ARTIGO
A criatividade como potencializadora do processo gestalt-terapêutico
Creativity as an empowering resource of gestalt-therapy process
Larissa Lehmkuhl*
Universidade Federal de Santa Catarina - Florianópolis - SC, Brasil
RESUMO
O presente artigo objetiva compartilhar reflexões sobre a Criatividade na perspectiva da Gestalt-terapia. Para isso, tratar-se-á sobre como foi e vem sendo compreendida a Criatividade na literatura e, em seguida, como se dá a sua relação com a Gestalt-terapia (GT). Embasou-se então na compreensão de conceitos essenciais à abordagem, desmistificando a concepção histórica de que a Criatividade é exclusiva de pessoas que a possuem como um “dom” e observando que o ser humano pode transformar-se e reinventar sua maneira de ser-no-mundo, ou seja, pode estabelecer um contato que é de fato ajustamento criativo.
Palavras-chave:Criatividade; Gestalt-terapia; Ajustamento Criativo.
ABSTRACT
In this article I share thoughts about Creativity within the Gestalt-therapy approach. Therefore, I will talk about how Creativity has been acknowledged in the existing literature and which associations can be made with Gestalt-therapy (GT). Based on essential concepts of the approach, I aim to demystify the historical concept that Creativity is exclusive for ones who have it as a "gift" and observe that a human being can change and reinvent its way of being-in-the-world. In other words, can conceive a contact that is in fact creative adjustment.
Key words:Creativity; Gestalt-therapy; Creative Adjustment.
INTRODUÇÃO
O presente artigo tem como objetivo compartilhar algumas reflexões sobre a Criatividade na perspectiva da Gestalt-terapia, tema que tomou a atenção da pesquisadora durante a prática como gestalt-terapeuta iniciante. Tal experiência foi possível a partir do estágio realizado na Clínica Social e Comunitária do Centro Comunidade Gestáltica – Clínica e Escola de Psicoterapia. Nesta, havia a possibilidade de atender a comunidade de baixa renda de maneira gratuita, realizando atendimentos psicoterapêuticos com o suporte de supervisoras clínica e acadêmica e ainda com o dos demais estagiários da Universidade Federal de Santa Catarina.
A Gestalt-terapia (GT) foi criada nos Estados Unidos e iniciou no Brasil nos anos de 1970, sendo rapidamente assimilada como prática (RODRIGUES, 2000). Em sua concepção, compreende-se o ser humano como um todo - o que é chamado de holismo -, ou seja, é entendido como um sistema que interatua com o meio e é composto por partes que interagem e que são diferentes de sua simples somatória. Em tal sistema, compreende-se que há uma unidade da mente e do corpo, não sendo possível considerar os pensamentos, sentimentos e sensações como independentes.
Neste sentido, a Gestalt-terapia considera como autolocalização e temporalidade o conceito do aqui-e-agora, proveniente das bases fenomenológicas dessa abordagem. Isso não significa ignorar a historicidade do sujeito nem o seu constante movimento para o futuro, mas sim valorizar a vivência de fato, e não explicações sobre essa vivência, como quando se afirma que há uma causa no passado que, de certa maneira, controla o presente (POLSTER; POLSTER, 1979).
Entende-se que a Gestalt-terapia possibilita olhar o sujeito e o mundo como integrados, considerando a possibilidade de transformação de ambos a partir do movimento que o primeiro elabora neste mundo e de como é tocado por ele, que se dá de maneira criativa. É sob essa óptica que o tema da Criatividade estará sendo abordado. Utilizou-se para isso autores-chave da Gestalt-terapia, como Perls, Hefferline e Goodman (1997) e Polster e Polster (1979), bem como referências a respeito do tema que possibilitassem uma visão geral (não necessariamente científica), como o Dicionário do Aurélio online; na sequência, buscou-se um entendimento específico para a Psicologia a partir de autores como Vigotski (2009), Lubart (2007) e Seabra (2008) para então verificar como a Criatividade é tratada na perspectiva da GT, com Zinker (2007) e Ciornai (1995), por exemplo. Buscou-se ainda por autores que permitissem a compreensão da relação entre Criatividade e Gestalt-terapia em diferentes práticas do(a) terapeuta, sendo exemplos Silva, Carvalho e Lima (2013), que se referem à Arteterapia, e Oliveira (2010), ao tratar da psicoterapia infantil, a fim de auxiliar no entendimento de como se dá o processo criativo e como pode ser favorecido.
Considerando a criatividade um elemento inerente ao ser humano e que, dessa forma, não deve ser ignorada no processo da Gestalt-terapia, tem-se como objetivo principal esclarecer a forma como a GT a utiliza como instrumento de trabalho no setting terapêutico. Dessa maneira, busca-se nesse trabalho expor alguns conceitos de Criatividade existentes, especialmente em livros e artigos do campo da Psicologia, e apontar posteriormente em que momentos encontram a abordagem da Gestalt-terapia, elucidando também os conceitos apreendidos pela pesquisadora ao longo de sua prática como Gestalt-terapeuta iniciante.
1 - DE QUE CRIATIVIDADE FALAMOS?
Segundo o Dicionário do Aurélio online1 (s/d), a criatividade pode ser interpretada como a “Capacidade de criar, de inventar”, a “Qualidade de quem tem ideias originais, de quem é criativo” e/ou ainda a “Capacidade que o falante de uma língua tem de criar novos enunciados sem que os tenha ouvido ou dito anteriormente”.
Como se vê, a criatividade é por vezes tratada como algo excepcional do ser humano, quase como um dom exclusivo de algumas pessoas. A Psicologia da Criatividade, em algumas vertentes, tem conseguido desmistificar aos poucos essa concepção, abordando a problemática há algum tempo. Um dos autores que trabalham nesse sentido é Lubart, em seu livro Psicologia da criatividade (2007), em que apresenta a história desse conceito e aponta como é construída tal ideia.
Percorrendo o tempo com o autor, encontra-se Platão que, por exemplo, “[...] dizia que um poeta não pode criar sem que a musa lhe inspire e deseje. O poeta, indivíduo extraordinário porque foi escolhido pelos deuses, exprime as ideias criativas que ele recebeu” (DACEY E LENNON, 1998 apud LUBART, 2007, p. 11). Em tal perspectiva o ser humano recebe a inspiração e a possibilidade criativa de alguma figura mística ou espírito, o que perdurou até o século passado. Também é apontada pelo autor (2007, p. 12) outra perspectiva que se iniciou com Aristóteles, de que a “[...] inspiração tem suas origens no interior do indivíduo, dentro do encadeamento de suas associações mentais, e não em intervenções divinas”, ou seja, a partir de então a possibilidade criativa passa a ser intrínseca ao sujeito, não mais proveniente de figuras externas.
Ainda historicamente, vê-se que o tema da Criatividade perdeu visibilidade durante o Império Romano e voltou a aparecer no Renascimento; neste, o “gênio criativo” passou a obter destaque, sendo resultado de algo tanto genético quanto de condições ambientais, porém, não mais dependente de fatores sobrenaturais (ALBERT; RUNCO, 1999 apud LUBART, 2007, p. 12).
Segundo o autor, diversos foram os estudos relacionados à criatividade2 que visaram posteriormente explorar diferenças entre pessoas pouco e muito criativas, como se dava a criatividade, entre outros. Alguns destes são os trabalhos de Guilford (1950, 1967), que expunham a criatividade como algo que se dá a partir da capacidade intelectual do indivíduo para detectar, analisar e resolver problemas. Já no final do século XX, a criatividade foi tratada como “[...] o resultado de uma convergência de fatores cognitivos, conativos e ambientais” (LUBAR, 1999 apud LUBART, 2007, p 15).
Tendo em vista a construção do conceito ao longo desse percurso histórico, a criatividade tem sido definida por alguns autores3 como “[...] a capacidade de realizar uma produção que seja ao mesmo tempo nova e adaptada ao contexto na qual ela se manifesta”, porém, parece que ainda é um conceito não consensual entre os profissionais da psicologia, sendo a ideia de algo exclusivo para algumas pessoas perpetuada até os dias atuais.
Money (1963 apud SEABRA, 2008) coloca que a criatividade é compreendida tendo em vista quatro facetas, que são a situação criativa, o produto da criatividade, o processo de criação (que é relacionado com a ideia da criatividade para a resolução de problemas) e a pessoa criativa, suas características. Ao encontro dessa ideia, verifica-se que essa série de facetas dificulta uma definição única da criatividade, pois é dependente do que se está observando: “É o sujeito criativo ou é criativo o produto da atividade específica de qualquer sujeito?” (SEABRA, 2008, p. 5).
Vigotski (1986-1934), psicólogo russo, tratou da criatividade como condição para existência e algo que está “[...] por toda parte em que o homem imagina, combina, modifica e cria algo novo, mesmo que esse novo se pareça a um grãozinho” (VIGOTSKI, 2009, p. 14). Nesse sentido, não é percebida como exclusiva de alguns.
É nessa perspectiva que a criatividade vai ser então tratada nesse trabalho, não desconsiderando a complexidade e quantidade de perspectivas levadas em conta ao tratar do tema e atentando para o fato de que todos temos potencial criativo para transformar nossa própria realidade.
2 - GESTALT-TERAPIA E CRIATIVIDADE
Tendo em vista os diversos conceitos acerca de Criatividade apresentados, é possível estabelecer alguns diálogos com a Gestalt-terapia.
Um dos primeiros pontos, de acordo com Ciornai (1995), seria a própria concepção existencial de ser humano nessa abordagem, na qual ele é considerado um ser que se transforma constantemente, jamais está pronto, acabado; assim, reorganiza-se através da sua relação com o meio de maneira criativa, constituindo cada vez mais sua singularidade a partir da sua experiência que é única. Nesse sentido, pensando os pressupostos existenciais e a concepção de criatividade para Vigotski (2009), é possível verificar que o significado dado às vivências emocionais de cada um é também único, pois a forma como se vive a experiência e sentem-se as emoções depende também do seu fundo e da sua relação com o mundo.
Essa concepção associa-se ao que aponta Oliveira (2010, p. 361), que a criatividade na Gestalt-terapia relaciona-se à visão de homem e que “compreender o homem como um ser criativo é atribuir a este ser a capacidade de recriar sua história, de construir caminhos, de encontrar novas possibilidades de ‘ser-no-mundo’”. Dessa maneira, é possível pensar a criatividade como um suporte, ou seja, como algo que potencializa o homem para viver como protagonista, como ser ativo da sua existência, elaborando as diferentes alternativas frente às diferentes situações que lhe aparecem – e que por vezes são experenciadas como iguais a situações anteriores do decorrer de sua história.
É necessário destacar onde se dá a experiência para a Gestalt-terapia e como a criatividade está implicada nesse contexto. Conceitos fundamentais são o de contato e de fronteira de contato. Para Perls, Hefferline e Goodman (1997), o organismo é limitado do meio pela fronteira de contato - e não separado dele – sendo que este é também tocado pela fronteira. Assim, é na fronteira de contato que se dá a relação entre ambos: o ser inicia sua experiência a partir de algo do meio que mobiliza sua sensorialidade e torna-se figura4 para ele, abrindo-se, dessa forma, uma necessidade para o organismo. Nesse movimento são observados possibilidades e limites de ação existentes para a satisfação da necessidade em aberto. O contato se “encerra” quando esta é satisfeita, ou seja, a figura formada é destruída, o que permite então o delineamento de uma nova figura de interesse para ele. De acordo com Polster e Polster (1979),
[...] nossas funções sensoriais e motoras são potencialmente as funções através das quais o contato é feito, mas é importante lembrar que, da mesma forma que o todo é mais do que meramente a soma das suas partes, o contato é mais do que a soma de todas as funções possíveis que poderiam entrar nele (POLSTER; POLSTER, 1979, p. 103).
Conforme Perls, Hefferline e Goodman (1997), apenas o novo é assimilável e essa assimilação, que se dá no presente, transforma o sujeito para o futuro, pois o homem também é diferente da soma das suas mais diversas situações já vividas, ele vai ressignificando e passando a viver diferentemente. É possível afirmar que existe uma adaptação do ser de acordo com o que lhe é assimilável no aqui-e-agora e com a modificação do seu presente.
O contato pode ser chamado então de ajustamento criativo quando seu fluxo é fluido, pois nesse ciclo de abertura e fechamento de Gestalten se ajusta o que já é conhecido de maneira nova, criativa, tendo em vista as diferentes possibilidades e limitações percebidas. Não é necessário que o cliente, ao buscar psicoterapia, fique tentando estabelecer uma mudança, pois ao contatar “a mudança simplesmente ocorre” (POLSTER; POLSTER, 1979, p. 102).
É no contato que se dá a awareness, que pode ser concebida como um processo de dar-se conta de si mesmo a partir dessa relação com o meio. Ela é caracterizada pelo próprio processo do fluxo figura-fundo, ou seja, existe um excitamento espontâneo e uma transformação do que é experenciado a partir disso, abrindo-se nova figura e assimilando-se a novidade ao já conhecido, tanto de forma sensorial, motora (orientando a ação, mobilizando energia) quanto reflexiva (dando novos significados) (PERLS; HEFFERLINE; GOODMAN, 1997).
Tendo em vista que ao contatar lida-se com o novo, é possível concordar com Silva, Carvalho e Lima (2013) e Ciornai (1995, p. 2) quando colocam que “todo contato é potencialmente criativo”; também nota-se que a criatividade não é dependente apenas “do indivíduo”, sendo necessária interação com o meio para que seja despertada. Um exemplo é quando me deparo com algo que desejo produzir, como este trabalho; necessito tanto do meu fundo, meu suporte, carregado de informações e experiências sobre as temáticas aqui tratadas - ou seja, provenientes de contato anterior com o meio -, quanto dos materiais para a escrita, que pertencem ao meio, entre diversas outras possibilidades. Porém, nessa interação eu dou um novo significado à informação anteriormente obtida e elaboro um texto diferente, com o meu olhar, eu renovo dando prioridade a fatores que me parecem mais relevantes e que me tocam de forma que seja para mim uma necessidade explorá-los. Assim, destaca-se que o objeto criado tanto possui minhas impressões como sujeito quanto me constitui como sujeito ao passo que me transformo durante sua criação, o que demonstra, de acordo com Silva, Carvalho e Lima (2013), a interconstituição de sujeito e objeto.
Na prática da Gestalt-terapia um conceito que se apresenta referente à Criatividade é o de saúde. Para Rodrigues (2000, p. 47), saúde “[...] implica em reconhecimento da capacidade do indivíduo em manter-se em contato com seu contexto [...]”.
Nesse sentido, tem-se a compreensão da auto-regulação organísmica, que se refere à capacidade que todos temos de adaptar nossas respostas às mais diversas demandas do meio que nos surgem, de forma a satisfazer a nossa necessidade em aberto, sendo esse movimento natural e saudável. Tal ideia iniciou-se com os estudos de Kurt Goldstein, neurologista e psiquiatra alemão, que considerava existir uma busca do organismo por equilíbrio frente às configurações do meio.
A Gestalt–terapia compartilha com a teoria organísmica de Kurt Goldstein da ideia de que tentativa de repetição de padrões de comportamentos já conhecidos, a não mudança e não exposição a situações novas é uma tentativa dos indivíduos de não lidar com a ansiedade gerada pelo inesperado. Quando há uma cristalização deste padrão, a Gestalt–terapia vai entendê–la como um padrão neurótico de comportamento, padrão este que vai levando ao empobrecimento das experiências do sujeito, a um repertório repetitivo e limitado de comportamentos que não propiciam a mudança (LIMA, 2009, p. 89).
Ou seja, quando não é alcançado um equilíbrio porque as respostas se repetem e a necessidade real do sujeito continua não sendo completamente satisfeita, está ocorrendo um funcionamento não saudável, tornando-se um contato não criativo com o meio (OLIVEIRA, 2010; CIORNAI, 1995). Dessa maneira, a criação de formas de auto-regulação são essenciais para esse organismo.
Se a pessoa, em interação com o meio, construiu esse modo de ser ao longo do tempo (com cristalização de comportamentos e contato interrompido), pode-se considerar que houve também uma tentativa de equilibração, visando à forma como ela percebeu como mais adequada ao contexto que se encontrava. Porém, percebe-se que “dar respostas velhas a situações novas” dificulta a experimentação de possibilidades perante as novas situações - inclusive nas relações sociais -, fazendo parte com frequência das queixas na psicoterapia.
Conforme coloca Tsallis (2014, p. 168), “ter sempre a mesma resposta equivale a não ter resposta nenhuma [...]”, o que remete aos conceitos de vazio estéril e vazio fértil. Rodrigues (2000) aponta que em virtude de uma necessidade de preencher esse vazio e acabar com a angústia da situação em aberto, acaba-se preenchendo-o com coisas que na verdade são inadequadas, não lhe servem. Isso é o chamado vazio estéril, e estando nele é difícil que se criem novas possibilidades.
Nesse sentido, outro conceito importante é o da Indiferença Criativa. Perls (2002) relata que para alcançar uma visão mais abrangente do todo é relevante encontrar determinado ponto, o ponto zero, elaborado a partir do referido conceito, proveniente dos escritos de Friedlaender:
Em seu livro, "Creative indifference", Friedlaender apresenta a teoria de que todo evento está relacionado a um ponto-zero, a partir do qual ocorre uma diferenciação em opostos. Esses "opostos" apresentam, em seu "contexto específico", uma grande afinidade entre si. Permanecendo atentos no centro, podemos adquirir uma habilidade criativa para ver ambos os lados de uma ocorrência e completar uma metade incompleta (PERLS, 2002, p. 45-46).
Dessa forma, o conceito de indiferença criativa visa estabelecer um ponto-zero para poder olhar os dois polos do mesmo fenômeno, diferenciá-los e observar as semelhanças, permitindo então verificar como se completam esses extremos e quais as possibilidades abertas por cada um deles, utilizando o pensamento diferencial. Busca-se assim não estagnar as experiências, mas torná-las múltiplas em toda a sua complexidade, sabendo a cada fechamento que ali há também uma nova abertura (TSALLIS, 2014). Um exemplo da multiplicidade de opções existentes é trazido por Perls (2002), sobre o uso do calor: pode servir tanto para desunir moléculas quanto para soldá-las, não possui uma única funcionalidade. Ao experimentar o que se acredita pertencente a uma polaridade no polo oposto, recusando-se a aceitar apenas um polo como verdadeiro, experimenta-se o vazio fértil, que permite a descoberta do que realmente cabe ao sujeito para preenchê-lo.
É importante que o gestalt-terapeuta também tenha o olhar atento para as polaridades trazidas pelo cliente, para o foco dado e o ângulo pelo qual se está observando as situações vividas. Joseph Zinker (2007) foi um psicoterapeuta americano que escreveu sobre a criatividade como fundamental no processo da Gestalt-terapia, não apenas para o funcionamento saudável do cliente, mas também como necessária à metodologia do gestalt-terapeuta. De acordo com o autor, “[...] o processo criativo é prejudicado quando cliente e terapeuta inadvertidamente se identificam com partes isoladas da personalidade do cliente: o terapeuta anseia por mudanças e o cliente luta com unhas e dentes por sua ‘integridade’” (ZINKER, 2007, p. 34).
O terapeuta tem o papel de criar e disponibilizar as mais variadas formas de condução da psicoterapia (como o próprio experimento, por exemplo) a fim de auxiliar o cliente a estar aware do seu próprio movimento no mundo e possibilitando a escolha sobre a condição sob a qual prefere continuar esse movimento. De acordo com Polster e Polster (1979), o experimento pode ser utilizado de modo a expandir as fronteiras habituais do cliente, ou seja, possibilita uma maneira de entrar em contato com suas mais diversas questões de forma segura, sendo importante que o terapeuta observe se é possível para o cliente estabelecer esse contato no momento.
Isso vai ao encontro também do que coloca Oliveira (2010), que “[...] não pensaremos numa forma de tornar o cliente [...] um ser adaptado às situações do seu contexto no sentido de adequá-lo ao que está sendo solicitado. E sim, trabalharemos com a intenção de desenvolver sua possibilidade de escolha [...]” (p. 361).
Nesse sentido, de acordo com Zinker (2007, p. 17), verifica-se que “a terapia é um processo de mudança de awareness e do comportamento”, o que remete às definições de criatividade que tratam da elaboração do novo: não significa que o cliente vai necessariamente alterar sua forma de viver, mas, estando consciente do que se passa, a própria experiência torna-se nova. O autor ainda, perante a ideia já exposta de que a criatividade é restrita a algumas pessoas, que possuem o “talento” da criatividade ou a “permissão” profissional para usá-la, afirma que “o ato criativo é uma necessidade tão básica quanto respirar ou fazer amor”, o que possibilita entender que é fundamental a todos (ZINKER, 2007, p. 21).
Por fim, percebe-se então que a criatividade está presente na constituição do sujeito e que é possível visualiza-la e utiliza-la para promover mais saúde para o mesmo, sendo o Gestalt-terapeuta também reinventado constantemente nesse processo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Um dos primeiros pontos observados é a importância da crença na transformação do ser humano. Pensar a criatividade é entender que é possível reinventar-se e estabelecer diferentes concepções que são constantemente mutáveis; tal processo não é planejado: ele acontece, assim como a vida.
Da mesma maneira, percebe-se que o contato criativo possibilita o crescimento do ser humano. Pensando na Gestalt-terapia, vê-se que não cabe ao terapeuta “forçar” um crescimento do cliente, mas é necessário que ele seja um facilitador desse processo, utilizando experimentos, por exemplo, a partir da sua sensibilidade no campo. Tal crescimento significa também possibilitar que a relação cliente-terapeuta seja interdependente, ou seja, é importante que o terapeuta permita o caminhar do cliente sem tornar-se “uma muleta” e sem que se coloque ou deixe colocar-se no lugar de “detentor do que é certo fazer”: não cabe ao gestalt-terapeuta fazer interpretações e nem dar respostas, o que, diga-se de passagem, é um desafio tendo em vista a lógica mecanicista em que fomos constituídos.
Outro ponto a ser levantado é o fato de que, não é necessário utilizar todas as técnicas conhecidas pela abordagem gestáltica (cadeira vazia, dramatização, etc.) para dizer-se criativo e/ou possibilitar ao cliente o contato criativo. Um “ouvir” do terapeuta, aparentemente simples, pode ser o que o cliente necessita no momento; ser ouvido pode ser algo que ele não costuma vivenciar, tornando-se o experimentar de algo novo e potencializador de awareness. Da mesma forma, ouvir sem demais intervenções (ou sem intervenções demais) também pode ser um processo pouco experimentado pelo terapeuta: se houver contato criativo, ambos crescem no processo.
Quando o terapeuta ouve ativamente e utiliza da sua criatividade para possibilitar que o cliente esteja aware das polaridades existentes - olhando juntamente a partir de um ponto-zero estabelecido -, é possível que ambos deem novos significados para as mais diversas situações abertas nesse processo e caminhem juntos para o encontro de coisas que realmente estejam acessíveis e sejam desejadas pelo cliente.
A partir do presente artigo foi possível perceber algumas relações do tema com a experiência como gestalt-terapeuta iniciante. Penso que ainda é possível explorar mais a respeito da utilização e interrupção da criatividade do gestalt-terapeuta, tão fundamental para o processo terapêutico quanto o fundo a respeito do tema. Conforme descrito inicialmente, o objetivo deste artigo foi fazer uma reflexão sobre a criatividade na Gestalt-terapia, contudo, ao adentrar este estudo pode-se observar a relevância do tema como instrumento de mudança e, assim, sugere-se um estudo de caso onde possa exemplificar de modo prático tal relevância.
Por fim, ressalta-se novamente que o processo criativo é pertencente a todo o ser humano e que não há uma concepção de ideal a respeito da criatividade: cada um é criativo da maneira como lhe é possível. Sendo assim, vê-se que cabe ao gestalt-terapeuta não buscar respostas para o que aparece ao cliente na relação terapêutica, mas sim o auxiliar a criar suas próprias respostas, descobrindo assim diferentes maneiras de trilhar seus caminhos.
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Endereço para correspondência:
Larissa Lehmkuhl
Endereço eletrônico: larilehmkuhl@gmail.com
Recebido em: 16/10/2015
Aprovado em: 19/01/2016
NOTAS
* Graduada em 2015 na Universidade Federal de Santa Catarina, cursando licenciatura em Psicologia.