ARTIGO
Gestalt-Terapia de Grupo: o que é isso?
Group Gestalt Therapy: what is it?
Fábio Costa Fadel* Márcia Estarque Pinheiro ( Orientadora)**
IGT - Instituto de Gestalt Terapia e Atendimento Familiar - Rio de Janeiro, Brasil
RESUMO
O objetivo desta monografia é alcançar um entendimento básico do que seja a Gestalt-terapia de grupo. Para tanto, aprofunda os conceitos acerca de grupo e de psicoterapia de grupo, e apresenta a seguir a produção de artigos em português publicados entre 2009 e 2013 em revistas indexadas nas bases BVS, SciELO e PePSIC que contenham os descritores Gestalt-terapia e grupo. O material de apoio é mais amplo, e inclui livros, dicionários, além do sítio de pesquisa Google e conhecimentos pessoais.
Palavras-chave: Gestalt-terapia de grupo; Gestalt-terapia; grupo; psicoterapia de grupo; psicoterapeuta de grupo.
ABSTRACT
The purpose of this monograph is to achieve a basic understanding of what the group of Gestalt therapy . Therefore , deepens the concepts about group and group psychotherapy , and offer the following production Portuguese articles published between 2009 and 2013 in journals indexed in the VHL , SciELO and PePSIC containing the Gestalt therapy and group descriptors . The collateral is broader , and includes books , dictionaries , besides Google search site and personal
Keywords: Group of Gestalt therapy; Gestalt-therapy; group; group psychotherapy; group psychotherapist.
Apresentação
Nesta monografia para conclusão de curso em especialização clínica procurei elaborar um estudo inicial sobre a Gestalt-terapia1 de grupo e sua ação terapêutica. É a sequência de um interesse pelo tema relação, já examinado em monografia de graduação (FADEL, 2006), na qual investiguei o poder do afeto, invisível gerador de mudanças, no contexto das relações entre homens e animais: se antes a relação abordada foi a interespecífica, agora será a intragrupal.
Tendo o grupo como foco, a Gestalt-terapia é a lente de observação. Desde a graduação, fui cativado pelo seu olhar existencial, sistêmico, holístico, relacional, fenomenológico, humanista e filosófico, que não enfatiza a doença, mas a existência. Foi por não acreditar no enfoque patologia-cura que desisti da profissão de veterinário.
Através dos atendimentos clínicos com casais e famílias, entendidos como grupos primários, pessoas que convivem íntima e regularmente, desenvolvi a compreensão sistêmica dos fenômenos.
Todos os grupos podem ser vistos no contexto das relações interpessoais, que são canais invisíveis por onde circulam afetos. A experiência relacional também ocorre na psicoterapia individual, mas esta carece de um terceiro, exterior, que olhe para essa relação. Exceto pelo papel do supervisor, que interage apenas com o psicólogo, essa relação só pode ser vista de dentro pelos que dela participam.
Em uma psicoterapia individual podemos ser vistos pelo psicólogo, quando escuta o relato de nossa questão, e quando observa nossas alterações e expressões, diretamente, daquilo que lembramos, imaginamos, contamos. Mas em uma terapia com grupo podemos prescindir desse esforço de trazer passado ou futuro para elaboração: o momento psicoterapêutico é também o resultado da interação imediata entre os membros, com todo o colorido vivencial que isso aporta.
Quando cliente em uma psicoterapia individual, pude participar de workshops de final de semana com cerca de outras vinte pessoas. Era também uma psicoterapia individual, só que feita na presença do grupo, cuja ênfase permanecia sendo introspecção, mas diante de uma plateia. A presença de terceiros trazia situações imprevistas, fazendo emergir alguns fenômenos no aqui e agora, e também aprendíamos por observação, “fazendo terapia silenciosa”, como disse Fritz Perls. Comparados com a terapia individual, esses workshops tinham mais calor e combustão espontânea, sendo mais vivencial, embora ainda não relacional.
Cheguei a uma terceira terapia como cliente, desta vez de grupo, com encontros semanais, conduzida por duas psicólogas. O grupo revelou-se ele mesmo terapêutico2 , embora ao psicólogo coordenador coubesse garantir a permanência do encontro, sem deter o monopólio da cura3. Há algo que só ele pareceu fazer: oferecer e cuidar do ambiente, espaço físico e temporal do encontro, bem como da efetividade da técnica. Ele foi mais um maestro do que um músico virtuoso. E mais klinikós4 do que herbarium5. Para além dele se apresentava o grupo em sua expansividade de vida não contida nem domada. O grupo, no qual se incluía o psicólogo, era maior e diferente daquilo que o psicólogo planejasse fazer com ele, desdobrando sempre novas possibilidades relacionais, estas, sim, terapêuticas e não as técnicas se as houvesse fora das relações.
Ao longo desse período como cliente de psicoterapia, também atuei enquanto psicólogo com indivíduos e grupos, experimentando o desafio que é conduzir grupos e a necessidade de uma formação teórica que oriente o profissional em suas decisões do momento. É muito difícil fazer um bom trabalho grupal baseado em intuição na medida em que é necessário manter uma coerência sistemática das ações e decisões terapêuticas. Não seria produtivo mudar o referencial a cada sessão, fazendo ensaios e experiências para ver o que funciona. Mesmo dentro do referencial gestáltico existem várias formas de se conduzir grupo, como veremos adiante, sem falar nas configurações de outras correntes teóricas. Para o trabalho com grupos é preciso ter um mapa e uma bússola, para haver condição (e ainda não a garantia) de saber aonde se quer chegar e de como fazer para isso.
Coordenei grupos psicoterapêuticos no Sistema Único de Saúde (SUS) como psicólogo concursado de prefeituras municipais, podendo dizer que, em geral, as mulheres compunham mais de dois terços dos pacientes6 ; os grupos apresentavam cerca de dez pessoas; tinham a duração média entre uma hora e uma hora e meia, com frequência semanal, sem prazo para encerrar; eram grupos abertos, com entrada e saída de participantes. Pude constatar que os grupos, passando o tempo, assumiam como objetivo a sua perpetuação, tendendo a não ser psicoterapêuticos. Procurei problematizar a questão com colegas e coordenação, concluindo que “grupos de encontro”, também chamados, com sutis diferenças, “grupos de acolhida” ou “grupos para falar”, seriam mais adequados por sua maior flexibilidade de formato e conteúdo, parecendo ser a demanda de grande parte das pessoas que procuravam o serviço no ambulatório de saúde mental.
Devo reconhecer que os dias mais espontâneos e acolhedores eram aqueles em que se festejava o aniversário de alguém. Não deixava de haver, para o psicólogo, certo conflito metodológico com essa invasão do “profano” no ambiente “sagrado” da psicoterapia. Conflito que era expressão de uma “pureza” (ou, por que não, preconceito) do modelo terapêutico, mas que fez surgir a reflexão acima exposta que indicava a conveniência de outro formato de grupo, mais aberto, que promovesse a convivência. Este existe no trabalho de “ambulatório ampliado”, uma experiência vigorosa que antecedeu o surgimento dos CAPS em alguns municípios. Atualmente, ao que parece, quem ocupa o espaço do grupo de acolhida é a Terapia Comunitária, criada pelo brasileiro Adalberto de Paula Barreto, modelo que desde 2008 integra a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares do Departamento de Atenção Básica do Ministério da Saúde7
Durante o tempo em que o conflito metodológico entre “psicoterapia pura” e “grupo de acolhida” ganhava força dentro de mim, houve o risco, nem sempre evitado, de querer forçar o usuário do serviço público de psicologia a entrar no modelo psicoterapêutico pré-definido na cabeça do profissional para abordar questões intra e intersubjetivas que exigiriam do usuário disposição e insight nem sempre disponíveis. Porque a dor que traziam, sendo de solidão e rejeição, pedia cuidados de pele ferida, cujo tratamento não haveria de ser invasivo, como seria o colocar em questão o modus operandi das relações do usuário, mas, por outro lado, promover essas relações ali mesmo e facilitando que o grupo as promovesse: se alguém trazia uma queixa, como síndrome do pânico, por exemplo, os membros do grupo viam nessa ocasião a oportunidade de descobrir em si recursos para ajudar os outros. Nem sempre ortodoxos.
O encontro pode ser terapêutico desde o início, se for dada permissão às pessoas de estarem juntas, ainda que às vezes problematizando esse desejo de encontro e permanência. No grupo pode haver um elixir terapêutico que harmonize os afetos, amenize as dores, amplie os horizontes da vida, um aroma que vem do outro e vai para o outro. Esse “elixir”, e “aroma”, invisível gerador de mudança, é um tema cujo estudo nos leva da técnica para além dela, perpassando a poesia, a literatura, a filosofia e a arte, o corpo, a música, a dança e a transcendência.
Introdução
O homem, ser de relação, vivencia grupos desde o início de sua história, quando foram necessários dois gametas para a formação de um embrião.
Um casal faz planos para o filho por nascer, que durante a gestação recebe influências do ambiente externo e do estado emocional da mãe, como o som de uma música ou a batida rítmica do coração materno.
O desenvolvimento infanto-juvenil, especialmente a transformação cognitiva, foi estudado em detalhes por Jean Piaget, Lev Vigotsky e outros. As mudanças que marcam “ciclos de vida”, do nascer ao envelhecer, foram observadas por Erik Erikson e Joan Erikson; o processo de morrer, por Elizabeth Kübler-Ross.
Dentre tantos aspectos relevantes para o desenvolvimento humano, destacamos nessa monografia a visão existencialista do homem como um ser de relação, um ser-no-mundo e um ser-para.
Para escrever esse trabalho, restringimos o aspecto relacional ao escopo da Gestalt-terapia de grupo, aproveitando-nos das já descritas experiências como cliente de grupos e como psicólogo concursado de prefeituras municipais por cerca de seis anos, onde atendi todos os públicos, em arranjo individual, familiar e grupal, quer em ambulatório ou em CAPS (Centro de Atenção Psicossocial).
Serão apresentados conceitos sobre grupo, segundo sua etimologia e história; pelo ponto de vista do autor existencialista Jean-Paul Sartre; e conforme a Gestalt-terapia. Em seguida, será feita uma distinção entre três tipos de psicoterapia, empregando-se como auxílio as preposições em, de e do (psicoterapia em / de / do grupo). Depois, apresentaremos uma revisão bibliográfica de publicações ocorridas nos últimos cinco anos (2009 e 2013). Ao longo do texto alguns livros e mesmo artigos mais antigos são citados como material de apoio.
Se fizermos uma tentativa de esquadrinhar na literatura não científica ilustrações de psicoterapia de grupo, logo perceberemos que ou bem encontramos o tema psicoterapia (individual) ou grupos (não psicoterapêuticos).
No primeiro caso, conta-nos Nise da Silveira (SILVEIRA, 1998) o que é, para ela, a primeira história de psicoterapia que se tem registro: a relação entre a divindade Tot, o deus egípcio da sabedoria, e Tefnut, filha de Rá, o grande deus sol.
Tot, na forma de macaco, é enviado por Rá para acalmar sua filha Tefnut, na forma de leoa, e trazê-la de volta à casa paterna. Sujeita a grandes cóleras, é capaz de emitir fogo pelos olhos, pela boca e pelo nariz.
Tot, então, encontra Tefnut no deserto da Núbia, em um estado de fúria devastadora. Fala-lhe tranquilamente. Conta-lhe que o tempo está esplêndido no Egito, mas que todos ficaram tristes depois que ela partiu. E a leoa, de juba flamejante, dorso cor de sangue e olhos chispantes, batia no solo com a cauda, levantando grandes nuvens de poeira que obscureciam o deserto. Tot, porém, prossegue em sua fala mansa, contando-lhe fábulas. A leoa acaba se comovendo e suas lágrimas caem como chuva torrencial. Metamorfoseia-se em gata, a divindade Bastet, e condescende em voltar à pátria, onde é recebida com efusivas manifestações de alegria.
Semelhante história é aquela de Buda Shakiamuni quando encontra Angulimala (GYATSO, 2014): este, acreditando que tirar a vida das pessoas deixá-lo-ia mais forte, é pacificado quando encontra o Buda que o deixa paralisado por não ter medo nem ódio no coração, convertendo Angulimala em discípulo, depois de mostrar-lhe a ignorância na qual se baseava seu comportamento.
Há o inspirador trabalho de Monty Roberts, retratado no livro “O homem que ouve cavalos” (2001), inspiração para o filme “O encantador de cavalos”, em que ele usa com os equinos a sua linguagem selvagem (de olhar e dar as costas), sem violência, para amansar e curar traumas desses animais – um processo emocionante que em nada fica a dever a Tot. Mas são animais, e seu método é o comportamental.
Merece destaque o romance de Irvin D. Yalom, Quando Nietzsche chorou (2012): embora ficção, é um curso completo de psicoterapia.
Na sétima arte, o ator Robin Williams interpreta um terapeuta individual no filme Gênio Indomável (1997), com Matt Damon. Do Brasil, tivemos o filme “Divã” (2009), protagonizado por Lilia Cabral. E também quatro episódios da séria “A Grande Família”, da Rede Globo, intitulados “Psicoterapia: uma visão humorada com ‘A Grande Família’”.
Ainda falando em série televisiva, a GNT apresentou “Sessão de terapia” (2013), dirigida por Selton Mello, na qual um psicanalista, conquanto receba casais, não atende grupos.
A maioria dos filmes que retratam terapia com grupo deixa a impressão de apresentar grupos temáticos de autoajuda, no modelo dos Alcoólicos Anônimos, enfatizando a tolerância, o respeito, a escuta e a partilha.
Com isso, sente-se falta da psicoterapia de grupo ser representada na arte e na literatura. Encontrou-se uma paródia em vídeo na internet, chamada “Nunca se sábado – terapia de grupo”.
Como justificativa da importância de investigar a Gestalt-terapia de grupo, temos dois níveis.
Em um primeiro, mais pessoal e microssistêmico8 (ALVES, 1997; MARTINS e SZYMANSKI, 2004) propomos a necessidade de segurança que o profissional precisa ter sobre o que está fazendo e assim aumentar no cliente a confiança no processo de terapia grupal para com isso permitir a ambos, profissional e cliente, o reconhecimento de estarem no caminho esperado e proposto pela psicoterapia de grupo.
Em um segundo nível, mais amplo e macrossistêmico9 (ALVES, 1997; MARTINS e SZYMANSKI, 2004), teríamos a psicoterapia de grupo como instância fundamental para lidar com a crise de identidade resultante do contexto sócio-histórico de nossa era hipermoderna:
“Época de soberania da sociedade de mercado e de consumo, com os consequentes efeitos de devastação das tramas vinculares, reclusão individualista, crescente vivência de desamparo e privatização do sofrimento psíquico”. (FÉRNANDEZ, 2006, p. XIII)
E a Gestalt-terapia de grupo ainda surge como resposta à crescente demanda pelo dispositivo grupal nas instituições públicas de saúde, aplicado tantas vezes de modo acrítico e quase amador devido à insuficiente formação dos profissionais que atuam nessas instituições.
A experiência das psicoterapias em grupo desponta como proposta para a criação de um ser no mundo congruente10 , livre e responsável, desenvolvendo seu self11 autêntico no lugar do falso self12 . É a conclusão a que chegou Fritz Perls para propor “eliminar totalmente as sessões individuais, exceto nos casos de emergência” (Terapia de Grupo versus Terapia Individual In: STEVENS, 1977, p.29). Ele chega a criticar até os workshops e propor a formação das comunidades ou Gestalt-kibutzim.
O objetivo geral da monografia é alcançar um entendimento básico do que seja a Gestalt-terapia de grupo. Quanto aos objetivos específicos almejamos apresentar a evolução da palavra grupo; a seguir, obter um retrato, sempre parcial, de como se faz Gestalt-terapia de grupo no Brasil, através da revisão bibliográfica; e, por fim, evidenciar aspectos conhecidos de Gestalt-terapia que estejam em destaque ou ausentes na literatura encontrada.
A metodologia empregada foi a busca na internet por artigos em português publicados entre 2009 e 2013 (últimos cinco anos), com os descritores Gestalt-terapia e grupo, na base de dados da Biblioteca Virtual em Saúde (BVS)13 para elaboração do capítulo Desenvolvimento. Dois artigos foram obtidos mediante pagamento ao SCIELO, sendo que um deles enquadrava-se no critério temporal de ter sido publicado nos últimos cinco anos. Secundariamente, como material de apoio, especialmente para a Introdução, fez-se uma busca no Google, além de livros, dicionários e material de conhecimento pessoal.
Nos artigos, as palavras-chave deveriam estar ou no título, ou no resumo, ou nas palavras-chave. Para os livros, era esperado achar os mesmos descritores no título da capa ou de um capítulo, sendo encontrados os de Jorge Ponciano Ribeiro: “Gestalt-terapia: o processo grupal – uma abordagem fenomenológica da teoria do campo e holística” e o de Therese Tellegen: “Gestalt e grupos: uma perspectiva sistêmica”, ambos da Editora Summus. E também um capítulo no livro “Isto é Gestalt”, de John Stevens, o “Terapia de grupo versus terapia individual” sobre o trabalho com grupos pelo fundador da Gestalt-terapia. Não foram citados os livros de Afonso Henrique Lisboa da Fonseca: “Grupo: fugacidade, ritmo e forma – processo de grupo e facilitação na psicologia humanista”, da Editora Ágora, nem o de Irving D. Yalom: “Psicoterapia de grupo”, da Artmed, cuja obra é referência no Brasil para o trabalho com grupos, por não tratarem de Gestalt-terapia de grupo. Alguns livros estão parcialmente disponíveis on-line de forma gratuita.
O capítulo “Desenvolvimento”, a seguir, aborda as questões de “o que é grupo” e “o que é psicoterapia de grupo” antes de apresentar a revisão da literatura publicada nos últimos cinco anos no Brasil sobre Gestalt-terapia de grupo.
Por fim, o capítulo com as Considerações Finais, e também um anexo sobre o termo “ubuntu”, alcunha de Nelson Mandela, além do apêndice com uma poesia de José Régio.
1 – O que é grupo?
1.1 – Grupo, segundo uma visão histórica e semântica14 ou etimológica15
Eis um esquema do que será apresentado nesta primeira parte do capítulo um:
(Figura 1 – etimologia de “grupo” – FERNÁNDEZ, 2006, p.19)
FERNÁNDEZ (2006, p. 17) expõe significados atribuídos ao longo do tempo à palavra “grupo” em português e espanhol ou groupe em francês, cuja origem é o italiano gruppo ou groppo, surgido no Renascimento (entre séc. XIV e XVII), durante o trânsito entre o social – com referências a Deus, ao senhor, à fé – e o individual – com alusões a ciência, ao livre mercado – referindo-se a um conjunto de pessoas esculpidas ou pintadas chamado groppo scultorico, forma artística de escultura própria do Renascimento, que vem ganhar volume ao se separar dos prédios medievais e novo sentido quando observada em conjunto com outras esculturas em vez de isoladamente.
Exemplos de groppo scultorico, a partir da mostra “Esplendores do Vaticano”, vista no Brasil em 2013:
Figura 2 – exemplo de groppo scultorico – (em escala de cinza) – “Martírio de São Paulo” do Cibório de Sixto IV (1471 – 1484) de Paolo Romano (1415 – 1470), feito de resina e pó de mármore, original do se´culo XV, disponível em http://arsmediaevalis.com.br/2012/09/20/exposicao-esplendores-do-vaticano-comeca-nesta-sexta-feira-em-sao-paulo/, ou em http://guia.uol.com.br/album/2012/09/20/veja-itens-da-exposicao-esplendores-do-vaticano-em-sao-paulo.htm#fotoNav=14, e também disponível em http://www.acatolica.com/2013/01/e-o-vaticano-continua-entre-nos.html, acessados em 09 mar 2014.
Figura 3 – exemplo de groppo scultorico – (em escala de cinza) – “A Crucificação de São Pedro” do Cibório de Sixto IV, de Paolo Romano, disponível em http://www.acatolica.com/2013/01/e-o-vaticano-continua-entre-nos.html, acessado em 09 mar 2014.
Groppo assume o significado de conjunto de pessoas no século XVIII, momento de constituição da subjetividade moderna, do processo de nucleação da família, o grupo íntimo por excelência (FERNÁNDEZ, 2006, p. 22). Antes significava nó, derivado do antigo provençal, o atual sul da França, grop. A figuração nó remete não só ao maior volume, mas também à coesão (afetiva) necessária para fazer um grupo e não um amontoado de pessoas, ao que Sartre chamaria série (PERDIGÃO, 1995, p.205).
Por sua vez, grop é derivado do alemão Kruppa com significado de massa arredondada ou círculo, remetendo à distribuição circular das pessoas em grupo, como nos lendários Cavaleiros da Távola Redonda. Porém, “o mero sentar-se em círculo não determina igualdades hierárquicas nem atenua os jogos de poder. (...) pareceriam ter muito mais peso os intercâmbios (...) de olhares que a distribuição espacial escolhida possibilita”. (FERNÁNDEZ, 2006, p. 21). Lembremo-nos do Panóptico, de Erwing Goffman, uma organização também circular, porém de controle, onde o poder de vigiar e punir estão centrados naquele que tudo vê, mas não é visto.
Semelhante evolução etimológica está no Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa: do italiano gruppo (nó, conjunto, reunião), derivado do lombardo16 kruppa, equivalente ao frâncico17 kruppa, (massa arredondada).
A propósito deste item, considerar que:
“quando se apela para a história da palavra para defender um dos seus sentidos, o que se faz é um jogo retórico, cujo valor é o valor que tem o jogo retórico, que pode ser muito grande. Mas não se fornece nenhuma garantia de que o sentido da palavra é o que se diz que é18 .”
Anzieu (apud FERNÁNDEZ, 2006, p.18) destaca que até o momento do Renascimento as línguas antigas não dispunham de termo para designar uma associação de poucas pessoas que compartilham um objetivo: “é possível pensarmos que até então os pequenos coletivos humanos não teriam adquirido relevância suficiente para fazer parte das representações do mundo social em que viviam” (idem, p. 19), predominando o coletivo mais amplo.
De acordo com FERNÁNDEZ (2006, p. 17), os séculos XVII e XVIII dirigem suas indagações ao indivíduo, principalmente com Descartes. O século XIX investiga o ser da sociedade, sobretudo com Durkheim e Marx. Mas é no século XX que surgem as questões referentes ao grupo, geralmente entendido como um conjunto restrito de pessoas, intermediário ou mediador entre a sociedade e o indivíduo.
O que daria nó, fazendo surgir a coesão grupal? Ou, nas palavras de Fernández (2006, p. 20), “que enodamentos-desenodamentos se organizam dentro de um conjunto reduzido de pessoas?”.
O que dá nó em uma família? A carne e o sangue. O que é a carne, o sangue? A herança, algo que permanece e foi transmitido, dando ao membro da família um nome que ele conserva e o insere nessa permanência e nessa comunidade que o antecede. A vida está garantida nesse nome de família que permanece.
Precisa ser a carne e o sangue? Um membro pode ser adotado, recebe como herança o direito de pertencer permanentemente. Aliás, se tiver o sangue e não for acolhido, não deu nó: são os filhos abandonados. Por que não dá nó? Como na epígrafe: “tempo ou oportunidade não determinam a intimidade, apenas a disposição”.
Por que alguém não se dispõe a dar nó? Talvez não se acredite capaz, mas inábil. Acredita-se sozinho. Talvez não queira dar o nó por não desejar as consequências desse nó. Ficar ligado. Pertencer ao outro. E o outro pertencer a si. Isto daria medo e levaria a fugir da possibilidade de fracassar, para não ser rotulado como incapaz de formar laços.
Mas por que se realizaria a solidão que se teme? Porque assim parece que optou-se livremente, e alguma dignidade resta, a dignidade de ter escolhido, ainda que arrogante, como se depreende lendo “Cântico Negro”, poema de José Régio, em anexo. Ou porque a pessoa não teve a oportunidade de desenvolver o senso de intimidade e de confiança, de liberdade e igualdade, necessários para estabelecer vínculos.
O que dá nó em uma família? Talvez, quando o casal escolha montar uma família, ela seja o projeto em si, as pessoas se encontram para essa finalidade e livremente se colocam na condição para execução desse projeto: a de que um precisa do outro para concretizá-lo. E para que montar uma família? Para ter laços, para formar nó, e fica eleito que este será o nó mais forte que será dado na vida. Para que? Para estar com alguém, e ser com esse alguém. Não apenas estar com alguém, mas com alguém que precisa de nós. Viver no desejo do outro, pois quem não se percebe necessário ao outro sente a iminência de ser descartado e esquecido, sente raiva e tristeza, ainda que esse outro seja um animal de estimação.
Conforme tradição encontrada no Antigo Testamento, ter um filho é uma forma de vencer a morte e de ser abençoado com aqueles que cuidarão do ancião; o filho é a esperança de uma promessa de vida, de sobreviver nas gerações seguintes. Por isso – e não querendo polemizar – a visão religiosa se opõe ao aborto por entender que o filho não é maldição, mas promessa. Os povos antigos depositavam esperança nos filhos, “os filhos são a benção / herança do Senhor, o fruto do ventre é uma recompensa / uma dádiva! Como flechas na mão de um guerreiro são os filhos de um casal de esposos jovens” (Salmo 126, 3-4).
Somos seres de relação, desde a infância em íntima dependência dos adultos, cujo tempo de vinculação excede o dos outros animais que em poucas horas de nascidos já ficam de pé e conseguem andar para longe da genitora. É na prolongada relação inicial do bebê com seus genitores que o homem se torna um ser disponível para a cultura.
Para Max Pagès (apud TELLEGEN p. 19-20) relação é:
“a realidade afetiva primeira, originária e imediata (...) que funda todas as relações vividas, está na base dos laços grupais (e por isso) não precisa ser explicada ou construída, mas des-coberta pelo grupo. É um processo que mobiliza angústias profundas e faz surgir estruturas defensivas que, no decorrer da vida do grupo se modificam e – espera-se – tornam-se menos rígidas e restritivas, podendo, eventualmente, se superar.”
Relação vem do latim “ação de dar em retorno” (Verbete. Dicionário Houaiss) e expressa fazer laços, que seria um “nó facilmente desatável” (idem) entre pessoas que formam o grupo.
A família costuma ser chamada de “grupo primário”, e Jorge Ponciano Ribeiro (1994, p.33) afirma que todo grupo terapêutico deve se transformar em um grupo primário:
“caracterizado por uma cooperação face a face (sendo) o resultado de uma fusão íntima (...) de tal modo que a meta e a finalidade do grupo são a vida em comum, objetivos comuns e um sentido de pertencimento, com um sentimento de simpatia e identidade.”
Nisto, Ribeiro não teria a concordância de Bleger (2003), psicanalista, para quem é antiterapêutico o grupo (operativo) construir como finalidade a existência em si mesmo, considerando o enrijecimento advindo desse esforço: a meta deve ser, para Bleger, o aprendizado grupal e não uma vida em comum.
Os T Group ou grupos-T de Kurt Lewin eram normalmente de um tamanho entre oito e doze participantes (LIMA, 2011, p. 221), mesmo número de pessoas em um grupo primário para Ribeiro (1994, p.33). Comparando com a família moderna de, em geral, duas a quatro pessoas, propor um grupo com oito a doze é criar uma situação nova para o cliente.
Relação e religião mostram uma ação de retorno, respectivamente, uma ligação com o horizontal mundano da relação com pessoas e o vertical celeste da origem e do fim da vida. A dimensão teísta está ausente na maior parte das abordagens psicoterapêuticas, a despeito da afirmação buberiana de que “as linhas de todas as relações, se prolongadas, entrecruzam-se no Tu Eterno” e “O Tu Eterno é aquele que não pode tornar-se Isso” (BUBER apud BELLO, texto não publicado). Esse “Tu Eterno”, diríamos, é o Amor, “um aspecto da saúde que é inseparável da tomada de consciência e da espontaneidade” nas palavras de Claudio Naranjo a seguir:
“É possível que as pessoas precisem conhecer e aceitar sua raiva antes de transcender a ambivalência infantil que faz parte da condição neurótica, porém penso que a teoria e a prática da psicoterapia teriam muito a ganhar com um relacionamento explícito do amor como um aspecto da saúde que é inseparável da tomada de consciência e da espontaneidade.” (NARANJO, 2005, p.98)
O amor existe nas dimensões de amor por si mesmo, amor pelos outros, amor pelo divino e pela criação.
1.2 – Grupo, segundo a fenomenologia19
Considerando a obra de Edmund Husserl, autor da fenomenologia, como extensa e complexa, passível de entendimento errôneo, e divergente conforme a fase de seus escritos, a descrição a seguir se baseia nos verbetes “fenômeno” e “fenomenologia” do dicionário filosófico de Abbagnano (2007).
Fenômeno (Verbete. ABAGGNANO, 2007) é uma representação que o sujeito tem do objeto, é o objeto como aparece ao homem, sem ser ilusório ou enganoso, mas não é o objeto em si mesmo. Para Husserl, essa aparência guarda relação com a essência, aquilo que o objeto realmente é, de forma que é possível ao homem atingir um conhecimento do objeto enquanto tal. O objeto transcende a consciência (intencional) e está presente “em carne e osso”.
A fenomenologia é a descrição do fenômeno, daquilo que aparece, sem construções distanciadas da realidade, mas a partir das coisas mesmas como elas aparecem (“ir às coisas mesmas”). Ela suprime o dualismo entre ser e parecer, preservando a diferença entre eles: o ser do fenômeno existe ainda que não se nos revele.
Através da redução transforma os fenômenos em essências, cujo exemplo mais famoso é o da mesa, que pode ser maior ou menor, mais leve ou mais pesada, mais alta ou mais baixa, mantendo algumas características que a fazem sempre mesa.
Descrever um grupo pelo método fenomenológico supõe a existência de uma essência “grupo” que exceda qualquer descrição que se faça dele. Supõe também alguém a observá-la, e uma descrição imediata – não no sentido de instantaneamente, mas de não mediada ou sem intermediários.
A ideia de grupo pode permanecer ainda que ele deixe de existir, e nesse sentido a fenomenologia de Husserl, para alguns autores, se aproxima de um idealismo.
Parece-nos difícil, nesse momento, apresentar um conceito para grupo segundo a fenomenologia.
Outro conceito importante para a fenomenologia é o de “coisa em si”, que Abbagnano (verbete, 2007) define como “o que a coisa é, independente da sua relação com o homem”, estando além do conhecimento humano. Opostamente, Ribeiro (1994, p.49-50) afirma que a coisa em si é “a coisa tal qual a vemos e tocamos” e o em si da coisa é que seria “o seu invisível, o seu mistério, a significação que damos a ela”, comparando “a coisa em si” com a figura e o “em si da coisa” com o fundo.
A fenomenologia, como se vê, é um método investigativo, com hipóteses a posteriori, formuladas depois da observação do fenômeno, não cabendo, portanto, esperar uma descrição hermética do constructo20 “grupo” para a fenomenologia, mas tratar das condições de produção desse saber acerca do grupo. É mais factível estudar o conceito grupo em algum autor que usou o método fenomenológico, como a seguir com Jean-Paul Sartre, do que esperar um conceito pronto para a fenomenologia.
1.3 – Grupo, segundo Jean-Paul Sartre (1905-1980)21
Para esse autor, grupo é uma experiência de “nós-objeto” que se verifica quando eu e outro(s) somos vistos por um terceiro excluído de nossa relação que nos apreende como um todo. O terceiro excluído descobre fins comuns nas ações dos indivíduos de uma coletividade por ele unificada de fora (PERDIGÃO, 1995, p.208-211). Um exemplo: duas pessoas estão tirando fotografias uma da outra, alguém chega e identifica ali um grupo. Ele se oferece para tirar fotografia das duas pessoas juntas, sendo que uma quarta pessoa identifica um grupo naquele trio, e todos podem ainda se alternar no papel daquele que fotografa os demais.
No grupo sartreano, as liberdades se associam, agregam esforços e lutam juntas para transformar uma situação, com vistas a um fim comum. Suas condições preliminares são: estar em um campo comum, existir um ou mais terceiros excluídos que o captam de fora como um todo, haver um perigo a ser combatido ou uma escassez a ser rechaçada, ter a urgência de um fim comum, a crença de que a solução está no grupal e contar com o ímpeto de todos (PERDIGÃO, 1995, p. 212-213).
Para Sartre, os próprios membros do grupo criam o grupo (PERDIGÃO, 1995, p. 213), é uma união de interioridades, cada membro unifica os demais, o papel de terceiro unificador circula entre os membros do grupo. É possível unificar os outros em um todo objetivo, mas jamais poderia me captar a mim como um integrado em um todo já feito.
Entendemos que Sartre resolve a antinomia do indivíduo x sociedade superando a relação binária entre o indivíduo e o todo para uma relação ternária: o indivíduo, o todo e o terceiro mediador. Já não existem “outros”, mas vários “eu mesmo”: a razão dialética sartreana defende que o todo se encontra em cada parte que interioriza esse todo. Sartre não atinge a visão buberiana da relação Eu-Tu, e sua peça teatral “Entre quatro paredes”, produtora da famigerada assertiva “o inferno são os outros”, expressa aonde se pode chegar nas relações para ele, sempre baseadas em conflito: ser escravo do outro, que é nosso juiz e nosso senhor, para servir ao projeto desse outro – ou fazer o projeto do outro servir aos nossos fins (PERDIGÃO, 1995, p. 146).
Críticas ao modelo de Sartre diriam que sua visão do ser humano é utilitarista, coisificando as pessoas, como no modelo de senhor-escravo da dialética de Hegel. Sartre não acreditaria na possibilidade de relação Eu-Tu como Martin Buber, mas Eu-Isso, como que invertendo a crença psicanalítica (Isso-Tu) onde só o paciente é sujeito. As implicações das crenças sartreanas para nosso trabalho em Gestalt-terapia, no qual predomina a relação dialógica em vez da dialética, são de ordem ética, estética e metodológica.
1.4 – Grupo, segundo a Gestalt-terapia
Uma contribuição do Gestaltismo para a teoria acerca dos grupos foi a ideia de que o todo é diferente da soma das partes: portanto, o grupo não seria a soma dos indivíduos, e a sociedade não seria a soma dos grupos. No entanto, aquela visão de grupo, como mediador entre o indivíduo e a sociedade, é a recorrente nos textos.
Na década de 1930 surge a Dinâmica de Grupo nos Estados Unidos, trazendo a figura do Coordenador de Grupo e a Teoria de Campo, teoria física que Kurt Lewin transpôs para a realidade humana. Sobre o conceito de “campo”, para Lima (2011, p. 219-220):
“tinha a utilidade de circunscrever e demarcar as fronteiras a serem consideradas em um estudo específico (sendo que) a noção de contexto (o campo onde se dão os fenômenos a serem estudados) é fundamental para aqueles que pretendem atuar no modelo de Lewin”.
Quanto aos tipos de campo, RIBEIRO (1994, p.63-64) explica haver o geográfico, o psicológico e o comportamental. Campo geográfico é aquele ainda não significado, é a realidade em si: uma praia, uma rosa. É o grupo em seus primeiros momentos: um conjunto de pessoas em uma sala. As emoções surgem mais por fruto das experiências anteriores do que da realidade presente. Os membros são figura, as necessidades individuais vêm primeiro que as do grupo, que é fundo. Já o campo psicológico é o que recebe uma significação a partir das emoções que afetam um relacionamento presente, aqui e agora. E o campo comportamental é o que decorre dos anteriores: em função de afetos (em um grupo) surge um tipo de comportamento.
Seguindo a vertente organísmica de Kurt Goldstein, a Gestalt-terapia vê o grupo como um sistema que age como um todo, e o que afeta uma parte afeta o todo (RIBEIRO, 1994, p. 71-72). Essa metáfora do grupo como unidade organísmica pode ser vista em texto de dois mil anos, a primeira carta de São Paulo aos Coríntios, capítulo 12, versículo 12 e seguintes, onde o autor se refere ao grupo de pessoas batizadas como sendo um corpo e “não obstante, tem muitos membros, mas todos os membros do corpo, apesar de serem muitos, formam um só corpo (...) Se um membro sofre, todos os membros compartilham o seu sofrimento” (Bíblia de Jerusalém, 1992, p. 2163).
O grupo é comparado no Gestaltismo de Goldstein a um organismo dotado do princípio da autorregulação, que é um “instinto grupal (...) que fareja seu crescimento, seu caminho, seu alimento e os persegue”, um espaço em que a pessoa encontra oportunidade de se regular com o ambiente para satisfazer suas necessidades de nutrição e eliminar suas tensões (RIBEIRO, 1994, p. 11).
As manifestações do grupo devem ser vistas, segundo Ribeiro (1994, p. 16), como uma unidade biopsicossocioespiritual, que adoece quando perde ou afrouxa os laços dessa unidade.
O grupo é o espaço vital, expressão de Kurt Lewin que significa:
“o universo do psicológico (campo psicológico), é o todo da realidade psicológica, contém a totalidade dos fatos possíveis (campo geográfico), capazes de determinar o comportamento do indivíduo (campo comportamental); inclui tudo o que é necessário à compreensão do comportamento concreto de um ser humano individual em um dado meio psicológico e em um determinado tempo. O comportamento é função do espaço vital (que é o próprio grupo e o campo psicológico).” (HALL e LINDSEY, 1971, p. 238 apud RIBEIRO, 1994, p. 69). (parêntesis nossos).
Grupos convivem com dois medos básicos, conforme Ribeiro (1994, p. 43): o de perdas (sobre o equilíbrio atingido) e o do novo (de enfrentar a mudança de quando os antigos parâmetros não são mais válidos e os novos ainda não são suficientes). Algo semelhante, no indivíduo, Fritz Perls chamou impasse existencial: “uma situação onde o apoio ambiental não está disponível e o paciente é, ou acredita ser, incapaz de lidar sozinho com a vida” (PERLS apud STEVENS, 1977, p. 34).
Parece que na opinião de Lima (2011, p. 226) não é suficiente o modelo organísmico, pois “só podemos compreender qualquer modelo teórico ou prático de trabalho com grupos, se nos respaldarmos na Teoria dos Sistemas, principalmente a partir da segunda cibernética e da definição de sistemas abertos”. Importante registrar que sistemas comportam subsistemas, ou seja, um grupo possui subgrupos com vida própria, e em dado momento cada individuo pode ser visto como um subsistema do grupo. Quanto à função do coordenador de grupo, Lima (2011, p. 226) conclui que:
“deixa de ser a de trabalhar os membros individualmente, mesmo que dentro do grupo, mas passar a considerar os fenômenos grupais como indicativos do momento do grupo e buscar uma compreensão do grupo como um todo (...) e do uso de técnicas que levem a um modelo de intervenção sistêmico.”
2 – O que é psicoterapia de grupo?
A Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) define psicoterapia de grupo como “forma de terapia da qual dois ou mais pacientes participam sob a orientação de um ou mais psicoterapeutas, com o propósito de tratar distúrbios emocionais, desajustamentos sociais e estados psicóticos”.22
Vejamos essa definição em partes.
Terapia é o tratamento e o cuidado de doentes (Verbete. Dicionário Houaiss). Como visto à página 10, vem do latim therapia, pelo grego therapeía, e significa cuidado e tratamento de doentes. Terapeuta é, portanto, aquele que cuida e trata. Não sabemos se existe correlato grego para o latim medicus (médico) que significa “aquilo ou aquele que cura”, mas percebe-se que terapeuta e médico possuem significado semelhante.
Psico, do grego psykhé, tem o sentido de alma e do ponto de vista etimológico significa respiração, sopro vital, vida. Ela se afasta do homem no momento de sua morte, é o que sobra para a outra vida, uma vez que morreram com o corpo o thymós (sentir), o phrén (entendimento) e o nóos (entendimento e espírito). A psykhé é uma imagem pálida ou simulacro do falecido, uma sombra sem entendimento, abúlica e apática. Conduzida por Hermes até a barca de Caronte e atravessando a porta guardada pelo cão de três cabeças Cérbero, a psique enfrentava o julgamento e passava a ocupar um dos três compartimentos: Campos Elísios, Érebro ou Tártaro. Do Érebro as almas mergulham no Tártaro para os tormentos permanentes ou sobem para os Campos Elísios, de onde poderão partir para reencarnação ou metempsicose (BRANDÃO, 2000, p.144-146 e 317-318).
Paciente vem do latim patiéns ou patiéntis, aquele que suporta, que resiste, que sofre, que sente paixão (do latim passividade, sofrimento) (Verbete. Dicionário Houaiss). O entendimento kantiano define paixão como “inclinação emocional violenta, capaz de dominar completamente a conduta humana e afastá-la da desejável capacidade de autonomia e escolha racional”. Paixão seria um sentimento, gosto ou sofrimentos intensos que chegam a ofuscar a razão. Conduz a pessoa para um estado ao qual ela permanece a despeito de sofrer com ele.
Psicoterapeuta refere-se àquele que trata de distúrbios emocionais, comportamentais ou da personalidade, com base na comunicação verbal e não verbal com o paciente, em contraste com os tratamentos que utilizam medidas químicas e físicas (Verbete. Dicionário Médico Stedman).
Um ou mais psicoterapeutas faz menção à coterapia. O trecho a seguir, retirado de uma conferência entre psicanalistas, é excelente como material de reflexão:
"Castellar (Carlos Castellar): o interessante é que estamos caindo num momento do nosso diálogo em que se estabelecem loas à coterapia. É importante para o desenvolvimento do trabalho, cria situações ricas de conhecimento, mas ainda há pouco, enquanto o microfone estava desligado o Py (Luiz Alberto Py) perguntava: “quem está fazendo coterapia?” E nenhum de nós quatro está trabalhando com ela. Isso é um dado importante. Na realidade, o que acontece é que a coterapia implica uma divisão dos proventos, e naturalmente isso reduz o que cada terapeuta ganharia com seu grupo. A solução seria o aumento de pacientes do grupo em coterapia. Haveria então uma soma maior a ser dividida. Essa é uma das razões pelas quais não adotamos a coterapia como prática; outra, também importante, é que a maioria das pessoas que trabalham em grupoterapia não tem experiência em coterapia e ficam naturalmente um tanto receosas de iniciar esse tipo de trabalho. Outro aspecto é que, no correr dos anos, a coterapia tem sido muito mais utilizada com fins didáticos, como um fator de formação de grupoterapia, do que realmente no trabalho formal de terapia de grupo. No entanto, vemos aqui nesse nosso encontro que estamos todos de acordo que ela é útil, que facilita o trabalho; e apesar de termos participado por tanto tempo de instituições formadoras de grupoterapeutas, até mesmo nessas instituições a nossa posição não tem sido muito enfática, nesse particular. Isso é um detalhe importante e que merecia uma reflexão maior." (PY, p. 142, 1987).
Podemos pensar se a baixa adesão ao modelo de coterapia seria a repercussão de uma cultura individualista sobre as escolhas do psicólogo para trabalhar sozinho.
Tratar distúrbios remete à cura e à história da psiquiatria desde Pinel e o seu tratamento moral. Tratar significa lidar com, relacionar-se, debater, manter conversação, embora o significado que prevaleça atualmente em uso seja o de debelar: anular ação ou efeito de algo considerado maléfico, extinguir, reprimir (Verbete. Dicionário Houaiss). E distúrbio é algo que atrapalha, perturba e confunde: para a medicina, distúrbio seria o mau funcionamento da máquina humana.
Pelo viés humanista-existencial, uma expressão mais conveniente para tratamento seria “contato” que promove afeto gerador de vida, capaz de resgatar o self autêntico na medida em que se percebe o falso-self. Contato é “o processo básico do relacionamento" (YONTEF, 1998, p.237) e “a porta de entrada para as relações e consequência óbvia para o diálogo, em que se dá o real processo de psicoterapia” (OLIVEIRA FILHO, 2011, p. 277).
É oportuno resgatar a origem grega do conceito de clínica como visto na página 10: inclinar-se (para ouvir o sussurro do doente acamado e enfraquecido). Em latim, clínica é o conjunto de clientes, que são indivíduos dependentes. Afinal, a klinika que fazemos recebe clientes (nessa acepção) ou paciente (conforme página 34)? Sabe-se que no Sistema Único de Saúde (SUS) não é nem um nem outro: são chamados “usuários” de um serviço prestado.
Na opinião de Oliveira Filho (2011) a Gestalt-terapia se aproxima, mas ultrapassa o conceito clássico de clínica onde o médico se inclinaria sobre o paciente acamado e passivo: agora o cliente é o protagonista e vai até o consultório.
Ainda nessa linha de atualizar o conceito de clínica, aquele inclinar-se para ouvir o murmúrio pode assumir o sentido de escuta atenta, inclinada ao desejo e à voz do coração que o paciente não sabe inicialmente ouvir sem ajuda, e denota interesse pelo outro, já sendo um primeiro fator terapêutico e também moderador do furor curandis (ímpeto curativo) que desprezaria o que o sujeito tem a dizer sobre si.
Há quem prefira aproximar o conceito de clínica ao grego klinamen: criador de diferença.
2.1 – Três tipos de psicoterapia de grupo
O terapeuta de grupo poderá adotar predominantemente um dos diversos estilos para seu trabalho, havendo a possibilidade de em uma mesma sessão acontecerem arranjos que se enquadrariam em estilos diferentes. A seguir, uma distinção dos tipos de terapia feita através do uso de diferentes preposições: terapia em grupo, do grupo e de grupo, conforme o autor desta monografia melhor compreendeu. Pois os autores encontrados divergem ligeiramente: enquanto esta monografia tende a aproximar a Gestalt-terapia à terapia de grupo, Domingues (2012, p. 313) afirma, a partir da terminologia de Ponciano Ribeiro, que “a metodologia científica do IGT23 é a terapia do grupo”. Isso apesar de seu artigo ser intitulado “terapia de grupo...”, resultado de uma indefinição terminológica. Nem por isso se pretende, nesta monografia, padronizar a nomenclatura.
A primeira configuração lógica (e não cronológica) de trabalho com grupos vem a ser a terapia (individual) em grupo, ou uma terapia individual com o grupo assistindo, dando apoio com a mera presença como uma plateia apoia os atores no palco (RIBEIRO, 1994, p.80-81). Era o modelo de Fritz Perls: a pessoa fala seu assunto e o terapeuta trabalha com ele enquanto o grupo assiste silenciosamente, passando a seguir para o trabalho com outro membro do grupo. As relações entre os membros não são analisadas, nem o grupo em si.
Fritz fala de seus workshops: “o que eu estou fazendo é uma terapia individual em contexto de grupo, mas não se limita a isto” (PERLS, 1977, p. 105). Ele não se refere à Gestalt-terapia de grupo com encontros semanais, mas a workshops que podiam durar cinco semanas, antes de concluir que tanto um quanto outro são obsoletos e decidir “dar início ao primeiro Gestalt-kibutz”, em que haveria permanentemente cerca de trinta pessoas (idem, p.106):
“Nos meus workshops de Gestalt, quem sentir necessidade, pode trabalhar comigo. Estou disponível, mas não forço nada. Uma díade é desenvolvida, temporariamente, entre o paciente e eu, mas o resto do grupo é totalmente envolvido, embora raramente como participantes ativos. Na maioria das vezes, eles agem como uma plateia, que é estimulada pelo encontro a fazer um pouco de autoterapia silenciosa (...). Em contraste com o tipo usual de encontros grupais, eu carrego o peso da sessão, ou fazendo terapia individual, ou conduzindo experimentos coletivos. Frequentemente interfiro quando o grupo começa a fazer o jogo de opinar ou interpretar, ou a ter interações meramente verbais sem substrato experiencial; mas mantenho-me fora quando algo genuíno ocorre”. (PERLS, 1975, p. 35-36)24
Boris (1993/94, p. 48-49) afirma que o modelo de psicoterapia grupal de Perls foi utilizado especialmente em seus últimos dez anos de vida, na década de 60. Era um trabalho um-a-um com:
“o psicoterapeuta no centro e os demais participantes como mera plateia (modelo da cadeira quente ou hot seat). (...) os trabalhos começavam com uma manifestação de trabalhar por parte de um participante, e se encerravam com prováveis feedbacks dos demais membros grupais”.
Yontef (apud BORIS, 1993/94, p. 48-49 e 60) critica esse modelo “menos por sua efetividade e mais por sua restrita abrangência”, por se tratar de uma perspectiva individualista centrada no psicoterapeuta, comparando esse modelo de relação com os raios de uma roda, na qual o psicoterapeuta é o eixo e toda interação passa por ele.
Lima (2011, p. 225) expõe como contradição o modo diretivo e fragmentador do todo de Perls atuar nas décadas de 60 e 70 e os novos conceitos de campo, sistema e interações que embasavam a abordagem gestáltica. Segundo essa autora, Fritz Perls trouxe:
“Uma proposta prática de atuação no grupo onde o psicoterapeuta exercia um papel bastante centralizador e, valendo-se de técnicas, principalmente dentro do estilo hot-seat, trabalhava os membros individualmente. Ou seja, ao mesmo tempo em que as propostas para o trabalho com grupos já começavam a situar-se dentro de um novo campo conceitual, levando em conta conceitos como o de campo, sistema, interações e transformações, a postura e as intervenções do terapeuta, levando-se em consideração o modo como Perls atuava e treinava novos terapeutas, era sem dúvida bastante incongruente com este viés teórico. Perls destacava que os membros do grupo eram permanentemente influenciáveis uns pelos outros, compondo uma nova configuração a cada momento, mas ele atuava ainda de um foco bastante diretivo e fragmentador do todo grupal”.
Nas palavras de Ribeiro (2007a, p. 3), a abordagem gestáltica:
“desloca-se de uma perspectiva tradicional acerca da subjetividade, que concebe o indivíduo como passível de ser entendido em si mesmo (intrassubjetividade) para uma perspectiva que contempla as interações grupais e seus processos (intersubjetividade ou inter existência)”.
As técnicas empregadas no começo da Gestalt-terapia de grupo por Fritz Perls eram resumidamente a hot seat e seu complemento, a cadeira vazia. Nas palavras dele, em Gestalt-terapia explicada (1977, p. 110):
"Eu uso seis instrumentos para poder funcionar. Um é a minha habilidade; outro é o lenço de papel. E há o lugar quente (hot seat). É para aí que vocês estão convidados se quiserem trabalhar comigo. E há a cadeira vazia que trará consigo um bocado da personalidade de vocês e de outros – vamos chamar assim, por enquanto – encontros interpessoais. Então há os meus cigarros (e) o meu cinzeiro". (grifos meus)
Terapia do grupo25 é uma segunda forma de trabalho possível com grupos, na qual o grupo todo é visto como cliente, a unidade de tratamento, e as colocações individuais são vistas como ressonância da matriz grupal ou inconsciente grupal (não confundir com o junguiano inconsciente coletivo). Em outras palavras: o grupo é a figura e os membros são o fundo (RIBEIRO, 1994, p. 67).
Essa abordagem foi própria da psicanálise dos grupos, que buscava a aprovação das Sociedades Psicanalíticas e não conhecia constructo para outra prática que não fosse a individual (FERNÁNDEZ, 2006, pag. 99).
Ribeiro (1994, p. 54) assegura que em seu trabalho atende o grupo como “uma unidade de referência”, um todo sem partes nem relações internas dignas de trabalho: “minha tendência é trabalhar o grupo como um todo e entender qualquer coisa que ocorra no grupo como algo que pertença à matriz grupal”, fazendo uma leitura de influência lewiniana ao se referir à matriz: um elemento permanente (em oposição ao elemento transitório chamado processo), uma realidade invisível, semelhante a conceitos como inconsciente grupal, atmosfera de grupo, mentalidade de grupo (idem, p.34) ou interação sincrética para Bleger (2003). A matriz é construída pelo sistema de comunicação, ou seja, tudo o que acontece no grupo pelo corpo (postura, roupa, perfume) e pelas palavras e, embora elemento permanente, não é imutável.
Segundo Ribeiro (1994), ela pode ser percebida após cerca de dezesseis horas de grupo, quando normas, valores e uma cultura grupal estão delineados e a eles o grupo recorre para saber o que fazer em casos de dúvida (RIBEIRO, 1994, p. 34-36. Ver também VIEGAS, 2009, p. 18).
O conceito de matriz implica que trabalhar um membro do grupo seria trabalhar todos e cada um (RIBEIRO, 1994, p. 39). Nesse modelo, o terapeuta “está sempre à cata do sintoma do grupo e não do sintoma das pessoas que o compõem” (idem, p.81). Por outro lado, se um indivíduo experimenta sensações que são apenas suas haverá um hiato entre ele e a matriz, havendo conflito na fronteira de contato (idem, p. 35).
Foulkes inspira o trabalho dos citados Jorge Ponciano Ribeiro e Therese Tellegen, como veremos a seguir. Siegmund Heinrich Foulkes, psicanalista inglês e fundador da Psicoterapia de Grupo Analítica, buscou uma concepção de psicoterapia de grupo que não simplesmente transferisse conceitos e procedimentos da psicanálise individual para a situação de grupo. Fez uso do conceito de campo de Lewin e do conceito de figura e fundo da psicologia da Gestalt. “Nesse sentido”, diz Tellegen (1984, p. 19), “as suas obras tornaram-se importantes para mim”. E Ribeiro afirma ser um discípulo de Foulkes, ter feito sua tese de doutorado sobre a obra dele, e então “aprendido com ele a ver, no método fenomenológico, um grande instrumento de trabalho, que ele intuíra pela Teoria do Campo de Lewin e da Teoria Holística Organísmica de Goldstein. Daí para a Gestalt Terapia (sic) foi apenas uma passagem” (RIBEIRO, 2007b, p.74).
Foulkes (apud RIBEIRO, 2007b, p.66) apresenta diversos aspectos da resistência em grupo, dentre eles o “processo psicológico” (fundo) e “processo orgânico” (figura). Ribeiro (2007b, p.66) acrescenta que “estamos habituados, em análise de grupo, a lidar com resistência psíquica, mas não com resistência orgânica ou corporal”, esclarecendo que:
“um processo de resistência psíquica forte é frequentemente seguido de manifestações somáticas, como alteração da respiração, batidas cardíacas etc. Tais reações psicossomáticas ou neurovegetais (sic) são expressão de um sofrimento psíquico forte”. (RIBEIRO, 2007, p. 66)
Quanto ao conceito de totalidade, Ribeiro (2007b, p. 67) considera que grupo e paciente se revezam como figura e fundo e que: “qualquer acontecimento no grupo, ainda que ele pareça envolver um ou dois membros, tem uma configuração tal que envolve todo o grupo”. Para Foulkes, o aqui e agora "significa sublinhar o valor da experiência direta na situação terapêutica, e que isso é uma característica fundamental comum às psicoterapias existenciais" (idem, p.68).
Foulkes (apud RIBEIRO, 2007b, p. 69) considera ser necessário, primeiro, uma clara consciência do "que" e só após passar ao "como", aceitando as muitas interpretações que surgem no grupo como necessárias para fazer cada um ver e concordar com tais perguntas. Por fim, aparece o "porque", mas não qualquer porque, senão um porque agora, porque deste modo, porque através dele ou dela. É, portanto, uma interpretação direta, baseada no aqui e agora, centrada no visível, na figura, no fenômeno, de pouca especulação 26.
Para Ribeiro (2007b, p. 69-70) a palavra do paciente não é o bastante para explicar o mecanismo de resistência, sendo necessário observar as formas não-verbais. O ponto certo de informação é o paciente e seu corpo. Se o terapeuta trabalha um subsistema qualquer, e nele promove insight ou fechamento de Gestalt, isto leva harmonia aos demais subsistemas e ao grupo como um todo. "Quem não resiste não se cura" (idem, p. 70), afirma ao assumir que a resistência nasce da sabedoria do organismo pela necessidade de se defender de um suposto mal maior. Se não houver resistência talvez não haja autocrítica, autoestima, capacidade de discriminação.
Terapia de grupo é a terceira configuração de trabalho com grupos. Possui fundamentos na crença existencialista segundo a qual o homem se revela nas suas relações com o outro. Essa configuração não secundariza o grupo como na terapia em grupo, nem dilui o paciente no grupo como na terapia do grupo. Como diz Ribeiro (2007a, p. 4):
“O homem se revela nas relações que trava no mundo, tanto naquilo que faz e empreende, quanto no trato com o outro. Viver significa participar de um entrelaçamento, uma rede imbricada que origina o tecido de relações no mundo. Viver é, fundamentalmente, ‘conviver’".
"O conviver implica em vários modos e possibilidades. Atração e repulsão, aproximação e afastamento, contato e retraimento, simpatia e antipatia, concordância e discordância, todas essas formas são modalidades ou possibilidades do convívio humano. Entretanto, a convivência cotidiana é guiada por diferentes possibilidades de convivência: aquela que não reconhece o outro em suas possibilidades existenciárias (inautenticidade) e aquela que afirma e observa tal condição (autenticidade)”.
Na opinião do autor desta monografia, a antinomia entre indivíduo e sociedade aparece, respectivamente, nas abordagens de “terapia (individual feita) em grupo” e de “terapia do grupo” (como um todo unitário), como será visto mais adiante. A ser superado com uma teoria que inclua as relações (como na terapia de grupo), promovendo uma “cultura do encontro”, na expressão usada pelo papa Francisco em sua visita ao Rio de Janeiro pela Jornada Mundial da Juventude em 2013.
Boris (1993/94, p. 49), por sua vez, chama de “processo de grupo gestáltico” à sua forma de fazer psicoterapia de grupo, em que “o trabalho de awareness se concentra, alternadamente, no relacionamento no grupo e no grupo como-um-todo”, sendo que, neste modelo, “integrando princípios e práticas da Gestalt-terapia e da dinâmica de grupo”:
“o líder grupal atenta tanto ao desenvolvimento individual no grupo quanto ao desenvolvimento do grupo enquanto sistema social. Assim, o grupo já não é percebido apenas como um conglomerado de indivíduos, mas numa perspectiva em que o espaço grupal se torna um potente meio psicossocial que afeta significativamente os comportamentos, sentimentos e atitudes individuais e, por sua vez, é profundamente afetado pelos determinantes individuais. Este modelo baseia-se no pressuposto de que o desenvolvimento do potencial criativo individual depende de um sistema social saudável (...); outro pressuposto é o de que (...) os grupos (...) atravessam estágios de desenvolvimento comportamental (...): dependência, (...) contra dependência, interdependência”. (BORIS, 1993/94, p. 49). [grifo meu]
Uma analogia possível é a de que a terapia individual em grupo é o trabalho com o subsistema que é um paciente; a terapia do grupo é a atividade com o sistema como um todo; e a terapia de grupo é o trabalho com os múltiplos subsistemas e suas relações e com o sistema total de uma vez.
Aqueles “estágios de desenvolvimento” que fala Boris, acima, são necessidades básicas que as pessoas trazem para os grupos. A dependência é “a necessidade de se afiliar ou de pertencer e estabelecer a própria identidade, a do líder e a do processo grupal”. A contradependência é a “necessidade de autonomia, que mobiliza o participante do grupo a testar os limites de autoridade e controle”. Finalmente, a interdependência surge pela “necessidade de afeição e intimidade, que mobiliza os membros do grupo a se relacionarem efetivamente uns com os outros” (BORIS, 1993/94, p.51). Seriam necessários um ou dois anos de convivência para que um grupo se mantenha funcionando nesse terceiro estágio (idem, p. 52).
Com esse trabalho, almeja-se ao “tratamento da consciência individual e coletiva, e da construção de um sentimento comunitário” (BORIS, 1993/94, p. 52), “favorecendo a aprendizagem sobre o que significa ser um participante grupal” pela ênfase no trabalho tanto com o indivíduo como com as relações e com o grupo, recebendo influências de Bion (psicanálise), Berne (análise transacional), Whitaker e Lieberman, Yalom, Astrachan (psicoterapia de grupo e teoria dos sistemas) (idem, p. 50). Seria uma “nova proposta incorporadora tanto de estratégias de mudança psicológica e de crescimento pessoal (psicoterapia) quanto de estratégias de aprendizagem (pedagogia) (...) destes participantes sobre seus processos intrapessoais, interpessoais e grupais” (idem, p. 61).
Há de se ressaltar que este artigo de Boris, aparentemente inovador, é de vinte anos atrás e está incluído aqui porque no capítulo seguinte somente estarão artigos dos últimos cinco anos.
3 – Gestalt-terapia de grupo: uma revisão bibliográfica
Passemos agora ao objetivo específico de procurar compreender como está sendo praticada a Gestalt-terapia de grupo no Brasil, através da leitura de artigos, considerando-os em ordem cronológica decrescente.
Domingues (2012, p. 308) observa que o psicoterapeuta de grupo “não precisa ser uma presença marcante”, no sentido de que os membros do grupo interagem entre si sem necessidade constante de direcionamento.
Machado et al (2011, p. 101) pondera que seu papel de psicoterapeuta de grupo foi de escutar, observar e relatar os fenômenos produzidos no grupo de nove mulheres, entre 20 e 56 anos de idade, que se reuniam semanalmente por noventa minutos em um total de dez encontros, tendo utilizado “expressão gráfica, uso da fantasia, música e metáforas, que possibilitaram o contato com conteúdos emocionais” (p. 106). Estabelece a importância de um “ambiente acolhedor” e de “um contrato (...) contendo algumas regras” no momento inicial, quando realizaram uma “dinâmica de apresentação” para cada participante se apresentar através do desenho de uma flor (p. 106-107). Em cada um dos encontros “era feito o resgate da semana” e então “elaborados experimentos” que permitiriam melhor compreensão de si e do seu mundo (p. 107). O trabalho se desenvolveu em coterapia (p. 112).
Quadros (2011, p. 207) apresenta um trabalho em comunidade, entendida como um grupo natural, ampliando a noção do trabalho em consultório.
“A clínica não pode ser entendida como uma ação sobre o indivíduo desconectado de seu contexto. Porém, não podemos partir do pressuposto de que quando nos referimos à comunidade, estamos diante de um conceito fechado, criado por nós a partir de um olhar de cima para baixo”.
Refere à motivação do profissional em “buscar as pessoas, conhecer as pessoas e promover um espaço possível para a emoção sutil, para o contorno de cada vida, o resgate da história pessoal e para grifar a pergunta: “Quem sou eu?”(p. 207), cuja resposta se volta primeiramente para “a demarcação dos nossos territórios”, a saber, “como é o meu corpo, o que ele pode fazer, que coisas eu gosto e não gosto” (p. 208), bem como “meu nome, meu corpo, meu rosto, minhas preferências” (p. 209). Entende que “eu existo como pessoa, pois estou sendo visto por alguém e isto também me permite vê-lo” (p. 208). E, por fim, vincula o “quem sou eu” ao “quem somos nós, numa dinâmica de figura e fundo” (p. 211). A estratégia mais utilizada para o trabalho com a comunidade “foi a do trabalho com grupos, pois acreditamos que o grupo fortalece vínculos e facilita a expressão” (p. 213), o “expressar-se além das palavras” (p. 212), empregando outras formas de expressão como “material artístico, trabalhos corporais e música” (p. 213) para que o ser humano “amplie a consciência de si mesmo e possa reconhecer potencialidades através da fluência do sentir a partir do vivido” (p. 214).
Vieira et al (2010) conta de um grupo fenomenológico-existencial de apoio para mulheres obesas chamado “Mais ação e menos gordura”, baseado em recursos da Gestalt-terapia e da linha psicodramatista (p. 31), com encontros semanais de três horas de duração pelo período de um ano, tendo empregado técnicas de relaxamento e exercícios de contato em si mesmo e no outro, além de representações teatrais e trabalhos manuais. Este grupo esteve ligado a uma universidade no estado de São Paulo, e desenvolveu os aspectos da transformação no corpo das participantes (corporeidade e fronteiras de contato) e nas relações do indivíduo com o ambiente físico e social (p. 30). A ideia de trabalhar com a abordagem fenomenológica “surgiu justamente porque só a mudança do comportamento (diante do alimento, na abordagem comportamental anteriormente empregada) não mudava a forma de ver-se e colocar-se no mundo: o ser magro teria que ser uma escolha de ser-no-mundo” (p. 35).
Havia um planejamento, com cinco diferentes temas alternados para cada encontro, abrangendo os campos do eu-com-eu, eu-com-tu, eu-com-nóso27: a tomada de consciência do próprio corpo; o relacionamento pessoal e interpessoal; as emoções; a expressão pessoal; o desenvolvimento de habilidades manuais (pintura), teóricas (um tema) ou instrumentais (dançar). A Gestalt-terapia é empregada na atividade de entrar em contato com o próprio corpo. Citando Zinker (2001, p. 97) dizem que:
“o contato é a consciência da diferença na fronteira entre organismo e ambiente; é marcado pela energia de excitação, maior presença ou atenção e intencionalidade que medeia aquilo que cruza a fronteira e rejeita aquilo que não é assimilável”. (VIEIRA et al, 2010, p. 37)
Vieira et al (2010) defende a opção pela Gestalt-terapia por ser “uma terapia de concentração, do aqui e agora” (p. 36), pois “um dos encontros tinha por objetivo situar o sujeito no seu próprio corpo”, tendo sido escolhidos “alguns exercícios de contato” a princípio para com o próprio sujeito e posteriormente promovidos com o outro (p. 37), “seguindo a ideia de Polster e Polster (2001) de que só há crescimento através do contato”. Transcrevo o exercício como descrito na página 37:
“Um dos exercícios propostos consistia em que a pessoa, com os olhos fechados, tocasse todo o seu corpo, passando por cada traço, reentrância, contorno e observasse a textura, a temperatura, a consistência de cada parte, iniciando pela cabeça; depois, perceber qual a sensação de cada toque, nas mãos como na própria parte tocada. Esse exercício estendia-se pelo pescoço, ombros, braços, mãos, tórax, abdômen, quadril, coxas, pernas e pés. Induzíamos o percurso para a sequência da mudança da parte a ser tocada, lentamente, buscando a percepção total de si mesmo. A pergunta ‘como esse corpo está sendo percebido, ouvido, sentido?’ era repetida durante a vivência. Em seguida era feito um alongamento suave dos músculos do pescoço, braços, mãos, coluna e pernas, sem nenhum esforço, buscando um relaxamento completo como se espreguiçar ao acordar. Após o encerramento abríamos o círculo para troca de experiências entre os membros”.
Neste momento do texto, as autoras citam a teoria reichiana através de Spangenberg (VIEIRA et al, 2010, p. 37). Inúmeras referências são feitas à teoria existencialista e fenomenológica, por exemplo: “para aprender a relacionar-se, em primeiro lugar, é preciso entender que, para ser, é preciso ser-com, ser-para no mundo a sua volta”, citando Polster e Polster (2001).
Quanto à ação das coordenadoras do grupo, diz o texto que exercitaram a capacidade de observação, descartaram pensamentos existentes a priori sobre os fenômenos observados; discutiam as ocorrências de cada encontro, trabalharam as impressões deixadas e prepararam relatórios (p. 40).
Farah (2009) se propõe uma “revisão bibliográfica acerca do atendimento de grupo e as relações estabelecidas entre os seus membros” (p. 303). Antes, tal qual esta monografia, faz uma sistematização de conceitos pertinentes ao tema, como grupo, awareness, contato, mecanismos neuróticos. Ao fim, apresenta o grupo que atendeu em coterapia, com supervisão, durante cinquenta e duas sessões de uma hora e meia cada, formado por três membros, mulheres entre vinte e trinta anos de idade (p. 321). Destaca o primeiro dia de apresentação pessoal e do contrato, que previa: avisar as faltas, importância de se despedirem caso decidissem sair do grupo e o tempo previsto de um ano para o trabalho. Ressalta, ao longo do artigo, a importância da confidencialidade no grupo como forma de criar confiança e a “necessidade de pertencer” (p. 318). Afirma que “a terapia de grupo tem como objetivo explorar a forma que cada um se coloca no mundo”, observando como a pessoa “tenta transformar (o grupo) no que ela realmente deseja” (p. 320). Pontua como elemento curativo a experiência bem sucedida no grupo:
“ Muitos dos membros, que chegam para a terapia de grupo, apresentam um histórico grupal pobre, sendo que eles, dificilmente, sentem-se valorizados em grupos aos quais pertencem e para eles só o fato de poderem ter uma experiência de grupo bem sucedida, pode ser curativa”. (p. 320)
Entendem por “bem-sucedida” a experiência de ser aceito pelos outros membros (p.318), “encontrando apoio e suporte para falar e trabalhar situações desagradáveis” (p.325), havendo acolhimento por parte dos terapeutas e dos outros membros de forma “que a pessoa possa se sentir respeitada e ouvida” (p.325). Considera que o grupo “acolhia-se bem” (p.323), pois permitia que qualquer membro estendesse sua fala quando tinha necessidade. Registra, sem nomear, o fenômeno da emulação, em que um membro sente-se estimulado a mudar seu comportamento considerando o sucesso obtido por outro membro (p.324). “O compartilhamento de experiências”, conclui, em tom pessoal, “é o grande diferencial da terapia de grupo” (p.326).
Para a autora, “o terapeuta é um observador” (p. 307) das “formas peculiares dos membros de interagir com o mundo (que vão sendo reveladas) à medida que o grupo vai acontecendo” e das “propriedades desenvolvidas pelas relações estabelecidas entre os seus membros, que promovem o caráter terapêutico a esse tipo de atendimento” (p. 304).
Quanto ao terapeuta-observador, ele é “investigador (que) vai observar nuances diferentes de um mesmo objeto, focando o que mais lhe chama atenção, de acordo com as suas motivações pessoais” (p. 307). Ou, quando a autora cita Yontef (1998, p. 190): “o indivíduo é definido, num dado momento, apenas pelo campo do qual faz parte, e o campo só pode ser definido pela experiência, ou do ponto de vista de alguém”: no contexto do artigo, diríamos que esse alguém é plural, não é apenas o terapeuta, mas o grupo e seus outros membros. Segundo a autora, o terapeuta observa, foca, recorta, analisa, pretende conhecer, percebe, sente, de acordo com suas motivações, crenças, experiências, expectativas, história, cultura, necessidades, treinamento. O terapeuta-observador também determina as dimensões em que o grupo está socialmente inserido, distinguindo entre o que pertence e o que está fora (p. 308).
Esse papel ativo de terapeuta-observador é defendido por Farah (p. 309-310) ao argumentar que:
“é justamente por essa interferência externa do ponto de vista do observador, que a fenomenologia propõe que o terapeuta favoreça que o cliente entre em contato com ele mesmo no momento presente (aqui e agora) propiciando que ele torne-se mais aware, mais consciente de suas sensações e sentimentos e que o próprio cliente possa ser observador de si mesmo. (...) O melhor observador de cada um é si mesmo, pois só o próprio indivíduo é quem vai poder saber ao certo o que experimentou, e assim pode descrever, através da fala ou expressão corporal, o que sentiu”.
Uma das ações sugeridas ao terapeuta (p. 318) é “deixar bem clara a importância de manter confidencial tudo que é exposto no grupo” como forma de tornar menos perigosa a exposição da intimidade.
Farah (p. 319) cita Yalom e os três estágios de um grupo: orientação, conflito, desenvolvimento da coesão. À medida que os membros “passam a falar de suas experiências mais pessoais, afetivas e menos intelectuais”, ficando mais no aqui e agora, “oferecendo feedbacks mais construtivos”, o grupo está mais autodirigido e a participação do terapeuta é menor. Ao terapeuta caberia, sempre, “o cuidado de acolher e validar sentimentos de maneira que a pessoa possa se sentir respeitada e ouvida” (p. 325). Há uma descrição sobre a ação das psicólogas (p. 322-3):
“pouco a pouco, nós terapeutas fomos incentivando as trocas, à medida que perguntávamos para as outras duas (participantes) o que as tocam sobre o relato da companheira. (...) pedíamos para relatar o que elas estavam sentindo, no momento presente, sobre o que a outra participante estava trazendo e como as tocava. (...) Observamos (...) que as participantes não estavam acostumadas a prestarem atenção aos seus sentimentos e sensações e muito menos a falar sobre eles (e) optamos em realizar alguns experimentos e vivências”. (grifo nosso)
Convém registrar que a autora afirma ter sido “espectadora e participante” (p. 325). Participante estaria para figura, assim como espectadora, ilustrado na citação a seguir, para fundo:
“quando um membro do grupo consegue compartilhar uma experiência capaz de mostrar a outro membro que ele não é o único a passar por aquilo; pois, por mais que um terapeuta diga que o paciente não é o único, que outras pessoas já passaram por essa situação, é muito diferente (permitir o relato pessoal de outra pessoa)”. (p. 326).
Viegas (2009) é extensivo na comparação entre o Gestalt-terapeuta de grupo e o “líder servidor”, estilo de liderança abordado em livro de Hunter, O monge e o executivo (2006). Considera a autoridade e o poder que o psicoterapeuta tem para influenciar pessoas, ressalvando que “o saber encontra-se no cliente e não no terapeuta” (p.403). Entre os inúmeros conceitos que aprofunda, destacamos a distinção que faz entre a empatia, que pode ser mero sentimento, e a inclusão dialógica, em que o terapeuta empático considera o outro e a si mesmo durante a relação. Assevera que “o objetivo do Gestalt-terapeuta não está associado a uma conquista exterior a qual o grupo precisa alcançar”, como seria o grupo operativo de Pichón-Rivière, “mas criar um ambiente propício para que cada membro do grupo se autodescubra” (p.406). Cita Hycner e Jacobs (1997) para quem “a confirmação está no cerne de qualquer abordagem dialógica” (p.407), sendo sua ausência associada às psicopatologias. Confirmando um pensamento já considerado nesta monografia (p. 41) por Domingues (2012, p. 308), de que o psicoterapeuta não precisa ter uma presença sempre marcante, diz que “o Gestalt-terapeuta não pode ocupar os espaços que deveriam ser dos componentes do grupo; caso contrário, ele perde contato com o movimento desse grupo” (p.411).
Cardoso (2009) relata a gênese de seus “grupos terapêuticos”, com metodologia “fundamentada nos pressupostos da abordagem gestáltica” (CARDOSO, p.125), tendo origem nos “grupos de espera para os pacientes que compareciam ao Centro de Saúde para controle da glicemia e/ou pressão arterial” (p.130) depois da adesão espontânea dos pacientes “mesmo nos dias em que não estava agendada sua consulta médica” (p.130-131). Perfil dos membros: “pessoas simples, com mais de 40 anos, diabéticas e/ou hipertensas, frequentadoras do PSF (Programa Saúde da Família)” (p.131) do município de Vespasiano, Minas Gerais. Quanto aos grupos em si, “eram temáticos, com cerca de sessenta minutos de duração, sem continuidade entre eles, com composição flutuante, mistos quanto à patologia e ao sexo, com tema previamente definido e esgotado em cada encontro” (p.131). Tinham como objetivo:
“oferecer um espaço onde as pessoas pudessem expressar livremente suas experiências em relação ao tema proposto, buscando-se facilitar a comunicação, ampliar a conscientização das pessoas assistidas sobres suas experiências e resgatar a responsabilidade delas e não apenas em relação à doença e ao tratamento, mas também em relação à sua vida de modo geral. Em outras palavras, buscava-se trabalhar a vivência de seus membros a partir do material emergente, enfocando o aspecto emocional, as crenças e ações de cada pessoa, tendo também conotação pedagógica, na medida em que, ocasionalmente, eram difundidas informações”. (p.131)
Para Cardoso (p.129) um Gestalt-terapeuta de grupo procura, mais que tudo, “observar, descrever e compreender a rede de relações entre as partes que o compõem”, as influências entre cada participante, a interação entre os estímulos e a reflexão que se tem deles.
Considerações Finais
Os sete artigos encontrados estavam em publicações do estado do Rio de Janeiro: seis na Revista IGT na Rede e um na revista de psicologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
O material científico analisado evidenciou que o “contrato” é utilizado no trabalho com Gestalt-terapia de grupo, contendo regras sobre confidencialidade, faltas, saída do grupo, tempo total de trabalho.
A quantidade de sessões citada foi 10, 52 e 58, conforme o artigo. E a duração máxima de cada encontro era 1 ½ hora e 3 horas.
Quanto ao número de membros, soubemos de nove mulheres em um grupo e três mulheres em outro.
Houve menção ao uso da coterapia no atendimento aos grupos, bem como no processo de formação do profissional nas instituições de ensino. Também foi feita alusão ao recurso da supervisão. Mas não ocorreu a discussão desses dois dispositivos. Por exemplo: verificar a influência da diferença de estilos ou de papéis entre os psicólogos; avaliar a comunicação dos psicoterapeutas entre si e seus efeitos sobre o grupo; como aplicar supervisão para coterapeutas.
A fenomenologia e o processo dialógico foram as principais referências teóricas mencionadas.
Fez-se alusão ao Gestaltismo e à teoria organísmica de Kurt Goldstein, à Teoria de Campo de Kurt Lewin, à noção de empatia de Carl Rogers, à liberdade e à responsabilidade do ser no mundo do Existencialismo (Heidegger é frequentemente citado), à Nietsche.
Os autores mais citados foram Yontef para Gestalt-terapia e Jorge Ponciano Ribeiro para Gestalt-terapia de grupos. Além deles: Yalom, Zinker, Polster e Polster, Hycner e Jacobs, Foulkes, Spangenberg.
Os autores dos artigos, em geral, fazem uso das linhas psicodramatista e reichiana. E trabalham o corpo, embasados no conceito de fronteira de contato.
A questão dos honorários ficou ausente, possivelmente porque os serviços prestados fossem gratuitos ou sem remuneração para o profissional, uma vez que ocorreram frequentemente em institutos de formação ou no Sistema Único de Saúde.
Encontrou-se uma ênfase na espontaneidade como fator terapêutico, ou seja: o grupo como espaço para falar, ouvir, experimentar, sentir, expressar. Em minha experiência, notei que a ênfase para falar aparece junto com: o silêncio sentido como constrangedor; a confusão entre “terapia pela fala” e “terapia para falar” de forma catártica; o psicólogo preocupado com que todos tenham tempo igual para falar. Cabe dizer que essa espontaneidade contrasta com Fritz Perls realçando suas habilidades e atitudes, o seu saber fazer terapia, onde ele era o centro, e não o cliente em sua espontaneidade.
Notamos o silêncio acerca de diversos instrumentos e conceitos importantes à Gestalt-terapia, como as influências orientais que Fritz Perls recebeu, notadamente o zen budismo; o trabalho com sonhos; a expressão “ajustamento criativo”.
Não foram encontradas dissertações de mestrado nem teses de doutorado sobre o tema estudado.
Percebemos um tom questionador a Fritz e nenhuma referência a Laura Perls ou Esalen.
A Teoria de Sistemas não foi aprofundada, a despeito de atualmente ser considerada um importante referencial para a Gestalt-terapia. Diante dessa lacuna, eu trouxe um autor que para mim é especial: Urie Bonfenbrenner e sua teoria da Ecologia do Desenvolvimento Humano.
Quanto a uma teoria ou filosofia sobre grupos, os artigos apresentaram um pouco de Kurt Lewin. O que eu trouxe foi a reflexão de Jean-Paul Sartre, ainda que discutível.
Refletindo sobre os objetivos de cada uma das três formas de fazer Gestalt-terapia com grupo (em, do, de grupo), inclino-me para a Gestalt-terapia de grupo, promotora de relações e de encontros presenciais. Considero que a Gestalt-terapia (individual) em grupo obtém um alcance mais profundo e focado, na qual o cliente pode esperar início, meio e fim de uma ação terapêutica em torno de sua questão emergente. Por não ter experiência com a Gestalt-terapia do grupo, posso apenas supor que seja promovida uma identidade e união entre os membros por conta de evidenciar um inconsciente grupal comum.
Acredito que a meta da Gestalt-terapia de grupo seja tornar a pessoa consciente dos seus falsos-selves para que descubra e viva de acordo com quem ela é verdadeiramente (ver NARANJO, 2005, p.96), tarefa que se inicia e é verificada prontamento ali, no grupo, e depois mais facilmente em ambiente não controlado.
Nesse aspecto, o grupo divide com o psicólogo, se não a responsabilidade, ao menos a força de promover mudanças. Há um risco de que tal situação sirva de desculpa do profissional para perder a condução e direção que cabem somente a ele no trabalho terapêutico.
Para o cliente pode ser estimulante e desafiador experimentar relações ampliadas no grupo, como as que geralmente ele tem em família, com pai, mãe, irmãos e parentes mais distantes.
Além disso, um trabalho com grupos favorece ao cliente do Sistema Único de Saúde estar com alguém cuja origem sociocultural seja semelhante a sua, uma vez que na realidade brasileira o profissional costuma vir de classe diferente daquela do paciente.
Certa vez, ouvi uma pessoa dizer que “é bom participar no grupo porque estamos juntos com pessoas que buscam a mesma coisa”.
Mas, por outro lado, alguns clientes apresentam resistência em compartilhar suas histórias com outros membros, como observado em experiência pessoal no SUS, em que usuários recusavam atendimento em grupo para aguardarem atendimento individual e sigiloso. Argumentavam que ninguém os compreendia e depositavam no profissional, “doutor que estudou”, as esperanças de acolhimento. Acrescente-se a esse motivo o imaginário social do modelo médico de consultas individuais, e o que se vê são pessoas participando por pouco tempo em sessões grupais, inviabilizando os grupos fechados.
Perguntamo-nos qual seria a influência do tamanho da sala sobre as pessoas, e a distância mínima confortável entre elas. Se uma pesquisa indicasse o tamanho mais comum dos consultórios, poderíamos concluir sobre o número máximo de participantes encontrado em cada grupo. Ou concluir qual espaço físico é minimamente necessário para os participantes sentirem-se confortáveis em permanecer nos grupos por longo tempo.
Acreditamos que as sessões devam durar uma hora e trinta minutos, talvez um pouco mais, se o grupo for grande, com mais de dez pessoas. Um tempo menor, como de uma hora ou hora e quinze minutos, vimos ser estabelecida uma pressão do tempo, gerando ansiedade, disputa e pressa para falar primeiro.
Quando em ambulatório público do SUS e diante da exigência para atender grupos por uma hora, podemos limitar o número de membros entre seis e oito, estando isso mais ao nosso alcance que o trabalho em coterapia. Também não é aconselhável incluir pacientes além do número ideal imaginando que alguns irão sair, pois o profissional acabará criando a sua profecia autorrealizadora.
Um critério que recomendamos é o de respeitar o impacto causado pela entrada e saída de membros, que se estende para várias sessões antes e depois do evento. Sendo observado que algum membro atual tem algo a trabalhar naquela configuração grupal, é prudente adiar a entrada de um novo participante, pois o arranjo será desfeito. Quanto ao novo membro, sempre é recomendável uma ou mais entrevistas individuais antecedentes à sua entrada, para prepará-lo para a dinâmica grupal e prever o surgimento de temas, simpatias ou antipatias entre os participantes, a mudança na dinâmica e nos papéis de cada um, a reação do grupo no curto e médio prazos. Já vimos um grupo psicoterapêutico ser extinto após, e por causa, da entrada de novos membros.
Como última reflexão: Freud afirma que o terapeuta é ele próprio o remédio28 . Nesse sentido, questionaríamos se a psicoterapia pode ir além dos efeitos cientificamente comprovados de um medicamento e englobar o que é próprio dos placebos, a sugestão. Mas nossa reflexão será outra: ou “o médico é ele próprio o remédio” (exógeno), como afirma Freud, ou o organismo tem uma tendência autorreguladora (endógena), segundo Goldstein e Rogers.
Nossa visão sistêmica permite considerarmos ambas as hipóteses e pensar que o psicólogo é observador-participante, respectivamente fora e dentro da situação em um só instante, agindo como catalisador das reações autorreguladoras do sujeito.
O exame do conjunto dos dados expostos leva-nos a considerar que as publicações sobre Gestalt-terapia de grupo feitas no Brasil distinguem-se mais como relatórios que como pesquisas, mesmo quando vinculadas aos serviços de saúde pública ou de formação (governo, universidades, institutos de especialização).
Isso nos faz lembrar que Fritz, em vez de sistematizar sua teoria, preferia agir e trabalhar para a mudança de estado daqueles que o procuravam com esse intuito.
A conclusão a que chego é a de que devemos trabalhar na formação do nosso próprio ser. A prioridade é vencer nossos falsos¬-selves, estando aptos a ajudar os que buscam a verdade sobre si mesmos.
O alerta que fica é no sentido de aprofundar na teoria e nas marcas do fundador: as formas de resistência, o zen-budismo, a formação de comunidades. Ao menos para saber que, ao optar por outros caminhos, não será por negligência, imperícia ou imprudência, mas por se apresentar como o caminho adiante. Afinal, o caminho se faz caminhando, é o caminhante, como diz a filosofia taoista que influenciou o fundador.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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PERLS, Frederick Salomon. SEMINÁRIO DE TRABALHO COM SONHOS. In: Gestalt-terapia explicada, São Paulo: Summus, 1977.
PY, Luiz Alberto (org.). CO-TERAPIA. In: Grupo sobre grupo. Rio de Janeiro: Rocco, 1987, p. 127-142.
RIBEIRO, Jorge Ponciano. Gestalt-terapia: o processo grupal. Uma abordagem fenomenológica da teoria do campo e holística. São Paulo: Summus, 1994. 3ª Ed.
ROBERTS, Monty. O homem que ouve cavalos. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001.
SILVEIRA, Nise da. Gatos, a emoção de lidar. Léo Christiano Editorial, 1998.
TELLEGEN, Therese A. Gestalt e grupos: uma perspectiva sistêmica. São Paulo: Summus, 1984.
YALOM, Irvin D. Quando Nietzsche chorou. Rio de Janeiro: Agir, 2012.
Livros disponíveis na internet
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GINGER, Serge. Gestalt: uma terapia do contato. São Paulo: Summus, 1995. 4ª ed. Disponível em: <http://books.google.com.br/books?id=iRYzTafcQmEC&printsec=frontcover&dq=ginger&hl=pt-BR&sa=X&ei=KcMcU6bfF4yskAfksIGoCQ&ved=0CDwQ6AEwAA#v=onepage&q=ginger&f=false>, acesso em 28 abril 2014.
JOÃO PAULO II. Carta aos artistas, 1999. Disponível em <http://www.vatican.va/holy_father/john_paul_ii/letters/documents/hf_jp-ii_let_23041999_artists_po.html>, acesso em: 3 junho 2014.
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PERLS, Fritz. Escarafunchando Fritz:dentro e fora da lata de lixo. Disponível em <http://books.google.com.br/books?id=CFkMKofxVxIC&printsec=frontcover&hl=zh-CN&source=gbs_ge_summary_r&cad=0#v=onepage&q=princ%C3%ADpio%20de&f=false>, acessado em 7 julho 2014.
PERLS, Fritz. Gestalt-terapia explicada. Summus, 1997, 9ª Ed. Disponível em http://books.google.com.br/books?id=rQTvXpEEB4oC&lpg=PP1&lr&hl=pt-BR&pg=PA115#v=onepage&q&f=false, acessado em 7 julho 2014.
STEVENS, John O. Isto é Gestalt. Disponível em <http://books.google.com.br/books?id=cGZkWbqUeukC&pg=PA29&lpg=PA29&dq=terapia+de+grupo+versus+terapia+individual&source=bl&ots=fP_bmRUzb0&sig=yQzt97jCq9GXoi_5GG0ZsyS-2SA&hl=pt-PT&sa=X&ei=uJr4T4CgAYaC8QSFtI3LBg&sqi=2&redir_esc=y#v=onepage&q=terapia%20de%20grupo%20versus%20terapia%20individual&f=false>, acessado em 7 julho 2014.
Monografia
FADEL, Fábio Costa. Investigando a relação entre homens e animais. Monografia de graduação. UERJ, dez. 2006. Orientadora: Heliana Conde.
Vídeos e Filmes
Divã. Direção: José de Alvarenga, 2009.
Encantador de Cavalos. Direção: Robert Redford, 1998.
Gênio Indomável (Good Will Hunting). Direção: Gus Van Sant, 1997.
Nunca Se Sábado - Terapia de Grupo. Disponível em <http://www.youtube.com/watch?v=ruWpZmW_IFs>, acesso em 9 set 2013.
Psicoterapia: Uma visão humorada com a "A Grande Familia" - Cap.1 - disponível em:<http://www.youtube.com/watch?v=E1hBBBVZSBk>, acesso em: 25 maio 2013.
Psicoterapia: Uma visão humorada com a "A Grande Familia" - Cap.2 – disponível em http://www.youtube.com/watch?v=bSUe0CC2mNY, acessado em 25 maio 2013.
Psicoterapia: Uma visão humorada com a "A Grande Familia" - Cap.3 – disponível em http://www.youtube.com/watch?v=NcDOBD-fxns, acessado em 25 maio 2013.
Psicoterapia: Uma visão humorada com a "A Grande Familia" - Cap.4 – disponível em http://www.youtube.com/watch?v=mPyCA8NAMSc&feature=relmfu, acessado em 25 maio 2013.
Sessão de terapia. Direção: Selton Mello. GNT. 1ª temporada, 2013.
Bibliografia
HUNTER, James C. O monge e o executivo. Rio de Janeiro: Sextante, 2006.
POLSTER, E. e POLSTER, M. Gestalt-terapia integrada. São Paulo: Summus, 2001.
SPANGENBERG, A. Terapia gestáltica e a inversão da queda. Campinas: Livro Pleno, 2004.
ZINKER, J.C. A busca da elegância em psicoterapia: uma abordagem com casais e sistemas íntimos. São Paulo: Summus, 2001.
YONTEF, Gary M. Processo, diálogo e awareness: ensaios em Gestalt-terapia. São Paulo: Summus, 1993.
Endereço para correspondência
Fabio Costa Fadel
Endereço eletrônico: fabiofadel@yahoo.com.br
Recebido em: 19/04/2015
Aprovado em: 03/06/2015
NOTAS
* FADEL, Fábio Costa - Monografia de Especialização em Psicologia Clínica – Gestalt-Terapia
(Indivíduo, Grupo, Família). Instituto de Gestalt-Terapia e Atendimento
Familiar.
** PINHEIRO, Márcia Estarque (orientadora) - Psicóloga, especialista em psicologia clínica, especialista em atendimento de casal e família na abordagem sistêmica (I.P.U.B. - U.F.R.J.), Gestalt-Terapeuta com experiência em atendimento clínico desde 1992, coordenadora do curso de Especialização em Psicologia clínica - Gestalt-Terapia (Indivíduo, Grupo e Família) sócia fundadora do IGT.
1 Será utilizada a forma “Gestalt-terapia” com “G” maiúsculo
por se tratar de palavra estrangeira assim grafada.
2 Do grego therapeutês: “que cuida, trata, cura doentes”.
E therapeía “cuidado, tratamento de doentes”. Do latim therapia.
(Verbete. Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa)
3 Medicina é em latim a “arte de curar”. (idem)
4 Do grego kline, “leito”; klino, “inclinar ou curvar”;
klinikós, “que diz respeito ao leito”, pelo latim clinìcus.
A clínica ou klinike era o inclinar-se do médico sobre o doente
acamado para ouvir o que ele sussurrava. “Clínica” do latim
clinìcus é também “conjunto de cliente” – e
cliente é um indivíduo dependente. (Verbete. Dicionário
Médico Stedman e Novíssimo Dicionário latino-português).
5 Latim herbarìum,ìi “obra que trata de botânica”;
livro em que se reuniam descrições e ilustrações
de plantas, com indicações sobre suas propriedades medicinais.
(Verbete. Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa)
6 Há uma discussão sobre a distinção entre os
termos “paciente”, “cliente” ou “usuário”.
Contudo, este trabalho monográfico usará indistintamente um ou
outro.
7 Disponível em < http://www.ensp.fiocruz.br/portal-ensp/informe/site/materia/detalhe/14465>,
acessado em 13 out 2014.
8 Definido como um padrão de atividades, papéis e relações
interpessoais experienciais pela pessoa em desenvolvimento num dado ambiente
com características físicas e materiais específicas. Segundo
a Ecologia do Desenvolvimento Humano de Urie Bronfenbrenner, microssistema
pode ser definido como o ambiente onde a pessoa em desenvolvimento estabelece
relações face a face estáveis e significativas. Neste
sistema, é fundamental que as relações estabelecidas tenham
como características: reciprocidade (o que um indivíduo faz dentro
do contexto de relação influencia o outro, e vice-versa), equilíbrio
de poder (onde quem tem o domínio da relação passa gradualmente
este poder para a pessoa em desenvolvimento, dentro de suas capacidades e necessidades)
e afeto (que pontua o estabelecimento e perpetuação de sentimentos – de
preferência positivos – no decorrer do processo), permitindo em
conjunto vivências efetivas destas relações também
em um sentido fenomenológico (internalizado).
9 Abrange os sistemas de valores e crenças que permeiam a existência
das diversas culturas, e que são vivenciados e assimilados no decorrer
do processo de desenvolvimento; influência dos aspectos sócio-econômico-culturais.
10 Termo emprestado de Carl Rogers, ou maduro para Fritz Perls.
11 “Em gestalt-terapia”, diz Fritz, “nós escrevemos
self com ‘s’ minúsculo (...) e significa apenas si mesmo,
por melhor ou pior que seja, doente ou sadio, e nada mais” (PERLS – Gestalt-terapia
explicada, p. 110).
12 Diz Fritz em Gestalt-terapia explicada (p.38) que “onde algumas
pessoas têm um self, a maioria das pessoas têm um vazio, pois estão
muito preocupadas em parecer isto ou aquilo”.
13 BVS - http://regional.bvsalud.org/php/index.php, lançada em 1998
pelo Centro Latino Americano e do Caribe de Informação em Ciências
da Saúde (ainda conhecido por BIREME, acróstico da outrora Biblioteca
Regional de Medicina), um centro especializado da Organização
Pan-Americana da Saúde - OPAS, estabelecido no Brasil desde 1967, inclui
importantes fontes de informação como Lilacs (Literatura Latino-Americana
e do Caribe em Ciências da Saúde), Medline (Medical Literature
Analysis and Retrieval System Online, base de dados bibliográficos da
Biblioteca Nacional de Medicina dos Estados Unidos), PEPSIC (Periódicos
Eletrônicos de Psicologia, que segue o modelo SciELO, um projeto da FAPESP-BIREME-CNPq),
entre outros.
14 Ciência que estuda a evolução do significado das
palavras e de outros símbolos que servem à comunicação
humana; do francês e grego: “que indica, q;ue significa” (Verbete.
Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa).
15 Estudo da origem e da evolução das palavras (idem).
16 Relativo a um povo germânico que em 568 invadiu, colonizou e formou
um reino no vale do rio Pó na Itália. (Verbete. Dicionário
eletrônico Houaiss da língua portuguesa).
17 Povo germânico que invadiu a Gália ou França nos séculos
III e IV. (Verbete. Dicionário eletrônico Houaiss da língua
portuguesa).
18 Disponível em http://cienciahoje.uol.com.br/colunas/palavreado/etimologias
acessado em 09 mar 2014.
19 Há autores que questionam se a Gestalt-terapia pode ser, de fato,
fenomenológica, ou se apenas recebeu contribuições da
fenomenologia.Para aprofundamento, sugerimos a leitura de COSTA, Cristiane
de Figueiredo – Fenomenologia: uma discussão acerca da articulação
entre Husserl e Gestalt-terapia. Revista IGT na Rede, v. 7, n° 13, 2010.
P. 423-463.
20 Ou “construto”: construção puramente mental,
criada a partir de elementos mais simples, para ser parte de uma teoria; objeto
de percepção ou pensamento formado pela combinação
de impressões passadas e presentes. (Verbete. Dicionário eletrônico
Houaiss da língua portuguesa).
21 Jean-Paul Sartre é citado por ter sido um filósofo que
difundiu a fenomenologia, e por apresentar uma teoria acerca de grupos. Não
se pretende apresentá-lo como autor de referência para o trabalho
de Gestalt-terapia com grupos: muito ao contrário, como se verá.
22 Disponível em Descritores em Ciências da Saúde, (http://decs.bvsalud.org/),
acessado 09 mar 2014.
23 Instituto de Gestalt-terapia e Atendimento Familiar.
24Também citado em TELLEGEN, 1984, p. 51-52.
25 Tomo a liberdade de indicar a aparente necessidade de correção
no livro de Jorge Ponciano Ribeiro (1994) que registra “terapia de grupo” na
página 81, impedindo a distinção do que nomeia na página
anterior da mesma forma.
26 No sentido de "estudo teórico, baseado predominantemente
no raciocínio abstrato" (Verbete. Dicionário eletrônico
Houaiss da língua portuguesa).
27 Ou intrapessoal, interpessoal, grupal.
28 Remédio inclui medicamento e também qualquer cuidado e
recurso terapêutico como um banho quente, massagem, repouso, psicoterapia,
acupuntura.
29 Disponível em http://www.jb.com.br/leonardo-boff/noticias/2013/12/08/o-significado-de-mandela-para-o-futuro-da-humanidade/,
acessado em 08.12.2013. Ver também http://www.youtube.com/watch?v=7C6vxC4G0CI#t=8,
acessado em 07.12.2013.
30 Disponível em http://www.flickr.com/photos/ginaarteiranaoparaquieta/9740184576/,
acessado em 08.12.2013.
31 Madiba – This is the name of the clan of which Mr Mandela is a
member. A clan name is much more important than a surname as it refers to the
ancestor from which a person is descended. Madiba was the name of a Thembu
chief who ruled in the Transkei in the 18th century. It is considered very
polite to use someone’s clan nam.
APÊNDICE
Ubuntu
Em 2013 morreu Nelson Mandela, conhecido líder sul-africano que mereceu, entre outras, a alcunha de Ubuntu, palavra intraduzível para o português. O próprio Mandela responde o que significa, em vídeo disponível em <http://www.ubuntumission.org/video/what-is-ubuntu-2/>.
Nas palavras de Leonardo Boff, ubuntu é:
“um conceito alheio à nossa cultura individualista: o ubuntu que quer dizer: “eu só posso ser eu através de você e com você”. Portanto, sem um laço permanente que liga todos com todos, a sociedade estará, como na nossa, sob risco de dilaceração e de conflitos sem fim.
Deverá figurar nos manuais escolares de todo mundo esta afirmação humaníssima de Mandela: “Eu lutei contra a dominação dos brancos e lutei contra a dominação dos negros. Eu cultivei a esperança do ideal de uma sociedade democrática e livre, na qual todas as pessoas vivem juntas e em harmonia e têm oportunidades iguais. É um ideal pelo qual eu espero viver e alcançar. Mas, se preciso for, é um ideal pelo qual estou disposto a morrer”.29
Enquanto nossa cultura discute se um grupo é formado por vários indivíduos lado a lado ou é um todo indivisível. No dialeto xhosa de Mandela as crianças afirmam uma irmandade no coletivo que, sem dúvida, foi determinante para Mandela encontrar sua política conciliatória:
“Um antropólogo fez uma brincadeira com crianças de uma tribo africana. Ele colocou um cesto cheio de frutas junto a uma árvore e disse para as crianças que o primeiro que chegasse junto à árvore ganharia todas as frutas. Dado o sinal, todas as crianças saíram ao mesmo tempo e de mãos dadas! Então sentaram-se juntas para aproveitar da recompensa. Quando o antropólogo perguntou por que elas haviam agido dessa forma, sabendo que um entre eles poderia ter todos os frutos para si, eles responderam: Ubuntu, como um de nós pode ser feliz se todos os outros estiverem tristes? UBUNTU na cultura Xhosa significa: ‘Eu sou porque nós somos’”.30
O que mais se aproximaria em nossa literatura está na obra de Alexandre Dumas, Os Três Mosqueteiros, no lema “um por todos e todos por um”.
Qual o caminho a nossa filosofia percorreu para ignorar sinônimo para ubuntu? Talvez ela deva sua origem à cultura individualista nascida a partir de Renée Descartes (1596-1640) no século XVII: de indivíduo para um simples indivíduos ou vários eus, como diria Sartre, sem atingir a identidade que é pertencer ao nós.
Na mesma linha de coletividade está a alcunha Madiba para Nelson Mandela:
“Madiba – esse é o nome do clã ao qual pertence Mandela. O nome do clã é muito mais importante que um sobrenome uma vez que se refere ao ancestral do qual uma pessoa descende. Madiba foi o nome de um chefe Tembu que governou no Transkei no século 18. É considerado muito educado usar o nome do clã de alguém”. (tradução livre31 do sítio eletrônico oficial de Mandela)
Percebe-se que para a identidade pessoal de Mandela sempre há referência ao outro e toda a história dos seus ancestrais tribais, enquanto que em nossa cultura muitos não têm a família ampliada ou sequer a nuclear como referência.
Seus vários nomes por si só e desconsiderando seus significados já criam uma diferença para conosco. Se muito, recebemos um apelido, circunscrito a um contexto muito reduzido de amigos ou colegas, normalmente fazendo referência a uma situação que aconteceu nesse grupo, assaz das vezes cômica e leviana. Temos um só nome a acentuar nossa cultura individualista e fechada a diferenças. Outros nomes viram piada.
Fontes:
http://ourpangea.wordpress.com/2012/09/13/ubuntu-i-am-who-i-am-because-of-who-we-all-are/
http://www.ubuntero.com.br/2013/12/r-i-p-nelson-rolihlahla-mandela/
http://desmesura.org/nubes/mandela-en-nombre-de-la-libertad-ubuntu
http://www.sowetanlive.co.za/incoming/2011/10/05/ubuntu-abused-for-various-ends
http://fengshuitotalint.com/crecimiento-personal/ubuntu-para-la-reconciliacion-y-la-paz/
ANEXO
Cântico Negro
“Vem por aqui” — dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...
A minha glória é esta:
Criar desumanidades!
Não acompanhar ninguém.
—
Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe
Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...
Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.
Como, pois, sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...
Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tetos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura!
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém!
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.
Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou,
É
uma onda que se alevantou,
É
um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí
José Régio
José Régio, pseudônimo literário de José Maria dos Reis Pereira, nasceu em Vila do Conde em 1901. Licenciado em Letras em Coimbra, ensinou durante mais de 30 anos no Liceu de Portalegre. Foi um dos fundadores da revista "Presença", e o seu principal animador. Romancista, dramaturgo, ensaísta e crítico, foi, no entanto, como poeta que primeiramente se impôs e a mais larga audiência que depois atingiu. Com o livro de estreia — "Poemas de Deus e do Diabo" (1925) — apresentou quase todo o elenco dos temas que viria a desenvolver nas obras posteriores: os conflitos entre Deus e o Homem, o espírito e a carne, o indivíduo e a sociedade, a consciência da frustração de todo o amor humano, o orgulhoso recurso à solidão, a problemática da sinceridade e do logro perante os outros e perante a si mesmos.
Disponível emhttp://www.luso-poemas.net/modules/news03/article.php?storyid=1005, ou em http://www.releituras.com/jregio_cantico.asp acessado em 6 julho 2013.
Queira ouvir a declamação de Cântico Negro de José Régio, interpretado por João Villaret, em http://www.youtube.com/watch?v=qKyWRJZnu2o e a interpretada por Maria Bethânia, disponível em http://www.youtube.com/watch?v=XV_iXZFPBCk, acessado em 30 nov 2013 e a por Paulo Gracindo disponível em http://www.youtube.com/watch?v=LkYkp3ZsmJQ, acessado em 30 nov 2013.