ARTIGO

 

IMPROVISAÇÃO: experiência com grupo de gestantes

IMPROVISATION : experience with pregnant group

Dorys Tatiana Arguellez de Herbas*

IGT -Instituto de Gestalt-Terapia e Atendimento Familiar - Rio de Janeiro, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O presente artigo apresenta a experiência da autora na construção de grupos com gestantes em uma clínica particular no município de Xerém, estado do Rio de Janeiro. A autora apresenta sua motivação pelo tema, relata algumas etapas da construção desses grupos, descreve alguns aspectos gerais do atendimento, suas intervenções e temas mais abordados nos encontros. O referencial que embasa suas reflexões é o da Gestalt-terapia, enfatizando os conceitos de ajustamento criativo, contato e força do campo. Ao final, traz contribuições sobre as dificuldades vividas como psicóloga iniciante na prática da construção desses grupos e aponta a importância de que este trabalho é uma arte de escolher caminhos para acompanhar as gestantes a partir da complexidade da saúde e de outros aspectos culturais, familiares e econômicos que envolvem o processo da gestação.

Palavras-chaves: Grupo; Gestantes; Grupo de gestantes; Gestalt-terapia.

 


ABSTRACT

This article presents the author's experience in building groups with pregnant women at a private clinic in the city of Xerém , state of Rio de Janeiro . The author presents his motivation for the subject , reports some stages of construction of these groups , describes some general aspects of care, their interventions and more topics discussed at the meetings. The framework that supports their reflections is the Gestalt therapy , emphasizing the concepts of creative adjustment , contact and field strength . At the end has articles about the difficulties experienced psychologist as a beginner in the practice of construction of these groups and points out the importance of this work is an art to choosing ways to keep pregnant women from the complexity of health and other cultural aspects , family and economic involving the gestation process.

Keywords: Group; pregnant women; Group of pregnant women; Gestalt therapy.


Introdução

O período gestacional é uma fase importante na vida da mulher e do casal, sendo marcado por transformações psicofísicas que se refletem em vários aspectos da vida da família, sejam sociais, conjugais, familiares, sexuais, financeiros, entre outros. É uma etapa que tende a provocar transformações na gestante e no entorno, em vários aspectos. Dessa forma, exige da gestante suporte emocional e habilidades de improvisação para lidar com essas mudanças que acontecem também de forma rápida e, algumas vezes, imprevistas. Suporte é um termo utilizado pela Gestalt-terapia para designar a inter-relação das condições que o campo organismo/ambiente oferece para o desenvolvimento dos recursos que auxiliam na autoestima, na autonomia e, consequentemente, no amadurecimento do indivíduo (CARDELLA, 2007). Em contrapartida, a falta de autossuporte é vivenciada como ansiedade, o que para a gestante é arriscado, uma vez que poderá alterar funções orgânicas, como o aumento da pressão arterial, entre outras.

O atendimento grupal apresenta vantagens no auxílio às gestantes, na construção de autossuporte. Segundo Munari & Rodriguez (1997 a. p.14, apud, SARTORI, G.S, VAN DER SAND, I.C.P. 2004), “um grupo pode ajudar pessoas durante períodos de ajustamentos a mudanças, no tratamento de crises ou ainda na manutenção a novas situações”. Esse recurso terapêutico tende a ser reconhecido pelos participantes como um espaço de troca de conhecimento, de percepção do outro, no que tange às diferenças e identificações, de alívio para suas inquietudes e de acolhimento, entre outros aspectos. O grupo neste contexto funciona como uma possibilidade para o enfrentamento de tantas mudanças, uma vez que possui um cunho terapêutico e informativo para gestantes e acompanhantes.

Além disso, os grupos de gestantes complementam o trabalho dos obstetras, visto que as consultas com esses profissionais se baseiam, em sua maioria, em dados objetivos de acompanhamento do desenvolvimento do feto e das condições oferecidas pelo corpo da mãe, ainda é uma visão compartimentada. Embora se reconheça a importância da estabilidade emocional no período gravídico, nem todos os obstetras possuem treinamento específico e habilidade para lidar com as fantasias, os medos e as ansiedades das gestantes; portanto, os grupos de gestantes coordenados por psicólogos podem funcionar como o espaço propício para trabalhar os aspectos emocionais, favorecendo um desenvolvimento de saúde integral.

A partir da experiência vivida no processo de coordenar um grupo de gestantes, foi encontrada motivação para compartilhar as vivências desse período, na busca de contribuir para o desenvolvimento teórico e prático desse tipo de trabalho psicológico. Ao buscar bibliografia, em Gestalt-terapia, para embasar o trabalho com grupo de gestantes, não foi encontrada muita variedade e, diante desta lacuna, desenvolvemos o presente artigo.

Como conseguir engajar gestantes em um processo grupal quando estas não possuíam nenhuma informação sobre os benéficos desse tipo de trabalho? Na clínica do Centro de Exame Complementar (CECOM) estava diante de uma população de baixa renda, com pouco interesse em relação à informação sobre as mudanças psicofísicas próprias da gestação. Como fazer as grávidas compreenderem que a informação sobre o período gestacional, o conhecimento de si, dos seus medos e, principalmente, a troca de experiência poderia ajudá-las no processo de gestar? Que tipo de ajuda um grupo de gestantes poderia trazer a seus participantes?

Este artigo busca descrever o processo de construção de um trabalho com gestantes na clínica do Centro de Exame Complementar (CECOM), em Xerém, distrito do município de Duque de Caxias, estado do Rio de Janeiro.

A partir do referencial da abordagem gestáltica, o presente artigo visa refletir sobre as condições para a construção de grupos de gestantes na clínica CECOM. Busca ainda apresentar as possibilidades de realização do trabalho de grupo de gestantes realizado na referida clínica e Identificar os fatores que dificultaram a organização e a manutenção dos grupos de gestantes na clínica CECOM.

Para o desenvolvimento deste trabalho foi realizado um breve levantamento bibliográfico a partir das palavras-chave: Gestante, Grupos, Grupos de Gestantes, Gravidez, Gestalt-terapia.

Com foco no trabalho com gestantes em grupo, no referencial da Gestalt- terapia, as pesquisas realizadas tiveram como fonte a internet, no portal de busca Google, e a bibliografia do curso de Especialização em Psicologia Clínica: Gestalt-terapia (indivíduo, grupo e família) – EIGT – do Instituto de Gestalt-terapia e Atendimento Familiar (IGT). Foi utilizada, também, a experiência pessoal da autora na preparação e na criação do trabalho de grupo com gestantes. Para tal, foram avaliados relatórios dos atendimentos1 dos grupos do projeto ImprovisAção.

O presente artigo começa com um breve relato do contato da autora com as gestantes, do processo de formação dos grupos, e se desenvolve a partir das vivências ocorridas durante os atendimentos, com breves reflexões sobre as atividades produzidas, adequadas ao perfil das gestantes, e se encerra com observações gerais e apontamentos de novos caminhos para reflexão.


Breve histórico da motivação da autora pelo tema

Para contextualizar melhor a construção da prática com grupo de gestantes, realizada pela autora, e apresentar uma reflexão sobre essa prática, faz-se necessário contar um pouco da sua relação com as gestantes. É importante também situar a Clínica CECOM, onde foi realizado este trabalho, falar dos objetivos do projeto inicial com gestantes, comentando os interesses e as motivações pessoais e profissionais da autora para tal. É necessário também apresentar o que se elaborou no projeto inicial, além de descrever como se desenvolveu na prática. Neste momento do texto, empregarei a primeira pessoa do singular para melhor expressar a experiência vivida por mim e brevemente refletir a respeito das dificuldades e das facilidades na construção desta prática: “GestAção em grupo”.

Em princípio, minha aproximação às gestantes ocorreu devido às necessidades surgidas no trabalho na Bolívia, minha terra natal, auxiliando meu marido, o qual desempenhava a função de Médico Geral no Posto de Saúde “Villa 14 de Setembro”, província da cidade de Cochabamba (aqui no Brasil seria equivalente a um trabalho em uma cidade do interior, com poucos recursos materiais para os atendimentos). A maioria das pessoas fala dois idiomas: “quéchua” e “espanhol”. Sua economia é baseada na agricultura.

Algumas mulheres de outras cidades da Bolívia chegaram a esse lugar em busca de trabalho e procuravam o posto de saúde, buscando ajuda do médico, queixando-se de dor, às vezes sangrando ou o com sinais de possível gravidez. Algumas destas, mães solteiras, chegavam ao posto à procura de remédios para provocar abortos; outras contavam sobre abortos já feitos; e outras ainda, na tentativa de fazê-lo, procuravam formas cirúrgicas para realizar seu intento; o que não era possível naquele posto de saúde. Em função destas tentativas frustradas e não desejando o filho, procuravam desabafar, contando diversas histórias.

Na intenção de ajudar essas mulheres, eu as acolhia, as confortava e as aconselhava em suas angústias e em seus sofrimentos. Em outras oportunidades, acompanhei partos normais, ajudando o médico de várias formas, como, por exemplo, instrumentando na hora do parto. Foram vários os momentos de dificuldade e sustos vividos no Posto de Saúde. Trabalho nada fácil, pois eu carecia de preparação na área da saúde, sendo a minha formação profissional, na época, de Contadora, voltada para os números, totalmente longe da área da saúde. Essa grande experiência colaborou para que, anos depois, eu fizesse uma nova escolha, a busca da Psicologia. Pensando na realização profissional, aqui no Brasil, me formei como psicóloga.

Para aprimorar-me na atuação na clinica psicológica, foi necessário fazer o curso de especialização em psicologia clínica no IGT, que comecei no ano de 2010. Essa especialização é baseada na Abordagem Gestáltica, com ênfase em atendimento de grupo, casal e família. Durante os atendimentos com grupos em coterapia, adquiri conhecimentos os quais me fizeram pensar que essa prática poderia ser significativa na construção de autossuporte para seus participantes.

Em paralelo à especialização, realizei um curso de Doulas. As doulas são acompanhantes para dar suporte às gestantes, em qualquer estágio do trabalho de parto, dando-lhes conforto físico, emocional, afetivo, psicológico, proporcionando-lhes, assim, os cuidados para um parto mais positivo possível.

Para fazer esse curso, os participantes podem ter ou não formação superior ou técnica. Esse curso teórico-prático, com aulas expositivas, tinha um objetivo de ensinar às participantes a importância do parto normal e os cuidados com a gestante, preparando-as para serem Doulas. Durante minha preparação teórica daquele curso, fui paralelamente procurar a prática e ter contato com gestantes, na Clínica CECOM, em 2012. Naquele período, acompanhei o médico obstetra, dentro do consultório, durante meses, transcrevendo laudos de ultrassonografias.

Essa experiência proporcionou conhecimento, nas múltiplas condições vividas por cada mulher no período gestacional. Isso também trouxe a reflexão de que apenas o espaço da consulta com o médico pode, em alguns casos, não ser suficiente para acolher as demandas das famílias. Isso se faz mais marcante em situações de complicação psicológica e física, decorrentes de imprevistos. Por exemplo, a notícia da morte do feto detectado pelo médico no exame da ultrassonografia na consulta do pré-natal. A gestante e a família sentem-se muito mal e precisam de apoio. Nessas situações muitas vezes o obstetra sente a necessidade de contar com outro profissional - como, por exemplo, um psicólogo - preparado para dar apoio emocional a essa família que está vivendo essa perda.

Nesse contexto, surgiu o interesse de trabalhar com grupos de gestantes. Elaborei então um projeto inicial para implantação de uma prática com grupo de gestantes na Abordagem da Gestalt-Terapia. Este projeto, “GestAção em Grupo”, visou apresentar ao corpo técnico e administrativo da clínica CECOM a importância de desenvolver uma prática que facilitasse e viabilizasse a implantação do serviço de atendimento psicológico à gestante e, quando necessário, o atendimento ao casal e à família. Dessa forma, a proposta era complementar o trabalho da obstetrícia, favorecendo a saúde integral da gestante.

A partir desse projeto, pude construir três grupos de gestantes, apresentados a seguir. Um aspecto relevante do desenvolvimento, desde o início dos grupos, foi a importância da dedicação e da perseverança da psicóloga. Nesse árduo trabalho, exige-se desse profissional um contínuo ajustamento criativo à realidade e à necessidade do grupo de gestantes e de suas famílias.

Ajustamento criativo é um conceito utilizado pela Gestalt-terapia para designar que o ajustamento somente é criativo na medida em que “não se trata de adaptação a algo que já existe e sim de transformar o ambiente e, enquanto este se transforma, o indivíduo também se transforma e é transformado“ (SILVEIRA, 2005). Observe-se, também, Mendonça (2012, p. 22):

“ Essa reciprocidade entre a função de totalidade e a função de elemento é o que exige do elemento vivo, no caso o sujeito humano, a função de ajustar-se criativamente”.

Diante de alguns sustos, eu utilizei improvisação e flexibilidade, ferramentas fundamentais do trabalho com grupos. Mesmo com certo planejamento das atividades, nem sempre o programado aconteceu. As gestantes vivem transformações todo o tempo, tanto físicas como emocionais, sem contar outros imprevistos, que concernem à vida social e material. As reformulações da ação planejada aconteceram do início ao fim, para se encaixarem melhor na realidade das gestantes no aqui e agora. Sempre busquei, portanto, atender às demandas do grupo, a cada momento, a partir do que emergia com mais energia isto é, a força do campo prevaleceu.

O processo de construção dos grupos de gestantes foi acontecendo a partir dos encontros vividos mensalmente entre coordenador e membros presentes. Os grupos foram tornando-se bem mais complexos do que o planejamento inicial da coordenadora. A partir da troca vivida nos encontros eles foram ganhando perspectivas mais amplas.

"Para a Gestalt- terapia, o meio onde o indivíduo está inserido é fundamental para sua compreensão; não é possível saber de que pessoa falamos sem olhar para o todo que compõe sua existência do qual faz parte também o mundo que o cerca".(KIYAN, 2001. p. 127)

Breve histórico da formação dos grupos

O objetivo do projeto “Gestação em Grupo” na Clínica CECOM era propiciar um espaço terapêutico-pedagógico no que tange aos aspectos emocionais envolvidos no período gestacional, por meio da formação de grupos de gestantes e atendimentos aos casais e às famílias.

Para organizar o espaço onde o grupo se reunia, fez-se necessário conhecer outros lugares e profissionais que desenvolviam essa atividade, para poder conversar a respeito dos diversos aspectos da experiência deles e melhor embasar o trabalho que se pretendia desenvolver. Um exemplo da importância dessa providência foi até a definição de como se iria mobiliar o espaço e quais seriam os materiais apropriados ao trabalho a ser realizado. A partir desses contatos, foi possível preparar o espaço com poltronas, almofadas, cores adequadas ao ambiente e materiais como: cartolinas, lápis de cor, cola, tesoura, massa para moldar. Foi também a partir destes contatos com outros profissionais que surgiu a ideia de comprar lembranças - como meias de bebê, blocos de anotações para gestantes e mensagens impressas motivadoras - para serem entregues às gestantes que estavam no último encontro do grupo antes de o bebê nascer.

Uma vez organizado o espaço, procedeu-se a um segundo momento: definir horário dos encontros. A proposta inicial era um encontro por semana, aos sábados, com duração de uma hora e meia. O que de fato aconteceu foi que o horário de atendimento do grupo foi adequado pela terapeuta às possibilidades pessoais e prioridades das gestantes. Para alcançar uma demanda maior, foram escolhidos o sábado e a quarta-feira, nos turnos de manhã e tarde. Por ser aos sábados a presença mais concorrida das gestantes, formaram-se dois grupos, além de um grupo na quarta-feira.

As gestantes sugeriram que, para economizar tempo e dinheiro, gostariam de estar presentes aos atendimentos com o médico e com o psicólogo, no mesmo dia. Algumas delas justificavam essa preferência pela dificuldade de equilibrar-se, por estarem mais pesadas e indispostas, ainda mais nos últimos meses da gravidez, tendo dificuldades para locomover-se de ônibus.

Os grupos tinham a característica de ter data de início, porém não para término, e a possibilidade de entradas e saídas de clientes a qualquer tempo. Foram atendidas no total 24 gestantes somando os três grupos. Os atendimentos foram realizados durante os meses de agosto a dezembro de 2012 e janeiro de 2013.

O primeiro grupo foi atendido no sábado, no horário das 9h30 às 11h, durante seis meses, com um encontro por mês. Participaram desse grupo dez gestantes, com frequência de três encontros, no mínimo, até o máximo de seis.

O atendimento do segundo grupo realizou-se na quarta-feira, no horário das 14h às 15h30, durante seis meses, com um encontro por mês. Quanto ao número de participantes, tivemos cinco gestantes no total, e uma filha que acompanhou a mãe duas vezes. A frequência dessas gestantes foi de no mínimo três encontros até o máximo de seis.

O atendimento do terceiro grupo ocorreu no sábado, no horário das 9h30 às 11h, durante seis meses, com um encontro por mês. Participaram nove gestantes no total, das quais seis estiveram acompanhadas de seus respectivos maridos, duas por suas mães, e uma pela família (mãe, cunhada, sobrinha). A frequência dos casais foi de no mínimo dois encontros, até quatro no máximo. A participação das mães com suas filhas gestantes, foi no mínimo de uma vez, até três vezes, no máximo.

A proposta no projeto inicial, em relação ao número de participantes se consolidou na prática, pois não tivemos distinção de idade, período gestacional ou qualquer outro critério para participar do grupo, além de ser gestante ou acompanhante de gestante.

Inicialmente, foi planejado que a coordenação dos grupos aconteceria em coterapia, na busca de melhores condições de trabalho, em termos de troca, e de um olhar mais amplo da vivência grupal. Não foi possível trabalhar nessa modalidade, em função da profissional convidada para a parceria estar comprometida com outras atividades nos horários que aconteceram os grupos.

Diante da falta da coterapeuta, ficou marcante a necessidade de outros espaços de troca, a respeito do processo de desenvolvimento do projeto GestAção em Grupo. Foi marcante, durante o período de construção desse projeto, o uso do espaço de psicoterapia da coordenadora para compartilhar angústias e preocupações. Cabe lembrar que, nesse período, a coordenadora já visava à produção do presente artigo e vivenciava as dificuldades pertinentes à realização dessa empreitada. Outro caminho procurado para lidar com as experiências vividas no percurso foi a busca paralela de supervisão mais regular durante a construção do projeto e também ao longo dos atendimentos dos grupos, com uma gestalt-terapeuta com experiência em grupos terapêuticos, a psicóloga Márcia Estarque. Foi valiosa a supervisão como suporte e ajudou a ampliar meu olhar.

Quanto ao contrato financeiro, foi planejado cobrar um valor social mínimo por encontro. Algumas gestantes pagaram pelo serviço, outras só foram convidadas, sem custo, por não terem disponibilidade de arcar com qualquer valor em dinheiro e porque foi avaliado ser importante dar um suporte à gestante naquele momento.

Outro fator que favoreceu essa postura de não cobrar de algumas foi a dificuldade vivida inicialmente, de ter participantes no grupo, em função do pouco conhecimento sobre a importância desse trabalho para sua saúde.

Nesse contexto, pareceu interessante, como forma de divulgação e de ganho de experiência, tanto para a psicóloga como para as gestantes e suas famílias, permitir a participação sem investimento financeiro.

Para contatar a demanda, a coordenadora viveu vários momentos diferentes e percebeu a necessidade de se adaptar às transformações de seu projeto inicial. Em um primeiro momento, seu foco era todo voltado para as necessidades e os objetivos dela mesma e de atingir a meta de seu projeto. Aos poucos, foi podendo perceber que seu trabalho não se desenvolvia da maneira que gostaria. Percebeu a importância de se colocar no lugar das gestantes, andar ao lado delas, para entender as necessidades das mesmas. Para isso, precisou de ajustamento criativo constante, como poderá ser percebido a seguir na descrição desta etapa de convidar os participantes do grupo.

Inicialmente pensou-se em várias estratégias como, por exemplo, o encaminhamento pelo obstetra e a abordagem da psicóloga na recepção. O obstetra responsável pela clínica durante as consultas de pré-natal, quando identificasse a necessidade de participação das gestantes no grupo, faria a indicação para esse tratamento. No contato inicial, na recepção, a psicóloga as convidaria a participar no trabalho em grupo, explicando brevemente o objetivo do trabalho. Outra forma de divulgar a proposta seria por meio de material impresso, como panfletos, cartazes e cartões de visita, expostos e distribuídos dentro da clínica CECOM.

Nessa etapa, a psicóloga contaria também com a parceria das secretárias da clínica. Após orientações iniciais e explicações da proposta pela psicóloga sobre o que seria o serviço e como apresentá-lo às gestantes, as secretárias fariam as marcações e preencheriam as fichas de dados iniciais.

Na prática, para contatar a demanda, escolhi dois dias na semana para frequentar a Clínica CECOM, durante dois meses. Nas constantes idas à Clínica, fiquei em contato com o maior número possível de gestantes, conversando informalmente com elas na recepção e nos corredores. Essa aproximação com as gestantes e com os familiares delas permitiu vivências interessantes. Elas mostraram diversos tipos de personalidade: algumas foram extrovertidas, dividindo suas alegrias, surpresas, sustos e outros sentimentos; outras já foram tímidas; algumas famílias eram reservadas e outras, mais desinibidas, quando conversaram, de maneira espontânea, sobre assuntos que as afligiam.

Pensou-se em outras formas de contatar a demanda, como fazer ligações aos pacientes, alguns fornecidos pela secretaria e outros registrados pela psicóloga, nos encontros informais com as gestantes, durante os dois meses que frequentou a Clínica, no início de preparação do grupo. Essas ligações foram realizadas, mas com o objetivo de comunicar a data de início do trabalho e apresentar esse novo serviço da clínica. De qualquer forma, essa estratégia foi desgastante e apresentou pouco retorno, pois a maioria das gestantes não se posicionou como eu esperava. Tudo isto me fez pensar que ainda precisava percorrer outros caminhos, antes de iniciar uma nova tentativa em relação à abordagem e à captação de gestantes para iniciar o grupo.

Deixando a Clínica por um período de três meses, procurei o Hospital Maternidade Carmela Dutra (do Estado do Rio de Janeiro), de referência em gestantes de risco. As profissionais da Enfermagem e a assistente social que coordenavam o trabalho naquele hospital permitiram-me participar dos grupos de gestantes e dividiram sua experiência de anos naquela atividade. Compartilharam comigo o fato de o trabalho com gestantes ser um tanto complicado, o qual demanda paciência, perseverança e flexibilidade, com altos e baixos, por conta da saúde e do estado delas, mas que uma hora acontece. Essas afirmações deram-me ânimo e suporte e permitiram-me ver com outros olhos esse trabalho e, assim, prossegui a fazer ajustes nos meus planejamentos, ser mais organizada e, de alguma maneira, flexibilizar mais uma vez a prática que estava desenvolvendo, no intento de melhorar.

Outra forma de chegada das gestantes ocorreu quando algumas delas se queixaram ao médico obstetra de estar com muita ansiedade, irritabilidade e agressividade. Elas foram encaminhadas por ele para que experimentassem estar com outras gestantes no grupo, acompanhadas da psicóloga, coordenadora deste trabalho, e, assim, avaliar melhor suas queixas, podendo contar com dois profissionais de diferentes áreas para melhor cuidado da saúde emocional e física.

Finalmente, outra maneira de aproximação das gestantes ocorreu quando a psicóloga estava na recepção da clínica, auxiliando as secretárias para marcar as consultas para o médico. Nesse contexto, surgiu a possibilidade de divulgar o trabalho do grupo de gestantes e iniciar um vínculo com as prováveis futuras participantes do grupo.

Esse trabalho inicial de contato prévio na clínica permitiu aproximação com as gestantes e com as famílias e conhecimento de algumas queixas, dúvidas, preocupações comuns, preferências de horários, dificuldades e facilidades de participar do grupo. Esse momento foi necessário para o desenvolvimento das outras etapas do projeto.

Para melhor organizar nossa prática, realizamos também entrevistas iniciais com as gestantes que tinham tempo mais disponível. Esses atendimentos duraram, em geral, 40 minutos, e neles foram colhidos dados como: nome, grau de instrução, uso de medicação, queixas em geral, lazer, religião e outras informações que desejassem compartilhar. Outro aspecto que levou à realização dessas entrevistas foi o fato de muitas gestantes iniciarem, na própria recepção, uma explanação de suas questões e nem sempre podiam ser acolhidas da maneira necessária, dentro daquele contexto. Surgia aí uma preocupação com o sigilo das informações. Na medida em que eram realizadas as entrevistas agendadas, ficava atendida a questão do cuidado em preservar as gestantes em relação ao sigilo das informações trazidas.

Outra prática promovida pela coordenadora foi a de, alguns dias depois de realizar a entrevista, entrar em contato por telefone com as gestantes para restabelecer o vínculo, lembrá-las do grupo e de seu início. Assim afirma Silveira (2012, p. 59):

“ O contato é algo dinâmico, ativo e dependerá sempre de um acordo entre as partes envolvidas. Ademais observa que o contato é seletivo: ele escolhe o que deve ser assimilado. Percebe-se¬ ainda que o que é assimilado é algo novo para o organismo”.

Aspectos gerais do atendimento de grupo de gestantes

Neste momento apresentarei alguns aspectos importantes no desenvolvimento das sessões dos grupos de gestantes como, por exemplo, a falta de intimidade, a importância do contrato terapêutico, os tipos de intervenções utilizados na dinamização dos grupos e alguns dos temas abordados ao longo dos encontros.

As primeiras sessões do trabalho de grupo com gestantes tiveram a característica de não contar com vínculos estabelecidos. Tanto o psicólogo como os integrantes não se conheciam de forma mais aprofundada. Era a primeira vez que certos participantes frequentavam a Clínica. Nesse contexto, alguns expressaram certo temor de compartilhar suas vivências com outras pessoas e ficaram em silêncio. Outras relataram não ter experiência anterior de participação em grupos. Finalmente, outros manifestaram timidez e assustaram-se porque pensaram ser obrigatório ficar em pé diante do grupo para falar.

Nessa fase das sessões iniciais, descreveram-se os objetivos comuns e o desenvolvimento das regras de funcionamento que nortearam a construção dos grupos em Xerém. Essa fase teve as seguintes subfases: conhecimento e entrosamento grupal e estabelecimento do contrato grupal, levando em conta a necessidade de os participantes conhecerem o funcionamento da proposta de grupo em profundidade e de conhecerem um ao outro.

 

O contrato de terapia de grupo

Nas sessões iniciais do grupo, uma preocupação foi encontrar formas de dar segurança e apoio aos seus integrantes. Para isso, entre outros itens, foi estabelecido um contrato de atendimento grupal. Para a elaboração do mesmo foi necessário discutir aspectos importantes com os participantes do grupo e fazer ajustes mais de uma vez, seguindo algumas sugestões deles.

No momento de apresentar o contrato para os grupos, buscou-se ser clara e não ser muito repetitiva. Isso era feito sempre na sessão inicial de cada grupo e também a cada vez que novos participantes eram recebidos. Os aspectos considerados fundamentais do contrato foram: sigilo, pontualidade, investimento financeiro, faltas, entradas, saídas e despedidas dos participantes. Comentarei um pouco de cada um deles abaixo.

O sigilo foi estabelecido como regra básica para preservar as falas compartilhadas no grupo em suas diversas colocações de ordem familiar, econômica, sexual e outras queixas. Dessa forma, ficou combinado que os relatos seriam trazidos na medida em que cada participante estivesse confortável em relação ao grupo, e que todos teriam atenção especial para não expor o que era compartilhado sobre a vida dos demais fora do espaço dos encontros realizados ali.,

Em relação ao horário de início dos grupos, os participantes teriam tolerância de no máximo 15 minutos de atraso para poder entrar na sessão. Assim, protegíamos a dinâmica proposta para cada encontro de interrupções ou quebras.

Foi estabelecido com os participantes que eles arcariam com um valor para cada encontro do grupo. Esse valor era acordado com a coordenadora do grupo em entrevistas iniciais ou no momento de convite para participação do grupo. O pagamento era realizado por sessão e as faltas não eram cobradas. Cabe lembrar como descrito acima que alguns participantes foram isentos de pagamento em função de situações especiais.

Os participantes eram orientados a avisar quando não pudessem comparecer às sessões dos grupos. Caso a falta se devesse a impossibilidades físicas se buscava realizar uma compensação daquele atendimento em outro grupo de gestantes ou de forma individual. Quando aconteciam duas faltas consecutivas sem aviso, aquele participante era considerado desligado do grupo. Como já descrito, os grupos eram abertos. Foi então acordado com os participantes a possibilidade de entrada de novos membros ao longo do processo terapêutico.

Ficou estabelecido também com os membros do grupo que interrupções poderiam acontecer a qualquer momento necessário ou desejado, seja por indicação do médico de repouso absoluto, por motivos pessoais da gestante ou por desinteresse na proposta.

Durante o estabelecimento do contrato de funcionamento do grupo também foi explicada a relevância do momento da despedida de um membro do grupo. Foi pedido que, em caso de desistência, por qualquer motivo, o participante viesse a um encontro do grupo para expor sua escolha de interromper o processo terapêutico. Foi esclarecida a importância dessa atitude como forma de cuidar das relações estabelecidas e também como base para avaliações pertinentes do trabalho desenvolvido. Infelizmente, apesar de muito importante, essa prática de despedida ao vivo aconteceu poucas vezes. Esse fato gerou mobilizações nos grupos no sentido de sensação de falta pelos participantes. As despedidas eram momentos muito ricos para o grupo, no sentido de gerar mais apoio e suporte entre os participantes.

 

Algumas intervenções utilizadas na dinamização do grupo

As técnicas de apresentação utilizadas para revelar aspectos importantes dos participantes permitiram uma coesão inicial entre eles para o trabalho. Em alguns encontros, escolheram-se técnicas sem roteiro; em outros, seguiu-se um minirroteiro; e em outros ainda adotaram-se técnicas livres. Por exemplo, nos três grupos foi usada a técnica “Quem é você?”. Nessa proposta, cada participante foi orientado a se apresentar e a falar seu nome, idade gestacional, número de gestações, ocupação e outras informações que a gestante ou o participante quisesse expor. Para o desenvolvimento dessa técnica, usou-se algumas vezes a folha em branco. O participante preenchia os dados da forma proposta pela coordenadora, usando recortes ou escrevendo ou ambos. Essas apresentações ajudaram a produzir um clima de confiança e aproximação. Outra técnica de apresentação utilizada foi a chamada de “Cochicho”, a qual permite a apresentação “dois a dois”. A dupla escolhia-se e um entrevistava o outro, podendo essa “entrevista” ser feita com ou sem roteiro. Foi solicitado ao grupo esse tipo de apresentação, pois alguns homens e mulheres chegaram tímidos e para eles foi interessante um ritmo gradual de exposição. Primeiro agruparam-se em duplas para, logo depois, a dupla que desejasse iniciava a apresentação para o grupo todo. Foi usada também a técnica “Rede de novelo de lã” com o objetivo de melhorar a relação grupal. Esta consistia em jogar o novelo para quem a pessoa tivesse vontade de conhecer; quando recebia o novelo, a pessoa precisava falar algo sobre si, e a seguir jogá-lo para outra pessoa, podendo ser mais de uma vez para a mesma pessoa. A coordenadora do grupo também participou da técnica e se apresentou várias vezes, falando seu nome e outras informações consideradas pertinentes.

Nas sessões iniciais dos grupos, a terapeuta fez intervenções, acolhendo os participantes, ensinando-lhes e encorajando-os a estarem atentos ao momento vivido no grupo e à sua participação. Cada intervenção foi feita com a finalidade de aproximar e criar laços entre os participantes de cada grupo, buscando envolvimento gradual entre eles.

Exemplo disso foi o relato de algumas gestantes que se diziam muito prejudicadas por situações inacabadas do passado. Quando esse tema foi levado ao grupo, a coordenadora deu atenção cuidadosa e propôs desenvolver com as participantes produções para voltar a atenção delas ao que estavam fazendo no momento, no decorrer da sessão, ou seja, vivenciar de outra forma seus problemas e impasses no aqui e agora. A busca de atualização de sentimentos e possibilidades de cada um foi demonstrada naquele momento, conforme Perls (1985, p.76),:

“A terapia gestáltica é então uma terapia “aqui e agora” em que pedimos ao paciente durante a sessão para voltar toda sua atenção ao que está fazendo no momento, no decorrer da sessão – justamente aqui e agora”.

Um recurso utilizado foi o uso de materiais - como cartolina, colas, recortes, massa plástica, canetas hidrocores e lápis de cor - para que a gestante e ou seu acompanhante pudessem expressar os sentimentos vividos no momento da sua participação. Algumas pessoas preferiram fazer o relato apenas verbal e outros optaram por usar esses materiais. Os participantes com características extrovertidas participaram espontaneamente e gostaram de se expor. Os mais recatados foram gradualmente encontrando sua forma confortável de falar, o que era sempre respeitado pela psicóloga. No transcorrer das sessões, as intervenções foram direcionadas para favorecer o entrosamento e estabelecer as regras de funcionamento (contrato).

Os objetivos traçados no pré-planejamento foram acontecendo no ritmo dos participantes e no decorrer do contato. Trocou-se a rigidez pela flexibilidade, pois verdadeiramente importante era caminhar lado a lado, acreditando no potencial das pessoas, ficando o terapeuta próximo, intervindo apenas se necessário. Deixando as necessidades do grupo como prioridade importante, tornando-se figura. Como afirmam Perls, Hefferline e Goodman (1997, p. 35):

“ [...] na luta pela sobrevivência, a necessidade mais importante torna-se figura e organiza o comportamento do indivíduo até que seja satisfeita, depois que ela recua para o fundo (equilíbrio temporário) e dá lugar à próxima necessidade mais importante agora”.

Alguns temas abordados nos encontros com grupos de gestantes em Xerém

Os assuntos trazidos pelas gestantes e pelos participantes foram muito variados e enriquecedores, gerando alívio e apoio a algumas gestantes, as quais se sentiram satisfeitas por terem participado do grupo e encontrado um tempo só delas para desabafar e serem ouvidas sem interrupção e questionamento, com possibilidade de esclarecer diversas dúvidas. Os depoimentos compartilhados durante o grupo mostraram a diversidade de frequência e de intensidade de sintomas físicos, atitudes, pensamentos e preocupações que envolveram a gestante em seu novo papel de mãe, mostrando-lhe que não era a única a vivê-los. Independente da idade gestacional e do número de filhos, os assuntos se repetiram mais de uma vez em cada grupo.

A seguir apresentaremos alguns dos temas mais comuns abordados nos grupos de gestantes de forma a aproximar o leitor da experiência vivida nos encontros. Foram eles: descoberta da gestação; oscilação de aceitação e rejeição; ansiedade das gestantes; vínculos da gestante com a família e com a rede social; mudanças físicas como náuseas, vômitos, cansaço, fadiga, aversão a alimentos, modificação do ventre, movimentos fetais; maternidade e paternidade; e alteração das relações sexuais.

De acordo com Maldonado (1996 p.33),

“ Não é raro a mulher captar de modo inconsciente as transformações bioquímicas e corporais que assinalam a presença de gravidez e expressar essa percepção através de sonhos ou ‘intuições’. Em contraposição, há mulheres que só ‘descobrem’ a gravidez no quarto ou quinto mês, ou porque têm pouca sintonia com o próprio corpo e negam a existência das transformações provocadas pela gestação, ou porque na história ginecológica há episódios de amenorreia prolongada, ou porque sangramentos no primeiro trimestre são confundidos com menstruação”.

Nos grupos de gestantes aqui estudados encontramos situações bem semelhantes ao descrito pela autora citada acima. A maioria das gestantes dos grupos citados não planejou a gravidez. Segundo o relato de uma gestante do grupo, ela buscou ajuda do médico após sentir alguns sintomas desconfortáveis e não porque suspeitava de gravidez. Assim, no terceiro mês, ficou surpresa por ter descoberto que estava grávida. Outra participante relatou ter intuído algo diferente dentro dela; e, após consulta e exames, confirmou a gravidez. Ainda uma terceira gestante relatou que ela e o marido ficaram em choque e muito emocionados por ouvir os batimentos cardíacos do bebê, expressaram não ter planejado esse filho. Uma quarta gestante relatou ter descoberto a gravidez antes mesmo do exame médico, o que trouxe alegria para o casal, pois ambos desejavam há muito tempo ser pais. Por fim, um casal grávido ficou desesperado na consulta com o médico, pois a ultrassom confirmou a gravidez de três meses. Esta mulher relatou alguns sangramentos eventuais no primeiro trimestre, fazendo-a confundi-los com menstruação.

Maldonado (1996, p.34-35) comenta que:

“ A oscilação de sentimentos que se instala a partir do início da gravidez mostra outro aspecto importante: a reação inicial diante da gravidez não se cristaliza para sempre. Uma atitude inicial de rejeição pode dar lugar a uma atitude predominante de aceitação e vice-versa”.

Na amostra dos grupos de gestantes, observaram-se experiências dessa oscilação de sentimentos. Por exemplo, uma gestante, após a confirmação oficial da gravidez no primeiro mês, ficou feliz e muito satisfeita; era um desejo dela e do marido ter um filho; entretanto, no terceiro mês de gestação, ao saber de uma traição do marido, chegou a tentar o suicídio. Relata que passou por momentos de profundo desânimo e desespero que a levaram a pensar em várias ideias como, após o parto, entregar o filho ao marido e sumir depois.

Outra gestante, grávida do terceiro filho, disse que a sua reação quando soube da gravidez foi de pouca aceitação, pois não estava bem com o marido; contudo, com o passar dos meses, o marido contou no grupo que agora se dava conta de que deixava muito a sua mulher para se distrair sozinho, mas estava disposto a mudar. Passou, então, a ajudar em tudo nas tarefas da casa e nos cuidados com os outros filhos. Esse casal, o qual já estava prestes a se separar, deu a volta por cima e a gravidez foi mais bem aceita pelos dois.

Uma participante do grupo relatou que o marido ficou em choque por eles não terem planejado ter filhos naquele momento. Ela apresentou uma depressão leve, ficou assustada, porque os dois não estavam estruturados material e emocionalmente para aquele momento. Contam que rejeitaram a gestação inicialmente, mas, depois de alguns meses, quando o feto foi crescendo e começou a se movimentar, resolveram assumir e toda a família os apoiou.

Por fim, outra gestante, casada há dez anos, que desejava ser mãe e já tinha desistido, foi pega de surpresa, pois foi confirmada a gravidez pelo exame de ultrassom. Ela contou que, ao ouvir os batimentos cardíacos do feto, sua reação foi de muito choro, e ficou muito mobilizada emocionalmente. Não conseguia identificar qual sentimento aquele choro representava: alegria ou tristeza ou os dois.

Algumas gestantes, que vivenciaram a rejeição na gestação, sentiram culpa pelo sentimento experimentado em alguns momentos com relação ao feto. Elas ficaram, além de tristes, muito preocupadas de estar causando mal para o filho com aquelas oscilações. Essas mesmas gestantes ficaram mais tranquilas ao perceberem que não eram as únicas com essa vivência. Foi importante para elas saber que outras gestantes do grupo também passaram por situações parecidas.

Enio Brito Pinto (2012), no verbete Ansiedade, apresenta a seguinte ideia:

Perls “afirma que a ansiedade está ligada a expectativas, sejam elas catastróficas ou positivas, isto é, a ansiedade, que é também ‘medo do palco’ (Perls, 1979, p.153), aparece quando a pessoa sai do presente: ‘Tenho filmes que mostram que qualquer medo do palco desaparece logo que o paciente entra em contato com o presente e larga a sua preocupação com o futuro’” (Perls, 1979, p.155).

Foi possível perceber essa situação a partir de relatos trazidos no grupo. Algumas mulheres contaram viver ansiedade em diferentes momentos da gestação. Era mais frequente esse relato no terceiro trimestre. As gestantes tendiam a ficar mais desesperadas e ansiosas nesse período, pois queriam logo ter o bebê e poder vê-lo em seus braços. Elas e seus maridos tinham grande expectativa em relação à saúde do feto e do que iria acontecer depois. Aparecia nos relatos das gestantes de primeira viagem a insegurança diante de situações pelas quais ainda não tinham passado, como a capacidade de encarar o parto e de como seria após o nascimento.

Outras gestantes, que já estavam no segundo ou terceiro filho, disseram ter mais experiência, e até segurança e confiança, pois já tinham vivenciado outros partos, conheciam o médico e a clínica. Outras contaram que já tinham cuidado de crianças como próprios filhos ou irmãos e por isso estavam mais tranquilas.

No sentido de facilitar o processo de lidar com a ansiedade, alguns aspectos de preparação para o momento do parto foram discutidos no grupo, tais como: o preparo das coisas necessárias ao bebê; a escolha do obstetra; a escolha do local onde iriam fazer o parto; a definição de quem será o acompanhante desse dia; a importância de estar atenta ao início do trabalho de parto; a observação das contrações e das necessidades mais importantes naquele momento; a clareza de buscar o melhor parto tanto para a mulher quanto para o bebê. Outros aspectos explorados para lidar com a ansiedade foram os relacionados a questões físicas próprias desse período.

De acordo com Quayle (1994. Pag.101),

“À s vezes o filho é responsabilidade demasiada, em outras não se acredita que a gravidez seja ‘para valer’. O comportamento tende a refletir essa alternância e, a despeito de todo um movimento introversivo, existe uma maior dependência de figuras afetivamente significativas principalmente o companheiro e a mãe”.

A relação da gestante com mãe foi relatado por algumas participantes. A necessidade de vivência do afeto e da companhia da mãe foi mais comum nas gestantes na faixa etária de 19 a 24 anos. Essas gestantes relataram que a gravidez as aproximou mais de suas mães e propiciou-lhes a oportunidade de experimentar receber um suporte significativo nesse contato. Outras gestantes relataram uma mudança notória na relação com suas mães, sentindo uma maior dependência em relação a elas e aos seus cuidados durante toda a gestação. Uma das gestantes do grupo compartilhou que, só após engravidar, passou a dar valor a sua mãe. Relatou que, apenas ao sentir-se mãe, ao sentir o amor por seu filho ainda em seu ventre, pôde perceber e vivenciar o amor da mãe por ela.

Algumas gestantes dos grupos aqui estudados não fizeram referências às suas mães, porém contaram do marido e manifestaram que eles participavam mais desta gestação que de outras passadas, por isso observaram um comportamento diferente em seus parceiros em casa e na participação do grupo. Os maridos participantes do grupo pediram maior oportunidade para as esposas de ajudar dentro das suas habilidades em casa e com o bebê. Já outras gestantes, que tinham sido abandonas pelo parceiro durante a gestação, contaram que o apoio foi de parte da mãe, do filho e de amigos.

Outras ainda relataram que, mesmo tendo marido, sabiam que não podiam contar com os parceiros por eles terem horários rígidos no trabalho, e por isso não havia nenhuma chance de que estivessem presentes no dia a dia, no grupo ou no momento do parto. Percebeu-se nessas gestantes um sentimento de desamparo e solidão, chegando algumas mais afetadas a se mostrarem angustiadas. De alguma maneira, o emocional delas foi afetado.

As gestantes grávidas do segundo ou terceiro filho, cujos parceiros tinham problemas de horário de trabalho, pareciam estar acostumadas com a ausência do marido na hora do parto, alegando que essa falta era até melhor, pois o marido nervoso só atrapalhava. Foi também debatida a importância de se refletir sobre a questão de quem acompanharia as gestantes na hora do parto e na volta para casa nos primeiros dias. Nesse contexto, durante os encontros dos grupos, buscou-se trabalhar as sensações vividas nas relações com a mãe e os parceiros e suas modificações.

Segundo Qualy, p. 100, 1994: “Para alguns casais, a gravidez põe em evidência as dificuldades existentes no relacionamento, principalmente se elas decorrem dos papéis que cada um desempenha”.

Após vários encontros, uma mulher, que diz não ter espaço para dialogar com o marido em casa, se abriu ao diálogo com ele no grupo. Ela conta que o casal já havia conversado várias vezes, sem sucesso, sobre as dificuldades em casa. Era gestante do quarto filho e relatou que, após muitos anos de convivência e desentendimentos com o marido, tomou certas medidas drásticas de separar-se dele, estando gestante de três meses. O marido, ao ouvi-la relatar ao grupo sobre a situação vivida de falta de diálogo e apoio mútuo, conseguiu finalmente escutar o que ela estava sentindo. Esse marido teve uma reação diferente de outros momentos, começando a considerá-la e a ajudá-la em várias áreas. O relacionamento deles melhorou gradativamente.

Também foi compartilhado nos grupos a importância do suporte da rede social de amigos durante o período da gestação. Tivemos o relato de uma gestante, participante dos encontros acompanhada da filha, a qual contou que estava passando os nove meses rodeada de amigos e rejeitada pelo marido. Ela compartilhou a riqueza de poder ter o apoio dos amigos nesse período, pois se encontrava separada de seu parceiro desde o início da gestação.

Segundo Murkoff, Eisenberg e Hathaway (2010 p.172),

“ A gestante experimenta ora todos os sintomas, ora só um ou outro. Mas é importante lembrar que cada mulher, cada gravidez é diferente da outra; poucos sintomas são universais”.

Nos grupos discutimos aspectos relacionados aos sintomas físicos mais frequentes nas gestantes, como náuseas, vômitos, hipersonia, aversão a determinados alimentos e a odores, modificações do ventre nos nove meses, alterações na sexualidade do casal entre outros.

Segundo Murkoff, Eisenberg e Hathaway (2010 p.181):

“ Sabe-se que o posto de comando da náusea e do vômito se localiza numa região especial do tronco encefálico. Aponta-se um leque de causas físicas para a estimulação exagerada dessa região durante a gravidez: elevado teor de hCG no primeiro trimestre, níveis elevados de estrogênio, rápido estiramento da musculatura uterina, relativo relaxamento dos tecidos musculares do tubo digestivo, excesso de ácido no estômago e o aguçado sentido de olfato desenvolvido entre as mulheres grávidas”.

A maioria das gestantes do grupo relatou ter experimentado incômodos como náuseas e vômitos, desordens gastrointestinais e fadiga física e emocional ocasionados por estresse psicológico. Relataram ter passado desconforto durante os nove meses de gestação e, em especial nos três primeiros meses, as náuseas e os vômitos se apresentaram em algumas delas com mais intensidade do que em outras gestantes do grupo.

Hipersonia é um desejo de dormir um pouco mais do que o normal. É comum no primeiro trimestre da gestação. Algumas gestantes do grupo relataram esse sintoma, ressaltando interferir diretamente no relacionamento delas com seus filhos mais velhos. Elas compartilhavam que, em função desse sintoma associado a outros já descritos acima, acabavam podendo dar pouca atenção aos outros filhos que terminavam se queixando de dificuldade de dormir e de falta de apetite, por conta dessa falta de atenção da mãe. Esses conflitos fizeram as gestantes perceberem a urgência de procurar ajuda. A sobrecarga das tarefas da casa e a impossibilidade de pagar alguém para amenizar seu trabalho estavam trazendo angústia e preocupação exageradas.

O tema abordado a respeito da mulher e de suas tarefas cotidianas e da atenção aos filhos foi proposta pela psicóloga durante os encontros dos grupos, visando fazê-las refletirem juntas sobre como elas motivavam seus maridos a compartilharem desse grande momento de suas vidas. A partir dessa proposta, ouvimos nos grupos relatos de maridos que se queixaram de não ter oportunidade para ajudar, haja vista algumas mulheres não se mostrarem abertas e confiantes em relação à possibilidade de ser ajudada por seus cônjuges. Algumas vezes atribuíram a eles a pouca experiência com bebês e, por isso, preferiam que suas mães e amigas assumissem essa função de apoiá-las. Outras mulheres deram ao marido a oportunidade de participarem mais ativamente desse momento a partir da disponibilidade deles. Outros maridos não se importaram de estar fora dos cuidados da casa, inclusive porque eles entendiam que suas mulheres estavam com “ciúmes” da cozinha, comentando que foram barrados pela esposa por bagunçar a cozinha. Outro relato trazido no grupo foi o de um marido que cuidou do primeiro filho e agora, nesta segunda gestação, se organizou para ajudar nas tarefas de casa e marcou suas férias para poder ficar em casa na data da chegada do bebê, com a finalidade de poder cuidar da mulher e de seu filho recém-nascido.

Outra alteração física presente na gestação é o aumento da sensibilidade que afeta o olfato, o paladar e a audição da gestante. Nos encontros dos grupos foram relatadas repulsas por odores de certas comidas e os desejos fortes por outros alimentos. Algumas gestantes compartilharam ter sentido repulsa ao perfume do marido e a outros odores de produtos ou sabonetes fortes. No grupo, as queixas mais comuns trazidas pelos maridos foram relacionadas às novas atitudes da esposa, a qual implicava com eles, pedindo-lhe que fizessem mudanças em seus costumes alimentares e hábitos pessoais.

Observou-se que as preocupações com as condições do bebê e com seus movimentos fetais fizeram as gestantes compartilhar seus medos e suas inseguranças sobre estes temas nos grupos.

Se observou que as preocupações comuns relatadas no grupo com relação às condições do bebê, seus movimentos fetais, são assuntos importantes que favoreceram com que as gestantes pudessem compartilhar seus medos e inseguranças.

Segundo Murkoff, Eisenberg, Hathaway (2010, p.260):

“ Os movimentos fetais podem ser grande fonte de alegria durante a gestação. Mais do que o teste de gravidez positivo, o ventre em expansão, ou mesmo o som dos batimentos cardíacos fetais, os movimentos fetais são prova definitiva de que um novo ser vivo cresce dentro da gestante”.

Segundo Maldonado (1996, p. 42):

“Há mulheres que jamais conseguem sentir o feto diferencialmente: vivenciam-no como uma ‘massa’ ou como um ‘caroço’ mais ou menos uniforme que se desenvolve dentro da barriga; outras conseguem diferenciar com nitidez a posição dos membros e tronco, à medida que a gravidez avança”.

Foi percebido pelos relatos que a percepção dos movimentos fetais durante a gestação tende a trazer grande ansiedade nas gestantes. Algumas demonstram muita preocupação e sentimentos diversos frente a essa situação, como, por exemplo, alegria, tristeza, dúvida e assombro.

As gestantes do grupo descreveram os movimentos fetais como bruscos ou delicados. Umas comentaram que o movimento se assemelha a uma “vibração no abdômen”, “torção”, “um ruído no estômago” ou um “chute no estômago”. Algumas gestantes deram interpretação aos movimentos fetais: uma disse saber que seu filho não gosta de lugares concorridos, onde tem muita gente, pois ele se mexe muito nesses locais; outras gestantes disseram saber de preferências de comida de seu bebê a partir do aumento dos movimentos fetais após ingerir certos alimentos. Houve diversas interpretações.

Outro sentimento recorrente em algumas gestantes do grupo foi o de, ao não sentirem o bebê se mexer, pensarem que alguma coisa muito errada estava acontecendo. A fantasia frequente era de morte do bebê. Nos grupos foi compartilhada também a dificuldade de algumas mulheres perceberem seu próprio corpo, chegando a duvidar delas mesmas em alguns momentos, no sentido de não serem capazes de identificar os chutes do bebê.

Embora a sexualidade nas gestantes seja vivida e influenciada por preocupações, alegrias, sintomas físicos e psicológicos comuns desse período, cada mulher e cada marido dos grupos aqui estudados compartilhou ter vivenciado de uma maneira diferente essa questão, dependendo de sua história de vida, de seu momento atual e de sua forma de ver o mundo. Algumas gestantes mais informadas e tranquilas aproveitaram para ficar mais próximas dos seus cônjuges, explorando diferentes possibilidades. Outras gestantes, ao contrário, trouxeram para o grupo dificuldades na intimidade conjugal no período gestacional. Estas relataram viver conflitos de insegurança, carência afetiva, ou demonstravam medo em relação ao parto e à saúde do bebê. Outras gestantes, mais reservadas para falar de sexo, preferiram ficar em silêncio, apenas acompanhando os relatos de outros membros do grupo sobre o tema.

Segundo Murkoff, Eisenberg e Hathaway (2010, p. 336-8),

“ Há muitas alterações físicas que interferem no interesse e no prazer real, tanto positiva quanto negativamente. Alguns fatores negativos podem ser modificados, de maneira a não interferirem tanto na vida sexual; outros exigirão da gestante ter de se habituar a eles – e a fazer sexo apesar deles”.

Uma gestante do grupo comentou que o marido tinha medo de machucar o feto ou causar aborto, e, por isso, durante toda a gestação foi evitada a relação sexual. Ela citou que, apesar de sentir falta dessa intimidade, se conformou com isso, mesmo sabendo que o feto estava bem protegido e isolado do mundo exterior. Outra gestante, pouco antes dos nove meses, comentou que seu marido queria ter relações sexuais até o final da gestação; porém o médico falou que não seria possível devido aos vários sintomas e incômodos dos quais a gestante estava se queixando com frequência, e, sobretudo por ter leves sangramentos depois do ato sexual. Somado a isso a gestante se queixava de muita dor nas costas, inchaço nas pernas e insônia. Outras participantes tinham dificuldades para falar sobre o tema da sexualidade, demonstrando mais interesse na saúde do bebe. Não sabiam falar de outra coisa relacionada à sexualidade que não fosse sobre o medo de o orgasmo provocar aborto ou ainda sobre sentir que estavam sendo observadas pelo feto no ato sexual.

 

Considerações finais:

Após rever todo o caminho percorrido, desde o período em que, na Bolívia, acompanhando o trabalho de meu marido como médico, tive meus primeiros contatos com gestantes (sem nenhuma formação específica na área de saúde e da psicologia), até o presente momento, quando já psicóloga formada, no Brasil, com especialidade na clínica e um melhor aprimoramento no conhecimento e contato com as gestantes, reflito que essa empreitada de trabalhar com grupos de gestantes e suas famílias foi um grande desafio.

Este trabalho foi realizado com perseverança, determinação e flexibilidade, e percebo que exigiu muitos ajustes e transformações na minha forma de pensar e de agir, tanto em minha vida pessoal como profissional, sendo isso um grande ajustamento criativo. Identifiquei que minha experiência aqui no Brasil se deu da mesma forma como na Bolívia onde precisei me adaptar a cada momento às necessidades das mulheres que buscavam ajuda no posto, pois acreditava na importância do meu diálogo com as mesmas, no sentido de fazê-las refletir sobre suas escolhas.

Assim também na construção dos três grupos na Clínica CECOM, em Xerém, Duque de Caxias, no Rio de Janeiro, precisei fazer ajustes no projeto inicial “Gestação em grupo” e rever os acordos em cada encontro no decorrer do trabalho. Este projeto foi apresentado ao Diretor Técnico e Administrativo da Clínica, explicando a ele a importância de sua implantação para um melhor atendimento da gestante e de suas famílias. O trabalho foi aceito e recebeu toda cooperação do médico e das secretárias, tanto na divulgação do trabalho por meio de distribuição de panfletos, como encaminhando aos grupos as gestantes mais ansiosas e medrosas que pediam ao médico remédios para ficarem mais calmas e poderem dormir melhor.

Quando planejei a realização de um grupo de gestantes, com a finalidade de que as mesmas interagissem e elaborassem sentimentos em relação aos momentos vividos, apenas pensei em contar com a presença das próprias gestantes. Ao longo do desenvolvimento deste projeto, surgiram outras inúmeras possibilidades, como, por exemplo, trabalhar não apenas com as gestantes, mas poder incluir também alguém da família que se disponibilizasse a participar das trocas.

A complexidade surgida durante os encontros dos grupos, a partir da relação de contato estabelecida com as gestantes e com os familiares de cada participante, tornou necessário novos ajustes e escolhas de técnicas que favorecessem a apresentação, o entrosamento e a criação de vínculos entre as pessoas, procurando trabalhar com um número confortável de pessoas para o espaço físico disponibilizado. Foi importante trabalhar com as famílias das gestantes porque estas, na maioria das vezes, procuram se aproximar de suas mães, dos maridos ou de amigos, o que claramente favoreceu um suporte muito importe para este momento.

A partir deste contexto, percebi que, quanto mais adequada a relação do terapeuta com seus limites e seu conhecimento sobre si próprio, mais ricas serão suas escolhas, favorecendo o espaço de troca entre os participantes do grupo.

Duas dificuldades preponderantes na criação de vínculos foram a entrada e a saída das gestantes a qualquer momento e o intervalo muito grande de um mês entre um encontro e outro. Talvez uma distância menor entre os encontros durante o período gestacional pudesse ter aprofundado mais os vínculos, porém precisamos naquele momento trabalhar com o possível.

As desistências não comunicadas criaram algumas vezes um ambiente de insegurança e desmotivação no grupo e no coordenador, porém foram superadas e serviram até como uma motivação para a busca de mais conhecimentos, vivências e trocas com outros profissionais para aprimoramento do trabalho desenvolvido. As faltas e despedidas justificadas foram mais bem entendidas quando as gestantes explicaram suas restrições econômicas e de saúde.

Os benefícios deste trabalho em grupo, realizado pela primeira vez na clínica CECOM, foram de grande importância para gestantes e familiares que dele participaram, pois usufruíram a troca em um espaço planejado para isso acontecer. Os participantes, ao aceitarem o desafio de fazer contato de uma maneira espontânea e usando da improvisação, se permitiram vivenciar situações desconhecidas até esse momento. Neste contato que aconteceu pela força do campo, cada um dos participantes e o coordenador tiveram a oportunidade de improvisar e “re-significar” a respeito de si e do outro.

Pôde-se perceber que nem tudo planejado e pensado aconteceu. Isso nos permitiu entender, mais uma vez, que o trabalho do psicólogo na abordagem da Gestalt-terapia precisa a todo o tempo se ajustar criativamente à necessidade do outro, a quem buscamos servir, sem perder de vista as possibilidades e o conforto do coordenador.

Outro aspecto importante a refletir se relaciona à remuneração do psicólogo por esse tipo de trabalho. Foi marcante nos grupos a necessidade de flexibilidade em relação aos valores previamente definidos para o serviço. O fato de ser um trabalho ainda não muito conhecido pelas gestantes e familiares contribuiu, nesse primeiro momento, para que meu foco principal não fosse o valor em dinheiro que eu receberia e sim o aprendizado e a experiência como psicóloga. Percebi a importância da continuidade no desenvolvimento desta proposta na mesma clínica, para que aos poucos a remuneração possa ser mais compatível com o trabalho desenvolvido.

Diante do desafio da constituição dos grupos com gestantes em Xerém, foi necessário exercitar inúmeras possibilidades de ser espontânea e criativa. A arte estava em buscar caminhos com opções onde existia mais energia, mais possibilidades. Essa identificação exigiu fazer escolhas todo o tempo.

Ao longo dos encontros do grupo foram abordados vários temas importantes e pude observar uma certa repetição de alguns aspectos. A maioria das gestantes dos grupos citados não planejou a gravidez e oscilava entre aceitação e rejeição em relação à mesma. Outro tema recorrente era o da ansiedade que era mais frequente no terceiro trimestre, pois queriam logo ter o bebê e poder vê-lo em seus braços e com saúde. Em relação à família às necessidades mais relatadas pelas gestantes estavam relacionadas à presença, afeto e companhia das mães das mesmas. Algumas também relatavam a importância da presença do pai da criança nestes momentos e de algum outro membro da família. A importância da rede social também se mostrou como tema presente nos grupos, quando relataram a importância de estar rodeadas de amigos ao longo da gestação. Porém o tema das queixas em relação às mudanças físicas vividas pelas gestantes era o mais comum e recorrente durante os encontros do grupo. Relatos sobre cansaço, fadiga, aversão a alimentos, modificação do ventre, movimentos fetais, alergias e alteração das relações sexuais eram sempre presentes nas sessões. Era frequente o relato de terem passado desconforto durante os nove meses de gestação e, em especial nos três primeiros meses, quando as queixas mais comuns se relacionavam às náuseas e aos vômitos que tinham intensidades e frequências diferentes de gestante para gestante. O partilhar destes sentimentos favoreceu que algumas ficassem mais tranquilas ao perceberem que não eram as únicas com essa vivência. Foi importante para elas saber que outras gestantes do grupo também passaram por situações parecidas.

A partir da experiência vivida neste projeto observei a importância da implantação do serviço de atendimento psicológico à gestante e quando necessário ao casal e família das mesmas, como complemento ao trabalho da obstetrícia, favorecendo a saúde integral da mulher. Os grupos de gestantes funcionaram como um espaço propício para trabalhar os aspectos emocionais, tais como medos, fantasias, carências e ansiedades que tendem a não poder ser trabalhados com mais profundidade nas consultas de pré-natal pelos obstetras.

Ao final deste trabalho, pude perceber que a dificuldade não está apenas em experienciar o processo da constituição de um trabalho de grupo com as complexidades da gestante e de suas famílias já mencionadas, mas também em escrever sobre isso. Se uma proposta deste artigo era ampliar a percepção do psicólogo, quando ele viesse a querer propiciar a construção de um espaço terapêutico-pedagógico, no que tange aos aspectos emocionais envolvidos no período gestacional, creio que foi ampliada essa percepção, já que mergulhei dentro desse campo e pude olhar para ele atravessada por várias situações.

 

 

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Endereço para correspondência
Dorys Tatiana Arguellez de Herbas
Endereço eletrônico: doar43@yahoo.com.br

 

Recebido em: 24/09/2014
Aprovado em: 11/12/2014

NOTAS

*IGT - Instituto de Gestalt-terapia e Atendimento Familiar
Pós-graduanda em Gestalt-Terapia pelo IGT – Instituto de Gestalt-Terapia e Atendimento Familiar

1Itens dos relatórios de atendimento: ação planejada; elementos observados na dinâmica do grupo; elementos observados individualmente no grupo; mobilização interna do psicólogo; intervenções realizadas; e avaliação do atendimento.