ARTIGO

 

Suicídio: a prática do psicólogo e os principais fatores de risco e de proteção

Suicide: the practice of the psychologist and the principal risk factors and protective

Yohanna Shneideider Cerqueira*; Patrícia Valle de Albuquerque Lima**

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este artigo procura trazer uma contribuição ao campo da psicologia e áreas afins a respeito do comportamento suicida. Para tal, com o auxílio de dados emitidos pela Organização Mundial de Saúde, ele trata dos mais frequentes fatores de risco e sinais apresentados por pessoas que já se suicidaram ou tentaram cometê-lo. A partir desses dados, o artigo mostra como o profissional de psicologia pode estar enriquecendo sua prática com tais informações. Por fim, serão apresentadas algumas propostas de aplicação ao psicólogo de como o mesmo pode estar intervindo em uma situação de risco.

Palavras-chave: Suicídio; Fatores de risco; Fatores de proteção; Prática do psicólogo.


ABSTRACT

This article tries to contribute to the field of psychology and related fields concerning the suicidal behavior. For such, with the assistance of data issued by the World Health Organization, this article with deals the most frequent risk factors and signs presented by people who have committed suicide or tried to  do. Based on these data, this paper shows how psychology professional can empower their practice with such information. Finally, there will be presented some application proposals of how the psychologist could be intervening in a situation of risk.

Keywords:  Suicide; Risk factors; Protective factors; Practice of psychologist.


 

Introdução

O presente artigo pretende servir de auxílio para que o leitor possa identificar os fatores de risco e os de proteção mais frequentes em alguém com pensamentos suicida. O conhecimento destes fatores poderá ser uma contribuição para que o profissional possa estar utilizando tal informação em sua prática profissional.

Uma das motivações para esta produção aconteceu por ser percebida uma carência no que diz respeito às produções científicas brasileiras sobre o suicídio. Essa escassez de informação é encontrada inclusive entre os profissionais de psicologia, que ao término de sua graduação, tendem a ter pouco contato, ou nenhum, com informações a respeito do suicídio e de como lidar com essa situação. Esse déficit acaba não dando um suporte para os futuros psicólogos em como identificar e dar prosseguimento ao cuidado do cliente e de si mesmo, em uma situação onde haja risco de suicídio, podendo inclusive, trazer dificuldades no enfrentamento destes casos.

Buscando uma melhor qualidade nas informações sobre o tema, foi executado um levantamento bibliográfico dando prioridade a materiais como, cartilhas produzidas pela OMS (Organização Mundial de Saúde) e do Ministério da Saúde, com o intuito de utilizar informações confiáveis que foram obtidas a partir de pesquisas feitas por tais órgãos. Foram utilizados livros de autores que estudam o comportamento suicida e autores ligados à abordagem da Gestalt-terapia.

Inicialmente, a partir de dados da OMS, serão expostos os fatores de risco e de proteção mais encontrados em pessoas que já cometeram suicídio ou aquelas que desejaram tirar a própria vida. Será realizada uma reflexão pelas autoras de qual a importância em conhecer e compreender estes fatores, além dos sinais que o paciente possa vir a emitir. Pretende-se, com esse artigo, dar instrumentos ao profissional da área da psicologia para estar trabalhando com o cliente em questão, através de um olhar gestáltico.

 

1 - Os fatores de risco e os fatores de proteção mais frequentes em pessoas com comportamento suicida.

O cuidado com pessoas que almejam se matar é de extrema importância, já que a cada dia essa população cresce. Segundo dados da OMS (2012, p. 05), “a cada ano, praticamente um milhão de pessoas morrem por suicídio em todo mundo”. Estes apenas representam dados registrados, ainda existem casos de suicídio que entram para a categoria de morte não intencional e as tentativas de se matar que não resultaram em óbito. Neste caso, é ainda mais difícil se obter registros confiáveis. Segundo Bertolote e Fleischmann (2004, p. 36), “sabe-se que a notificação de casos de suicídio pode ser falseada por vários motivos, religiosos, sociais, culturais, políticos, econômicos, etc.”. Acredita-se que estas alterações variam “entre 20% e 100%, sempre para menos” (Idem, p. 36). Atualmente “estima-se que o número de tentativas de suicídio supere o número de suicídios em pelo menos dez vezes” (Ministério da Saúde e OPAS – Organização Pan-Americana da Saúde, 2006, p. 11). Um dos motivos para isso pode ser, dado que “o suicídio é ainda um tema estigmatizado, o que poderia induzir a registros de óbito evitando o uso desse termo” (VOLPE; CORRÊA; BARRERO, 2006, p. 13). Sendo assim:

Se o agente responsável por registrar a causa de óbito estiver relutante em usar o código para o suicídio, o mais provável é que faça o registro de uma “morte acidental” ou “por causa indeterminada”. Outro fator que pode contribuir para a subnotificação é a religião, já que algumas podem ser extremamente repressoras em relação ao suicídio (Idem, p. 13).

Apesar das dificuldades em se obter números próximos da realidade, dá para se ter uma ideia de como são grandes as taxas de suicídio no mundo, tendo como base registros que já foram realizados. Estima-se que “o número de mortes por suicídio, em termos globais, para o ano de 2003 girou em torno de 900 mil pessoas” (Ministério da Saúde; Organização Pan-Americana as Saúde e Universidade Estadual de Campinas, 2006, p. 07). Além disso, “o suicídio é uma das 10 maiores causas de morte em todos os países, e uma das três maiores causas de morte na faixa etária de 15 a 35 anos” (Organização Mundial de Saúde, 2000). Sabe-se que “a cada 40 segundos uma pessoa comete suicídio no mundo. A cada 3 segundos uma pessoa atenta contra a própria vida” (Organização Mundial de Saúde, 2000).

As consequências deste ato são muito grandes, deixando um impacto muitas vezes a longo prazo naqueles que estão envolvidos de alguma maneira com a pessoa que cometeu suicídio:

O impacto psicológico e social do suicídio em uma família e na sociedade é imensurável. Em média, um único suicídio afeta pelo menos outras seis pessoas. Se um suicídio ocorre em uma escola ou em algum local de trabalho, tem impacto em centenas de pessoas (Organização Mundial de Saúde, 2012, p.07).

 Em relação ao luto daqueles que ficaram Fukumitsu (2013, p.75) diz, “[...] o luto por suicídio não é somente um fenômeno que pertence ao território da pessoa que se mata, mas trata de uma morte que pertence ao coletivo”. Sabe-se que o impacto ocasionado pelo suicídio, possivelmente permanecerá por toda a vida dos sobreviventes podendo seus efeitos permanecerem por outras gerações, isso porque:

Além da necessidade de compreender a morte, surge a redefinição de seu papel na família. Trata-se de um imenso investimento emocional, pois a morte da pessoa amada exige um reposicionamento diante de novos papéis. (FUKUMITSU, 2013, p. 70).

Essa alteração no cotidiano dos sobreviventes pode trazer uma série de sentimentos:

O sobrevivente precisa lidar com uma diversidade de fatores relevantes relacionados ao impacto do ato suicida na família: sentimentos ambivalentes de alívio e culpa, arrependimento, choque, autoacusação, raiva, busca de boas lembranças, vergonha, estigmatização e isolamento, rejeição e falta e busca de sentido – destacadas ainda as dificuldades para se compreender o porquê (FUKUMITSU, 2013, p. 78).

Apesar de gerar enormes consequências, grande parte da população sabe pouco a respeito de como lidar com alguém apresentando uma ideação suicida, e até mesmo como reconhecer esse tipo de comportamento. O resultado é uma enorme dificuldade em agir com pessoas em risco, inclusive por parte de muitos profissionais da área de saúde, que por não haverem recebido instruções de como manejar essa situação, acabam por acreditar em mitos, tais como, “os pacientes que falam em suicídio raramente o cometem; perguntar sobre o suicídio pode provocar atos suicidas” (Organização Mundial de Saúde, 2000, p. 11).

Outra característica que pode estar presente entre alguns profissionais, é terem dificuldades em lidar com suas próprias emoções ao se depararem com as emoções do outro, acarretando uma deficiência na qualidade do tratamento. Tavares (2001) apresenta uma reflexão a respeito dessa emoção causada ao se deparar com as questões que englobam a morte. E afirma:

Talvez não seja a morte o nosso pânico, mas a intimidade, ao admitirmos nossos limites e nossas fragilidades. A instauração da conspiração do silêncio é uma proteção à dor, que se transforma em tortura, em frieza, em distanciamento. (p. 28)

Essa difícil experiência pode proporcionar um afastamento entre o cliente e o profissional que o acompanha, que evita a aproximação para se defender de seus eventuais sofrimentos que não foram bem elaborados. Desta forma trabalhar com pacientes que tenham esse perfil pede um maior investimento do profissional envolvido para que tal situação seja melhor conduzida.

Na grande maioria dos casos de suicídio, foi constatado que o cliente possuía algum tipo de transtorno mental. É importante que os psicólogos e demais profissionais da área da saúde estejam atentos, e que busquem um conhecimento mínimo para que possam encaminhar o paciente devidamente. Pois, “o suicídio em si não é uma doença, nem necessariamente a manifestação de uma doença, mas transtornos mentais constituem-se em um importante fator associado com o suicídio” (Organização Mundial de Saúde, 2000 p. 03).

Os fatores de risco mais frequentes são divididos em “transtornos mentais, sociodemográficos, psicológicos e condições clínicas incapacitantes” (Estratégia Nacional de Prevenção do Suicídio, Ministério da Saúde; Organização Pan-Americana de Saúde; Universidade Estadual de Campinas, 2006, p. 15), conforme apresentado abaixo:

Transtornos mentais mais frequentes são:

Transtornos de humor (ex.: depressão); transtornos mentais e de comportamento decorrentes do uso de substâncias psicoativas (ex.: alcoolismo); transtornos de personalidade (principalmente " borderline", narcisista e anti-social); esquizofrenia; transtornos de ansiedade; comorbidade potencializa riscos (ex.: alcoolismo + depressão) (Estratégia Nacional de Prevenção do Suicídio, Ministério da Saúde; Organização Pan-Americana de Saúde; Universidade Estadual de Campinas, 2006, p. 15).

Entre os fatores sociodemográficos, encontra-se o perfil da população que mais comete suicídio. Estes são:

Sexo masculino; faixas etárias entre 15 e 35 anos e acima de 75 anos; extratos econômicos extremos; residentes em áreas urbanas; desempregados (principalmente perda recente do emprego); aposentados; isolamento social; solteiros ou separados; migrantes (Estratégia Nacional de Prevenção do Suicídio, Ministério da Saúde; Organização Pan-Americana de Saúde; Universidade Estadual de Campinas, 2006, p. 16).

Existem também os fatores psicológicos de grande incidência nos que tentam se matar e naqueles que conseguem de fato, nesta categoria destacam-se:

Perdas recentes; perdas de figuras parentais na infância; dinâmica familiar conturbada; datas importantes; reações de aniversário; personalidade com traços significativos de impulsividade; agressividade, humor lábil (Estratégia Nacional de Prevenção do Suicídio, Ministério da Saúde; Organização Pan-Americana de Saúde; Universidade Estadual de Campinas, 2006, p. 16).

E para finalizar as categorias mais presentes no comportamento suicida, estão as condições clínicas incapacitantes: “doenças orgânicas incapacitantes; dor crônica; lesões desfigurantes perenes; epilepsia; trauma medular; neoplasias malignas, Aids” (Estratégia Nacional de Prevenção do Suicídio, Ministério da Saúde; Organização Pan-Americana de Saúde; Universidade Estadual de Campinas, 2006, p. 16).

De todos estes fatores que foram citados acima, vem sendo percebido que os mais presentes em alguém que comete suicídio são: “históricos de tentativa de suicídio; transtorno mental” (Estratégia Nacional de Prevenção do Suicídio, Ministério da Saúde; Organização Pan-Americana de Saúde; Universidade Estadual de Campinas, 2006, p. 17).  Por serem fatores frequentes em muitos pacientes com comportamento suicida, como já foi dito anteriormente, é importante que o profissional de psicologia saiba perceber a presença de transtornos mentais e aprenda a lidar com eles.  Além disso é importante investigar se já houve uma tentativa prévia, tanto do cliente quanto de alguém próximo ao mesmo.

Os fatores acima foram distribuídos em uma forma mais didática com o intuito de facilitar a visão do leitor, porém, na vida real eles não aparecem de forma tão simples como aqui. Eles acontecem influenciando e sendo influenciados uns pelos outros, sendo a maneira singular do cliente e como ele lida com estes fatores que determinará o grau de risco que ele corre. Essa percepção será facilitada ao olhar para o outro, captando na sutileza de seus gestos e palavras a mensagem que ele passa daquilo que ele é e o que almeja, buscando extrair o que há de único nele. Esta ideia acaba sendo resumida por Dutra (2011, p. 153) quando ele afirma, “o motivo ou motivos que levam alguém ao suicídio formam-se ao longo da sua história e se revelam nos sentidos e modos de ser que constituem a sua existência. Por isso esse fenômeno não escolhe idade, classe social, gênero ou nacionalidade”.

Além dos fatores já citados, existem sinais que podem estar evidenciando uma possível ideação suicida, tendo em vista que são frequentes nesse tipo de cliente. São “sinais para procurar na história de vida e no comportamento das pessoas” (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE (OMS), 2000) para que possam representar ou não riscos reais da presença de um comportamento suicida. Estes são:

1 - Comportamento retraído, inabilidade para se relacionar com a família e amigos
2 - Doença psiquiátrica
3 - Alcoolismo
4 - Ansiedade ou pânico
5 - Mudança na personalidade, irritabilidade, pessimismo, depressão ou apatia
6 - Mudança no hábito alimentar e de sono
7 - Tentativa de suicídio anterior
8 - Odiar-se. Sentimento de culpa, de se sentir sem valor ou com vergonha
9 - Uma perda recente importante – morte, divórcio, separação, etc.
10 - História familiar de suicídio
11 - Desejo súbito de concluir os afazeres pessoais, organizar os documentos, escrever um testamento, etc.
12 - Sentimentos de solidão, impotência, desesperança
13 - Cartas de despedida
14 - Doença física
15 - Menção repetida de morte ou suicídio (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE (OMS), 2000).

Para o psicólogo clínico, este conhecimento também pode auxiliar no trabalho preventivo, já que “a elaboração de estratégias preventivas eficazes depende do detalhado conhecimento dos fatores de risco, determinantes da morte por suicídio” (VOLPE; CORRÊA; BARRERO, 2006, p. 12). No momento em que o profissional desconfia de que algo possa estar acontecendo, o cliente poderá ser abordado, surgindo a possibilidade do paciente falar de si mesmo, coisa que muitas vezes ele não consegue em seu cotidiano. Nesse diálogo, é importante que o ouvinte observe atentamente alguns aspectos do outro, tais como:

• Estado mental atual e pensamentos sobre morte e suicídio;
• Plano suicida atual – quão preparada a pessoa está, e quão cedo o ato está para ser realizado;
• Sistema de apoio social da pessoa (família, amigos, etc.) (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE (OMS), 2000).

Quanto às dificuldades encontradas por pesquisadores na hora de se obter resultados mais precisos dos fatores de risco, se destacam:

A principal dificuldade para estudar mais detalhadamente os fatores de risco para o suicídio advém de um fato óbvio: como os indivíduos já faleceram, torna-se impossível obter mais informações diretamente. Estudos comunitários retrospectivos podem ser realizados através de entrevistas com familiares e conhecidos do indivíduo, incluindo as chamadas " autópsias psicológicas". Estes estudos fornecem um quadro rico em minúcias sobre as condições em que se deu a morte, incluindo o estado emocional da vítima que antecedeu ao óbito. No entanto, estes estudos ficam sujeitos ao viés de lembrança, ou seja, a tendência de pessoas ligadas a quem cometeu suicídio relembrar mais dados positivos (por exemplo mais sintomas psiquiátricos da vítima) do que os entrevistados de um grupo-controle. Como resultado, haveria um excesso de fatores de risco estatisticamente significativos identificados no estudo (VOLPE; CORRÊA; BARRERO, 2006, p. 13).

Desta forma, é fundamental se ter cautela na hora de utilizar tal conhecimento. Eles são ferramentas que auxiliam na identificação de uma possível ideação suicida, mas não devem ser vistos de uma maneira rígida, ou seja, é preciso analisar todo o contexto de vida da pessoa e como ela lida com estes fatores. Tendo sempre em mente que não necessariamente aquele que apresenta estes sinais quer cometer o suicídio.

Ao se destacar os principais fatores de risco, não podem ser esquecidos quais os principais fatores de proteção para o suicídio já que o balanço entre fatores de risco e de proteção dado por cada pessoa, pode auxiliar na identificação de uma possível ideação suicida. De acordo com Bertolote (2012, p. 75)

“[...] há evidências suficientemente fortes que demonstram que o reforço de certos fatores ditos de proteção (ou mesmo sua existência espontânea) está associado a taxas menores das diversas etapas do processo de suicídio (ideação, planos e atos) [...]”.

Bertolote (2012) vai separar os fatores de proteção em estilo cognitivo e personalidade, padrão familiar, fatores culturais e sociais e fatores ambientais. Entre os fatores presentes em estilo cognitivo e personalidade, ele destaca: sentimento de valor pessoal; confiança em si mesmo; disposição para buscar ajuda quando necessário; disposição para pedir conselho diante de decisões importantes; abertura à experiência alheia; disposição para adquirir novos conhecimentos; habilidade para se comunicar.

No que diz respeito ao padrão familiar, estarão presentes: bom relacionamento intrafamiliar; apoio de parte da família; pais dedicados e consistentes.

Nos fatores culturais e sociais, estão presente: adesão a valores, normas e tradições positivas; bom relacionamento com amigos, colegas e vizinhos; apoio de pessoas relevantes; amigos que não usam drogas; integração social no trabalho, em alguma igreja, em atividades esportivas, clubes etc.; objetivos na vida.

Presente nos fatores ambientais, Bertolote vai citar: boa alimentação; bom sono; luz solar; atividade física; ambiente livre de fumo e drogas.

 

2 - Uma maneira de como o profissional de psicologia pode utilizar o conhecimento dos fatores de risco e os fatores de proteção em sua prática clínica

Muitas pessoas emitem uma mensagem existencial e isso não é diferente com aqueles com comportamento suicida. Sendo assim, “[...] o fato de as pessoas conseguirem ou não acabar com suas vidas não descarta a ideia de que, em ambos os casos, existe uma mensagem existencial.” (FUKUMITSU, 2012, p. 24). E é esta mensagem que deve ser buscada pelo psicólogo ao identificar tanto os fatores de risco quanto os fatores de proteção, além dos possíveis sinais que possam se apresentar:

[...] como uma terapia experiencial, a técnica gestáltica exige do paciente que ele experiencie a si mesmo tanto quanto possa, que ele se experiencie tão completamente quanto possa, no aqui e agora. Pedimos ao paciente que se dê conta de seus gestos, de sua respiração, de suas emoções, de sua voz, e de suas expressões faciais, tanto quanto dos pensamentos que mais o pressionam. Sabemos que quanto mais se der conta de si mesmo, mais aprenderá sobre o que é seu si-mesmo. À medida que experimente os modos pelos quais se impede de “ser” agora – os meios por que se interrompe -, também começará a experienciar a si-mesmo que interrompeu” (PERLS, 2011, p. 76-77).

Cabe ao profissional escutar o que estes sinais querem dizer a respeito do cliente e ajudá-lo a se perceber. A partir da tomada de consciência do cliente de seu momento, a autorregulação organísmica - capacidade que o homem tem de se adaptar da melhor forma possível diante das necessidades que surgem – responsável por auxiliar o sujeito a encontrar um caminho que o traga à saúde e irá, muitas vezes como um alerta, emitir determinados sinais que mostrem que algo não está bem.

[...] quando um cliente expõe um problema, estamos ou devemos estar atentos ao seguinte, partindo do princípio citado: 1° - o cliente é um todo; 2° - deve-se prestar atenção a este todo, mesmo quando ele só fala de uma parte sua; 3° - as duas partes: ele todo e parte dele continuam presentes ou “por baixo” ou “por detrás”; 4° - ele, como um todo, se identifica também com a parte que está sendo focalizada,  ou seja sua parte pequena coincide com a sua parte grande; 5° - finalmente, sua parte grande coincide com sua parte menor (RIBEIRO, 1985, p. 74).

A partir daí o terapeuta vai acompanhar seu cliente na descoberta de como este comportamento estruturou-se, o significado desse comportamento em sua vida como um todo que, muitas vezes, encontra-se obscurecido.

É possível ver os fatores de risco e de proteção como figuras em determinadas situações. Na Gestalt-terapia, o conceito de figura e fundo vai representar a interação constante na vida de cada um:

 “A figura não é uma parte isolada do fundo, ela existe no fundo. O fundo revela a figura, permite à figura surgir. O que o cliente diz jamais pode ser entendido em separado, pois a figura “tem” um fundo que lhe permite revelar-se e do qual ela procede” (RIBEIRO, 1985, p. 74).

De acordo com Perls (1981), o que faz algo se tornar figura, se destacar de um todo, é o interesse do sujeito. A medida em que os interesses variam, toda a percepção acaba sendo alterada também. Na psicoterapia,

 “é interessante observar que a relação figura-fundo no cliente é extremamente fluida, isto é, sua organização está em constante mudança, o que gera no psicoterapeuta a necessidade de também ele estar em fluidez com o cliente” (RIBEIRO, 1985, p. 75).

A terapia tem o papel de ajudar o outro a perceber-se através do autoconhecimento, é uma maneira de auxiliar no desenvolvimento da capacidade de se conhecer no aqui-agora. Para a Gestalt-terapia, o momento presente é onde tudo acontece:

Estar no "aqui e agora" é um abrir-se à análise e à informação, viver o "aqui e agora" é um experienciar a realidade interna e externa, como ela acontece, tenha ou não antecedentes que a expliquem ou justifiquem (RIBEIRO, 1985, p. 79).

E a partir daí, é importante estar com o cliente para ajudá-lo a se dar conta de si mesmo, para que então ele possa tornar-se ciente de que apenas ele é o autor de sua própria vida, sendo o detentor do poder de realizar escolhas. E essa capacidade de decidir o que fazer e o que será melhor para si, inclui a decisão de viver ou morrer:

O “conscientizar-se” fornece ao paciente a compreensão de suas próprias capacidade e habilidades O “conscientizar-se” fornece algo mais ao consciente. Trabalhando, como nós, com o que o paciente tem, seus meios atuais de manipulação, mais do que com o que ele não desenvolveu ou perdeu, a “conscientização” dá tanto ao paciente quanto ao terapeuta a melhor imagem dos recursos atuais do paciente. Isto porque a “conscientização” só se desenvolve no presente. Abre possibilidades para a ação. [...] Sem dar-se conta não há conhecimento da escolha. O “conscientizar-se”, o contato e o presente são simplesmente aspectos diferentes de um mesmo processo – a auto-realização. É aqui e agora que nos damos conta de todas as nossas escolhas, desde pequenas decisões patológicas (ajeitar um lápis na posição exatamente correta) até a escolha existencial de dedicação a uma causa ou profissão.” (PERLS, 2011, p. 77-78)

Para que seja possível olhar o cliente de forma mais ampla, é importante que o psicólogo invista no contato entre ambos. Encorajando o outro para que ele fale de si sem receio de mostrar quem realmente é. Esta atitude de aceitação do outro é importante, já que não existe uma forma certa de estar no mundo, isso varia de acordo com as necessidades de cada um, vai de acordo com quem se é, deseja e escolhe para si mesmo.

O contato existe não somente na psicoterapia, já que:

Ninguém é auto-suficiente; o indivíduo só pode existir num campo circundante. É, inevitavelmente, a cada momento, uma parte de algum campo. Seu comportamento é uma função do campo total, que inclui a ambos: ele e seu meio. O tipo de relação homem/meio determina o comportamento do ser humano. Se o relacionamento é mutuamente satisfatório, o comportamento do indivíduo é o que chamamos de normal. Se é de conflito, trata-se do comportamento descrito como anormal. O meio não cria o indivíduo, nem este cria o meio. Cada um é o que é, com suas características individuais, devido a seu relacionamento com o outro e o todo. (PELRS, 2011, p. 31)

Contato, de acordo com Yontef (1998, p.18), [...] “é a experiência da fronteira entre o “eu” e o “não-eu”. É a experiência de interagir com o não-eu enquanto mantém uma auto-identidade distinta do não-eu”. Isso significa que cada um é único, ao mesmo tempo em que é influenciado pelo outro e pelo meio externo, tem o seu “eu” separado pela fronteira que. Segundo Perls (1977, p. 22) “uma fronteira delimita alguma coisa” permitindo que sua singularidade seja preservada. Desta forma “eu diferencio entre a experiência aqui e a experiência lá fora [...]” (PERLS, 1977, p. 23).

Assim como em todos os momentos da vida, na terapia o contato entre psicólogo e cliente também se faz presente, sendo que na relação terapêutica dois sujeitos diferentes vão construir algo único. Para que o terapeuta possa exercer a função de colaborador,

“o Gestalt-terapeuta trabalha engajando-se no diálogo, em vez de manipular o paciente em direção a um objetivo terapêutico. Um contato dessa natureza é marcado por aceitação, entusiasmo e preocupação verdadeira e por auto-responsabilidade” (YONTEF 1998, p. 18).

A partir do momento que isso é compreendido, o terapeuta torna-se um auxiliador incentivador na descoberta de como utilizar suas potencialidades a fim de atingir uma vida mais autêntica, ao invés de tentar impor algo que não o pertence. Esse comportamento possibilita a tomada de consciência por parte do paciente, facilitando que, através da percepção de sua fronteira ele discrimine o que é dele e o que pertence ao ambiente externo a ele. Esta tomada de consciência por parte do cliente faz com que o mesmo perceba que apenas ele é o responsável pelas escolhas de como lidar com sua vida.

Para atingir tais objetivos é importante que se abra um canal de comunicação que apontará o caminho para onde o terapeuta deve direcionar a terapia:

Em Gestalt se afirma que o cliente é sempre figura e o psicoterapeuta, fundo. O cliente é figura porque é ele que deve surgir como diferenciado na configuração e porque é sua comunicação que vai apontar o caminho de uma procura mais ampla (RIBEIRO, 1985, p. 75).

A partir desta postura, o psicólogo tem a oportunidade de, através deste contato, possibilitar o aumento da awareness no outro. Segundo Yontef (1998, p. 215):

"Awareness" é uma forma de experienciar. É o processo de estar em contato vigilante com o evento mais importante do campo indivíduo/ambiente, com total apoio sensorimotor, emocional, cognitivo e energético.

E será este um dos papéis da psicoterapia: “a psicoterapia é um método para aumentar a awareness e adquirir responsabilidade e escolher o que é significativo” (YONTEF, 1998, p. 30). Nessa relação a experiência imediata será trabalhada, com a ajuda do próprio cliente, já que “[...] o paciente é visto como um colaborador, aprendendo a auto curar-se” explorando questões como “o que eu posso fazer para trabalhar isto”? (YONTEF, 1998, p. 21).

É no contato, na relação entre cliente e terapeuta que as mudanças acontecem. Mas sempre lembrando que “o terapeuta não é aquele que tem o poder sobre o outro, e sim aquele que motiva e inspira para que o outro articule suas diversas partes e se organize em relação a si próprio e às suas relações” (TAVARES, 2001, p. 49). O objetivo da terapia deve ser o de “[...] tornar os clientes conscientes (aware) do que estão fazendo, como estão fazendo, como podem transformar-se e, ao mesmo tempo, aprender a aceitar-se e valorizar-se” (YONTEF, 1993, p. 16). Para que se estabeleça um contato produtivo, é importante escutar o outro. Já que “ao compartilhar suas ideias suicidas, a pessoa talvez esteja deixando a chave para que a porta possa ser aberta” (FUKUMITSU, 2013, p. 60). Ele pode estar pedindo socorro para alguma situação em sua vida que não consiga lidar muito bem. Apesar das boas intenções em auxiliar o outro, “estamos aqui para promover o processo de crescimento e desenvolver o potencial humano. Nós não falamos de alegria instantânea. O processo de crescimento é um processo demorado” (PERLS, 1977, p. 14) e vai de acordo com o tempo e o caminhar de cada um. Algo de extrema importância é se ter em mente que este é um trabalho de parceria com o cliente, respeitando aquilo que cada um é, sem nunca esquecer de respeitar também a si mesmo.

Somos parceiros existenciais de quem nos propomos a acompanhar. Quem cuida, não salva e nem abandona, acompanha. Acompanhar o outro sem se abandonar, atento ao seu próprio bem-estar e, também, às suas dores (TAVARES, 2001, p. 50).

Segundo Fukumitsu (2013, p. 57): “não é possível salvar. Porém, carrego a crença de que posso me colocar a serviço de cuidar de meu semelhante, compartilhando seu desespero existencial [...]”. É possível caminhar com ele, auxiliando que o cliente se torne aware de sua vida e responsável pela mesma. Como diz Yontef:

As pessoas são responsáveis por suas escolhas morais. A Gestalt-terapia ajuda o paciente a descobrir o que é moralmente correto, de acordo com sua própria escolha e valores. Longe de defender o “tudo bem”, a Gestalt-terapia coloca uma seríssima obrigação para cada pessoa: avaliar e escolher (YONTEF, p. 33).

Considerações finais

A elaboração deste artigo aconteceu a partir de interesses pessoais que resultaram no desejo em pesquisas a respeito do suicídio. Foi percebido o quanto este tema é importante, ao mesmo tempo que pouco debatido, e às vezes quase desconhecido entre grande parte da população, incluindo estudantes e profissionais de psicologia. Isto pode ser afirmado, tendo em vista que no período que este artigo foi produzido uma das autoras encontrava-se concluindo sua graduação em psicologia, e nunca havia se deparado com o tema do suicídio em sua formação, sendo necessário buscar este conhecimento fora da universidade, e mesmo assim, encontrando algumas dificuldades na hora de obter informações.

Ao decorrer dos estudos, foi aparecendo a vontade de compartilhar este conhecimento com aqueles que também sentem interesse em aprender mais a respeito deste assunto. Apesar disso, é importante ressaltar que o suicídio é um tema muito amplo e ainda há muito que se conhecer a seu respeito. Desta forma, este artigo se limitou a discutir os fatores de risco e de proteção, em busca de orientar uma possível postura profissional do psicoterapeuta, sem pretensões de esgotar o assunto, pelo contrário.  O objetivo foi o de iniciar uma reflexão a respeito do tema do suicídio para que demais autores se interessem em desenvolvê-lo e também compartilhar suas opiniões a este respeito, o que poderá enriquecer o conhecimento do psicólogo, principalmente do gestalt-terapeuta, que se deparar diante de um cliente com histórico de tentativas de suicídio ou ideação suicida.

 

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Endereço para correspondência
Yohanna Shneider Cerqueira
Endereço eletrônico: yohanna.cerqueira@gmail.com
Patrícia Valle de Albuquerque Lima
Endereço eletrônico: ticha.patricia@globo.com

 

Recebido em 31/07/2014
Aprovado em 13/11/2015

 

NOTAS

* Psicóloga graduada pela Universidade Federal Fluminense (UFF) de Rio das Ostras, cursando especialização em psicologia clínica na abordagem gestáltica no Instituto de Pós Graduação Lusófona Brasil (IPGL Brasil).
** Patrícia Valle de Albuquerque Lima: Mestrado em Psicologia pela UFRJ, Doutorado em Psicologia Clínica pela UFRJ, Especialista em Psicologia Clínica pelo CRP, Professora colaboradora do IGT, Supervisora de estágio e Professora adjunta da UFF, Campus de Rio das Ostras.