Percurso da Terapia Familiar Gestáltica no Rio de Janeiro
Fernanda Teixeira
Roberta Domingues
Monografia apresentada por exigência do curso de especialização
em Gestalt Terapia, com ênfase em Terapia Familiar do IGT – Instituto
de Gestalt Terapia e Atendimento Familiar, como um dos requisitos para obtenção
do título de Especialista. Junho de 2005.
Orientador: Marcelo Pinheiro
Junho de 2005
Agradecimentos
Resumo
1. Introdução
2. Metodologia
2.1. Método de Coleta de Dados
2.2. Instrumento
2.3. Nossos Entrevistados
2.4. Procedimento
3. Percursos individuais
3.1. Breve histórico da Terapia Familiar Sistêmica
3.2. Breve Histórico da Gestalt-terapia no Rio de Janeiro
4. Características dos Gestalt-terapeutas pioneiros no trabalho com famílias
no Rio de Janeiro
4.1. O terapeuta familiar de abordagem Gestáltica: o perfil encontrado
em nossos relatos
5. Perspectiva da Terapia Familiar na Gestalt-terapia
6. Considerações Finais
7. Referências Bibliográficas
AGRADECIMENTOS
Ao IGT – Instituto de Gestalt-Terapia e Atendimento Familiar, que sempre
foi e continua sendo nosso jardim, onde cultivamos nossas sementes e vimos nascer
as flores da Gestalt-Terapia e da Terapia Familiar, sustentadas por solo fértil
e muito promissor.
Em especial, aos nossos supervisores: Marcelo Pinheiro, que além de ter
conduzido nossa dupla em extensas supervisões, somou a elas a orientação
deste trabalho e Márcia Estarque (e seu tão esperado bebê)
que contribuiu de diversas formas para esta monografia, como supervisora, primeira
entrevistada e apoio incontestável para as dúvidas de última
hora.
Aos nossos entrevistados: Heloisa Rodrigues, Márcia Estarque Pinheiro,
Sandra Salomão, Sergio Garbati Gorestin e Teresinha Mello da Silveira,
que nos atenderam com extrema prontidão e permitiram que nosso trabalho
nascesse e se desenvolvesse.
À Silvana Mendes Lima, supervisora de Fernanda Teixeira, que foi de grande
auxílio na elucidação de nossa metodologia, tão
indispensável à pesquisa científica.
RESUMO
O presente trabalho pretende traçar o percurso da história da
terapia familiar de abordagem gestáltica no Rio de Janeiro, delimitando
seus contornos e particularidades e avaliando seus reflexos, para a comunidade
terapêutica. Para isso, utilizamo-nos especialmente da história
oral, colhendo relatos de psicólogos que contribuíram de forma
significativa para o desenvolvimento desta forma de atuação. A
partir deles, buscamos evidenciar o percurso e as transformações
que aconteceram no Rio de Janeiro na Gestalt-Terapia até o seu encontro
com o atendimento familiar.
1. INTRODUÇÃO
Cientes de que prática e teoria caminham sempre juntas, num processo
de intercâmbio contínuo onde somos muitas vezes obrigados a fazer
um retorno teórico para nos aprofundarmos ou, o contrário, recorrermos
à prática para assim promover a evolução do nosso
trabalho, nos sentimos instigadas a investigar os caminhos da terapia familiar
na perspectiva gestáltica; seu nascimento, seus desenvolvimentos e seu
contexto atual para, de posse destes conhecimentos, podermos não só
marcar a nossa própria atuação, como também contribuir
para a atuação dos demais profissionais que nos acompanham na
aventura deste atendimento.
Após alguns anos de dedicação à pesquisa histórica
e, conseqüentemente, tendo absorvido métodos e formas próprias
de realizar tal pesquisa, ao nos lançarmos à investigação
histórica de uma atuação, reconhecemos a existência
de fases que determinam seu processo de formação. Tais fases poderiam
ser definidas como: constituição, na qual as primeiras manifestações
começam a se fazer presentes; autonomização, quando vemos
formar-se uma identidade que é própria desta atuação
e a diferencia daquelas que lhe são próximas; e, por último,
uma fase de reconhecimento, quando geralmente essa nova atuação
se legaliza, seja através da realização de congressos,
criação de grupos e associações ou do próprio
reconhecimento legal. Logicamente, tais fases não se dão necessariamente
nesta ordem e tampouco encerram o processo de formação. Acreditamos,
sobretudo, que, em especial, a atuação psicológica está
sendo sempre renovada e transformada ao longo dos anos.
A partir de algumas observações iniciais, pudemos perceber que
o exercício da Terapia Familiar sob um olhar da Gestalt-Terapia encontra-se
ainda num momento de autonomização entre os psicólogos
cariocas, tendo já definido muitos contornos, mas ainda vislumbrando
importantes identificações em seu caminho. Sendo assim, ainda
é rara a existência de centros que promovam este tipo específico
de formação. O que muitas vezes acontece é uma união,
pelo próprio psicólogo, dos princípios da Gestalt-Terapia
com outras teorias psicológicas, a fim de atualizar sua prática,
principalmente, para as intervenções nos sistemas familiares.
Em nosso caso, particularmente, o interesse por este campo tornou-se aguçado
por estarmos inseridas no IGT – Instituto de Gestalt-Terapia e Atendimento
Familiar um dos poucos, no Rio de Janeiro, a formar Gestalt-terapeutas com ênfase
no atendimento familiar.
Assim, como forma de reconstruir este trajeto, em virtude da tenra idade em
que ainda se encontra o nosso objeto de estudo, escolhemos a história
oral como principal fonte de pesquisa, confiantes de que, se ainda não
é possível encontrar tal história nos livros, é
possível ouvi-la diretamente dos personagens que vêm permitindo
a sua criação.
2. METODOLOGIA
Trata-se
de uma pesquisa histórica na medida em que, a partir de narrativas orais,
busca-se compreender e reconstituir o percurso da terapia familiar sob a perspectiva
da Gestalt-Terapia na cidade do Rio de Janeiro.
O objetivo da pesquisa histórica é relacionar determinados eventos
passados com seus efeitos presentes, buscando uma compreensão crítica
desses efeitos. No caso dessa pesquisa, procurou-se analisar a composição
de algumas tendências presentes na prática de gestalt-terapeutas
que tornaram, na atualidade e a partir de pressupostos teóricos diferenciados,
a terapia familiar de base gestáltica uma forma de atendimento junto
às famílias.
Para tanto, lançamos-nos à elaboração de um questionário
capaz de nos orientar em entrevistas semi-abertas realizadas com terapeutas
que, num momento inicial, foram considerados como alguns dos responsáveis
por desenvolver no Rio de Janeiro o atendimento familiar com abordagem gestáltica.
Tais entrevistas foram realizadas por nós e ainda, filmadas, para permitir
uma análise mais detalhada do material. Neste ponto, consideramos importante
ressaltar a riqueza contida nesta forma de pesquisa, pois antes de tudo, tivemos
o contato direto com opiniões e experiências as mais diversas para,
a partir delas, compor os dados que nos permitiram avaliar as considerações
apresentadas neste trabalho.
De posse então deste questionário, iniciamos nossas visitas a
psicólogos de base gestáltica que atuam com famílias no
Rio de Janeiro, os quais gentilmente cederam espaço para que registrássemos
o relato de seus percursos pessoais e profissionais nos permitindo compor a
própria história da Terapia Familiar na Gestalt-Terapia no Rio
de Janeiro. Dessa forma pudemos descobrir os encontros e desencontros da abordagem
gestáltica com a terapia familiar através dos próprios
atores que compuseram o cenário atual. Fomos conhecendo e costurando
o percurso trilhado e construído por estes terapeutas pioneiros da Terapia
Familiar na Gestalt-Terapia. Como os próprios nos relataram, ainda há
muito que fazer e conhecer neste campo.
Com relação ao relato como objeto de pesquisa Barry Anderson acrescenta
ilustrativamente:
“O relato de como um objeto é, num certo momento, é uma
descrição de estado, como uma fotografia. O relato de como um
objeto funciona é uma descrição de processo, como um filme.
Considere, por exemplo, a tarefa de descrever um objeto bastante familiar, uma
casa” (Anderson, 1977. p. 9)
Nestas páginas, lançamos os resultados dessas duas visões,
estática e processual, procurando compreender melhor como surgiu a Terapia
Familiar gestáltica.
2.1 Método de coleta de dados
Nesse estudo tivemos como curiosidade primordial o caminho da Terapia Familiar
na Gestalt-Terapia em sua chegada à cidade do Rio de Janeiro. Logo de
início, pudemos perceber que este caminho encontra-se ainda parcamente
registrado, parecendo existir apenas nos relatos de alguns terapeutas mais experientes.
Por esta razão, escolhemos como forma de coleta de dados alguns depoimentos
pessoais, técnica que nos permite transformar relatos em registros. Como
anteriormente sinalizado, os depoimentos foram colhidos em forma de entrevistas
realizadas com personagens que nos pareceram significativos para o processo
que pretendemos investigar.
Tais entrevistas foram realizadas no próprio ambiente de trabalho dos
profissionais – os consultórios onde atuam – o que, por iniciativa
dos próprios entrevistados, acabou se tornando uma regra.
Por tratar-se de uma monografia feita a quatro mãos, contamos ainda com
um tipo de recurso que utilizamos nos atendimentos de famílias, casais
e grupos. Trata-se de um formato de atuação onde dois psicólogos
estão em campo atuando conjuntamente, a chamada co-terapia. Nesse tipo
de atuação, a dinâmica estabelecida entre os profissionais
favorece o emprego de uma intervenção atravessada por mobilizações
da dupla terapêutica, dos clientes e do sistema em questão. Em
relação a este trabalho, podemos dizer que realizamos co-entrevistas,
dado que as mesmas foram sempre realizadas em dupla, sofrendo assim as mesmas
influências (positivas) que o atendimento em co-terapia.
“James W. Hanuum acredita que a grande vantagem da co-terapia está
na habilidade dos co-terapeutas de alternarem seus papéis não
só entre si como também no relacionamento com a família
em tratamento. Desta forma, os terapeutas irão desempenhar ora um papel
passivo, no lugar de observador – mas numa posição atenta
para que a qualquer momento possa agir no sentido de alterar ou facilitar a
direção da terapia – ora numa posição mais
ativa arriscando a um superenvolvimento”.(GARCEZ, C. M., 1992, pág.
07)
Em ambos os casos acreditamos que seja proporcionada uma riqueza de discussão
e uma relação mais complexa entre os participantes, criando uma
atmosfera reflexiva e coletiva, onde a ordem é a diversidade. Assim,
durante toda a monografia estabelecemos um diálogo reflexivo, crítico
e interventivo entre nós, partindo do pressuposto gestáltico do
encontro e não do consenso. Desta forma, privilegiamos o intercâmbio
com nossas inquietações, dúvidas, certezas e estilos, com
vistas à criação e ao estabelecimento de um espaço
propício para a expressão das idéias e sentimentos, rejeitando
uma busca pelo caminho da verdade. Com este espírito, foram brotando
capítulos e parágrafos que surgiam após discussões
e interpretações variadas de um mesmo tema.
2.2 Instrumento
Como já
mencionamos, utilizamos um instrumento elaborado para nortear e facilitar a
realização de uma análise qualitativa dos depoimentos.
Criamos um questionário semidirigido com perguntas que pretendiam encontrar
as peculiaridades no caminho de cada entrevistado. Tal questionário,
composto por nove perguntas, é exposto a seguir:
1) 1) Quando se deram seus primeiros contatos com a Terapia Familiar na Gestalt-Terapia?
Como foi este contato?
2) 2) Como você via este momento na Terapia Familiar?
3) 3) Quais as influencias teóricas que marcaram a sua formação
como terapeuta familiar?
4) 4) Que nomes lhe vêm à cabeça quando pergunto sobre Terapia
Familiar? (Ou seja, quem o formou e quem formava naquele tempo?)
5) 5) Ao longo de seu caminho quais as influências que teve? (Além
do seu formador quem mais influenciou você?)
6) 6) Quais são as fases do seu caminho de terapeuta?
7) 7) Quais são as fases da Terapia Familiar na Gestalt-Terapia no Rio
de Janeiro?
8) 8) Qual a sua forma de atuar em família? Como isso se encaixa na forma
da Terapia Familiar?
9) 9) Quais perspectivas da Terapia Familiar na Gestalt-Terapia daqui a diante?
2.3 Nossos entrevistados
Entrevistamos
cinco psicoterapeutas que atuam com famílias e utilizam como referencial
os princípios da Gestalt-Terapia. Selecionamos tais terapeutas orientadas
por dois critérios: os cinco são reconhecidos como pioneiros e
como referência nesta forma de atuação e, também,
pela significativa contribuição à psicologia, através
da criação de institutos, do desenvolvimento de pesquisas e do
aperfeiçoamento desta nas universidades. Outro critério utilizado
foi a indicação de nosso orientador e da primeira entrevistada
- Marcia Estarque - que possibilitou que restringíssemos nossos entrevistados
a uma amostra numericamente viável e também que tivéssemos
acesso a eles.
Optamos finalmente por cinco entrevistados, também em função
do curto prazo estabelecido para a entrega desta monografia. Por ser tratar
de uma amostra restrita esclarecemos que esta não pretende representar
toda a dimensão e detalhe do percurso da terapia familiar gestáltica
no Rio de Janeiro; todavia, tal demanda nos estimula e encoraja a realizar um
refinamento futuro. Adiante expomos um currículo resumido e apresentação
dos entrevistados:
Heloisa Rodrigues
Formada pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro em 1983, ainda na graduação
iniciou a formação em Gestalt-Terapia na primeira turma formada
por Teresinha Mello da Silveira.
Alguns anos depois, a partir de uma demanda de seu trabalho com crianças,
iniciou a formação em Terapia Familiar Sistêmica no Núcleo
-Pesquisas do Rio de Janeiro, vindo ainda a complementar seu estudo dessa especialidade,
ingressando em 1994 no curso de especialização do Instituto de
Terapia Familiar, do qual não mais se desligou.
Márcia Estarque Pinheiro
Psicóloga, formada pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)
em 1992. Especializou-se em Psicoterapia de Casais e Famílias na abordagem
sistêmica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e em Psicologia
Clínica pelo Conselho Regional de Psicologia do Rio de Janeiro - Janeiro
de 2002. Obteve a formação em Gestalt-Terapia (1991 a 1993) na
Vita clínica de Psicoterapia com a formadora Teresinha Mello da Silveira.
Atualmente, coordena o IGT - Instituto de Gestalt-Terapia e Atendimento Familiar.
Sandra Salomão
Psicóloga há 25 anos formada pela Universidade Federal do Rio
de Janeiro. Gestalt-terapeuta pelo The Gestalt Traning Center San Diego e treinada
por Joseph Zinker em Terapia de Casais e Sistemas Íntimos. É mestre
em Psicologia Social e especialista em Terapia Familiar Sistêmica pelo
Núcleo Pesquisa e Estudos. Professora e Supervisora de Estágio
em Gestalt-Terapia da PUC/Rio. Responsável Técnica pelo Centro
de Aperfeiçoamento e Desenvolvimento em Gestalt-Terapia do Rio de Janeiro,
um dos principais centros formadores deste mesmo estado. Coordenadora de Cursos
de Pós-Graduação - Formação em Gestalt-Terapia
e do Curso de Especialização em Terapia de Família. [1]
Sergio Garbati Gorestin
Psicólogo, formado pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, atua
em consultório particular desde 1987 atendendo adolescentes, adultos,
casais e famílias. Possui mestrado em Psicologia Social e da Personalidade
pela UFRJ. Realizou treinamento em terapia de família com Maurizio Andolfi
na Accademia de terapia della Famiglia - Roma, Itália. [2]
Sergio Garbati Gorestin ressalta que despertou e aprofundou seu interesse pela
Gestalt-Terapia através do estágio realizado na Graduação
com a Professora Teresinha M. da Silveira e complementou seus estudos em Terapia
Familiar através da formação no Núcleo – Pesquisas
do Rio de Janeiro.
Teresinha Mello da Silveira
Coordenadora de Cursos de Formação na Abordagem Gestáltica
desde 1980, com experiência em atendimento de adultos (individualmente
ou em grupo), idosos, casais e família. Supervisora de atendimentos clínicos
do Instituto de Psicologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Doutora
e Mestre em Psicologia Clínica na área de Casal e Família
- PUC/RJ. Especialista em Psicologia Clínica e Hospitalar.
Ainda na graduação, foi bastante influenciada pela psicanálise.
Os primeiros contatos com a Gestalt-Terapia se deram através dos grupos
de estudo promovidos por Maureen Miller a partir de 1978, fazendo parte, portanto,
do primeiro grupo de gestalt terapeutas formado no Rio de Janeiro.
2.4 Procedimento
Os primeiros contatos com os entrevistados foram realizados por telefone. Contatamos
cada possível entrevistado e, após verificar a disponibilidade
deste para participar do projeto, apresentamos uma proposta mais formal e estruturada,
enviada por e-mail para que eles pudessem apreciar e avaliar uma breve explicação
sobre o estudo e o questionário que iria nos nortear. Todos os psicólogos
com os quais fizemos contato aceitaram de pronto o convite e logo agendaram
horário e dia em seus consultórios, deixando-nos extremamente
gratas pela rápida disponibilidade e cooperação. Visitamos
então seus consultórios que marcaram bem a diferença entre
os terapeutas e seus estilos. Sendo o estudo baseado no relato dos entrevistados,
o trabalho foi se desenvolvendo conforme as entrevistas foram acontecendo. A
cada entrevista algo se encaixava e a monografia começava a ter mais
sentido e rumo.
3. PERCURSOS INDIVIDUAIS
Apresentado o nosso objeto de estudo, podemos então investigar o surgimento
da atuação familiar na Gestalt-Terapia, fenômeno este que
pode ser reconhecido não só no Rio de Janeiro como em todo o mundo.
Nessa construção, do atendimento familiar gestáltico, percebemos
uma influência marcante da Terapia Familiar Sistêmica, distinta
da Gestalt-Terapia, mas complementar a esta, dado que possuem características
que as aproximam e outras que as afastam. Com isso, consideramos pertinente
discorrer brevemente sobre cada uma dessas abordagens em separado.
Ressaltamos que nossa intenção neste breve estudo se restringe
à apresentação da Terapia Familiar Sistêmica sem
adentrar nas diversas linhas desta abordagem, nos detendo à sua forma
geral, destacando especificamente as contribuições históricas
que ajudaram a construir essa teoria. Entendemos que essa teoria possui caminhos
e visões diferentes; entretanto não faz parte do escopo deste
trabalho investigar e apresentar tais diferenças.
3.1 Breve histórico da Terapia Familiar Sistêmica
Historicamente, seguimos até a metade do século XX um pensamento
científico predominantemente mecanicista que buscava explicar os processos
da vida de maneira simples e programada, igualando os organismos vivos a um
relógio, como propôs o próprio Descartes, fundador desse
pensamento (Capra, 1982). Mais tarde, esse modo de pensar foi revisto por vários
cientistas que propuseram a idéia de sistema e passaram a entender o
funcionamento da vida a partir dessa dinâmica. Naturalmente, o pensamento
médico e a visão de saúde foram influenciados por esse
paradigma; além disso, o mesmo também embasou muitos cientistas
e teóricos das ciências sociais e humanas e os instigou a pesquisar
as contradições deste modelo.
A partir disso, a noção de sistemas, especialmente no pensamento
ocidental, começou a ser veiculada através dos estudos das ciências
da informação e da cibernética, os quais se detinham em
investigar o paradigma físico. Tudo isso em um contexto do pós-guerra,
de um mundo bipolarizado, da queda do regime socialista e do crescimento do
capitalismo.
O surgimento desta nova ciência denominada “cibernética”,
termo proposto por Norberto Wiener em 1948, foi marcado pela realização
de dez conferências promovidas pela Fundação Josiah Macy
Jr., de 1946 a 1953, conhecidas como Conferências Macy. Tratavam-se de
encontros fechados de dois dias, realizados em Nova York, reunindo em torno
de 25 pesquisadores, dentre eles Margaret Mead – antropóloga e
esposa de Gregory Bateson – Kurt Lewin – psicólogo social
e expoente da psicologia da Gestalt – Heinz von Förster – engenheiro
– John von Neumann – matemático e inventor do computador
digital – dentre outros, ficando clara neste contexto a variedade de especialistas
empenhados em discutir e desenvolver tais idéias.
No campo científico das ciências cognitivas, a cibernética
propiciou, por volta dos anos 50, principalmente nos Estados Unidos, o estabelecimento
de discussões sobre o funcionamento do cérebro a partir dos princípios
de redes de processamento e retroalimentação de informações.
Similar à cibernética, mas com algumas críticas a mesma,
surge, em 1930, a chamada Teoria Geral dos Sistemas, ou Teoria dos Sistemas,
a qual veio a determinar o nome “Terapia Sistêmica” defendida
por Ludwig Von Bertalanffy.
Wiener iniciou seu estudo a partir da matemática enquanto Bertalanffy
baseou seu início na biologia, investigando o funcionamento dos sistemas
gerais sem a interferência da energia ou da substância. O idealizador
da Teoria dos Sistemas, inicialmente criticou a cibernética por se basear
exclusivamente em princípios mecanicistas e limitados e focar apenas
as técnicas de controle, automatização e inovação
tecnológica. Com o passar do tempo e a entrada de novos cientistas como
Bateson, Maturana e Varela, a cibernética foi se sofisticando até
ser classificada em primeira e segunda ordem. Na cibernética de primeira
ordem os princípios norteadores são a estabilidade, o equilíbrio,
e a idéia de circularidade e de circuitos de retroalimentação,
mantendo a estabilidade e desconsiderando as mudanças no meio ambiente.
A cibernética de segunda ordem supera as recentes conquistas da Teoria
Geral de Sistemas, nela os organismos são vistos como sistemas auto-organizadores
onde são produtores e produtos de si mesmos devido a um funcionamento
auto-referente. Isto implica também a noção de observador-participante,
conceito que marca a diferença entre a 1ª ordem e 2ª ordem.
No Brasil, as idéias sistêmicas surgem, no meio terapêutico,
de uma percepção de que para se chegar ao indivíduo, muitas
vezes é necessário se ter acesso àqueles que estão
ao seu redor e, até mesmo, de que em determinados casos o problema não
está no singular, mas no plural. Assim, alguns psicólogos envolvidos
pelas poucas idéias que lhes chegavam do exterior, rumaram para os Estados
Unidos e Itália em busca de formação e aprimoramento do
conhecimento. Ambos os países eram foco efervescente de escolas de Terapia
Familiar Sistêmica que, inicialmente de forma estanque, vinham trabalhando
a vontade de acrescentar ao tratamento individual um novo recurso, a inclusão
de toda a família.
Nos Estados Unidos, o grande foco de desenvolvimento e disseminação
das idéias sistêmicas foi a escola de Palo Alto. Esta escola, responsável
por introduzir a abordagem sistêmica na terapia familiar, em seu início,
por volta dos anos 50, contava com Bateson, Haley, Weakland, Fry e Jackson,
os quais buscavam estudar os “paradoxos da abstração na
comunicação” e a “confusão dos tipos lógicos”.
Foi esse mesmo grupo que alguns anos depois, criou o Mental Research Institute
(MRI) – instituição ímpar para o desenvolvimento
da terapia familiar nos Estados Unidos –, mas que ainda como escola de
Palo Alto formou e inspirou terapeutas do mundo inteiro, o que inclui os psicólogos
brasileiros que até hoje baseiam-se nela.
Na Itália, o destaque está em Salvador Minuchin que reconfigurou
a abordagem estrutural na terapia familiar e influenciou toda uma geração
de terapeutas em seus estudos e práticas sobre esta forma de atendimento.
Em especial, lembramos Moises Groisman, psiquiatra e psicanalista brasileiro,
diretor do centro de terapia familiar Núcleo-Pesquisas do Rio de Janeiro,
que abertamente tem como referência o modelo de Minuchin em seu trabalho
e em conseqüência dissemina tais idéias não só
no Rio de Janeiro como em todo o Brasil.
Inserida, portanto no meio terapêutico brasileiro, acompanhando o movimento
que se presenciava no resto do mundo, a Teoria Familiar Sistêmica surge
como uma abordagem neutra sem anular ou criticar outras posturas. Psicólogos
de diversas abordagens e escolas psicológicas começam a ter sua
prática influenciada por idéias sistêmicas. Assim, assistimos
acontecer um boom no atendimento familiar com a criação de centros
formadores como o Instituto de Terapia Familiar, o Núcleo – Pesquisas
do Rio de Janeiro e do IPUB. Dado que esses são centros de Terapia Familiar
Sistêmica e que se tornaram referência para aqueles que pretendiam
especializar-se no atendimento familiar, muitos gestalt-terapeutas e terapeutas
de outras abordagens tiveram sua prática influenciada pela visão
sistêmica destes institutos.
No decorrer de nossas análises, a importância destes centros foi
se tornando cada vez mais visível, levando-nos a reconhecer a pertinência
de uma investigação mais aprofundada dos mesmos. Entretanto, em
função das características deste trabalho, elegemos como
fonte de dados exclusivamente os relatos dos gestalt-terapeutas selecionados.
Com isso, este aprofundamento foge ao nosso objeto, o que não o desvaloriza
para pesquisas futuras.
3.2 Breve histórico da Gestalt-Terapia no Rio de Janeiro
O criador da Gestalt-Terapia Friedrich Salomon Perls, nascido na Alemanha, iniciou
suas atividades em Viena e logo depois voltou a Berlim onde se estabeleceu como
psicanalista. Em 1933, em virtude da perseguição nazista aos judeus
Perls foge com sua família para a Holanda, permanecendo pouco tempo neste
país, pois é encaminhado para África do Sul por Ernst Jones
– célebre biógrafo de Freud – para atuar como analista
didático. Como conseqüência, funda o Instituto Sul Africano
de Psicanálise. O marco da criação da Gestalt-Terapia se
deu com o lançamento do livro Ego, Fome e Agressão, no qual Perls
expôs suas primeiras idéias sobre a Gestalt-Terapia. Nesta fase
Perls começa a se distanciar da psicanálise.
Para a criação da Gestalt-Terapia Perls foi influenciado por diversos
estudiosos e teóricos. Ainda psicanalista foi analisando de Wilhelm Reich
e esse encontro o inspirou profundamente. Kurt Goldstein também o marcou
de maneira destacada apresentando-lhe sua teoria, através da qual conheceu
a noção de regulação organísmica. Laura Perls,
sua esposa e grande colaboradora para a construção da Gestalt-Terapia,
foi uma grande estudiosa da psicologia da Gestalt de Wertheimer, Kohler e Kofka
o que gerou como contribuição os conceitos de percepção
e cognição. A teoria de campo de Kurt Lewin e o método
fenomenológico de Husserl também foram indispensáveis ao
surgimento da Gestalt-Terapia.
Já nos Estados Unidos, Perls se reúne com intelectuais e artistas
inconformados com ditames culturais da época, os quais pregavam a liberdade
de expressão física, intelectual e sexual. Formam assim o chamado
“Grupo dos sete” constituído em 1940 por Paul Goodman, Isadore
From, Paul Weisz, Sylvestre Eastman, Elliot Shapiro, Laura Perls e Fritz Perls.
A Gestalt-Terapia encontrou terreno para se consolidar principalmente durante
o período de atuação dos movimentos da contracultura que
se expandiu na década de 60 e buscava uma redefinição de
valores e das estruturas de pensamento até então dominantes. Com
a eclosão da contracultura, a Gestalt-Terapia encontrou força
nos EUA, especialmente entre os jovens que viviam esse momento histórico,
(os hippies) para se estabelecer como abordagem psicoterápica. A liberação
do indivíduo foi a principal preocupação da atmosfera intelectual
da época.
Em Cleveland
foi fundado um dos principais centros, o Gestalt Institute of Cleveland, em
1953, que se incumbiu de desenvolver a teoria e foi o que mais publicou livros
gestálticos. Neste Instituto encontramos, entre outros, Paul Goodman,
Isidore From, Joseph Zinker, Erwing e Miriam Polster pertencentes à primeira
geração de gestalt-terapeutas americanos. Erwing e Miriam Polster,
após alguns anos migraram para San Diego e criaram o Gestalt Training
Center – San Diego. Este centro se tornou referência para gestalt-terapeutas
brasileiros, inclusive cariocas.
A divulgação da Gestalt-Terapia se deu a partir de 1972 através
de vários centros de referência que se espalharam pelos Estados
Unidos, sendo os principais localizados em Nova York, Cleveland e Califórnia,
enfatizando ainda a importância que tiveram no seu processo de desenvolvimento.
Daí em diante, a Gestalt, através da habilidade de Fritz, foi
propagada, especialmente a partir da própria prática gestáltica,
baseada na aplicação de técnicas e experimentos divulgados
através dos workshops que realizou pelo mundo.
Também no ano de 1972, a Gestalt Terapia chega ao Brasil através
da contribuição de uma figura de grande importância, Thérèse
Tellegen, que se desenvolveu inicialmente em São Paulo, chegando logo
em seguida ao Rio de Janeiro. Thérèse expôs no Brasil as
técnicas aprendidas em Londres e, assim, iniciou um processo de divulgação
da Gestalt-Terapia que em pouco tempo se espalhou por todo o Brasil, conquistando
muita força no Rio de Janeiro através da realização
de encontros e de visitas freqüentes de expoentes da Gestalt-Terapia, vindos
principalmente da Califórnia. Contamos também com a contribuição
de Maureen Miller que, com uma influência rogeriana, se destacou no Brasil
e no Rio de Janeiro reunindo, através de grupos de encontros, um público
regular de terapeutas, trazendo uma Gestalt-Terapia centrada na Pessoa para
uma boa parte dos Gestalt-terapeutas que chamamos hoje de pioneiros neste estudo.
No Rio de Janeiro, em 1984, é criado o primeiro estágio de Gestalt-Terapia
em uma universidade, a faculdade de Psicologia da UERJ, por obra de Teresinha
Mello da Silveira. Realiza-se, ainda nessa cidade, já em 1987, o I Encontro
de Gestalt-terapeutas do Brasil, marcando historicamente a forte representatividade
da Gestalt-terapia entre os brasileiros.
Na década de 90, ressaltamos a participação de Joseph Zinker
que contribuiu para a formação e o aperfeiçoamento de gestalt-terapeutas
brasileiros, inclusive cariocas, através de suas visitas a São
Paulo, para realizar encontros chamados por ele de maratonas.
Num segundo momento, preocupados com a ausência de uma fundamentação
teórica, os gestalt-terapeutas, que já haviam se multiplicado,
lançam mão da criação de grupos de estudos e da
promoção de atividades que viessem a embasar teoricamente a prática
corrente. A década de 1990 consolida a Gestalt-Terapia, pois apesar de
sua atuação estar ainda muito concentrada em consultórios
particulares, sua ascensão vem se acelerando através de centros
de divulgação, efervescência intelectual e formação
de novos gestalt-terapeutas, tendência que parece irreversível
e que já pode ser observada com mais clareza, como nos aponta Teresinha
M. Silveira, através da inserção desta teoria como uma
das abordagens da “Residência
em Psicologia Hospitalar do Hospital Pedro Ernesto onde antes só era
possível a participação de profissionais adeptos da psicanálise.”
(SILVEIRA 1996, p. 15).
Muitos foram os colaboradores que contribuíram para a chegada da Gestalt-Terapia
ao Rio de Janeiro. Muitas foram às portas abertas para os “estrangeiros”
trazerem suas contribuições. Temos registros orais e ainda presentes
da vinda de Maureen Miller, Joseph Zinker e Erwing Polster ao Rio de Janeiro.
E ainda, em destaque, Thérèse Tellegen que, tendo se firmado no
Brasil ainda no início do desenvolvimento da Gestalt-Terapia, contribui
de forma ímpar para este processo.
Acrescentamos ainda, que outros psicólogos tão renomados quanto
os já citados, também contribuíram para esta chegada da
Gestalt Terapia ao Brasil, como Walter Ribeiro e Décio Casarim.
4. Características dos Gestalt-terapeutas pioneiros no trabalho com famílias no Rio de Janeiro
Nossos entrevistados
foram gestalt-terapeutas ou estudiosos desta abordagem consagrados por sua atuação
com famílias e pela contribuição direta para a implementação
da terapia familiar na Gestalt-Terapia. Em sua maioria, já atuavam com
atendimentos individuais e de grupos e prosseguiram para o atendimento familiar
contando com a experiência que apontou a esses terapeutas a importância
de acrescentar ou convidar as famílias para o encontro psicoterápico.
Seguiram o caminho da própria história dos Gestalt-terapeutas
pioneiros nos Estados Unidos. Consolidaram-se por meio do atendimento individual,
fizeram-nos estender-se para o atendimento de grupo, para só então
investirem no atendimento familiar. Como nos relatou Sandra Salomão:
“... eu também vim de uma longa carreira de atendimento individual
e de grupo. Essa coisa de grupo é bem importante para atender famílias”.
Na década de 70 alguns deles estavam saindo da faculdade e já
iniciavam seus contatos com a Gestalt-Terapia. Uns com abordagens humanistas
e outros ,ainda, como os primeiros Gestalt-Terapeutas, iniciando um contato
com a psicanálise para depois encontrarem a Gestalt-Terapia. Desse período
nossos entrevistados recordam:
“...enquanto eu aprendia eles também estavam aprendendo...”(Sandra
Salomão)
“... eu achava que ela estava muito acima de mim para fazer formação
junto com ela. Neste grupo tinha a Lika de Salvador, e o outro era o Decio Casarim,
o bam bam bam de Gestalt na época, mas depois que eu cheguei no grupo
vi que todo mundo estava começando mesmo, era uma diferença de
meses...”(Teresinha M. da Silveira)
A característica comum desses Gestalt-terapeutas foi o relato de um certo
incômodo com o atendimento individual e a espera passiva dos familiares
na sala de espera. Como conta Sandra Salomão: “o que eu achava
que era falha emocional, não estava se encaixando... a criança
sobe para a terapia e a mãe ficava igual como se fosse ao dentista folheando
revista na sala de espera”.
Assim como na Gestalt-Terapia onde o próprio corpo, as experiências
e sensações formam o instrumento mais poderoso, os gestalt-terapeutas
atuantes em famílias emprestam sua personalidade e sensações,
suas características mais marcantes, ao atendimento. Na Gestalt-Terapia
a pessoa do terapeuta é extremamente valorizada, utilizada e explorada
dentro do setting terapêutico. Desta maneira, a forma do atendimento gestáltico
em família é marcada por este jeito singular do gestalt-terapeuta
de contar consigo mesmo e com suas experiências vividas durante o atendimento,
como afirmam alguns de nossos entrevistados:
“em termos de trabalho a prática é teresiana ... Meu foco
no trabalho, muito para além do verbal, é no que está sendo
expresso, no que eu estou vivendo ... Uso muito o trabalho com corpo ... uso
recursos de um modo geral” (Teresinha M. da Silveira),
“no grupo de gestalt eu estava tendo um autoconhecimento e começando
a me perceber e, ao mesmo tempo, tinha um trabalho de dar-se conta” (Sandra
Salomão).
Seguindo essa tendência de importar conhecimentos e em função
da proximidade teórica e flexibilidade da Gestalt-Terapia, muitos terapeutas
foram buscar novos recursos, novas trocas e novos teóricos na abordagem
sistêmica e boa parte deles defende que a mistura se tornou complementar
e satisfatória em termos de recursos e intervenções.
Dentre nossos entrevistados, encontramos Gestalt-terapeutas que apresentam diferenças
na utilização, ou não, de recursos gestálticos ou
sistêmicos com mais ou menos intensidade, ou na integração
destes recursos, como o genograma, contribuição sistêmica
à Gestalt-Terapia. A seguir, apresentamos alguns relatos de nossos entrevistados
que ilustram essa mistura:
“...eu acho que eu trabalho gestalticamente, eu desenvolvi um fundo teórico
de sistêmica...”(Sandra Salomão)
“...Faço muito aquele modelo de entro no sistema e saio do sistema,
estrategicamente, ocupo papéis, trabalho sempre com experimentos. Vou
muito à ação e uso muito a expressão...”(Sandra
Salomão)
“ procuro perceber aquela pessoa que chega para mim dentro de um contexto
mais amplo... seja de estrutura familiar.. é a possibilidade de facilitar
essa comunicação”(Márcia Estarque)
“...uso muito genograma em diagnóstico que é um instrumento
sistêmico...”(Sergio Garbati Gorestin)
“... por achar que a Gestalt – a própria palavra Gestalt
– remete à teoria de sistemas”(Sergio Garbati Gorestin)
“...como terapeuta de família ninguém na Gestalt-Terapia
foi referência para mim. Toda a minha referência teórica
vem da Terapia Familiar Sistêmica”(Sergio Garbati Gorestin)
“ eu me considero uma gestalt-terapeuta que atende famílias”(Heloisa
Rodrigues)
Estes depoimentos ilustram como nossos seletos entrevistados, que aqui representam
os gestalt-terapeutas atuantes em famílias no Rio de Janeiro andam utilizando
o conhecimento Gestáltico e as técnicas sistêmicas no setting
terapêutico.
4.1 O Terapeuta Familiar de Abordagem Gestáltica: O perfil encontrado
em nossos relatos.
No percurso
de formação profissional dos Gestalt-terapeutas, surge uma necessidade
de encontrar algo a mais para capacitá-los instrumentalmente a atender
famílias e se reconhecerem Terapeutas Familiares, assim como ressaltam
alguns entrevistados:
“no início eu indicava famílias e casais para o ITF (Instituto
de Terapia Familiar) (...) Embora a Gestalt-Terapia abra possibilidades para
trabalhar, e acho que ela é fantástica para trabalhar com casais
e famílias! (...) Resolvi fazer uma formação em sistêmica,
estava me sentindo muito fechada, escolhi fazer com o Moises Groismam. Ele é
mais direto”(Sandra Salomão);
“eu atendia família esporadicamente quando atendia criança
e adolescente. Só fui atender família e me reconhecer terapeuta
de família a partir de 1995”(Teresinha M. da Silveira)
Outra citação que nos chamou atenção e que nos faz
refletir a respeito da relação entre Gestalt-Terapia e atendimento
familiar e, sobretudo, a respeito da importância desta relação
foi a seguinte constatação exposta por Sandra Salomão:
“as pessoas que fazem o curso de família e não são
gestalt-terapeutas saem após o primeiro módulo e só ficam
aqueles que já têm a formação em Gestalt-Terapia
ou então, iniciam a formação em Gestalt-Terapia”.
Este dado nos remete à plasticidade da teoria da Gestalt-Terapia e o
cuidado que as formações em Gestalt-Terapia têm com relação
ao terapeuta que será o grande instrumento de intervenção
no atendimento psicoterápico. Isso também confirma o respaldo
teórico da Gestalt-Terapia sobre a relação terapêutica,
a grande sustentação e manutenção do processo, tanto
para o cliente como para o terapeuta que se vê com recursos para cuidar
do indivíduo e de si próprio dado que o encontro terapêutico
suscita angustias, sofrimentos e projeções.
Assim, a abordagem gestáltica oferece suporte para que o terapeuta utilize
a energia mobilizada no encontro a favor do cliente, ou melhor, do sistema,
já que estamos falando não só do cliente, mas também
do terapeuta e das relações em torno deste. Polster & Polster
em Gestalt-Terapia Integrada explicam de forma muito elucidativa estas colocações:
“Os sistemas sensoriais e motores do individuo só podem funcionar
no presente, e é da perspectiva dessas funções que a experiência
presente pode ser palpável e viva”. (Polster & Polster, 2001
pág. 26).
É através desta perspectiva relacional e sensorial que o gestalt-terapeuta
sustenta sua atuação e visão diante do indivíduo
ou da família. Perspectiva essa que as outras abordagens não oferecem
fazendo com que busquem na Gestalt-Terapia suporte para um atendimento confortável
e autêntico. Ainda em Polster & Polster encontramos:
“Quando o terapeuta entra em si mesmo, não está apenas tornando
disponível ao paciente algo que já existe, mas está também
auxiliando a ocorrência de novas experiências, baseadas em si mesmo
e também no paciente. Isto é, ele se torna não só
alguém que responde e que dá feedback, mas também um participante
artístico na criação de uma nova vida” (Polster,
2001 p.38).
Observamos, dentre os gestalt-terapeutas, que uma boa fatia de nossa amostra
buscou se aproximar da Terapia Familiar Sistêmica na tentativa de estabelecer
uma interlocução (uma troca, ou diálogo) com os recursos
desta abordagem que pudessem enriquecer e ampliar a atuação dos
mesmos. Historicamente, temos a Gestalt-Terapia como uma teoria voltada para
o desenvolvimento da singularidade e das potencialidades individuais. Temos
até então, uma prática que privilegia o autoconhecimento
individual não no sentido reducionista, mas sim focada na expansão
da consciência criativa. Mas é deste ponto que partimos para pontuar
uma das diferenças entre a Gestalt-Terapia e a Terapia Familiar Sistêmica
que, no entanto, ao invés de afastá-las as aproxima. O contraponto
é que a visão sistêmica tem um olhar mais amplo dos sistemas
que influenciam o indivíduo. Seu foco está direcionado para o
entorno do sistema em desequilíbrio, incluindo o terapeuta que está
ali atuando, numa tentativa de restaurar a comunicação e a convivência
saudável e satisfatória entre os membros da família de
maneira inclusiva e menos individualista. É neste momento, que começa
a acontecer um certo intercâmbio entre as características marcantes
dessas duas teorias.
Outros conceitos estreitam ainda mais o relacionamento entre essas abordagens,
como o conceito gestáltico de fronteiras de contato, sinalizando cada
vez mais que a mistura de terapeutas familiares sistêmicos com Gestalt-Terapia
e vice-versa é, não só possível, como capaz de gerar
diversos ganhos ao atendimento psicoterápico. O que não descaracteriza,
de forma alguma, nenhuma das duas abordagens.
5. Perspectivas da Terapia Familiar na Gestalt-Terapia
Percebemos
no cenário atual da Gestalt-Terapia, que a atuação familiar
ainda está encontrando força teórica e prática e,
principalmente, buscando uma identidade para se apresentar e se tornar reconhecida
e validada pelo meio acadêmico. Na busca pelo delineamento do contorno
desta abordagem nos esbarramos com a mescla de técnicas, recursos, instrumentos
e metodologias importadas de outras abordagens. Vimos esta iniciativa como positiva,
pois sua finalidade, como defenderam inúmeras vezes nossos entrevistados,
é a ampliação e atualização da prática
gestáltica que não necessariamente precisa ficar engessada em
seus próprios conceitos. Isso não significa que não devamos
nos preocupar com o estabelecimento de alguns modelos de atuação,
como cita Márcia Estarque com relação às perspectivas
da Terapia Familiar Gestáltica: “Temos muito o que trabalhar, muito
a sistematizar sim” (Márcia Estarque)
Em todo este percurso que vimos descrevendo ao longo do trabalho, nos chamou
atenção a crítica e autocrítica dos gestalt-terapeutas
à parca produção teórica de seu grupo, comparado
a outras abordagens, como a Psicanálise, a Terapia Cognitivo-Comportamental
e a própria Teoria Sistêmica, a qual, em certo momento, foi procurada
por gestalt-terapeutas em função do escasso número de livros
de terapia familiar publicados e traduzidos para o português.
“... nós Gestalt-terapeutas que começamos a atender famílias,
a gente começou a estudar coisas que não a Gestalt, e daí,
a partir da nossa experiência a gente foi fazendo um estilo mais Gestalt
de Terapia de Família...” (Heloisa Rodrigues)
“Só tinha literatura de sistêmica não tinha uma literatura
de Gestalt-Terapia com famílias, não traduzida pelo menos”
(Sandra Salomão).
Alguns de nossos entrevistados, acompanhados por um sem fim de gestalt-terapeutas,
atribuem essa pequena produção à ênfase dada à
prática e à conseqüente diminuição do investimento
na produção teórica. Isso faz com que apenas um pequeno
grupo se destaque na missão de contribuir e desenvolver as idéias
da Terapia Familiar Gestáltica no Rio de Janeiro.
Para nós, também é importante sinalizar, que por estar
ainda em desenvolvimento, essa atuação se vê carente de
meios que estimulem sua produção teórica. Sem dúvida,
à medida que se alcança uma autonomização novas
demandas de produção passam a ser exigidas; seja através
das possibilidades cada vez maiores de exposição desta produção,
em encontros, congressos e afins; ou através do ingresso de um número
crescente de gestalt-terapeutas com atuação em famílias
em programas de pesquisa, como mestrados, doutorados e pós-graduações
em geral, os quais, por si só, geram uma produção contínua.
Um de nossos entrevistados comenta: “... fui fazer um mestrado e na época
era uma das primeiras dissertações que tinham a ver com a Gestalt-Terapia”
(Sergio Garbati Gorestin).
Outro ponto muito citado entre os entrevistados foi a necessidade de se criar
novas formas de visibilidade para a produção dos gestalt-terapeutas
sendo algo notoriamente destacado entre todos os terapeutas entrevistados, a
pequena representatividade dos mesmos, principalmente nos congressos de Terapia
Familiar. Entretanto todos os entrevistados avaliam que muito temos a mostrar.
Avaliando as características nos relatos dos entrevistados um outro ponto
se destaca. Trata-se da ênfase nas intervenções em famílias
na reconstrução da capacidade criativa do sistema familiar, através
de recursos físicos como, por exemplo, cordas, música, recortes
do dia-a-dia, bonecos. A herança gestáltica doada para a Terapia
Familiar parece estar, em parte, no valor que se dá à criatividade
que, ao contrário de ser anulada, acaba por se ampliar, no momento em
que partimos do indivíduo e nos voltamos para o sistema. Além
disso, essa herança contém ainda uma preocupação
com o reconhecimento e validação dos vínculos afetivos,
onde não só os consangüíneos, mas também os
agregados por tempo de convívio, tornam-se familiares e são incluídos
no sistema e no setting terapêutico.
6. Considerações Finais
A Gestalt-Terapia
é definida como uma filosofia de vida e não uma técnica
rígida com conceitos duros e fechados ou que se utiliza de formatos impermeáveis
e inflexíveis. A sensibilidade terapêutica da gestalt acompanha
os movimentos da sociedade e a evolução do homem segundo seus
paradigmas e necessidades. No início do percurso da Gestalt-Terapia a
época era de extrema valorização da liberdade individual
voltada, especialmente, para o sistema interno do cliente, para sua auto-regulação
individual e para o despertar do potencial criativo. Neste contexto, Fritz não
via nenhuma semelhança e correspondência entre o modelo sistêmico
da época e a Gestalt-Terapia. No Gestalt-Terapia, livro iniciado pelo
manuscrito de Perls e desenvolvido por Paul Goodman e Ralph Hefferline em 1970,
é explicitamente colocada uma incompatibilidade inicial entre Gestalt-Terapia
e cibernética, neste momento, a de primeira ordem:
“As teorias da cibernética, dianética e do orgone serão
pouco ou não discutidas(...). Consideramos que essas teorias são,
na melhor das hipóteses, meias verdades, já que tratam o organismo
em separado e não em contato criativo com o ambiente.(...)mas enquanto
os robôs de wiener não crescerem e se propagarem por conta própria,
preferimos explicar suas máquinas pela função humana em
vez de vice-versa”. (Perls, 1997, p.34)
Como a história transforma e aperfeiçoa os valores e a vida, no
livro de Joseph Zinker, este afirma que os valores sistêmicos são
compatíveis com a teoria da Gestalt, dado que as noções
de sistemas e campos criam um quadro de referência para a leitura holística
e dinâmica da Gestalt. Porém, ressalta que se Fritz estivesse vivo
acharia a teoria de sistemas abstrata demais, partindo do princípio de
que para a “Gestalt de Fritz” é necessário ser extremamente
ativo e vivo. Comentando esta interface entre Gestalt-Terapia e a Teoria de
Sistemas, Ponciano em O Processo Grupal (1994) afirma:
“O modelo organísmico da relação homem-mundo que
subjaz à Gestalt-Terapia não é satisfatório, do
ponto de vista conceitual, para abranger as inter-relações das
múltiplas dimensões sistêmicas que estão em jogo.
A teoria de Sistemas cujos inícios se situam na década de 20,
mas que não foi explicitada antes dos anos 40, abre novas possibilidades
de se pensar sistemicamente com maior nível de abstração
de sistemas naturais, quer físicos ou biológicos.”(PONCIANO,
1994, p. 61)
Tal citação expõe uma contradição e uma grave
crítica à base sistêmica da Gestalt-terapia, entretanto,
se torna pertinente neste estudo por retratar uma tendência e visão
de alguns gestalt-terapeutas sobre a relação da Gestalt-Terapia
com a Terapia Sistêmica.
A Gestalt em seu percurso abriu espaços e criou flexibilidade para a
acomodação de novos conceitos conforme o mundo foi evoluindo e
se transformando, contudo, não alterou sua visão de homem e de
mundo desde sua fundação até o momento presente. Com esta
missão, a psicoterapia foi seguindo o caminho e acompanhando o movimento
de vida das sociedades.
Assim, historicamente na década de 50, no pós-guerra, a idéia
dominante era de libertação dos indivíduos e de que sua
expressão física, sexual e intelectual fosse ativada. Para Fritz,
neste momento a restauração da sociedade aconteceria através
do resgate individual, o que refletia bem os anseios da localidade e do tempo
que a Gestalt se originou. Até então, nas décadas de 60
e 70, o cenário científico no campo das ciências humanas
e tecnológicas ainda é uma dinâmica de revisões e
descobertas conceituais. Só nas décadas de 80 e 90 que os cientistas
das teorias cibernéticas e dos Sistemas Gerais promoveram a expansão
da Terapia Familiar Sistêmica. Desta época em diante, assistimos
um crescimento da força do movimento sistêmico. Nesta mesma época
muitos de nossos Gestalt-terapeutas, chamados de pioneiros, vão em busca
de novas técnicas e ferramentas para a intervenção familiar.
Dos anos 90 em diante, especialmente no Brasil, a família brasileira
começa a mudar seu perfil de organização muito em função
da abertura econômica e política brasileira. Realidade que trouxe
ao seio das famílias uma nova remodelação de seu sistema.
A Terapia Familiar Gestáltica nos anos 90 passou por um momento de validação
e reconhecimento por parte dos próprios terapeutas em perceber que haviam
personalizado uma maneira gestáltica de atender às famílias.
Sendo assim, atualmente se apresenta mais relacional e cuidadosa. A identidade
dos terapeutas familiares gestálticos está mais perto desta perspectiva
relacional que envolve confiança, disponibilidade, autenticidade e fé
na restauração e equilíbrio das famílias. Em um
momento que assistimos as famílias brasileiras recriando novas formas
de convivência e de contratos, identificamos o surgimento de uma forma
de atendimento mais contextualizada e disposta a restaurar a saúde de
cada membro da família, respeitando sua singularidade, capacidade de
criação e seu histórico transgeracional. Especialmente
neste momento, em que os limites, a liberdade, o prazer e a violência
urbana são temas que provocam e exigem uma rápida reorganização
das famílias, sem esquecer o histórico descompasso entre as gerações
de pais, filhos e avós que procuram a fórmula da comunicação
perfeita, limpa, clara, hierárquica e justa.
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