mesmas e propiciando o insight. Também é relevante mencionar que a citada abordagem possui recursos privilegiados para trabalhar com esse tipo de manifestação, a partir de uma percepção da doença como contextualizada e do sujeito como ser-no-mundo. Espera-se que o presente artigo possa vir a servir como material de apoio para estudos e pesquisas de acadêmicas da área, além de demais interessados, os quais poderão, por meio deste, desenvolver estudos sobre outras doenças, sejam estas relacionadas a transtornos alimentares ou não, sob a abordagem da Gestalt-terapia.
Palavra-chave: Gestalt-terapia; Adolescente; Anorexia.
ABSTRACT
The purpose of this desk study was to evaluate anorexia in adolescents from the perspective of Gestalt therapy. Initially, the challenges of adolescence are described, with emphasis on the historical origins of this developmental stage, according to the socio-historical approach. Gestalt therapy has been shown to help adolescents with this condition through methods and experiments like ‘the rose tree’ and ‘quick play’, among others highlighted in the study. Information was retrieved from books, journals, scientific publications and theses. As shown in the literature, anorexia in adolescents is a common health concern worldwide. Our findings confirm the relevance of Gestalt therapy for anorexic adolescents. As a holistic approach, Gestalt therapy considers the whole being; not just speech, but bodily communication of meaning through posture, microgestures, breathing, voice, look and other aspects. During the sessions, the patient is made aware of such actions, favoring the occurrence of insights. Gestalt therapy offers a unique means to treat anorexic adolescents based on the perception of the condition in a wider context and of the subject as being-in-the-world. It is hoped our results will serve as subsidy for further studies in the field and on the use of Gestalt therapy to treat other eating and non-eating disorders.
Keywords: Gestalt therapy; Adolescent; Anorexia
INTRODUÇÃO
O presente estudo, que adota a Gestalt-terapia como referencial, apresenta grande relevância, visto que a busca pelo corpo perfeito acarreta diversas implicações e consequências para as pessoas que sofrem de transtornos alimentares, tal como a anorexia.
Atualmente, o padrão de beleza estipulado pela sociedade é de um corpo longilíneo e magro, e a massa corporal abaixo do índice recomendado pela Organização Mundial da Saúde (KAKESHITA; ALMEIDA, 2006; MARTINS et al., 2012; SECCHI et al., 2009 apud NAVES, 2017), neste sentido, a busca incessante por esse modelo pré-estabelecido, pode causar sérios problemas quanto à insatisfação com corpo, podendo desenvolver distúrbios psicológicos (KAKESHITA; ALMEIDA, 2006).
Na realização da pesquisa bibliográfica, foram utilizados os descritores “Gestalt-terapia”, “Adolescente” e “Anorexia”, em periódicos, livros, sites especializados, artigos, monografias e teses, temas relacionados à anorexia nervosa e à bulimia. Sendo assim, o presente estudo traz como assunto principal a anorexia em adolescentes, por se tratar de um tema frequente na procura de atendimento psicoterápico, optou-se pela realização de um estudo bibliográfico com base nos conceitos da Gestalt-terapia. No que diz respeito à anorexia, o trabalho experiencial é de extrema importância, visto que se observa que a maioria das pessoas que apresentam esse tipo de transtorno demonstra uma relação limitada ou desconectada com seu próprio corpo e seus sentimentos.
Nesta perspectiva, salienta-se que os transtornos alimentares compreendem, nos dias atuais, um conjunto de doenças que afetam uma grande parte da população mundial, especialmente os adolescentes. Neste sentido, menciona-se que o presente estudo tem por objetivo principal compreender a anorexia em adolescentes na perspectiva da Gestalt-terapia.
Descrevem-se, ainda, os objetivos específicos deste estudo, os quais buscam identificar características da adolescência que possam vir a contribuir para o aparecimento da anorexia; analisar como o gestalt-terapeuta pode trabalhar com adolescentes com anorexia; analisar a relação entre a anorexia e a adolescência na Gestalt-terapia e, por fim; salientar a atuação do gestalt-terapeuta,
A Gestalt-terapia trabalha os sentimentos do sujeito, tendo como principal propósito que esse sujeito, o paciente, cumpra sua missão, se perceba vivo, dinâmico e, principalmente, cheio de infinitas possibilidades. O gestalt-terapeuta assume a função de catalisador da autopercepção do paciente, mais conhecida como "awareness", a redescoberta de que ainda se está vivo e pronto para fechar velhas portas e atravessar novas janelas (MONTEIRO JÚNIOR, 2009).
Neste sentido, a Gestalt-terapia busca através desse enfoque fenomenológico, compreender a compulsão alimentar enquanto uma totalidade em si que, no entanto, cabe destacar que a mesma é parte integrante de uma totalidade bem mais complexa, a qual representa o ser humano, e que esta, por sua vez, faz parte de uma totalidade ainda maior e mais complexa que representa a relação entre o indivíduo e seu meio.
Portanto, a Gestalt-terapia ainda tem muito a contribuir para os problemas relacionados aos transtornos alimentares, tal como a anorexia. Segundo Teixeira (2005, p. 44) “isto se dá principalmente por ser uma abordagem que tem uma visão holística do ser humano, evitando privilegiar somente o racional e verbal, cuidando também da linguagem corporal”.
Com relação à anorexia nervosa, destaca-se que este é um transtorno alimentar em que o indivíduo se recusa a manter o peso corporal adequado para sua idade e altura; assim, este indivíduo teme o ganho de peso ou se tornar gordo, além disso, apresenta um comportamento perturbador relacionado ao modo de vivenciar seu peso (DSM-V, 2013).
Ao longo dos anos, o corpo magro vem sendo visto como sinônimo de beleza, bem-estar físico, riqueza e poder. Diante desta realidade, a mídia também possui uma parcela de “culpa” no que se refere aos transtornos alimentares, neste viés, o estudo ora apresentado aborda a anorexia nervosa.
Este transtorno alimentar geralmente possui maior incidência entre adolescentes do sexo feminino, provocando fortes prejuízos biológicos, psicológicos e sociais e, consequentemente, proporcionando o aumento das taxas de morbidade e mortalidade entre esta população (CORDÁS, 2004).
Além disso, pode-se afirmar que a maior ocorrência de anorexia no sexo feminino ocorre devido aos padrões de moda ditados pela mídia, muitas meninas se encontram saudáveis, dentro do seu peso normal, porém, essa influência ditada pelo mundo moderno faz emergir o desejo, muitas vezes descomedido, por um corpo perfeito e a preocupação em alinhar-se com o que a sociedade legitima como ideal e aceitável.
Conforme Andrade e Bosi (1998), na contemporaneidade, a aparência física é um dos principais mecanismos de legitimação social, pois o corpo magro é sinal de beleza e saúde, no entanto, o corpo gordo remete à imagem de descuido e doença, resultando em baixa autoestima.
A mídia possui uma significativa parcela de responsabilidade com relação a essa distorção dos conceitos de corpo saudável e corpo não saudável, afinal, estão aí para quem quiser ver e ouvir, vários programas de televisão que mostram homens e mulheres com seus corpos perfeitos e músculos à mostra.
A alimentação é fundamental para o desenvolvimento adequado tanto de crianças, como de adolescentes e, neste contexto, uma alimentação adequada se reflete na saúde física e mental do jovem, o que propicia subsídios para o total aproveitamento de sua potencialidade. Entretanto, um padrão alimentar adequado nem sempre é do conhecimento dos adolescentes (CORDÁS, 1994).
Fromm (1980) destaca que:
"Numa sociedade que privilegia o consumo e a imagem, observa-se um movimento crescente em torno do “ter”, muitas vezes em detrimento de um ' ser', onde o valor recai sobre o que as pessoas possuem mais do que sobre o que são ou o que representam". (p. 89)
Cuidar do corpo e, consequentemente, da saúde, é algo essencial na vida de todo ser humano, porém, é necessário estar atento aos limites de cada pessoa, além disso, essa busca exige uma série de fatores, tais como exercícios físicos regulares, sempre com o acompanhamento de uma equipe interdisciplinar e uma alimentação saudável.
Isso pode ser associado a uma transformação na visão de ser humano e de mundo, na qual a aparência possui uma relevância cada vez maior, essa tendência serve de solo fértil para acentuar os transtornos alimentares como a anorexia, podendo ser vinculada ao ideal estético supervalorizado nos últimos tempos.
Devido ao fato de apresentar incidência crescente, esse transtorno demanda prevenção e tratamento através da psicoterapia, avalição psiquiátrica, orientação nutricional, promovendo assim, um acompanhamento de uma equipe interdisciplinar composta por nutricionista, psicólogo, educador físico, psiquiatra e clínico geral. Isto é necessário pois se trata de um dos transtornos alimentares que mais matam no mundo, seja por desnutrição, problemas cardíacos e até mesmo suicídio.
Além disso, em grande parte dos casos, a pessoa com anorexia, assim como outros transtornos alimentares, não se considera doente, recusando qualquer tratamento, mesmo com o surgimento de comorbidades.
Destaca-se, ainda, que a Gestalt-terapia é uma abordagem que pode trabalhar com todos os tipos de transtorno alimentar, visto que a concepção de um processo terapêutico calcado na relação intersubjetiva recoloca o sujeito do terapeuta em relação direta com a pessoa do cliente. Frente a isso, como a Gestalt-terapia pode influenciar no tratamento de adolescentes diagnosticados com anorexia?
Por fim, coloca-se que o estudo é estruturado sob duas seções, a primeira descreve os desafios da adolescência, destacando breves considerações sobre essa fase e a adolescência na Psicologia Sócio-Histórica. A segunda seção se baseia em demonstrar o tema central deste trabalho, onde são salientados aspectos sobre a Gestalt-terapia com adolescentes e a anorexia.
II - MÉTODO
O presente estudo foi realizado por meio da abordagem qualitativa e o método de pesquisa bibliográfica. Para isso, foi necessária a coleta de informações em várias fontes, tais como livros, revistas acadêmicas, artigos científicos e dissertações.
Na primeira etapa foram selecionadas, através de sites, livros, revistas acadêmicas, obras, dissertações e artigos científicos para embasamento, contando com mais de 20 fontes a serem escolhidas através da leitura e análise dos resumos e introduções, sendo doze artigos, entre os anos de 1997 a 2010, lidos na íntegra, uma monografia e duas dissertações.
Os critérios de escolha foram: analisar a anorexia sob a perspectiva da Gestalt-terapia, texto escrito por autores renomados da Gestalt-terapia e artigos científicos e dissertações que investiguem temas vinculados aos transtornos alimentares em adolescentes sob a ótica da Gestalt-terapia.
A revisão de literatura é essencial, pois fornece elementos para evitar a duplicação de pesquisas sobre o mesmo enfoque do tema, além de favorecer a definição de contornos mais precisos do problema a ser estudado.
Assim, com base nas diversas fontes utilizadas, foi realizada uma leitura crítica a fim de selecionar aquelas que mais se encaixavam no tema de estudo, buscando respostas aos objetivos da pesquisa e, em seguida, uma leitura interpretativa, quando foram selecionadas as informações e ideias dos autores classificados com os problemas para os quais se buscavam soluções. Após a realização das leituras, foi elaborado um texto de análise dos dados.
Pesquisa Qualitativa
A pesquisa qualitativa se caracteriza pela qualificação dos dados coletados, durante a análise do problema, tende a salientar “os aspectos dinâmicos, holísticos e individuais da experiência humana, para apreender a totalidade no contexto daqueles que estão vivenciando o fenômeno” (POLIT; BECK; HUNGLER, 2004, p. 201).
No que tange ao emprego do método ou abordagem qualitativa, ressalta-se que esta se diferencia do quantitativo pelo fato de não empregar dados estatísticos como centro do processo de análise de um problema, assim, a diferença se concentra no fato de que o método qualitativo não possui o propósito de numerar e medir unidades ou categorias homogêneas.
Além disso, a pesquisa qualitativa irá se fundamentar na coleta de informações da pesquisa bibliográfica, pois, para Richardson (1999, p. 80): “os estudos que empregam uma metodologia qualitativa podem descrever a complexidade de determinado problema, analisar a intervenção de certas variáveis, compreender e classificar processos dinâmicos vividos por grupos sociais”.
Destaca-se ainda que a pesquisa qualitativa possui um ambiente natural como fonte direta dos dados e o pesquisador como principal instrumento, os dados coletados serão descritivos e a análise dos dados tende a seguir um processo dedutivo, o qual pressupõe que só a razão é capaz de levar ao conhecimento verdadeiro. O raciocínio dedutivo tem por finalidade explicar o conteúdo das premissas, por meio de uma cadeia de raciocínio em ordem descendente, de análise do geral para o particular, chegando-se assim a uma conclusão final das informações coletadas (GIL, 1999).
A abordagem qualitativa se traduz em uma série de leituras sobre o assunto da pesquisa, para efeito da apresentação do estudo em si, ou seja, descrever pormenorizada ou relatar detalhadamente o que os diferentes autores ou especialistas escrevem a respeito do assunto e, a partir daí, determinar uma série de correlações a fim de estabelecer o ponto de vista conclusivo.
Desse modo, os dados coletados através de pesquisa bibliográfica serão utilizados para elaboração de um levantamento, com relação aos benefícios da Gestalt-terapia diante dos casos de anorexia em adolescentes.
Pesquisa Bibliográfica
A pesquisa bibliográfica consiste no exame da bibliografia, para o levantamento e análise do que já foi produzido sobre o assunto que assumimos como tema de pesquisa científica (RUIZ, 1992). Lima e Mioto (2007) enfatizam que a pesquisa bibliográfica implica em um conjunto ordenado de procedimentos de busca por soluções, atento ao objeto de estudo, e que, por isso, não pode ser aleatório.
Para isso, destacam-se aqui algumas obras que serão utilizadas para embasamento do estudo, sendo elas: Ribeiro (2012); Zanella (2013); Schillings (2005); Frota (2007) e demais colaboradores, entre outras obras e demais fontes bibliográficas.
Dessa maneira, cita-se como justificativa de escolha a afirmação de Lakatos e Marconi (1992):
"A pesquisa bibliográfica permite compreender que, se de um lado a resolução de um problema pode ser obtida através dela, por outro, tanto a pesquisa de laboratório quanto a de campo (documentação direta) exigem, como premissa, o levantamento do estudo da questão que se propõe a analisar e solucionar. “A pesquisa bibliográfica pode, portanto, ser considerada também como o primeiro passo de toda pesquisa científica". (p. 43-44).
A pesquisa bibliográfica possibilita a representação do conhecimento científico, a criação de hipóteses e o resgate de saberes que servem para elucidação de um problema de pesquisa, assim como para a proposição de novas questões para estudo.
Portanto, conclui-se que a pesquisa bibliográfica é uma das etapas mais fundamentais em todo trabalho científico, a qual irá influenciar todo o desenvolvimento de uma pesquisa, na medida em que fornecer o embasamento teórico em que se fundamentará o trabalho. Consiste no levantamento, seleção, fichamento e arquivamento de informações relacionadas à pesquisa.
Análise dos Dados
Para a operacionalização da análise dos dados foram realizados os seguintes passos:
A análise foi realizada com o intuito de atender aos objetivos do estudo, tanto geral como específicos, além de responder à pergunta de partida. Dessa maneira, salienta-se que os dados da pesquisa foram organizados da seguinte forma: a adolescência, destacando-se as características desta transição, os comportamentos e a adolescência na Psicologia Sócio- histórica; a Gestalt-terapia com adolescentes e a anorexia em adolescentes sob a ótica da Gestalt-terapia.
Por fim, destaca-se que o estudo se baseia na chamada Revisão Integrativa, método utilizado desde o ano de 1980, no âmbito da Prática Baseada em Evidências (PBE), envolvendo a sistematização e publicação dos resultados de uma pesquisa bibliográfica em saúde para que possam ser úteis à assistência à saúde, acentuando a relevância da pesquisa acadêmica na prática clínica. Dessa maneira, a principal finalidade da Revisão Integrativa é a integração entre a pesquisa científica e a prática profissional no âmbito da atuação profissional.
Na concepção de Mendes (2008), a Revisão Integrativa inclui a análise de pesquisas importantes que irão oferecer suporte para a tomada de decisão e a melhoria da prática clínica, possibilitando, assim, uma síntese detalhada do estado do conhecimento de determinado assunto, além de apresentar lacunas do conhecimento que necessitam ser preenchidas com a realização de novos estudos.
III - OS DESAFIOS DA ADOLESCÊNCIA
3.1 - Breve Contextualização da Adolescência
A palavra adolescência, deriva do latim “adolescere”, que significa “fazer-se homem/mulher” ou ainda “crescer na maturidade” (MUUSS, 1976), sendo que apenas a partir do final do século XIX, a adolescência começou a ser vista como uma fase distinta do desenvolvimento do ser humano. Na contemporaneidade, compreende-se que a definição da palavra adolescente envolve vários ramos do conhecimento, sendo: biológico, sociológico, psicológico, antropológico e jurídico. Muuss (1974, p. 16) destaca que:
"Sociologicamente adolescência é o período de transição da dependência infantil para a autossuficiência adulta. Psicologicamente, adolescência é uma “situação marginal” na qual novos ajustamentos, que distinguem o comportamento da criança do comportamento adulto em uma determinada sociedade tem que ser feitos. Cronologicamente, é o tempo que se estende dos doze ou treze até a casa dos vinte e um, vinte e dois com grandes variações individuais e culturais. Este período tende a ocorrer mais cedo para as moças do que para os rapazes, e terminar mais cedo em sociedade mais primitivas".
De acordo com Formigli, Costa e Porto (2000), a adolescência pode ser definida como um período biopsicossocial, o qual compreende, conforme afirmações da Organização Mundial de Saúde - OMS (1965), a segunda década da vida, isto é, dos 10 aos 20 anos. Esse critério também foi adotado pelo Ministério da Saúde do Brasil (BRASIL, 2007a), bem como pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Alguns teóricos da adolescência, tal como Piaget, há muito tempo têm concordado que a passagem da infância para a idade adulta é acompanhada por várias transformações como, por exemplo, o desenvolvimento das operações formais, por meio do qual o adolescente reflete sobre seus pensamentos e constrói teorias, a partir disso, ele começa a definir seus conceitos e valores.
Para o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o período de adolescência vai dos 12 aos 18 anos (BRASIL, 2007b). Em suma, pode-se afirmar que a adolescência se inicia a partir das mudanças corporais da puberdade, terminando com a inserção social, profissional e econômica na sociedade adulta.
Eisenstein (2005) destaca ainda que no Brasil, o ECA sob a Lei 8.069, de 1990, considera como criança toda pessoa até 12 anos de idade incompletos e define a adolescência como a faixa etária de 12 a 18 anos de idade (artigo 2o), e, em casos excepcionais e quando estabelecido em lei, o Estatuto é aplicável até os 21 anos de idade (artigos 121 e 142). Segundo o ECA, o adolescente pode ter o voto opcional como eleitor e cidadão a partir dos 16 anos.
Cabe salientar que existem muitos autores que insistem em considerar a adolescência como uma fase de transição, em que o adolescente passa por diversas mudanças, quando não é considerado como criança e nem como adulto. Contudo, a adolescência não pode ser considerada como um período de transição, pois é algo que transcende a isso.
Assim, destaca-se que a adolescência deve ser vista e compreendida muito além da idade cronológica, da puberdade e transformações físicas, a qual deve ser entendida como uma categoria que se constrói, exercita-se e se reconstrói dentro de uma história e tempo específicos (FROTA, 2007).
Observa-se, então, que a concepção de adolescência mais difundida atualmente se baseia em uma visão naturalista e universal, em que os desequilíbrios e instabilidades são apresentados como fatores inerentes aos jovens.
A adolescência é uma parte da vida de um indivíduo essencial ao seu desenvolvimento, com inúmeras características que se diferem conforme as determinações sócio-históricas, tais como a cultura, valores, crenças e situação econômica.
Ser adolescente é viver um processo de mudanças físicas, cognitivas e sociais, estas ajudam a traçar o perfil desta população. Nessa perspectiva, a adolescência é compreendida como um período atravessado por crises, que encaminham o indivíduo na construção de sua subjetividade (FROTA, 2007). Portanto, assevera-se que a adolescência não deve ser reduzida apenas a um período de transição, pois ela deve ser vista e compreendida de acordo com o período histórico na qual está inserida.
Frota (2007) destaca mediante o exposto, que os conceitos de adolescência devem ser constituídos a partir de um momento histórico, além de serem subjetivados por todas as forças e poderes atravessados nesta fase, permitindo, assim, maneiras diferentes de se pensar conforme o tempo em que se vive. Além de compreender a história de como foi constituída a adolescência, se faz fundamental ainda compreender como estão sendo subjetivados os adolescentes que compõem o mundo contemporâneo e a qual concepção de adolescência estão submetidos os mesmos.
Assim, compreende-se que a adolescência se caracteriza por um período de muitas turbulências que merecem muita atenção, visto que podem se transformar, ou não, em sérios problemas futuros e comprometer o desenvolvimento saudável do sujeito.
Zanella (2013) compreende a fase da adolescência como o segundo grande salto para a vida. Para a autora mencionada, consiste em um salto em direção a si mesmo, como ser individual, distinguindo, ainda, puberdade de adolescência, e ressaltando que a puberdade se refere aos fenômenos fisiológicos, quando ocorrem as mudanças corporais e hormonais, enquanto a adolescência compreende os componentes psicossociais desse processo.
Isso faz parte do seu desenvolvimento como ser humano, através destas descobertas ele começa a descobrir sua identidade, seu estilo, enfim, características que irão determinar o seu comportamento na família e na sociedade em geral. No que diz respeito à relação com a sociedade e consigo mesmo, este é um momento em que o ser humano sente a necessidade de pertencer e de ser aceito em determinados grupos sociais.
Além disso, cabe ressaltar que a mídia, pode influenciar a vida dos adolescentes, independente da classe social destes. Assim, a mídia interfere na maneira deles se vestirem, na forma de falarem, se expressarem, entre outras características. Seguir a moda é uma das maneiras que a maioria dos adolescentes encontra, para serem aceitos e valorizados pelos amigos.
Em contrapartida, a adolescência deve ser compreendida como uma etapa da vida que envolve diversas necessidades, tais como: educação, lazer, proteção, cuidado, afeto, saúde e, acima de tudo, respeito por parte da família e da sociedade em geral.
3.2 - A Adolescência na Psicologia Sócio-histórica
A Psicologia, ao longo do seu desenvolvimento, tem apresentado várias teorias que naturalizam o ser humano, diante disso, esta seção tem por finalidade demonstrar como a adolescência é vista sob a ótica da Psicologia Sócio-histórica.
Bock (2004) ressalta que o período da adolescência é apresentado como se fizesse parte da natureza humana, portanto, seria tomada por características naturais a todos os indivíduos normais, muitas vezes, independentemente da cultura na qual estão introduzidos, dessa maneira, todos os indivíduos passariam por esse estágio de desenvolvimento denominado “tensão emocional”, consequente do desenvolvimento biológico.
Tomio e Facci (2009) enfatizam que a ideia de estágios evolutivos é uma constante presente em muitos estudos contemporâneos da Psicologia do Desenvolvimento. A partir deste contexto, compreende-se que a adolescência focaliza os elementos de transformação física e de alteração no comportamento.
Ainda de acordo com Tomio e Facci, (2009, p. 90), “(...) ao negligenciar a condição social de desenvolvimento cognitivo em sua teoria, não contempla a importância do grupo social que, neste período, é base nas relações do adolescente e constituem mola propulsora de seu desenvolvimento sócio-cultural”.
Ao analisar o desenvolvimento do psiquismo humano através da Teoria Sócio- histórica, remete-se à análise detalhada de eixos da Psicologia enquanto ciência e concepção norteadora de homem como objeto de estudo.
Tomio e Facci (2009) salientam algumas produções científicas da Psicologia voltadas para a compreensão da adolescência, nas quais se institui a adolescência como fase “naturalizada” do desenvolvimento humano, desconsiderando o contexto histórico e social em que os indivíduos estão inseridos.
Assim, conforme apresentado por essas teorias, o desenvolvimento psicológico do indivíduo ocorre de forma progressiva através de estágios fixos e invariáveis, os quais cada pessoa precisa atravessar, obrigatoriamente, os mesmos estágios e seguir a mesma sequência.
A partir disso, considera-se que as estruturas cognitivas apresentam uma propriedade sequencial, as quais são necessárias para a formação da fase seguinte, a adulta (TOMIO; FACCI, 2009).
Mesmo diante das características esperadas durante a fase da adolescência, elas podem variar de acordo com o contexto histórico em que acontecem, pois é natural que os jovens se voltem para o meio social em busca de sentido e significados para sua vida, pois é importante e fundamental para a formação da sua subjetividade.
Conforme afirma Pitombeira (2005), assim como a infância, a adolescência também é entendida nos dias atuais como uma categoria histórica, que recebe significados longe de serem essencialistas. A naturalização da adolescência, bem como a sua homogeneização, só pode ser analisada à luz da própria sociedade, desse modo, as características naturais desta fase apenas podem ser compreendidas quando inseridas na história que a geraram.
IV - COMPREENDENDO A ANOREXIA EM ADOLESCENTES PELOS CAMINHOS DA GESTALT-TERAPIA
4.1 - Gestalt-terapia
A Gestalt-terapia trabalha com transtornos alimentares, observando a anorexia em adolescentes sob esta ótica, percebe-se o quanto a mesma está relacionada com o desenvolvimento e crescimento do ser humano. A Gestalt-terapia teve a influência da Teoria da Gestalt, Teoria do Campo, Teoria Holística, Humanismo, Existencialismo e a Fenomenologia. Também incorporou saberes da Teoria Reichiana e do Zen-Budismo.
Ribeiro (2006, p. 31) destaca que:
"A Gestalt-terapia, como uma terapia do encontro e do contato, preocupa-se pouco com uma psicologia centrada no passado ou preventiva do amanhã. Preocupamo-nos com uma ciência psicológica que encontre respostas reais às demandas do aqui e agora das pessoas, que pare de psicologizar situações e encare a realidade, abrindo caminhos para respostas mais adequadas às situações do mundo moderno".
Dessa maneira, a Gestalt-terapia percebe o ser humano de forma holística, corpo e mente, responsável por suas escolhas e flexível a mudanças. Para a presente abordagem, o sujeito tem tendência a se autorregular por intermédio de seu potencial criativo e deve direcionar seu olhar para a descrição da experiência vivenciada no presente e quais significados atribui à mesma.
Para Ribeiro (2012, p. 80):
"Quando mencionamos bloqueio de contato, introduzimos certo nível de consciência, embora precise ficar claro que, consciente ou inconsciente, o organismo está tendo seu melhor desempenho, daí o cuidado que se deve ter para não quebrar, retirar esses bloqueios, com se fossem algo dispensável na organização que o organismo, como um todo, faz de suas próprias defesas e reservas".
A interrupção do contato pode ser entendida como forma de resistência do sujeito de entrar em relação com seus conteúdos dolorosos, diante disso, Kiyan (2006) cita como mecanismos de defesa, a retroflexão, que é um voltar-se rispidamente contra si mesmo quando não consegue resolver algo no contato com o outro. Dessa forma alivia sua tensão em seu próprio corpo, entretanto, o indivíduo é capaz de reconhecer o meio como, por exemplo, na anorexia.
Além disso, a retroflexão se baseia em fazer consigo mesmo o que gostaria de fazer com o outro. Na projeção, o sujeito remete ao mundo e aos outros seus conteúdos, eximindo-se de responsabilidade. A confluência ocorre quando a ausência da fronteira de contato gera uma fusão, na qual o sujeito confunde-se com o meio, evitando assim o contato verdadeiro.
O mecanismo de defesa da introjeção ocorre quando o indivíduo absorve, sem senso crítico, o que lhe é transmitido, como regras, comportamentos, valores, moral, dentre outros. Constitui o alicerce da educação infantil. O egotismo é um voltar-se para si mesmo, contudo, não reconhece o meio, ou seja, o outro, apenas a ele próprio. (KYIAN, 2006)
Portanto, para Ribeiro (2012, p. 35):
"(...) a ação psicoterapêutica é orientada para o todo do cliente, cada uma de suas partes está sendo mexida, considerada; quando é orientada para uma parte do cliente, por exemplo, para uma energia localizada na respiração, toda pessoa está sendo atingida, porque a relação não é apenas de causa e efeito, mas uma relação existencial entre as partes e o todo, entre cada nota e sinfonia".
O corpo, para a Gestalt-terapia, é de extrema significância, visto que a pele é o maior órgão do corpo e possui grande parte das terminações nervosas e, consequentemente, muita sensibilidade. É no corpo que são expressados os anseios, as emoções, sentimentos, sensações, imagens, podendo ser de forma consciente ou algumas vezes inconsciente.
Miller (2002) enfoca a importância do trabalho terapêutico, como forma de compreender como o sujeito cresce e se desenvolve, e isso possivelmente se aplica aos adolescentes que sofrem com a anorexia, visto que, a história de vida e os significados que o sujeito atribui a seus eventos, são de extrema importância para a compreensão do momento presente em que o indivíduo se encontra.
Polito (1999, p. 88) assevera que o objetivo principal do gestalt-terapeuta, com relação ao seu cliente, refere-se a:
"(...) justamente a de facilitar o resgate daquilo que está vivo no paciente, encorajando-o a vivenciar a amplitude de forças internas que lhe pertencem...O terapeuta precisa atentar para o quão deformada está a relação do paciente consigo mesmo e seu meio, percebendo suas dificuldades, seu sofrimento e fragilidade, sem precipitar qualquer tipo de mobilização que possa “atropelar” a experiência do mesmo".
Assim, percebe-se que a Gestalt-terapia preconiza uma prática psicoterápica experiencial, sendo baseada na tomada de consciência da experiência atual do ser, o que demonstra a sua relevância e aplicação na anorexia. Esta prática estabelece a relação entre paciente e terapeuta, a qual deve ser baseada em um diálogo autêntico e genuíno, pois dessa forma facilita o sujeito a olhar para si e atribuir seus próprios significados.
4.2- Gestalt-terapia com adolescentes: atuação do psicólogo
A adolescência caracteriza-se por ser uma fase marcada por mudanças, dentre elas, pode-se mencionar os problemas de comportamento, as mudanças biológicas e físicas, as constantes flutuações de humor, o rompimento com modelos de autoridade (família e professores), a introspecção, a identificação com “ídolos”, a descoberta do primeiro amor, enfim, é um período em que se busca uma nova forma de enxergar a si e o mundo. O marco dessa passagem impõe vários momentos de escolha ao adolescente, tal como a escolha de profissão. Esta é uma fase da vida do ser humano que o amadurecimento se acelera tanto no plano físico quanto psicológico e social.
Neste momento acontecem diversas oscilações de humor e de conduta, além disso, é comum que ocorra uma revisão de muitas experiências já vividas, elaborando melhor os pontos de vista, de maneira mais atualizada, organizada e madura. Nesta fase ocorrem muitas experimentações, as quais constroem e agregam características à personalidade (ZANELLA, 2013).
Compreende-se, assim, que o adolescente vivencia uma fase nova em sua vida, na qual ele busca encontrar a definição do seu papel dentro do círculo social que está inserido. Ao longo dessa nova fase, novas relações interpessoais são vividas e estabelecidas, aos poucos se forma a subjetividade através da interação dentro de um grupo de iguais.
Desse modo, Almeida (2010) assevera que grande número de adolescentes são encaminhados para a psicoterapia através da escola, a qual alega inadaptação ou rebeldia, visto que apenas pequena parcela dos mesmos deseja, por conta própria, viver um processo terapêutico.
Geralmente, o adolescente não procura de forma espontânea por tratamento psicoterápico, normalmente este é encaminhado pelos pais, por um psicopedagogo, professor e/ou psiquiatra. Devido a isso, o adolescente acaba apresentando pouca ou nenhuma motivação para o tratamento e, em muitos casos, não apresenta um sofrimento manifesto, contudo, para o sucesso da terapia psicológica precisa, primeiramente, de sua implicação no processo.
Na Gestalt-terapia com adolescentes costumam-se ser abordados temas como relacionamentos, autoconhecimento, inseguranças, conflitos entre gerações, escolhas profissionais, ansiedade, fobias, sexualidade, timidez e agressividade.
A relação estabelecida com o gestalt -terapeuta baseia-se na autenticidade, no respeito e, acima de tudo, no sigilo. Desse modo, Zanella (2013) salienta que o propósito não está em enquadrar o adolescente em um padrão pré-existente, mas sim, acolher suas características, trabalhando tanto as suas dificuldades, como também as potencialidades. Além disso, são utilizados recursos variados e diferentes para tornar o momento terapêutico adequado a cada adolescente.
Diante disso, o psicólogo deve favorecer ao adolescente momentos de introspecção e de autoconhecimento, para que o mesmo possa compreender seus sentimentos, comportamentos, desejos, fantasias, sua relação com a autoridade parental e com os grupos a que pertence ou idealiza, dentre outros aspectos. Muitas vezes, o comportamento desafiador e agressivo está relacionado à busca de aceitação em um grupo e, quando isso não ocorre, e a família também não o acolhe, pode acarretar em baixa autoestima e possivelmente uma depressão.
Para a Gestalt-terapia o adolescente é um ser livre e responsável por suas escolhas e que se utiliza, com frequência, do ajustamento criativo. É facilmente influenciado pelos amigos e se sente seguro inserido em um grupo. Possui atitudes de confrontamento, pois quer impor sua opinião, demonstrar que cresceu, em fim, alcançar seu lugar e espaço.
É uma fase de distanciamento dos pais para mostrar à sociedade que cresceu, contudo, muitas vezes está carente e perdido, sem rumo e os pais devem estar atentos para dar o suporte necessário, pois precisam muito dessa segurança, por também ser uma fase de muitas escolhas, transformações corporais, etc. O adolescente se sente poderoso e muitas vezes usa da agressividade para se impor. É normal oscilar entre fases de tristeza e euforia, pois tudo vivencia de maneira extrema.
Observa-se, geralmente, dificuldades, por parte da família, em lidar com o adolescente, pois ficam perdidos diante de tantas mudanças emocionais e comportamentais, e um conflito ainda maior é a falta de diálogo entre ambas as partes não permitindo uma aproximação saudável e empática e muitas vezes tornando a convivência insuportável.
No que tange aos experimentos utilizados pela Gestalt-terapia, Ginger e Ginger (1995) salientam que eles apenas têm sentido em seu contexto global quando são integradas a um método coerente, bem como praticados conforme uma filosofia geral.
A interrupção de contato está relacionada a algo desagradável, no entanto, os recursos terapêuticos têm o objetivo de aproximar o adolescente desses conteúdos, pois dessa forma favorece a “awareness” e possibilita o crescimento.
Conforme Kiyan (2006), no experimento terapêutico Cadeira Vazia ou Cadeira Quente, o adolescente é solicitado para se sentar em frente a uma cadeira vazia, para que o mesmo possa projetar nela um ser imaginário, entretanto, real em sua vida e, portanto, ele é estimulado, aos poucos, a dizer para seu personagem imaginário tudo que gostaria de falar se o mesmo estivesse de fato presente, ocorrendo uma catarse e liberação de tensão. Esta prática se baseia em uma oportunidade de ser liberado tudo o que antes estava preso na garganta e o adolescente expressar o que está sentindo.
Outro experimento que pode ser citado, segundo Kiyan (2006), refere-se ao monodrama, que se trata de uma variação do psicodrama, este, lembra um pouco o experimento anterior, no entanto, o próprio sujeito desempenha vários papéis, quase que simultâneos. Dessa forma, possibilita ao adolescente perceber os próprios sentimentos, sem a presença de outras pessoas, propiciando assim a awareness.
Ainda em conformidade a Kiyan (2006, p. 191), a exageração “consiste, como o próprio nome sugere, em exagerar determinada fala ou gesto que estariam ‘diluídos’ num relato ou contexto pouco propício à “awareness””. Pode ser bastante utilizada em adolescentes, pois facilita a eliminação dos sentimentos que estão causando sofrimento, salienta que o terapeuta solicita que o cliente repita várias vezes e cada vez mais alto uma determinada frase, quando percebe ser importante para o processo terapêutico.
Segundo Stevens (1988), a Fantasia da Roseira se baseia em solicitar ao adolescente que imagine que é uma roseira. Assim, muitas sugestões são dadas a título de motivação ou estimulação, com o objetivo de facilitar a associação e criação do adolescente. Pede-se a ele que imagine que tipo de roseira ele vê, se é mesmo uma roseira ou é outro tipo de flor, se tem espinho, se é grande ou pequena, alta ou baixa, magra ou gorda, como são suas raízes, e qual sua profundidade, se tem folhas, como são estas folhas, são muitas ou poucas, como são seu tronco, seus galhos, e em que lugar estar, se está sozinha ou acompanhada, como são os companheiros, como se sente neste lugar, o que vê em volta de si.
O adolescente é, deste modo, redirecionado ao seu espaço próprio para um lugar comum e solicitado que desenhe a roseira que imaginou sem se preocupar com a qualidade do desenho, visto que poderá dar as explicações que quiser acerca do que desenhou (PROTASIO, 1997).
Além dos recursos terapêuticos mencionados, existem outras várias maneiras de se trabalhar em Gestalt-terapia com os adolescentes, porém, isso dependerá do estilo pessoal de cada terapeuta, de seu modo de ser, visto que ser gestalt-terapeuta está intimamente associado à própria vivência do terapeuta como humanista, ao modo de observar o mundo e a si mesmo.
Alguns experimentos usados com crianças também podem ser adaptados para adolescentes, tais como: desenhos, argila, jogos de tabuleiro, jogos construídos com o cliente, caixa de areia, fantoches, músicas, dentre outros.
Os recursos terapêuticos facilitam a “awareness”, que é o processo contínuo de conscientização, pois o ser humano está em constante transformação, um eterno devir. A “awareness” é a consciência que o indivíduo adquire acerca dos diversos âmbitos de sua vida via experiência, não se levando em consideração a consciência como apenas algo racional, mas também emocional. Ela pode ser considerada como um dos objetivos principais do processo terapêutico.
Polster e Polster (2001) enfatizam que a “awareness” auxilia a recuperar a unidade da função total e integrada do indivíduo, necessitando ele primeiro abranger as sensações e os sentimentos que o acompanham antes mesmo de poder alterar de alguma forma seu comportamento. Os atores ainda destacam que a “awareness” é um meio contínuo para manter-se atualizado com o próprio eu” (POLSTER; POLSTER, p. 217).
4.3- Anorexia
No que se refere às características fundamentais da anorexia, destaca-se a recusa do indivíduo em manter um peso corporal na faixa normal mínima, além de um temor intenso de ganhar peso e perturbação significativa na percepção da forma do corpo (DSM-V, 2013).
Assim, compreende-se que a anorexia nervosa, conforme descrita pela psicopatologia, é um transtorno alimentar em que o indivíduo se recusa a manter o peso corporal adequado para sua idade e altura. Embora apresente peso abaixo do normal, ele se percebe gordo e o alimento passa a ser considerado como um inimigo em sua vida.
Ademais, destaca-se que é possível que a anorexia exista desde os tempos mais remotos, entretanto, há aproximadamente cem anos, é que foi descrita de modo mais específico na Europa, inicialmente na França e Inglaterra, eliminando-se assim, causas orgânicas, passando a identificá-la como uma doença psicológica (GERLINGHOFF; BACKMUND, 1997).
Appolinário e Claudino (2000) destacam que a anorexia ocorre geralmente em mulheres jovens, posto que a prevalência pode variar entre 0,5% e 3,7%, entre a faixa etária de 14 a 17 anos. Nos Estados Unidos este índice encontra-se em torno de 0,48%, dessa maneira, estima-se que existe em média um caso de anorexia a cada 200 adolescentes do sexo feminino entre 15 e 19 anos.
A anorexia pode gerar diversas complicações médicas, sobretudo decorrentes da desnutrição e dos comportamentos purgativos como, por exemplo, anemia, alterações endócrinas, osteoporose, dentre outras. Geralmente há quadros psiquiátricos associados à anorexia, em especial, transtornos do humor, ansiedade e/ou personalidade (APPOLINÁRIO; CLAUDINO, 2000).
A pessoa diagnosticada com anorexia nem sempre procura ajuda por conta própria, isto geralmente ocorre em virtude do nível de sofrimento psíquico, como também das sequelas somáticas e psicológicas da inanição. Além disso, cabe destacar que este sujeito tem uma grande resistência em assumir que precisa de ajuda, existe uma negação da situação vivenciada. Dessa maneira, salienta-se que com muita frequência se torna necessário obter informações através dos pais ou outras fontes externas, a fim de estabelecer o grau de perda de peso, além de outros aspectos relacionados à doença.
A seguir, destacam-se os subtipos que podem ser utilizados para a especificação da presença ou ainda da ausência de compulsões periódicas regulares durante o episódio atual de anorexia nervosa, conforme assevera o DSM-V (2013, p. 01), que esse tipo restritivo se caracteriza por “apresentações nas quais a perda de peso é conseguida principalmente através de dietas, jejuns ou exercícios excessivos. Durante o episódio atual, esses indivíduos não se envolvem com regularidade em compulsões periódicas ou purgações”.
Já o subtipo Compulsão Periódica/Purgativo é utilizado quando a pessoa anoréxica se envolveu de maneira regular em compulsões periódicas ou purgações, podendo ser ambas, durante o episódio atual.
Segundo destaca o DSM-V (2013, p. 01):
"A maioria dos indivíduos com Anorexia Nervosa que comem compulsivamente também fazem purgações mediante vômitos auto induzidos ou uso indevido de laxantes, diuréticos ou enemas. Alguns indivíduos incluídos neste subtipo não comem de forma compulsiva, mas fazem purgações regularmente após o consumo de pequenas quantidades de alimentos. Aparentemente, a maior parte dos indivíduos com o Tipo Compulsão Periódica/Purgativo dedica-se a esses comportamentos pelo menos 1 vez por semana, mas não há informações suficientes que justifiquem a especificação de uma frequência mínima".
Quando o sujeito se encontra seriamente abaixo do peso, é comum apresentarem sintomas depressivos, como distimia, retraimento social, diminuição do interesse por sexo, irritabilidade, insônia, entre outros. Estas pessoas ainda podem apresentar sintomas que abrangem critérios para Transtorno Depressivo Maior.
De acordo com o exposto no DSM-V (2013), alguns dos sintomas de perturbação do humor devem ser reavaliados posteriormente a uma recuperação completa ou parcial do peso. Além disso, características obsessivo-compulsivas, sejam relacionadas ou não com comida, ocorrem com maior frequência.
No que diz respeito aos achados laboratoriais associados, destaca-se que, conforme o DSM-V (2013, p. 01):
"Embora alguns indivíduos com Anorexia Nervosa não apresentem anormalidades laboratoriais, a característica de semi-inanição deste transtorno pode afetar sistemas orgânicos importantes e produzir uma variedade de distúrbios. A indução de vômitos e o abuso de laxantes, diuréticos e enemas podem também causar diversos distúrbios, produzindo achados laboratoriais anormais".
Por fim, ressalta-se que o papel do Psicólogo neste processo não é focado no ganho de peso, muito menos nos porquês do transtorno e na rápida melhora, mas sim, um facilitador para que o indivíduo comece a ter um olhar para si e, consequentemente, para que possa aumentar sua capacidade de “awareness”, a consciência de quem ele é, e o que deseja para a própria vida, observando a partir disso como age frente às possibilidades que surgem, quanto também, as consequências de suas escolhas.
Por meio deste processo de autoconhecimento pode-se criar um modo mais saudável de expressão. Quando o indivíduo conseguir falar de alegrias, tristezas, medos, ansiedades, angústia, desejos, dúvidas, certezas, amor, ódio, amigos, família e conseguir identificar cada um destes fatores, ele estará encontrando um modo mais funcional e criativo para viver e se relacionar em sociedade.
4.4- Anorexia em adolescentes sob a abordagem da Gestalt-terapia
Polito (1999) ressalta que quando se fala em transtornos alimentares sob a ótica da Gestalt-terapia, se fala em adoecer. Tendo em vista a base fenomenológico-existencial desta abordagem, bem como compreendendo o ser humano a partir de sua existência, seu potencial de constante crescimento e autorregulação, o adoecer passa a ser visto como uma etapa de um ajustamento criativo disfuncional, o qual, muitas vezes, é capaz de proteger o indivíduo de certas experiências insuportáveis.
Ademais, se faz interessante mencionar o entendimento de Teixeira (2005) com relação aos adolescentes com anorexia, a autora destaca que muitos destes pacientes vivenciam conflitos emocionais não resolvidos que acabam gerando algum tipo de ansiedade. Portanto, a autora correlaciona a anorexia um não só como um problema centrado na alimentação, mas também no controle da própria ansiedade. Diante disso, justifica-se a relevância em se trabalhar questões emocionais trazidas pelo paciente.
Assim, destaca-se que a Gestalt-terapia se enquadra nesse movimento quando se trata de processos psicopatológicos, de acordo com os ensinamentos de Perls, Hefferline & Goodman (1997). Para Tenório (2003): “os teóricos da Gestalt-terapia desenvolveram uma compreensão dos processos psicopatológicos do desenvolvimento a partir dos estudos dos processos de autorregulação organísmica” (p. 34).
O ser humano possui a tendência de se autorregular a fim de se adaptar melhor às suas relações com o meio de convívio. Contudo, a autorregulação, muitas vezes, não consegue dar conta de todas as situações, sendo necessário nesse caso que o indivíduo faça algo mais. Esse “algo mais”, por sua vez, se baseia em um ajustamento criativo, o qual significa, segundo Mattos (2000, p. 16):
"O processo através do qual o indivíduo se relaciona de forma ativa e criativa com o meio na busca da satisfação plena de suas necessidades, ou seja, na busca de equilíbrio, sendo, então, um processo de adaptação em que não há primazia de um sobre o outro, e sim uma negociação entre ambas as partes, como um acordo que se cria entre o indivíduo e meio".
Segundo Mattos (2000), um ajustamento criativo, visto fora de seu contexto, quase sempre não representa a melhor opção, porém, de certo modo, foi o melhor que aquela pessoa conseguiu naquele momento de acordo com a percepção que possuía da situação e com os recursos que detinha em mãos.
Em função disso, se faz necessário observar esse sujeito de maneira inteira, isto é, sua maneira de estar em contato consigo e com o mundo ao seu redor, não alienando a doença. Levando todo esse indivíduo em consideração, tem que se ter cuidado no momento de tratá-lo, com a retirada do sintoma, que pode se configurar em a única forma de suporte para trabalhar, lidar com as tensões do meio.
Desse modo, Nunes e Holanda (2008, p. 01) salientam que:
"O melhor caminho é o contato com esse “modo doente”, para que com a tomada de consciência essa pessoa consiga criar novas formas de estar no mundo, de lidar com ele, tendo em si um novo suporte e aí sim mudar sua maneira de lidar com sua alimentação, com seu nutrir-se. O foco deve permear o “como “e não o “porque”, como esse sujeito está no mundo, se relacionando com ele".
Conforme assevera Cardella (2002), na Gestalt-terapia, o auto suporte é desenvolvido de maneira gradativa, portanto, o gestalt-terapeuta se constituirá em um facilitador do processo gradual de passagem do apoio em suportes de reconhecimento e criação de recursos próprios do adolescente, para que assim, ele possa determinar contatos plenos.
Frente a isso, compreende-se que a Gestalt-terapia contribui de forma eficaz para o tratamento de transtornos alimentares em adolescentes, nomeadamente para a anorexia, posto que o funcionamento metabólico e o psicológico são alvo de atenção, sendo que estes fatores contribuirão de maneira direta no seu desenvolvimento.
Além disso, a Gestalt-terapia tem por base uma visão holística, ou seja, ela trabalha o adolescente no contexto em que o mesmo se encontra inserido, através da tendência ao equilíbrio do próprio organismo. Em suma, a pessoa, na procura da satisfação completa das suas necessidades, ajusta-se ao meio.
De acordo com Nunes e Holanda (2008, p. 01):
Durante o processo psicoterapêutico, o paciente aumenta sua capacidade de awareness, isto é, a consciência de si próprio. Outro objetivo da terapia é desenvolver o auto suporte do paciente para que ele confie mais em si e possa “andar mais com as suas próprias pernas”, aumentando desta forma a sua autoestima e autoconfiança.
Cabe salientar ainda que o tratamento com a participação da família é um fator de extrema relevância, visto que, geralmente, é com quem o paciente se relaciona na maior parte de sua existência. Desse modo, destaca-se que se o adolescente e o meio em que ele vive forem alvo de intervenção, o tratamento irá gerar mais efeito, mais resultados.
Em outro estudo realizado por Schillings (2007), a autora destaca que no momento em que ocorre ou há uma situação de emergência, a necessidade de uma intervenção que trabalhe de maneira rápida e eficaz, evitando que um grave risco de doença física de instalação temporária, se transforme em algo definitivo, pode se fazer necessário.
Tais intervenções, de caráter momentâneo, podem auxiliar o paciente com anorexia a ter consciência do estado debilitado em que se encontra como também, lhe possibilitar a disponibilidade para elaborar estratégias importantes para sua sobrevivência, isso pode ser de extrema importância para sua situação e posteriores situações de “awareness”.
Schillings (2007, p. 01) destaca que em alguns casos, estas intervenções de “cunho objetivo são, não só necessárias, como também, muitas vezes em momentos iniciais e pontuais, imprescindíveis pelo contexto em que se encontra a pessoa”.
Perls (2002), em seu livro intitulado “Ego, Fome e Agressão”, ao mencionar a relevância da terapia de concentração, discorre sobre o método diretivo como insuficiente, devido ao fato de se tratar de decisões superficiais.
Ainda de acordo com Perls (2002, p. 319):
"Para dissolver um sintoma neurótico no próprio organismo, precisamos da awareness do sintoma em toda sua complexidade, não de introspecção intelectual e explicações; da mesma forma, para dissolver um torrão de açúcar, é necessário água, não filosofia".
Porém, às vezes se faz necessário falar e demonstrar a existência do torrão de açúcar para que ele seja assim observado, antes de dissolvê-lo. Diante disso, uma direção dada em situações de emergência representa oferecer a possibilidade de o indivíduo desviar do aspecto emocional cego para o racional.
Obviamente, conforme bem destaca Schillings (2007), o que se procura na Gestalt-terapia com adolescentes anoréxicos não é o direcionamento do que este deva ou não fazer, mas sim criar possibilidades para que esta pessoa disponha novamente de sua responsabilidade mediante as ocorrências de sua vida.
Nesse sentido, o trabalho terapêutico na abordagem acerca da anorexia em adolescentes, possui como orientação dos atendimentos a perspectiva de que toda experiência ocorre no campo organismo-meio, uma vez que a mesma é função da fronteira-contato. O self, por sua vez, representa “o sistema de contato em qualquer momento (...) é a fronteira de contato em funcionamento; sua atividade é formar figuras e fundos” (PERLS; HEFFERLINE; GOODMAN, 1997, p. 47).
Os autores supracitados ainda asseveram que o self, enquanto processo, possui três modos ou funções
"Id, Ego e Personalidade, sendo a função id a disponibilidade de uma historicidade disponível através do excitamento ou situações inacabadas que se conectam no campo, iniciando o processo de formação de gestalten; a função ego que identifica e aliena possibilidades na formação de gestalten no contato em andamento, com processos de ação no campo e a função personalidade que nos identifica na destruição das gestalten através de atitudes adotadas no contato, explicando quem fomos às nossas vivências". (PERLS; HEFFERLINE; GOODMAN, 1997, p. 50)
Desse modo, pode-se compreender que a neurose se dá a partir do momento que deixa de ocorrer a formação de novas figuras, pois o sujeito perde suas fronteiras, seu senso crítico e vive um eterno descontentamento em sua vida, por não ser capaz de lidar ou ainda por não suportar as ocorrências que se apresentam.
Neste sentido, Brand (2003, p. 92) comenta:
"É curioso constatar que o anoréxico sofre as terríveis consequências de seus atos, e nem isso o desperta. O pessimismo é de tal modo gigantesco que parece ter vida própria. Anda e respira ao nosso lado, como um amigo repulsivo e atraente ao mesmo tempo. A ânsia em mudar a própria situação impele mais e mais a tentativa de subjugar o corpo".
Conforme a aludida conceituação, Schillings (2007) considera a anorexia como um processo de neurose, isto é, um processo onde ocorrem as perdas da função de ego do self ou do eu, embora muitos terapeutas compreendam a anorexia como sendo um tipo de psicose, devido à grande distorção da imagem corporal.
O foco da psicoterapia não estaria em modificar o comportamento do cliente ou procurar causas no passado, mas sim, facilitar o surgimento de ajustamento criativo funcional para a situação presente.
Diante disso, é fundamental ressaltar a importância de um vínculo terapêutico bem estabelecido, contudo, é muito comum clientes com anorexia demonstrarem postura defensiva, pois na grande maioria das vezes, por não se consideraram com problema, vão obrigados à terapia, dessa forma, podem evitar o contato visual e quando trazem queixas, essas são referentes a outras pessoas de seu convívio.
A partir do momento que as figuras vão aparecendo durante o processo terapêutico, o sujeito sente medo e por isso desvia sua atenção, impossibilitando a “awareness”. No entanto, é fundamental que o cliente perceba, acolha e entenda o que o está impossibilitando entrar em contato com determinado conteúdo.
Schillings (2007, p. 01) comenta:
"Nesse momento, o terapeuta precisa lidar intensamente no aqui e agora para resgatar sua atenção e, então, o início do excitamento aparece, porém, é sufocado e advêm a ansiedade. Este é o momento da interrupção que se torna o foco de awareness. Ter presente o que evita, quais são as sensações por fazer a evitação, como o corpo reage a nível motor, como lida com o meio (que aqui se encontra na pessoa do terapeuta) fornece a possibilidade de entrar em contato com a ansiedade, conhecer como a desencadeia uma diminuição da ansiedade e um prolongamento da excitação nesse novo problema".
Todavia, partindo do princípio que o sujeito se relaciona de maneira similar com diversas situações em sua vida, o psicólogo não precisa focar seu trabalho apenas na alimentação, e sim, abordar conteúdos relacionados a profissão, amigos, família, namoro, escola, etc. Dessa forma, possibilita-se que o cliente entre em contato com o campo e com eventuais questões que forem surgindo e que fazem parte de sua história, mas que estavam esquecidas.
Por fim, ressalta-se que ao se apropriar dessas partes relegadas, o paciente com anorexia irá começar a juntar os fragmentos de si mesmo que foram desmembrados ao longo do seu caminho, dispondo assim da possibilidade de que o excitamento prossiga e o eu (“self”) possa se manter em contato, além de reiniciar a possibilidade de novos ajustamentos criativos no campo e, consequentemente, o retorno de que seu corpo possa ser capaz de conter suas emoções e que a comida possa novamente ser vista como alimento, e não como um veneno, conforme vinha sendo considerada.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente estudo teve por objetivo abordar a anorexia em adolescentes sob a ótica da Gestalt-terapia, desse modo, foram explanados temas como o desenvolvimento e demais características da adolescência, bem como a prática da Gestalt-terapia com adolescente.
Assim, ao longo do estudo conseguiu-se responder a todos os objetivos, tanto específicos como o geral, por meio das fontes utilizadas. Para chegar ao objetivo, foi necessário realizar uma coleta de dados em várias obras e também conteúdos eletrônicos como teses, dissertações, artigos científicos, revistas acadêmicas.
Observa-se, a partir da pesquisa realizada, que a etiologia dos transtornos alimentares é multideterminada, pois se desenvolve a partir da influência mútua de diversos fatores predisponentes na vida do sujeito, sendo eles: familiares, socioculturais, psicológicos e biológicos, por isso, é fundamental ter contato com a realidade experiencial do sujeito e perceber como o mesmo está vivenciando seu transtorno.
A pesquisa de cunho bibliográfico ressaltou uma preocupação com a influência da comunicação em massa, nos padrões de beleza, principalmente em adolescentes, por estarem vivendo um período em que se deparam com as exigências de se posicionarem com relação a sexualidade, assumirem um lugar na vida social tornando-se mais independentes, enfim, uma fase de maior vulnerabilidade e busca de aceitação do outro e de si mesma.
Ainda conforme os resultados do presente estudo, no decorrer dos últimos anos, a anorexia, assim como os demais transtornos alimentares, tornou-se alvo de discussões na mídia mundial. Além disso, a anorexia em adolescentes vem sendo discutida amplamente entre os profissionais da saúde, incluindo, nutricionistas, clínicos gerais, psicólogos, psiquiatras.
Diante disso, destaca-se que toda essa discussão alavanca um aspecto positivo: a disseminação da informação acerca da anorexia em adolescentes nos chamados veículos de comunicação de massa. Cabe salientar que quanto mais precocemente for detectado esse transtorno alimentar, maiores serão as chances de um bom prognóstico. À medida que a atenção das pessoas é voltada para este e dos demais transtornos do comportamento alimentar a população passa a ter conhecimento de sua existência, sintomas e consequências, maiores são as chances de serem descobertos em um tempo menor.
Sob a perspectiva compreensiva, os artigos apontam que o trabalho terapêutico deve ter como propósito a realidade concreta e particular de cada sujeito, como um ser único. Os objetivos e a maneira de se trabalhar com os adolescentes que apresentam em seu quadro clínico a anorexia são similares àqueles com indivíduos que apresentam qualquer outra queixa.
Dessa maneira, descreve-se como caminho da saúde, conforme Antony e Ribeiro (2004, p. 134):
"[...] o resgate da consciência sobre o seu corpo, pensamentos e sentimentos, de forma a tornar-se uma presença consciente. Aprender a assumir responsabilidade sobre suas ações e escolhas. Ser capaz de criar metas e reconhecer limites para dar sentido a sua existência. Exercer a autorregulação de forma consciente para poder hierarquizar as suas necessidades e se ajustar criativamente ao meio".
Assim, se faz necessário estar atento à pessoa, e não à “doença”, porém, ainda existem cuidados especiais, podendo-se dizer que a meta do trabalho psicoterápico em Gestalt-terapia na anorexia é a “conscientização da dinâmica patológica que fomenta estes distúrbios, visando ampliar as possibilidades existenciais do paciente, que no momento se encontram cristalizadas” (PANAZZOLO, 2002, p. 138).
Frente a isso, conclui-se que a Gestalt-terapia contribui de maneira significativa na compreensão dos aspectos emocionais do adolescente com anorexia, principalmente por sua visão holística do ser humano, a qual evita privilegiar apenas o racional e o verbal, cuidando também da linguagem corporal. A Gestalt-terapia se constitui, nesta perspectiva, em uma excelente abordagem para trabalhar não só com a anorexia, mas também com os demais transtornos alimentares, posto que possui uma concepção de um processo terapêutico baseado na relação intersubjetiva, recolocado assim o sujeito do terapeuta em relação direta com o paciente (TEIXEIRA, 2005).
Como novas possibilidades de estudo, observou-se que a pesquisa bibliográfica, apesar de sua relevância, deixa a desejar no que se refere ao tema em questão, desse modo, seria viável e interessante que se abordasse a temática por meio de um estudo de campo, entrevistando adolescentes anoréxicas e também os gestalt-terapeutas, no intuito de conhecer novas peculiaridades da doença e como a mesma é vivenciada. Como nova forma de estudo, poderia ser realizada uma pesquisa quantitativa para investigar em que classe social tem maior ocorrência de anorexia e quais destes buscam com maior frequência o auxílio de um psicólogo.
Por fim, pode-se mencionar ainda a possibilidade de estudos futuros sobre a relação da anorexia com a psicose, posto que o sujeito demonstra uma evidente visão distorcida da realidade do corpo em que a pessoa, extremamente magra se percebe extremamente gorda.
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NOTAS
*Marianne Lima de Carvalho:Concludente do curso de Graduação em Psicologia. Formada em Administração de Empresas com Habilitação em Marketing
**Deyseane Maria Araujo Lima: Psicóloga. Formação em arteterapia. Formação em gestalt-terapia. Formação em gestalt-terapia com crianças. Especialista em Educação Inclusiva e em Educação a Distância. Mestre em Psicologia. Doutora em Educação. Professora da pós-graduação e de graduação em psicologia. Membro do Instituto de Psicologia Humanista e Fenomenológica do Ceará - Iphe.
Endereço para correspondência
Marianne Lima de Carvalho
Endereço eletrônico:mariannelcarvalho@gmail.com
Deyseane Maria Araujo Lima
Endereço eletrônico:deyseanelima@yahoo.com.br
Recebido em 07/12/2015
Aprovado em 21/11/2017