ARTIGO
O brincar como meio facilitador da expressão da criança sob a perspectiva da Gestalt-terapia
Playing as a facilitator of the child's expression from the perspective of Gestalt Therapy
Gerlena Correia Lima*; Deyseane Maria Araújo Lima**
FATECI - Faculdade
de Tecnologia Intensiva.
Estácio Fic - Centro Universitário
Estácio do Ceará.
RESUMO
Este artigo apresenta o brincar como meio facilitador da expressão da criança sob a perspectiva da Gestalt-terapia, através de um estudo teórico elaborado a partir da revisão de literatura, da análise de documentos e da reflexão pessoal. Objetiva-se refletir sobre o brincar como meio facilitador da expressão da criança. Pensar o brincar é pensar o desenvolvimento da criança em sua totalidade, conforme propõe a abordagem da Gestalt-terapia. Nesse sentido, compreende-se que é na relação ininterrupta da criança com o meio que é constituído o seu desenvolvimento. Os resultados proporcionaram o repensar sobre o brincar numa perspectiva gestáltica, a partir do olhar e da história de autores que contribuíram para a psicoterapia infantil, permitindo compreendê-lo como um meio que facilita a expressão da criança. A análise do fenômeno contribuiu com o campo de conhecimentos já existentes sobre o fenômeno do brincar na Gestalt-terapia.
Palavras-chave: Brincar; Gestalt-terapia; Infância.
ABSTRACT
This paper presents the play as a facilitator of the child's expression from the perspective of Gestalt therapy, through a theoretical study drawn from the literature review, document analysis and personal reflection. The objective is to reflect on the play as a facilitator of the child's expression. Think the play is to think the child's development in its entirety, as proposed by the approach of Gestalt therapy. In this sense, it is understood that it is in continuous relationship of the child with the environment that consists its development. The results provided the rethinking of playing a gestalt perspective, from the look and history of authors who contributed to the child psychotherapy, allowing understand it as a medium that facilitates the child's expression. The analysis of the phenomenon contributed to the field of existing knowledge on the phenomenon of playing in Gestalt therapy.
Keywords: Playing; Gestalt therapy; Childhood.
1 - INTRODUÇÃO
A principal motivação em estudar essa temática deve-se às grandes descobertas encontradas durante o estágio obrigatório em Psicologia Clínica, que é parte da grade curricular do Curso de Graduação em Psicologia na Faculdade de Tecnologia Intensiva (FATECI), que se referem as transformações no brincar da criança presente no atendimento infantil, e, principalmente, como a criança revela as suas emoções, as suas frustações, as suas ansiedades e quando pode ser ela mesma. Além dos aspectos mencionados, acrescenta-se a crença nas potencialidades de cada criança, quando se passa a vivenciar esse processo terapêutico, desenvolvendo a capacidade de respeitá-las ainda mais.
O objetivo do trabalho é refletir sobre o brincar como meio facilitador da expressão da criança, tendo como foco a abordagem gestáltica. Os objetivos específicos são: compreender a historicidade do conceito de infância; analisar a história da psicoterapia infantil e compreender o brincar como um processo terapêutico.
Desta maneira, busca-se responder ao seguinte questionamento: como o brincar facilita a expressão da criança no processo terapêutico? A intenção é aprofundar o brincar como processo terapêutico e sua potencialidade na psicoterapia infantil, visto que é um tema que precisa, ainda, ser mais discutido academicamente.
O método utilizado foi a pesquisa bibliográfica, através de um estudo teórico elaborado a partir de fontes secundárias, da análise de documentos e da reflexão pessoal. Para um melhor entendimento do tipo de pesquisa que foi realizado, Lakatos e Marconi (1971, p.32) explicam que:
Os documentos de fonte primária são aqueles de primeira mão, provenientes dos próprios órgãos que realizaram as observações. Englobam todos os materiais, ainda não elaborados, escritos ou não, que podem servir como fonte de informação para a pesquisa científica [...]. A pesquisa bibliográfica ou de fontes secundárias é a que especificamente interessa a este trabalho. Trata-se de um levantamento de bibliografia já publicada, em forma de livros, revistas, publicações avulsas e imprensa escrita. Sua finalidade é colocar o pesquisador em contato direto com tudo aquilo que foi escrito sobre determinado assunto, com o objetivo de permitir ao cientista ‘o reforço paralelo da análise de suas informações’.
Pensar a infância no mundo contemporâneo torna-se desafiador e requer um esforço e uma reflexão profunda por parte da escola e da sociedade. Nesta temática da infância percebemos avanços, descobertas, mudanças de comportamento e culturas, que seguem e acompanham fatos históricos que ainda hoje é estudada, avaliada e comentada por muitos estudiosos.
Somente nos últimos anos o campo historiográfico rompeu com as rígidas regras da investigação tradicional, institucional e política, para abordar temas e problemas vinculados à história social (ARIÈS, 2012). Nesse sentido, o contexto sócio histórico é um elemento norteador para o entendimento do brincar num contexto psicológico.
A partir de Freud, Anna Freud, Melanie Klein, Winnicott, Virginia Axline, Violet Oaklander, Sheila Anthony, dentre outros autores que influenciaram a construção do conceito de brincar de uma forma mais aprofundada, será discutida a história da psicologia infantil e como o brincar tornou-se um meio que facilita a expressão da criança. As contribuições dos referidos autores trouxeram um olhar mais cuidadoso para os primeiros meios de socialização da criança, que são a família e a escola, e principalmente para o terapeuta que passou a ter um olhar diferenciado sobre o brincar, a relação da criança com o brinquedo, seus movimentos, ações, linguagem.
Na Gestalt-Terapia, o movimento de ir ao encontro da criança, encontrá-la em seu mundo e envolver-se em sua brincadeira durante as sessões é a base da condução do processo terapêutico (AGUIAR, 2014). É essa imersão do terapeuta no mundo da criança que a permite ser ela mesma e ter sua expressão facilitada por esse processo de aceitação da criança.
Nesse sentido, o movimento da criança em seu brincar vem modificar, ajustar, a relação da criança com seu meio e consigo mesma. Quando se analisa o brincar e a abordagem gestáltica é interessante pensar como esses dois eixos se entrelaçam, permitindo constatar que a perspectiva do predomínio da linguagem lúdica nas crianças se articula perfeitamente com a visão gestáltica de homem, que considera a linguagem verbal não só uma entre várias possibilidades de contato entre o indivíduo e o meio como também a que se apresenta mais tarde e se desenvolve devagar (AGUIAR, 2014).
Ao final deste estudo, espera-se despertar nos profissionais que trabalham com crianças, nos pais e na sociedade um olhar mais sensível e cuidadoso para a fala da criança e para o comportamento expressado num simples brincar. A brincadeira é para a criança o seu mundo, é o espaço onde expressa seus medos, angústias, emoções e sentimentos que, muitas vezes, passam despercebidos pelos adultos.
2 - REFLEXÕES SOBRE A CRIANÇA E SUA INFÂNCIA
Para uma melhor compreensão acerca do brincar como meio facilitador da expressão da criança é necessário remontar a história da descoberta da infância e como esta é encarada no mundo moderno. Visto ser um tema pouco debatido, torna-se importante percorrer os estudiosos que procuraram entender o processo histórico da infância e suas relações com a família, a sociedade, e a escola, no que se refere ao brincar. Pensando no sentido da infância como uma construção social, é interessante um estudo sobre sua história, percorrendo um espaço de tempo até a modernidade e uma breve reflexão sobre a infância já na contemporaneidade.
O conceito de infância tem se constituído ao longo do processo histórico e social, ou seja, varia de acordo com as formas de organização da sociedade e as transformações sócio políticas e culturais. Dessa maneira, verifica-se que a concepção de infância tem atravessado vários olhares e não existiu sempre e da mesma maneira.
Até por volta do século XII, a arte medieval desconhecia a infância ou não tentava representá-la. É difícil crer que essa ausência se devesse à incompetência ou à falta de habilidade. É mais provável que não houvesse lugar para a infância nesse mundo. Segundo Ariès (2012, p.17):
"A análise da produção existente sobre a história da infância permite afirmar que a preocupação com a criança encontra-se presente somente a partir do século XIX, tanto no Brasil como em outros lugares do mundo. No entanto, mesmo a infância constituindo-se em um problema social desde o século XIX, ainda não foi suficiente para torná-la um problema de investigação científica. Estudos apontam que até o início da década de sessenta a história da infância e a história da educação pareciam ser dois campos distintos e inconciliáveis de pesquisa".
No campo histórico pouco se tinha sobre o conceito de infância, não havia registros dessa história. Com a publicação sobre a “História Social da Infância e da Família” na França em 1960 e nos Estados Unidos (ARIÈS, 2012) e ainda em 1974 a publicação do texto sobre “A Evolução da Infância” (MAUSE, 1991), começam a surgir interesses mais amplos no sentido de reconstruir a definição concisa de acordo com a área de interesse de cada estudioso.
Há vários fatos históricos que relatam a narrativa da infância, dentre os quais se destaca a infância religiosa ainda na época de Jesus, conforme descreve Ariès (2012, p. 20):
"O tema da infância sagrada, a partir do século XVI, não deixaria mais de se ampliar e de se diversificar: sua fortuna e sua fecundidade são um testemunho do progresso na consciência coletiva desse sentimento da infância, que apenas um observador atento poderia isolar no século XIII, e que não existia de todo no século XI. No grupo formado por Jesus e sua mãe, o artista sublinharia os aspectos graciosos, ternos e ingênuos da primeira infância; a criança procurando os seios da mãe ou preparando-se para beijá-la ou acariciá-la; a criança brincando com os brinquedos tradicionais da infância [...]. Todos os gestos observáveis - ao menos para aqueles que desejassem prestar atenção neles – já eram reproduzidos".
Até o século XVII predominava o conceito da criança como um adulto em miniatura, ou seja, acreditava-se que o raciocínio, os sentimentos e as ações infantis possuíam os mesmos elementos básicos dos adultos.
O sentimento de infância ainda não existia na idade média, sendo a criança tratada da mesma forma que os adultos (ou um adulto em pequeno tamanho), de forma que as crianças faziam os mesmos trabalhos dos adultos. Não havia diferença no tratamento da criança para o adulto. A infância era apenas uma passagem para a vida adulta, esperava-se que apenas tivesse mais força e tamanho para se tornar um adulto.
"A falta de afeição dos ingleses manifesta-se particularmente em sua atitude com relação às suas crianças. Após conservá-las em casa até a idade de sete ou nove anos (em nossos autores antigos, sete anos era a idade em que os meninos deixavam as mulheres para ingressar na escola ou no mundo dos adultos), eles as colocam, tanto os meninos como as meninas, nas casas de outras pessoas, para aí fazerem o serviço pesado, e as crianças aí permanecem por um período de sete a nove anos (portanto, até entre cerca de 14 e 18 anos). Elas são chamadas então de aprendizes" (ARIÈS, 2012, p. 154).
Vemos, portanto, que na idade medieval o foco estava em colocar as crianças para trabalhar. Independente da classe social, a partir dos sete anos de idade, elas eram inseridas em famílias estranhas, para assim, aprenderem os serviços domésticos. Nessa relação, percebe-se que existia uma troca de lar dessas crianças (ARIÈS, 2012). Neste contexto, não era atribuída importância aos cuidados, sentimentos, emoções, apenas à força do trabalho desse adulto em miniatura.
Como nesse período não havia um cuidado e interesse com a vida das crianças, seus trajes também não eram tratados com zelo, não existia uma diferenciação nos modos de vestir.
"As crianças do povo, os filhos dos camponeses, as crianças que brincavam nas praças das aldeias, nas ruas das cidades ou nas cozinhas das casas continuaram a usar o mesmo traje dos adultos: jamais são representadas usando vestido comprido ou mangas falsas. Elas conservaram o antigo modo de vida que não separava as crianças dos adultos, nem através do traje, nem através do trabalho, nem através dos jogos e brincadeiras". (ARIÈS, 2012, p. 41).
A infância era apenas um estado de transição para a vida adulta e esse processo era vivenciado diariamente com a participação das mesmas em atividades cotidianas dos adultos. Em um sentido mais objetivo, a criança era apenas mais uma mão-de-obra que ajudaria na lida da casa, da roça, etc.
"Essa concepção influenciou o tratamento que a sociedade dispensava às crianças. Elas recebiam cuidados especiais até os sete anos de idade. Depois ingressavam na comunidade dos adultos e desenvolviam as mesmas atividades que eles. Nas classes menos privilegiadas elas trabalhavam no campo, vendiam seus produtos nos mercados, aprendiam um oficio. Não lhes era dispensado nenhum tratamento especial. Ao contrário, eram alvo de todo tipo de atrocidade por parte dos adultos". (DE MAUSE, 1991, p. 23).
Percebe-se que a criança não era cuidada, nem respeitada, havendo uma exploração nas atividades do campo. Não havia infância, higiene, educação.
A concepção da criança como adulto em miniatura também se refletiu na arte. Na pintura medieval, as crianças eram retratadas com as proporções corporais dos adultos. Esse fenômeno não pode ser atribuído à falta de habilidade ou de técnica dos artistas. É mais provável que o pintor estivesse dando expressão ao que ele entendia como criança e não ao que realmente via (DE MAUSE, 1991).
O fato de ser cuidada por muitos fazia com que essa criança não tivesse nenhuma referência de educação, valores morais e educacionais. O afeto era inexistente e os laços da amamentação eram destinados à ama de leite que, em muitos casos, era considerada a mãe pelo ato de amamentar.
"A família medieval era constituída por um grande número de pessoas, entre familiares, agregados e empregados. Sua função básica era a de transmitir a vida, os bens e os nomes; não havia lugar para a exaltação de sentimentos – maternos e conjugais – não ficando o cuidado e a educação das crianças sob a responsabilidade de uma pessoa específica; esta se dava na interação com todas as pessoas que constituíam essa família extensa. Sem uma preocupação particular com as crianças, assim que elas eram desmamadas e podiam ensaiar os primeiros passos eram inseridas, sem distinções, em todas as atividades desenvolvidas pelos adultos" (AGUIAR, 2014, p. 17).
Levada, historicamente, pelos avanços políticos e econômicos a família vai aos poucos avançando e consequentemente sua relação com a criança também toma novos rumos.
"Aos poucos o cenário vai sendo mudado com as transformações político-econômicas da sociedade a partir da revolução industrial onde a família ganha uma nova visão. [...] A nova ordem econômica centrada no capital lança a esfera pública à proeminência, destituindo a família de uma série de funções que ela antes abarcava. Nesse momento, a família passa a constituir apenas uma unidade de consumo e reprodução, na medida em que a produção se desenrola agora no âmbito público" (AGUIAR, 2014, p. 17).
Nesse momento, a criança passa a ter um reconhecimento na sociedade. No século XVIII, com o advento da Revolução Industrial, tem início a consolidação da sociedade capitalista caracterizada pelo desenvolvimento da ciência, da indústria, da tecnologia e pelo trabalho assalariado. Com esses avanços, a criança passa a ocupar um espaço privilegiado, necessitando ser cuidada, escolarizada e preparada para o futuro.
"Paralelamente, a criança adquire novo valor e importância; percebe-se que ela é uma riqueza econômica em potencial – o trabalhador do futuro. A partir daí surge a necessidade de cuidar mais dessa criança e, principalmente, de educá-la. Assim, ela passa a ser alvo de cuidado e atenção, pois é vista como tesouro das nações em formação" (AGUIAR, 2014, p. 17).
É interessante observar que somente a partir da Revolução Industrial, quando o mundo avança em sua política econômica e consequentemente social, a criança tem reconhecida a sua importância, seu valor, passando a ser percebida como o futuro da nação, aquela que precisa ser cuidada e educada. Nesse momento, os pais assumem essa responsabilidade na educação dos filhos, dando-lhes atenção e afeto.
"Passou-se a admitir que a criança não estava madura para a vida, e que era preciso submetê-la a um regime especial, a uma espécie de quarentena antes de deixá-la unir-se aos adultos. Essa nova preocupação com a educação pouco a pouco iria instalar-se no seio da sociedade, e transformá-la de fio a pavio. A família deixou de ser apenas uma instituição do direito provado para a transmissão dos bens e do nome, e assumiu uma função moral e espiritual, passando a formar os corpos e almas. Entre a geração física e a instituição jurídica existia um hiato, que a educação iria preencher" (ARIÈS, 2012, p. 194).
Essa mudança político-econômico-social acarretou uma intensa transformação no conceito de família e sociedade, trazendo consigo valores, respeito, cuidado, educação, saúde, etc.
Esse fenômeno de surgimento do “sentimento de infância” vem ao encontro de uma sociedade capitalista emergente, onde a preocupação com a força de trabalho dos indivíduos é crescente e implica profundas transformações no modo de tratar a infância, na configuração da família – que se volta para a proteção e o cuidado da criança, tornando-se “nuclear” – e na educação formal e informal dos “futuros trabalhadores” (ARIÈS, 2012).
Estando nas mãos de muitos, a criança pouco se relacionava com os pais, escapando desde muito cedo de suas próprias famílias, para as quais o sentimento de infância era escasso e onde não havia interesse para o afeto, carinho e cuidado. Cuidar era sinônimo de ensinar-lhe uma profissão, uma atividade qualquer.
"A família não podia, portanto, nessa época, alimentar um sentimento existencial profundo entre pais e filhos. Isso não significava que os pais não amassem seus filhos: eles se ocupavam de suas crianças menos por elas mesmas, pelo apego que lhes tinham, do que pela contribuição que essas crianças podiam trazer à obra comum, ao estabelecimento da família. A família era uma realidade moral e social, mais do que sentimental" (ARIÈS, 2012, p. 158).
A aprendizagem, antes atribuída aos trabalhos domésticos realizados junto aos adultos nos diversos lares e famílias, tem agora seu papel na sociedade. “A escola deixa de ser reservada aos clérigos para se tornar um instrumento normal da iniciação social, da passagem do estado da infância ao adulto” (ARIÈS, 2012, p. 159).
A partir da escolarização, da preocupação dos pais em cuidar melhor das crianças, de educá-las para um futuro melhor, começa a existir um sentimento de infância, afeto, cuidado mais consistente, citando a evolução da escola e do sentimento de infância:
"[...] ela correspondeu também a uma preocupação dos pais de vigiar seus filhos mais de perto, de ficar mais perto deles e de não abandoná-los mais, mesmo temporariamente, aos cuidados de uma outra família. A substituição da aprendizagem pela escola exprime também uma aproximação da família e das crianças, do sentimento da família e do sentimento da infância, outrora separados. A família concentrou-se em torno da criança" (ARIÈS, 2012, p. 159).
Diante do contexto e da análise da produção existente sobre a história da infância, fica claro que o foco no cuidado e educação das crianças encontra-se presente a partir do século XIX, no Brasil e em outros lugares do mundo.
Foi somente a partir dos estudos que se começou a pensar e problematizar o conceito de infância e nos tempos atuais a imagem da criança está integrada ao conceito de infância (ARIÈS, 2012).
A criança, hoje, é compreendida como um ser social que tem vez e voz própria, que deve ser cuidada, ouvida, educada e tratada com seriedade e zelo. Com a criação do Estatuto da Criança e do adolescente (ECA), em 1990, foi legitimado o discurso pelo cuidado e registrado avanço nas políticas públicas voltadas para a criança e o adolescente.
Com o ECA, a criança passou a ter um espaço de direitos de forma integral e integrada, sendo reconhecida como sujeito de sua própria história, inserida no mundo do lazer, da cultura da educação e do desenvolvimento social.
Um fator interessante de se observar nesse processo histórico é que nos dias atuais não é rara a menção popular à criança como um ser de fundamental importância para a construção do futuro. Contudo, essa menção remete a uma questão que coloca a infância no centro de seu paradoxo, uma vez que: no tempo em que a criança alcança o reconhecimento do seu status enquanto um ser diferenciado – que se encontra ainda em processo de desenvolvimento e que, portanto, precisa de cuidados e atenção especial (ANDRADE, 2010), é o mesmo em que, por motivos sociais, vive-se o desaparecimento da infância (IANISKI, 2009).
Desta forma, a concepção de infância surgiu imersa no processo histórico, onde a sociedade capitalista foi se transformando e ressignificando papéis sociais. Paradoxalmente esta mesma concepção tende a desparecer exatamente em virtude da dinâmica da sociedade capitalista, que vem inserindo em seu mundo, mais uma vez, aquele adulto em miniatura, influenciada pela mídia, pelo consumismo, dentre outros meios.
A partir desse contexto, é importante frisar que a criança ocupa, hoje, um espaço privilegiado na sociedade, munidas de direitos e deveres. No entanto, a infância, em muitos casos, lhe é retirada muito cedo ou não é vivida. Falar de infância é falar do brincar, do fantasiar, do ser criança.
Depois da realização de debates e mobilizações no Brasil, o reconhecimento dos direitos e deveres da criança foi instituído pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) que garante a proteção integral deste sujeito pela comunidade, família e Estado no que se refere a saúde, a educação, ao esporte, lazer e cultura, a convivência familiar e comunitária, entre outros.
Desta maneira, percebemos que o mundo atual acelerou e mudou, transformou conceitos, comportamentos, sociedade e família.
"O mundo mudou. Acelerou e se conectou. E nesse novo tempo podemos dizer também que a infância encurtou. A palavra foi substituída pela imagem. O excesso a simplicidade. O abraço pelo objeto. O desejo pela necessidade e a infância pelo consumo" (TRIGUEIRO, 2012, p. 45).
O consumismo está abstraindo das crianças o direito de viver uma infância saudável, de ser criança em sua plenitude. A imagem da criança como adulto em miniatura, do século passado, onde o trabalho a transformava num pequeno homem é hoje revivida, quando as crianças passam a ser o que a mídia ordena. Os lares estão sendo invadidos pelas imagens e propagandas que convidam pais e crianças a consumirem sem reflexão, vendendo a falsa ideia da realização de sonhos.
"A infância atual está mercantilizada. As crianças foram elevadas, pelo mercado, aos status de consumidoras antes de estarem aptas ao exercício pleno de sua cidadania. Elas são, desde cedo, incitadas a fazer parte da lógica do mercado e a forma como são olhadas e investidas, simbolicamente, pelos outros, passa pela cultura consumista. Os pequenos já nascem usando fraldas x ou brincando com brinquedos" (TRIGUEIRO, 2012, p. 45).
É preciso preparar a criança para uma reflexão consciente a respeito do consumo. A família precisa entender que a criança necessita de espaços para viver sua infância, ou seja, permitir que ela brinque, tenha opções saudáveis, seja ouvida, viva seu mundo de fantasias e, principalmente, seja amada e ame.
3 - ENTENDENDO O PROCESSO HISTÓRICO DA PSICOTERAPIA INFANTIL
Com o avanço do conceito de criança e seu desenvolvimento dentro do processo histórico da sociedade e da família, a criança passou a ser uma preocupação de alguns estudiosos, tornando-se um objeto de estudo e, consequentemente, conduzindo a uma forma de estudar a natureza do homem. Ao longo dos últimos tempos, vários termos foram criados a respeito desse trabalho realizado com as crianças, tais como: ludoterapia, psicoterapia infantil e psicanálise infantil, dentre outros.
O trabalho psicoterápico com crianças data do século XX, a partir da abordagem psicanalítica (FREUD, 1980) e se desenvolveu ao longo dos últimos 50 anos no bojo de outras abordagens do ser humano, particularmente por meio da abordagem centrada na pessoa (AGUIAR, 2014).
Nesse sentido, pode-se afirmar que o surgimento da psicoterapia infantil se deu ao final do século XIX, quando a infância passou a ser vista com um olhar mais apurado, com uma visibilidade maior e, ainda, agregado a esse avanço tem-se o desenvolvimento da abordagem psicanálitica e os estudos de Freud para a etiologia da neurose.
É possível constatar o papel da infância na etiologia da neurose e em todo o desenvolvimento da personalidade humana. Com os grandes avanços e mudanças no cenário sócio-político e cultural, o autor desenvolveu a abordagem psicanalítica e, como muitos outros estudiosos, começou a aprofundar seus estudos sobre a análise com crianças.
"Na busca de situações patogênicas, nas quais as representações da sexualidade haviam-se estabelecido e os sintomas como substitutos do que estava inconsciente tinham surgido, Freud foi levado cada vez mais à vida pregressa do paciente, chegando até sua infância. Isso o fez concluir que as impressões desse período da vida de um indivíduo deixam marcas indeléveis e fundamentam a disposição para qualquer distúrbio neurótico que viesse a sobrevir" (AGUIAR, 2014, p.18).
A personalidade do paciente foi investigada, analisando suas doenças psíquicas através da análise da sua infância, construindo com isso um novo olhar sobre a criança, destacando uma fase da vida do indivíduo que nunca tivera nenhuma importância para os estudiosos. A partir de então, a criança passa a ocupar um espaço importante. A criança era vista por alguns como uma “miniatura de gente”, um ser que não entendia nada, não sentia emoções, sentimentos, apenas crescia (FREUD, 1980).
No caso Hans, descobriu-se que as crianças podiam se beneficiar de uma interpretação, na medida em que Hans, pela transformação de seu comportamento, mostrava-se afetado pelas interpretações adormecidas por seu pai que, por sua vez, era orientado pelo próprio Freud (FREUD, 1980). É possível ver, ainda, que:
"Foi nesse caso de 1909 que Freud afirmou a necessidade de a criança desenvolver uma fobia, ou “pegar sua bobagem”, como dizia o pequeno Hans. O papel da fobia foi estruturante na investigação do menino sobre a sexualidade e na construção de seu romance sobre as origens e a função diferencial dos pais. Freud diz que é um benefício próprio que a criança faz esse movimento psíquico. Assim ele chama para si a atenção especial dos pais para as dificuldades com as quais se confronta, atraindo ainda os benefícios secundários do adoecimento. Além disso, defende-se contra a angústia" (LEAL; DUNKER, 2011, p. 38).
Começa-se a perceber que as influências da fala e do comportamento dos adultos poderiam afetar as crianças (FREUD, 1980).
"Descobrir que elas eram afetadas pelo que os adultos diziam ou faziam não fez que estes mudassem totalmente seu comportamento com relação à criança, porém legitimou a possibilidade de determinado adulto, o psicoterapeuta, agir e falar de modo específico com ela afim de que isso trouxesse algum benefício terapêutico. A forma que esse agir e falar adquiriu ao longo do desenvolvimento da psicoterapia infantil é congruente com as perspectivas de ser humano e de funcionamento não saudável, próprias de cada abordagem" (AGUIAR, 2014, p. 19).
O pequeno Hans é um caso de referência nas obras de Freud, especialmente nos trabalhos com crianças, como podemos verificar abaixo:
A psicanálise de crianças tem como referência essencial o caso do pequeno Hans, justamente porque a especificidade desse tipo de tratamento levanta questões sobre suas técnicas, a entrevista com os pais, as intervenções, a duração do acompanhamento e o posicionamento do profissional (LEAL; DUNKER, 2011).
Outra contribuição para a Psicoterapia Infantil vem de Anna Freud, que utilizava o brinquedo como uma forma de atrair a criança para o tratamento psicanalítico e para estabelecer uma relação com o terapeuta. Ou seja, o brinquedo era apenas um atrativo, visto que a criança gostava de brinquedos e distraía-se com eles. A psicoterapia acontecia da mesma forma que a dos adultos, sendo que com crianças era utilizado o recurso do brinquedo com o objetivo de basicamente seduzi-las.
Outra psicanalista que escreveu sobre o brincar, especificamente como inserir o brincar em seus atendimentos psicanalíticos com crianças, foi Melanie Klein. Diferentemente de Anna Freud, que usava o brincar como um atrativo de manter uma relação positiva com a criança (AGUIAR, 2014).
Apontaram-se outros pontos importantes que deveriam ser observados na criança, como a observação para o primeiro ano de vida, que era muito importante para o desenvolvimento da personalidade da mesma tendo em vista as primeiras relações que eram estabelecidas nessa fase (KLEIN, 1981).
Com os estudos extensivos e o amplo trabalho, alguns estudiosos foram também se especializando nessa área, como é o caso do pediatra e psicanalista Donald Winnicott, que tem em suas publicações um interesse focado no atendimento com crianças e psicóticos (KLEIN, 1981).
Entre seus aportes teóricos, destacamos a importância conferida à maternagem, entendida como uma relação de acolhimento e cuidado estabelecida com o bebê desde o seu nascimento e encarada como construtiva do ser, uma vez que, segundo ele, “sem a maternagem um bebê não existiria” (AGUIAR, 2014).
A ação de maternagem, segundo o autor, aproxima a mãe do bebê criando um vínculo forte sendo esse um aspecto construtivo na relação da criança com a mãe
"Na tenra infância, essa área intermediária é necessária para o início de um relacionamento entre a criança e o mundo, sendo tornada possível por uma maternagem suficientemente boa na fase primitiva crítica. Essencial a tudo isso é a continuidade (no tempo) do ambiente emocional externo e de elementos específicos no ambiente físico, tais como o objeto ou objetos transicionais" (WINNICOTT, 1975, p. 29).
Esse modo de olhar contribuiu para um aspecto importante no processo terapêutico com crianças, que é a participação dos pais nesse percurso com a criança, enquanto tinha como finalidade a participação dos pais apenas para coletar dados sobre a criança e para a realização do contrato (KLEIN, 1981; WINNICOTT, 1981).
Vários teóricos influenciaram esse modo de compreender a criança. Pode-se perceber a influência forte da Psicanálise com seus seguidores, cada um com novas ideias na construção de ideologias que aproximassem cada vez mais a compreensão do brincar da criança. Nessa perspectiva, outras linhas de pensamento foram, também, se interessando no estudo de novas possibilidades de perceber o ser humano, em especial a criança trazendo contribuições significativas para a Psicologia.
Nesse sentido, outra grande contribuição para os estudos da psicoterapia infantil foi de Virginia Axline, que tem como referencial teórico a Abordagem Centrada na Pessoa e que traz como grande marco nessa área a publicação de Play therapy (Ludoterapia).
Depois de alguns seguidores da Psicanálise, surge então Virgínia Axline, com uma nova contribuição para o brincar da criança, numa visão humanista.
"[...] O humanismo é a atitude filosófica que faz do homem o valor supremo, e que vê nele a medida de todas as coisas [...] define o homem como o ser que é o criador de seu próprio ser, pois o humano, através de sua história gera a sua própria natureza" (KIYAN, 2006, p. 112).
O termo Ludoterapia nasce com Axline que, com o grande sucesso de Dibs em busca de si mesmo de sua autoria, mostra uma nova forma de se trabalhar psicoterapicamente com as crianças, diferentemente do que a psicanálise vinha desenvolvendo em seus estudos.
Propõe-se uma ação terapêutica não diretiva, que adotando o uso do brinquedo apenas como um recurso mediador da relação terapêutica, a atenção se voltava exclusivamente para a criança e a posição do terapeuta nessa relação era mínima. Sua função era de observação e acompanhamento da ação da criança no setting terapêutico, realizando intervenções apenas descritivas.
"O papel do terapeuta, embora seja não-diretivo, não é de modo algum passivo e sim de alerta, de sensibilidade e de constante apreciação daquilo que a criança está dizendo ou fazendo. São necessários uma compreensão e um genuíno interesse pela criança. O terapeuta deve ser sempre permissivo e aceitador. Estas atitudes são baseadas numa filosofia do relacionamento humano que salienta a importância do indivíduo como capaz e digno de confiança ao assumir a responsabilidade sobre si mesmo. Consequentemente, o terapeuta respeita a criança. Trata-a com honestidade e sinceridade. Não há nem irritação excesso de doçura em suas atitudes ao lidar com ela. É franco e sente-se à vontade na presença da criança" (AXLINE, 1972, p.59).
Verifica-se que no processo terapêutico existe uma completa aceitação e respeito pela criança e especialmente pelo seu tempo. Esta aceitação e respeito, aliada ao brincar, e a relação estabelecida entre terapeuta e cliente são novos elementos nessa maneira de compreender e trabalhar terapeuticamente com a criança (AXLINE, 1972).
Ao passo que novas abordagens foram surgindo, em especial a Gestalt-terapia, podemos destacar as contribuições que vinculavam seus estudos a uma visão de homem humanista, existencial e fenomenológica. Seus trabalhos voltados para criança se expandiram da seguinte forma:
"[...] embora a metodologia de trabalho com criança tenha se expandido na direção de uma maior participação e atividade do psicoterapeuta que por meio de usar técnicas objetivava ampliar a consciência da criança a respeito de seus padrões de evitação (ou ainda, mecanismos neuróticos) e suas possibilidades de escolha na interação com o mundo: Jim: ‘o meu desenho tem uma caixa grande e uma porção de linhas curvas coloridas dentro'. Terapeuta: 'Muito bem. Eu gostaria que você fosse essa linha azul escura que forma a caixa, e conversasse com as coisas que estão dentro dela'” (AGUIAR, 2014, p. 39).
É interessante pontuar, ainda, a contribuição da Gestalt-Terapia para o estudo do contexto familiar no processo terapêutico com crianças (AGUIAR, 2014).
Ao posterior e progressivo desenvolvimento da Gestalt-terapia com crianças, na perspectiva humanista, existencial e fenomenológica, somou-se a visão de campo que, entre outras implicações, concorreu para uma maior participação do contexto familiar na psicoterapia (AGUIAR, 2014).
Dessa forma, veem-se no processo histórico da psicoterapia infantil valiosas contribuições que, aos poucos, foram ampliando seu leque de possibilidades de atendimento clínico infantil, tendo sido absorvidas por diversas abordagens de acordo com suas peculiaridades teóricas.
Em síntese, podemos perceber que em Freud as crianças poderiam ser afetadas pela fala e pelo comportamento dos adultos; Anna Freud utilizava o brincar como forma educativa, uma maneira de atrair a criança para o setting terapêutico; Melanie Klein utilizava o brincar como um substituto direto da verbalização, sendo o brincar a linguagem predominante da criança; Virginia Axiline introduz o termo ludoterapia com um processo terapêutico totalmente centrado na criança, utilizando-se de intervenções essencialmente descritivas.
É importante entender que cada autor um teve sua contribuição, possibilitando o uso dos recursos lúdicos, o brincar como meio de expressão e ação, a aceitação no setting terapêutico, a compreensão do contexto familiar, dentre muitas outras formas de atuação do terapeuta no atendimento com crianças. Cada descoberta teve como pressuposto básico a compreensão de homem e das diversas metodologias de trabalho que cada abordagem acredita.
Diante deste contexto, interessa destacar que vários foram os autores e as abordagens que aprofundaram seus conhecimentos na tentativa de buscar meios que pudessem entender o interior da criança. Nesse sentido, torna-se peculiar falar um pouco da necessidade da criança em fazer o processo terapêutico.
No mundo atual, como já citado anteriormente, percebe-se que as crianças estão perdendo sua infância. Estão tendo um acesso rápido a muitas informações que a cada dia vão sendo renovadas. O novo é novo apenas hoje, amanhã são milhões de novas descobertas. É ainda um período de descobertas em relação ao corpo e as situações estabelecidas nos vínculos familiares e escolares. Emergidos num mundo aonde as informações chegam de maneira rápida, as crianças sentem a necessidade de adaptação a essa realidade através do que o mundo lhes oferece.
As responsabilidades e cobranças dentro desse campo podem prejudicar o desenvolvimento saudável da criança. Os conflitos existentes na família, dentro da escola ou mesmo em outro tipo de situação podem também causar adoecimento. Na tentativa de sobreviver ao desencontro consigo mesma, a criança acaba adoecendo, na tentativa de informar que algo não vai bem e se ajustando ao meio da maneira que lhe é possível.
"A psicoterapia infantil além de ser recomendada para o tratamento de problemas específicos como a hiperatividade, a depressão, a mania, também auxilia a criança na escolha de seu próprio caminho, uma vez que os outros não poderão escolher sempre por ela. Independentemente do diagnóstico, do rótulo que carrega, a criança pode se redescobrir e diferente das críticas e das avaliações externas, consiga resolver seus conflitos emocionais" (IANISKI, 2009, p. 2).
É importante citar que essas crianças também chamadas “crianças-problemas” estão em todos os espaços, sejam em casa ou na escola e são encaminhadas para a psicoterapia geralmente pelos pais ou pelos professores.
"Estes são exemplos de crianças-problema, frequentemente encaminhadas a ludoterapia por pais, professores, fiscais, médicos ou outro qualquer responsável. As agressivas, perturbadoras, barulhentas são as mais facilmente identificadas como crianças-problema, porque estão constantemente criando novas dificuldades, não somente para elas próprias, mas também para os que têm contato mais prolongado e íntimo com elas" (AXLINE, 1972, p. 56).
Dessa forma, existe a necessidade de cuidar do emocional da criança para que a mesma tenha um desenvolvimento saudável. A psicoterapia infantil irá auxiliar a criança na escolha de seu próprio caminho, nos ajustes emocionais, de acordo com a abordagem de cada psicólogo.
"A psicoterapia infantil além de ser recomendada para o tratamento de problemas específicos como a hiperatividade, a depressão, a mania, também auxilia a criança na escolha de seu próprio caminho, uma vez que os outros não poderão escolher sempre por ela. Independente do diagnóstico, do “rótulo” que carrega, a criança pode se redescobrir e diferente das críticas e das avaliações externas, consiga resolver seus conflitos emocionais" (BONEBERGH, 2012, p. 2).
Pode-se concluir, portanto, que os motivos que levam as crianças a procurarem uma psicoterapia infantil são os problemas emocionais que as impedem de ter um desenvolvimento saudável. A psicologia infantil possibilitará às mesmas desenvolver estratégias saudáveis como forma de interação com seu meio e consigo mesmas.
4 - UM POUCO DA HISTÓRIA DA GESTALT-TERAPIA
Para falar do brincar sob o olhar da Gestalt-Terapia, torna-se fundamental conhecer um pouco da vida de Fritz Perls que é o mentor dessa abordagem e da história da Gestalt-Terapia, visto que a elaboração de sua teoria e prática está relacionada com sua história de vida.
Perls nasceu em Berlim, Alemanha, em 1893. Filho de pais judeus, Friedrich Salomon Perls foi o terceiro filho e único homem do casal que vivia num clima de desajustamento familiar.
"Durante toda sua infância, o pai esteve muito ausente devido às constantes viagens a trabalho; tinha ele como característica notória “sedução, infidelidade, agressividade e soberba”. Sua mãe era judia praticante e nutria forte paixão por teatro e ópera; paixão essa que passou a ser de Fritz também". (KIYAN, 2006, p. 18).
Estando numa família onde pairava o descontrole emocional, Perls vivenciou momentos que marcaram sua vida.
"A irmã mais velha era quase cega, e por isso bastante protegida pela mãe, o que gerou em Perls um ressentimento que iria perdurar por toda a vida. Anos mais tarde, a mãe e essa irmã morreram em um campo de concentração, e Fritz, segundo seu próprio relato, não derramou uma lágrima sequer. A segunda irmã, Grete, era um perfeito “menino” e manteve com o irmão uma relação mais próxima, chegando a morar com ele durante dez anos, após seu casamento". (KIYAN, 2006, p. 19).
Em sua vida acadêmica, um fato marcante foi sua expulsão da escola, em 1906, por “conduta inqualificável” o que deixou Perls desconcertado, chegando a vagar pelas ruas com colegas e se envolver com experiências sexuais com prostitutas. Anos depois, volta à escola por vontade própria e se interessa pelo teatro, interesse esse que o levaria para o resto de sua vida e aparecerá muito claramente na Gestalt-Terapia.
"Em 1914 quando da declaração da guerra, foi reformado por má formação cardíaca e alocado num serviço auxiliar. No ano seguinte, aos 22 anos, inscreveu-se como voluntário na Cruz Vermelha. Em 1916 foi enviado ao front, na Bélgica, e participou da guerra de trincheiras por nove meses, em condições particularmente traumatizantes: viu seus camaradas matarem, um a um, a golpes de martelo, os solados inimigos intoxicados. Como judeu, foi perseguido e enviado aos postos avançados mais perigosos; se intoxicou e foi ferido na testa pela explosão de um obus, antes de ser repatriado e hospitalizado. Conservaria por muito tempo sequelas desses traumas, chegando a manifestar sinais de despersonalização e indiferença total pelo meio [...]". (GINGER, 1995, p. 48).
Em 1920, Perls conclui o curso de medicina, aos 27 anos, com titulação em neuropediatria. Mesmo com essa formação Perls mantinha interesse pelo teatro e pelos marginalizados, com grupos de esquerda, movimentos hippie e beatnik e contracultura. Esse interesse dava-se pela vida extremamente dissoluta que levava. Fritz manteve um fascínio por grupos marginalizados.
"A Gestalt seria marcada por essa hostilidade contra se deixar enclausurar dentro das normas “burguesas”, contra se submeter à pressão social do stablishment, fosse ele mundano, psicanálitico ou político [...]. O individualismo orgulhoso dos gestaltistas seria mesmo um obstáculo, durante décadas, à constituição de associações profissionais nacionais, pelo temor, talvez justificado, de que elas logo viessem a criar normatização esclerosante". (GINGER, 1995, p. 49).
Deste modo, a Gestalt-Terapia foi fortemente marcada por uma hostilidade contra os interesses e a ordem burguesa. Durante muitos anos, a quebra de padrões sociais, choques de valores e a rebeldia (sendo incluídos, aqui, o uso de drogas e prazeres efêmeros) foram conduzindo os atos tanto do homem Fritz, quanto do pensador e articulador da abordagem da Gestalt-Terapia. E aos 75 anos Perls foi considerado o “rei dos hippies”.
Em 1934, Fritz e sua esposa foram refugiados da perseguição dos judeus na Alemanha, ficando instalados em Johannesburgo, na África do Sul, onde continuaram a exercer suas atividades psicanalíticas, culminando com a fundação do Instituto Sul-Africano de Psicanálise. Esse foi um período em que Perls teve muita prosperidade em seus trabalhos, onde foram plantadas as primeiras sementes que futuramente seriam germinadas e se constituiria a abordagem Gestalt.
"Nessa época, Fritz ainda respeitava as normas rígidas da psicanálise: cinco sessões por semana, de 50 minutos cada, sem nenhum contato, físico, visual, como diria mais tarde, um cadáver calculador – como a maioria dos analistas que conhecia [...]. Em 1936 aconteceu o Congresso Internacional de Psicanálise de Praga. Perls sonhava ir pilotando seu próprio avião e tornar-se, assim, o “primeiro analista voador”! Isso não pôde se realizar... mas esse Congresso lhe reservava outros inconvenientes! Ele preparara uma comunicação sobre “As resistências orais”, completando as ideias de Freud sobre as “resistências anais”, ligadas ao treinamento dos hábitos de higiene. Esperava encontrar Freud e submeter-lhe seu texto, mas a acolhida deste constituiu um trauma, do qual nunca se recuperou". (GINGER, 1995, p. 52).
Essa nova forma de pensar de Perls foi criticada e ignorada pelos psicanalistas ali presentes. O resultado de sua nova forma de pensar culminou na elaboração e publicação do primeiro livro Ego, Hunger and Agression – A Revision of Freud’s Theory and Method.
Logo depois, em 1946, mudou-se para Nova York, para onde seguiu sua família no ano seguinte. Entrou em contato com grupos de artistas, filósofos, intelectuais e terapeutas com os quais se sentia afinado em sua forma de pensar e viver a vida, começando a estruturar mais sistematicamente o que viria a se constituir nas bases teóricas e, consequente, aplicação de uma nova abordagem terapêutica: a Gestalt-Terapia (PRESTELO, 2001).
Assim, pode-se, então, falar um pouco dessa nova abordagem que aos poucos foi sendo construída por Perls a partir de seu primeiro livro.
"Desde esse primeiro livro começam a se esboçar várias noções que desembocariam, nove anos mais tarde, no nascimento oficial da Gestalt-terapia: a importância do momento presente, do corpo, a procura de uma abordagem mais sintética do que analítica, a contestação da neurose de transferência, que lhe parece “uma complicação inútil e uma perda de tempo”. Ele já preconizava um contato direto e autêntico entre o paciente e seu analista e não “um pseudocontato com suas projeções”. Tratava também de uma abordagem “holística” do organismo e de seu meio, das resistências, da introjeção e da projeção, das “emoções incompletas”, compreendendo técnicas de visualização, de utilização da primeira pessoa do singular, responsabilidade pelos sentimentos, concentração no corpo e nas sensações e observação das evitações". (GINGER, 1995, p. 53).
Vimos que os fatos apresentados marcaram a vida de Fritz Perls e influenciaram a criação da Gestalt-terapia que resulta na comunhão entre sua vida pessoal e profissional. As decepções oriundas do XIV Congresso Internacional de Psicanálise em 1936, a experiência vivida com a II Guerra mundial e a pouca receptividade à sua apresentação no Congresso foram fatores marcantes e decisivos para que Fritz Perls revisse sua compreensão na Psicanálise. “Foi no ressentimento que Perls encontrou o seu melhor; do ajustamento criativo dessa situação nasceu a Gestalt-Terapia” (KIYAN, 2006, p. 202).
Através de toda experiência vivida, Perls pode compreender a importância de considerar o organismo como um todo e não como um aglomerado de partes funcionando independentemente das outras. Seus estudos apontam para o homem como um organismo unificado, não existindo a divisão entre corpo e mente, entendendo ainda que os pensamentos e ações do homem são pertencentes à mesma matéria, portanto as ações físicas, do corpo, são inter-relacionadas às ações mentais.
4.1 - O Brincar sob o olhar da Gestalt-Terapia
Após relatar um pouco da história da Gestalt-Terapia, torna-se necessária a retomada do eixo que propõe esse trabalho: o brincar sob o olhar da Gestalt-Terapia. Um ponto inicial é a concepção de homem e de mundo, que é algo relevante dentro desse contexto, visto que, para que possamos trabalhar terapeuticamente com um sujeito é importante que tenhamos uma determinada compreensão de mundo e de homem. “Com isso podemos afirmar que nossa concepção de homem está intimamente vinculada aos nossos objetivos terapêuticos, bem como à nossa metodologia, aos nossos recursos e a nossas técnicas” (AGUIAR, 2014, p. 25). Nesse sentido, as compreensões de homem e de mundo partem do entendimento dos pressupostos filosóficos que se baseiam a Gestalt-terapia: o Existencialismo e a Fenomenologia e o humanismo como contextualização dessas escolas de pensamento.
O humanismo filosófico é uma concepção que tem o homem como centro, pois só o homem “existe”, as coisas “são” (KIYAN, 2006). Pensando dessa forma, entende-se que o ser humano está em constante mudança, ele não é algo estático, parado, isolado, mas sim um ser sujeito a transformações. Sobre a Fenomenologia, que tem Husserl como fundador, e no Existencialismo. “A fenomenologia busca captar o fenômeno que se desvela, descrevendo-o de maneira mais fidedigna possível” (KIYAN, 2006, p. 98). Já sobre o existencialismo, acrescenta: “Seu pressuposto básico é a célebre afirmação: ‘a existência precede a essência’. Para ele o homem é livre, e é a partir dessa liberdade que ele se torna responsável pela sua existência” (KIYAN, 2006, p. 102).
Após as definições que norteiam os pressupostos filosóficos da Gestalt-Terapia pode-se abordar a concepção de ser humano em Gestalt-terapia, tendo por base as duas escolas de pensamento filosófico: o existencialismo e a fenomenologia:
"Ao nos referirmos a uma concepção de homem gestáltica, emerge de início a característica que provavelmente melhor define a diferença entre a Gestalt-terapia e outras abordagens do ser humano, que é a visão integral e não fragmentada do homem e da realidade que nos cerca, denominada holismo. A concepção holística de homem e de mundo acredita que o universo – ele mesmo uma totalidade – organiza-se em um número infinito de totalidade que contém em si outras totalidades menores, que por sua vez, abarcam outras totalidades e assim por diante, até chegarmos ao indivíduo, ele mesmo também uma totalidade" (AGUIAR, 2014, p. 28).
Partindo desse princípio, entende-se que perceber o ser humano como um ser global é mergulhar no seu mundo além de suas características físicas individuais. É entendê-lo no seu entorno, nas várias dimensões que compõem esse homem.
Assim, também, a criança é vista na sua totalidade, ou seja, percebê-la num elo de “fios” que se interligam como: emocional, cognitivo, culturais, espirituais, comportamentais, familiar, escolar, etc.
"Assim, a expressão corrente em Gestalt-Terapia “ver o homem como um todo” não significa que vamos perceber a cada instante todas as características desse homem “ao mesmo tempo”, mas que para cada característica que se apresenta e se revela existe uma série de outras com as quais ela tem relações e estão momentaneamente num segundo plano" (AGUIAR, 2014, p. 29).
O homem gestáltico é, portanto, um ser humano que vive em constantes modificações, se constitui e se constrói a cada momento, modifica e é modificado pelo meio. As relações que estabelece com o meio são elementos de extrema importância para o seu funcionamento, no sentido global de ser humano.
"O ser humano cresce e desenvolve-se ao longo do tempo na e a partir da relação: nós existimos em relação, não havendo outra forma de nos constituirmos que nãos seja essa. É na interação ininterrupta com o mundo, desde o nascimento até o fim de sua vida, que o ser humano diferencia-se, transforma-se e desenvolve-se como uma pessoa com características próprias" (AGUIAR, 2014, p. 30).
Pode-se, então, perceber que todas essas implicações são importantes para a prática clínica. É peculiar o entendimento dos pressupostos filosóficos que marcam a Gestalt-terapia, pois é ele que norteará a busca de uma postura para melhor abordar o ser humano que se apresenta a nossa frente em busca de ajuda.
Quando se pensa na reflexão do brincar e a abordagem gestáltica é importante analisar a relação entre esses dois eixos, embasadas no desenvolvimento da criança, pensando o brincar como um meio terapêutico que facilita a expressão da criança, sendo esse o substituto da linguagem da mesma.
Por meio do brincar, pode-se promover na criança as reconfigurações necessárias ao bem-estar e ao resgate de um funcionamento saudável na sua interação com o meio. Neste viés, a Gestalt-Terapia pode ser uma grande aliada para atingir tal objetivo de maneira efetiva, já que entende a criança como um ser único e singular, que se desenvolve nas relações e que precisa ser entendida em seu meio. (NUNES; RODRIGUES, 2010, p. 2).
Diante do tema do brincar, podemos pensar sobre o desenvolvimento da criança ou desenvolvimento humano na Gestalt-terapia é algo que vem há muito tempo sendo discutido, tendo em vista as bases filosóficas que norteiam a abordagem gestáltica e entendendo o ser humano na sua totalidade. Sobre o assunto que: “não priorizamos um viés biológico ou social, mas compreendemos o desenvolvimento como um processo singular e infinito, a partir do biológico e do social em permanente interação, num constante diálogo entre todos os elementos do campo” (AGUIAR, 2014, p. 50).
Deste modo, o desenvolvimento da criança relaciona-se com um processo ininterrupto que ela estabelece com o meio, ou seja, seu contato com o campo organismo-meio.
Essa relação constante que a criança estabelece com o seu meio e como esse mecanismo de contato é constituído em seu espaço com foco na abordagem gestáltica.
"Na abordagem gestáltica, parte-se do pressuposto de que o homem vive isoladamente. Interagindo com seu meio circundante (as pessoas que o cercam, os sons que escuta, os cheiros que sente, os sabores que lhes transmite o paladar, as ondas luminosas que lhe permitem ver, os objetos que toca e tudo que lhe desperta emoção e pensamento), o homem é em todos os momentos um ser em relação que transforma o mundo e a si mesmo. Essa interação ocorre por meio do contato traduzido pelo movimento figura-fundo. Tal como uma girândola, que instante após instante faz brotar uma cor luminosa, assim é o constante surgimento da figura motivacional, que leva o homem a buscar o contato. Assim é a criança. Na família, ocupa seu espaço, configura seu campo e reconfigura o campo familiar" (ANTONY, 2010, p. 11).
Nesse sentido, pode-se perceber que a criança entendida em sua totalidade, traz em si todas as implicações do seu mundo. Ela não vem sozinha para o espaço terapêutico, carrega consigo sua família, escola, fantasias, angústias, medos, aflições, etc.
Dentro desse contexto, é interessante apontar a importância do recurso lúdico no trabalho com crianças, sendo este um meio que facilita sua expressão e linguagem:
"Observamos um predomínio da linguagem lúdica em detrimento da linguagem verbal da criança, que, em muitos casos, ainda se encontra em franco desenvolvimento. Por isso utilizamos recursos lúdicos – estruturados ou não – para facilitar a expressão e a comunicação no espaço terapêutico, e várias técnicas para explorá-las nas diversas atividades realizadas ao longo das sessões". (AGUIAR, 2014, p. 150).
Brincar com a criança é estar com ela no seu mundo. E é nesse mundo que ela se comunica e expressa suas emoções. De maneira existencial e fenomenológica, esse “estar com a criança” exige do terapeuta esvaziar-se do seu ser e dos seus julgamentos:
"Estar diante de uma criança significa estar diante de um novo desafio: o de revivermos nossa infância e o de reconfigurarmos nossa história. Momentos delicados em que nossa criança está presentificada e vários sentimentos de nossa infância podem vir à tona, podem tornar-se figura. E esse é mesmo o maior desafio: separar o que é nosso e o que pertence à criança que atendemos. Diante disso, precisamos compreendê-la, mergulhar em seu mundo e criar estratégia para ajudá-la". (ANTONY, 2010, p.111).
É interessante pontuar que esse movimento de estar com a criança nasce de um vínculo de confiança que será estabelecido com ela através do brincar. É, assim, um elo de ligação, onde o brincar facilitará o caminho de ir ao encontro da criança e do seu mundo, fazendo com que através do brincar possa expressar seus sentimentos.
"Se em Gestalt-Terapia utilizamos o experimento como recurso de ampliação da awareness, com a criança o próprio brincar é o experimento que possibilita a ampliação de fronteiras. Assim, por meio do brincar, a criança amplia sua awareness, experimentando o mundo em que vive, ensaiando situações e expandindo suas fronteiras de contato". (ANTONY, 2010, p. 121).
Outro fator importante é o respeito à totalidade da criança, ao que ela traz para o espaço terapêutico, por isso a terapia não-diretiva é condutora desse processo, fazendo com que a própria criança conduza seu processo terapêutico e o terapeuta atue apenas um mediador. Sobre o respeito ao ritmo da criança:
"Deve respeitar o ritmo, o fluir, a espontaneidade e a singularidade da criança – que, em seu movimento de autorregulação, manifesta uma dinâmica psicológica própria que organiza a escolha dos brinquedos, jogos e/ou atividades durante a sessão". (ANTONY, 2010, p. 81).
Pode-se concluir, portanto, que o brincar é o meio facilitador da expressão da criança, uma forma de estabelecer contato facilitando o diálogo, sendo este um processo que exige cuidado e respeito. Ingressar no mundo da criança, ir ao seu encontro, deixar que ela traga para o espaço terapêutico suas necessidades é antes de tudo ser criança com a criança que está à sua frente. Assim, o gestaltista desenvolve um olhar atento à experiência do brincar, despojado da intenção de interpretar o fenômeno que vê (NUNES; RODRIGUES, 2010).
Permitir que a criança seja criança, esvaziar-se de julgamentos, preconceitos e simplesmente brincar com ela. Deste modo, a criança expressa seu mundo, vai tomando consciência de si e buscando meios que possibilitem um desenvolvimento saudável da sua totalidade.
5 - CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir da compreensão do conceito de infância pode-se constatar que ao longo da história, a criança foi conquistando respeito e cuidado. É possível constatar, ainda, através dos estudos, que o conceito de infância foi sendo pensado e problematizado e hoje a imagem da criança encontra-se integrada ao conceito de infância. Percorrendo, ainda, os caminhos da história da psicoterapia infantil, viu-se a influência de alguns autores que se debruçaram sobre o brincar da criança e a partir daí foram realizadas pesquisas de autores que discutiram a história da psicoterapia infantil e como o brincar tornou-se um meio facilitador da expressão da criança.
As pesquisas realizadas contribuíram para que o objetivo deste trabalho fosse alcançado, entendendo o brincar como um processo terapêutico que facilita a expressão da criança, um processo que permite à criança um desenvolvimento saudável, baseado na relação não diretiva, possibilitando que ela seja ela mesma, sendo esta a sua forma de ser e estar no mundo.
Após realização da pesquisa, percebeu-se que, embora existam alguns estudos sobre esse tema, ainda são poucos os materiais disponíveis sobre a temática do brincar com foco na abordagem gestáltica, necessitando de maior produção cientifica que reitere a problemática.
Os resultados proporcionaram uma experiência pessoal e profissional, buscando um aperfeiçoamento no atendimento clínico bem como um olhar mais aguçado e amplo sob o brincar e ainda, abriu espaço para que muitos olhares diferenciados sejam acrescentados sobre o brincar dentro de uma perspectiva gestáltica.
Espero que essa pesquisa possa contribuir para a psicologia e para a sociedade, de modo que haja um olhar mais cuidadoso para a criança e para os meios nos quais ela estabelece seus primeiros meios de socialização como a família e a escola. Para a abordagem gestáltica, esta é mais uma experiência que pretende contribuir para o avanço da Gestalt-terapia com crianças em nosso país. Nesse sentido, espera-se que o assunto seja visto e analisado por outros olhares para, dessa forma, suscitar novas maneiras de se pensar o brincar e a partir daí surjam novos conceitos a respeito deste fenômeno.
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Endereço para correspondência:
Gerlena Correia Lima
Endereço eletrônico:lennacorreia@hotmail.com
Deyseane Maria Araujo Lima
Endereço eletrônico:deyseanelima@yahoo.com.br
Recebido em: 12/02/2015
Aprovado em: 25/06/2015
NOTAS
* FACULDADE
DE TECNOLOGIA INTENSIVA – FATECI -
Psicóloga. Professora de História. Especialista
em Gestão Escolar e Coordenação Pedagógica. Realiza
atendimento Clínico Infantil no Centro de Atendimento Clinico e Educacional
Maria de Nazaré Domingos - Cidade de Horizonte/Ce. Coordenadora de Políticas
Sobre Drogas do município de Horizonte/CE inserida no Projeto Beija-Flor.
** Centro Universitário
Estácio do Ceará -
Estácio Fic -
Psicóloga. Especialista em Educação
Inclusiva e Educação a Distância. Mestre em Psicologia. Doutora
em Educação Brasileira pela Universidade Federal do Ceará (UFC)
Professora da graduação e da pós-graduação
em psicologia. Integrante do NUCEPEC/UFC. Membro do Instituto de Psicologia Humanista
e Fenomenológica do Ceará (IPHE).