ARTIGO
Um Estudo Fenomenológico sobre as primeiras sessões do atendimento individual na clínica social do IGT
A Phenomenological Study on the first sessions of individual care in clinical social IGT
Edna Correia da Silva Luciano de Oliveira; 1 Márcia Estarque Pinheiro (Orientadora)2
IGT - Instituto de Gestalt Terapia e Atendimento Familiar - Rio de Janeiro, Brasil
RESUMO
O presente artigo é uma reflexão sobre as primeiras sessões do atendimento indivi-dual, realizadas na Clínic Social do Instituto de Gestalt-terapia e Atendimento Familiar (CS-IGT), no Rio de Janeiro, utilizando o método fenomenológico de Amedeo Giorgi.Ele descreve a vivência relacional terapeuta-cliente, quanto à formação do vínculo, privilegiando o ponto de vista do psicólogo.O estudo adotou, como amostragem, a relação de uma psicóloga com dois clientes, para aplicação do referido método. Os resultados expressaram a articulação dos constituintes essenciais da experiência, tal como vivida pelos participantes deste estudo.
Palavras-chave: Método Fenomenológico; primeiras sessões;atendimento individu-al; clínica social; Gestalt-terapia.
ABSTRACT
This article is a reflection on first individual attending sessions in the Social Clinics of the Institute of Gestalt Therapy and Familiar Care in Rio de Janeiro, using the phenomenological method of AmedeoGiorgi. It describes the therapist-client relational experience in terms of bond formation, giving priority to the therapist’s point-of-view. The relationship between a psychologist and two clients was used as sample. The results express the articulation of the essential experience constituents, as felt by the participants.
Keywords:Phenomenologicalmethod; first sessions; individual care; clinical social worker; Gestalt Therapy.
INTRODUÇÃO
O interesse pelo tema– “Um estudo fenomenológico sobre as primeiras sessõesdo atendimento individual na Clínica Social do IGT”3 – surgiu no início do módulo 1E do Curso de Especialização em Psicologia Clínica – Gestalt-terapia (Indivíduo, Grupo e Família), ministrado nesse instituto. Naquele momento, a intenção era investigar o processo terapêutico, a partir das primeiras entrevistas. Durante a leitura da bibliografia do curso, algumas afirmações mobilizaram a autora, como, por exemplo: “A entrevista é o instrumento mais poderoso do psicólogo – o mais indispensável de todos os que possam ser colocados ao seu alcance” (TAVARES, 2012, p. 25). A primeira entrevista, porém, “é a porta de entrada, o ‘cartão de visita’ do terapeuta para seus clientes [no IGT]” (ESTARQUE PINHEIRO, 2012, p. 138).
É natural que estas afirmações instiguem a curiosidade e apontem para a relevância do desenvolvimento de habilidades profissionais, em estabelecer vínculos com os clientes e avaliar suas dificuldades, no sentido de acolhê-los e propiciar-lhes o melhor encaminhamento possível. Contudo, para estudar essesvínculos, no IGT, onde as primeiras entrevistas nem sempre são realizadas pelo psicólogo que acompanhará o cliente no processo terapêutico, decidiu-se trabalhar com as primeiras sessões do atendimento individual.
JUSTIFICATIVA
O diferencial deste estudo é o ousado paradigma de investigação, em Psicologia, que propõe resgatar a vivência relacional terapeuta-cliente, nos atendimentos indivi-duais. Reflete-se a ideia de pensar de forma mais aprofundada as primeiras sessões do atendimento individual, quanto à sua importância para a formação do vínculo.
O interesse paralelo nas primeiras entrevistas da CS-IGT justifica-se por suas interfaces com as primeiras sessões do atendimento individual propriamente dito.Outro aspecto relevante é o comprometimento ético e político do psicólogo, com o acesso, o acolhimento, o atendimento e o encaminhamento das pessoas que buscam seus serviços. Tudo isso o move e o inquieta, uma vez que não existe “a” forma ou fôrma, mas infinitas possibilidades de encontro, como ocorre com o espectador, ao contemplar uma obra de arte. O filósofo Edgar Morin, ao definir “obra de arte”, assim expressou o conceito de universalidade, na catarse do espectador: “As obras de arte universais são aquelas que detêm originalmente, ou que acumulam em si, possibilidades infinitas de projeção-identificação” (MORIN, 1969, p. 15-23).
A contribuição deste artigo, que se baseia em respostas dos psicólogos a questões levantadas pela autora e na análise de relatórios de atendimento individual,é a aplicação de um modo de descrever a psicoterapia, privilegiando o ponto de vista do psicólogo, que a vive, pensa e sente o que é um terreno fértil para a teoria e a prática gestálticas, considerando-se o fato de que a autora teve dificuldades em encontrar pesquisas que busquem compreender a relação terapêutica. Portanto, este trabalho é inovador, no âmbito do conhecimento atual em Psicologia.
OBJETIVO
A ideia principal é fazer um breve estudo das primeiras sessões do atendimento individual,na CS-IGT, sob o crivo da Gestalt-terapia, buscando contextualizar e investigar como esses encontros iniciais podem implicar o psicólogo e o cliente, na psicoterapia. Ou seja, delinear o que se passa durante estes primeiros atendimentos, na relação intersubjetiva de terapeuta e cliente, que impulsiona a implicação no processo de transformação pessoal. Portanto, as metas a alcançar, neste estudo, dizem respeito à questão de como as primeiras sessões podem facilitar o processo terapêutico.
METODOLOGIA
Para atingir tal objetivo, fez-se uma breve análise qualitativa das respostas dos psicólogos e dos relatórios das primeiras sessões de atendimento individual realizados pelos alunos da Turma 14 de Especialização em Psicologia Clínica: Gestalt-terapia (Indivíduo, Grupo e Família) – EIGT-14. Escolheu-se essa turma por estar em fase de término do curso, o que favorece o acesso a seus relatórios, naturalmente atuais, beneficiando uma acurada pesquisa. Tal análise apoiou-se no método fenomenológico a seguir definido (GIORGI e SOUSA, 2010, p. 124):
O método fenomenológico tem como objetivo estudar fenômenos intencionais e não indivíduos. O investigador concentra-se no estudo de como um determinado fenômeno é vivido por diferentes sujeitos, procura os aspectos invariantes e tenta alcançar uma estrutura de significado psicológico. Em última instância, o que sobressai nos resultados finais é a síntese de significados psicológicos sobre o fenômeno de estudo da investigação, não a experiência individual dos sujeitos.
Esta escolha deu-se por ser tal metodologia coerente com a Gestalt-terapia.
Como critério de inclusão, é preciso que as descrições e os relatórios avaliados se refiram a pessoas em processo psicoterapêutico (individual), que tenham sido atendidas por psicólogos alunos da EIGT-14, na CS-IGT.
Os seguintes aspectos do processoterapêutico são considerados:
• Contrato burocrático.
• Vínculo.
• Frequência.
• Comprometimento.
Tais aspectos serão mais devidamente contextualizados, no desenvolvimento deste artigo.
A análise
dos dados, à luz da Fenomenologia, envolve não
apenas as pessoas avaliadas, mas também o avaliador. O código
de vivências do avaliador será, portanto, um filtro essencial
e interferente nos resultados do processo. Cabe lembrar que a autora também
vivenciou, como aluna do Curso de Especialização em Psicologia
Clínica – Gestalt-terapia (Indivíduo, Grupo e Família),
os atendimentos individuais ea produção de relatórios.
Além
de avaliar tais aspectos nos relatórios enviados ao Banco de Dados do
IGT, formulou questões aos psicólogos colaboradores, para obter
suas impressões e esclarecer eventuais dúvidas, caso surgissem,
ao longo do trabalho.
Ao refletir sobre a importância das primeira sessões, o psicólogo
que elege a Gestalt-terapia é levado a avançar, em termos de
concepção e postura terapêutica, ao cerne das propostas
desta abordagem.Conforme descreve Perls (1977, p. 9):
“Nós” não existe, mas é composto de Eu e Tu; é uma fronteira sempre móvel onde duas pessoas se encontram. E, quando há encontro, então eu me transformo e você também se transforma.
Embora se analisem as descrições e os registros dos atendimentos individuais e suas práticas, no contexto das primeiras sessões, ressalta-se que as intervenções dos psicólogos não podem ser pensadas fora do contexto institucional.
PROPOSTA DA CS- IGT
Apresenta-se, sucintamente, a CS-IGT, com suas ações, seus objetivos e suas diversas modalidades de atendimento. Contudo, priorizar-se-á o atendimento individual, que se inicia após as primeiras entrevistas, ou seja, quando o cliente chega à “segunda porta”, naquele encontro referente ao início do tratamento – as primeiras sessões, tema central e essencial deste trabalho.
O IGT é um
centro de ensino e pesquisa, na área do desenvolvimento
humano, com ênfase no atendimento psicológico individual, de
grupos, casais e famílias, ao público em geral. Destina-se à formação
de psicólogos, na abordagem gestáltica, e oferece cursos de
extensão
e palestras gratuitas, além de pós-graduação em
Psicologia Clínica.
Um dos pilares do IGT, a CS-IGT, consiste num espaço de aprimoramento
profissional para psicólogos em formação, na prática
gestáltica, que permite oferecer à população
serviços
terapêuticos de qualidade. Os clientes da CS-IGT, geralmente, procuram
a instituição por não disporem de recursos financeiros
para consultórios particulares e obedecem a uma fila de espera. São,
assim, informados sobre a natureza da clínica-escola, tendo seu atendimento
psicológico agendado e realizado por psicólogo em exercício.
Os alunos do Curso de Especialização em Psicologia Clínica – Gestalt-terapia (Indivíduo, Grupo e Família) – iniciam os atendimentos no módulo 1E, os quais se estendem aos módulos 2E e 3E, em diversas modalidades: primeiras entrevistas, atendimento individual e de grupos, de adultos, casais e famílias. Os direcionados a crianças e adolescentes são realizados pelos alunos do Curso de Atendimento Infantil na Abordagem Gestáltica, a partir do segundo módulo do seu curso. A terapia na CS-IGT pode ser, portanto, retratada como uma alternativa de oferta, a famílias, casais, pessoas e comunidades, de um envolvimento ativo na construção ou na reconstrução de sua realidade, numa “ecologia do virtual, do possível”, na expressão de Schnitman (1966, p. 132), que oferece a cada cliente a capacidade de autogestão da vida:[...] uma prática social que oferece a famílias, casais, pessoas ou comunidades uma oportunidade para envolver-se ativamente na construção de sua própria realidade existencial [...], emergindo numa ecologia do virtual, do possível [...], e nos processos [nos quais] pessoas e famílias, ao construírem suas possibilidades, se reconstroem a si mesmas.
No entanto, como afirmam Moreira, Neves e Romagnoli (2007, p. 619), apud Espírito Santo (2012), a clínica social
[...] não se refere somente ao atendimento das camadas pobres da popula-ção, nem diz respeito apenas aos novos espaços de atuação em que os psicólogos se estão inserindo. É, antes de tudo, a clínica de qualquer lugar, de qualquer público, que insiste em combater a massificação, cada vez mais presente, e buscar, cada vez mais, a invenção, na singularidade de cada cliente, na particularidade de cada inserção profissional. [o grifo é da autora].
Divulga-se o trabalho do IGT por cartazes, anexados em ônibus e campi universitá-rios, bem como por informações disponíveis na internet, em cursos de extensão e palestras gratuitas quinzenais, ou por indicação de clientes (PINTO, 2013).
Durante as três semanas iniciais do módulo 1E, a turma de especialização é informada sobre os procedimentos administrativos referentes a preenchimento de fichas e relatórios, organização de arquivos e envio de tais informações ao banco de dados da instituição. A seguir, permite-se que os alunos realizem primeiras entrevistas de avaliação e, após essa etapa, os supervisores os autorizam, cada um, a iniciar o atendimento de um cliente (individual).
Após a primeira entrevista de avaliação, o cliente enfrentará, até o início da terapia, a fila de espera. As fichas de cadastro são dispostas nessa fila, conforme a data da primeira entrevista e, desse modo, a seleção dos clientes obedecerá à sequência estabelecida. Ao selecionar-se a ficha do cliente que se pretende atender, devem-se registrar, em local apropriado, as tentativas de contato, com data e combinação feita. Caso não seja possível falar com o cliente por telefone, a orientação é que se solicite, à equipe da fila de espera4, que envie correspondência, o que deverá constar na ficha respectiva.
Ao falar com o cliente por telefone, o psicólogo que irá iniciar o atendimento individual identifica-se e informa que sua ficha se encontrava na fila de espera, confirma se esteve presente na primeira entrevista de avaliação e indaga de seu interesse atual em dar início à terapia. É importante que o psicólogo confirme com o cliente o horário disponível para o atendimento e verifique se o acordo financeiro será mantido. Tudo combinado agenda-se o início do atendimento e o psicólogo relembra ao cliente que aquela sessão será paga.
Todos os atendimentos (individuais e de grupos de adultos, casais e famílias) realizados na CS-IGT são supervisionados pelos coordenadores Marcelo Pinheiro e Márcia Estarque Pinheiro. A supervisão dos atendimentos a crianças e adolescentes, individuais e de grupos, cabe ao psicólogo Marcelo Pinheiro, de forma sistemática, mas esses últimos não constituem matéria do presente artigo.
Figura 1 - Fluxograma resumido da CS-IGT
Em linhas gerais, o funcionamento da CS-IGT configura rotina que se desdobra a partir da chegada do cliente, com sua “queixa”. Entende-se aqui por “queixa” o que traz o cliente para o atendimento. As pessoas buscam ajuda porque estão vivendo questões e problemas que surgiram naquele momento, como algo que chegou ao limite e precisa de cuidado. Ou, ainda, estão passando por alguma fase difícil, que demanda orientação, para reencontrarem seu equilíbrio interior. O futuro cliente, interessado em receber apoio psicológico, liga para o instituto, sendo atendido por uma recepcionista (não psicóloga)5, que acessará o banco de dados. Criará, então, uma ficha de cadastro, com nome, data de nascimento, endereço, telefone, e-mail, profissão, o que está buscando, como soube do IGT. Ele passará a ser identificado por um código numérico, para facilitar a localização de suas informações.
Tais informações mapearão o perfil do cliente e o encaminhamento adequado, se Clínica Social ou Convênio6. Caso a opção seja “Clínica Social”, será agendado um horário para a primeira entrevista, não cobrada, com um psicólogo, especializando em Psicologia Clínica, para até no máximo 15 dias após essa primeira ligação. Se tiver sido indicado “Convênio”, o cliente aguardará a ligação de um psicólogo cadastrado, para combinar o valor da consulta e o local de atendimento que lhe seja mais próximo. Os profissionais da CS-IGT têm acesso a uma agenda, para confirmar, por telefone, a presença do cliente, em dia e horário marcados. Resumidamente, o flu-xograma acima apresenta a rotina de funcionamento da CS-IGT, para o atendimento individual, que é o enfoque deste artigo.
AS PRIMEIRAS ENTREVISTAS NO IGT
A primeira entrevista de avaliação estende-se por cinquenta minutos. É o encontro entre duas pessoas e assume o status de um diálogo, no qual o entrevistado se a-presenta, com suas queixas e aspirações. Como diz Silveira(1997, p. 12):
As primeiras entrevistas são momentos de conhecimento e escolha mútua, em que o cliente se apresenta pelos seus motivos, queixas, questões e história de vida familiar, e o terapeuta se mostra pelo seu estilo pessoal, sua indumentária, seu escritório de atendimento e suas formas de intervir [...], momentos de acolhimento e preparação para o vínculo que começa a se fazer.
Ressalta-se que, na CS-IGT, a primeira entrevista de avaliação é realizada por um psicólogo que não necessariamente dará continuidade ao processo de atendimento psicológico, porém esta preparação é fundamental para criar vínculos com o cliente, tanto para o profissional quanto para a instituição. Após esse momento, seguir-se-á um período de espera, até o início do atendimento. A consistência desses vínculos é importante para dar suporte a este intervalo, garantindo ao cliente que ele de fato será atendido.
A primeira entrevista ajuda a dar contorno à indicação terapêutica. É nela que se estabelece a proposta de atendimento (individual, infantil, de adolescente, grupo, casal e família), avaliam-se as motivações de quem recorre à terapia, considerando a situação em que a pessoa está inserida: vida familiar, afetiva, religiosa, social, tra-tamentos que fez ou faz, medicação, escolaridade e profissão. Também se definem um acordo financeiro e os horários disponíveis, bem como as dificuldades que o cliente vivencia em relação a esses temas, permitindo uma compreensão provisória do processo de ser do cliente, o que ele revela e como revela.
Estarque Pinheiro (2007, p. 144), fundamentada em sua experiência na CS-IGT, considera que:
para o melhor aproveitamento da primeira entrevista, é fundamental que o terapeuta tenha clareza de seu objetivo naquele momento. É uma entrevista inicial de atendimento individual, de casal, de família ou é uma entrevista de avaliação e encaminhamento?
E continua:
[...] É importante que o objetivo daquele encontro fique bem explicitado também para seu cliente. Por exemplo, em casos de avaliação em uma instituição, é fundamental que isso seja clarificado para o cliente, de forma a que ele não se sinta frustrado ao final da sessão em suas expectativas de início de atendimento imediato, quando não há previsão de atendê-lo prontamente.
Na dinâmica das primeiras entrevistas de avaliação da CS-IGT, percebe-se a tendência dos clientes para a escolha da terapia individual7 . No entanto, dada a grande procura dessa modalidade, a CS-IGT reserva-se o direito de encaminhar para o atendimento individual apenas os que apresentem maior nível de agressividade, de-pressão, desorientação no tempo e no espaço, situações mais severas e graves, como risco de suicídio, na avaliação do psicólogo que realiza a primeira entrevista8. Os demais clientes são encaminhados para atendimento psicológico de grupo, quando o foco é o cliente que busca terapia. Caso haja recusa para o encaminhamento dado, o cliente recebe uma lista de telefones de outras instituições, onde pode buscar o atendimento individual, e sua ficha é encaminhada para o arquivo morto do IGT. Se, em outra oportunidade, decidir experimentar o atendimento em grupo, apenas precisa entrar em contato com o instituto, informando seu código, que sua ficha será encaminhada para a fila de espera desta modalidade de atendimento.
A primeira entrevista antecede a primeira sessão do atendimento psicológico individual, isto é, existe um limiar, uma segunda porta, totalmente distinta, entre as duas. É nesta última que se dá o início dos processos terapêuticos do IGT, principal objeto deste trabalho.
INICIO DO ATENDIMENTO INDIVIDUAL
A primeira sessão do atendimento individual é o encontro inicial entre terapeuta e cliente, em que buscarão desenvolver um vínculo mais prolongado. Para esta sessão, o psicólogo deverá ter: Ficha Cadastral do Cliente, Folha de Registro de Pagamento e Frequência e duas vias do Contrato de Atendimento Individual, as quais serão preenchidas e assinadas por cliente e psicólogo, uma delas ficando com o cliente e a outra no IGT, anexada à ficha de controle de frequência9.
Durante esse encontro, o psicólogo acompanhará o cliente, escutando suas motivações e trabalhando as questões que emergem na cena terapêutica, desenvolverá um vínculo de suporte e estabelecerá as “regras” da relação. Nesse contexto, ambos discutirão aspectos do contrato, bem como realizarão sua assinatura.
O Contrato tem por objetivo proteger a relação terapêutica, uma vez que apresenta as regras de funcionamento da terapia, isto é, horário, honorários, faltas, desmarcações e outras.
A esse propósito, registra Silveira (1997, p. 13):
Considero aquilo que chamamos de contrato terapêutico como muito importante para o desenrolar do processo. O maior índice de desistência na psicoterapia é devido a mal-entendidos no contrato. Penso, então, no papel do terapeuta, no sentido de passar as informações de forma clara para que o cliente saiba o que nessa relação ele pode receber, com o que ele pode contar, até onde pode ir, e decidir se aceita ou não as condições. Se por um lado quem estabelece as regras do contrato é o terapeuta, cabe ao cliente manifestar a sua opinião. Essa é mais uma oportunidade de verificar como o cliente se relaciona com as propostas do terapeuta.
As primeiras sessões direcionam e estruturam o trabalho terapêutico e o contrato torna-se imprescindível, agregando segurança e credibilidade ao processo. Zinker(2007, p. 93) comenta:
Como uma obra de arte, a sessão terapêutica é desengonçada quando não tem estrutura e direção. Pode ser dinâmica e vibrante, mas, sem organização, fica difícil para o cliente assimilar seus ganhos e ‘levá-los para casa’.
UM ESTUDO FENOMENOLÓGICO DAS PRIMEIRAS SESSÕES DO ATENDIMENTO INDIVIDUAL NO IGT
Apresenta-se aqui o momento empírico: a pesquisa propriamente dita. Far-se-á uso da metodologia fenomenológica para investigar as implicações dos psicólogos da EIGT-14e de seus clientes, submetidos ao processo terapêutico na modalidade individual, a fim de conhecer-se a relação entre eles, no processo. A rigor, investiga-se como psicólogos e clientes vivenciam a terapia, a partir da primeira sessão.
A investigação qualitativa é de base humanista e parte do princípio de que, individual e coletivamente, recria-se o mundo em que se vive, sendo todos responsáveis por ele. É uma investigação que produz conhecimento em três dimensões: a do outro, a do fenômeno e a reflexiva, isto é, não apenas em níveis do investigador e do sujeito, como também no plano da relação entre eles.
A pesquisa fenomenológica, segundo Giorgi, lida com o significado da vivência para o sujeito, ou seja, com o modo subjetivo de a pessoa olhar a realidade, e permite formular novos conhecimentos. Dois aspectos fundamentais a compõem: a descrição e o significado da experiência. Nesse sentido, o pesquisador busca a essência do vivido pelo sujeito e o significado que vai além de seu discurso explícito, com um olhar mais intenso para a realidade que ele experimenta e descreve.A esse propósito, verifica-se em Giorgi e Sousa (2010, p. 161):
Dá-se preferência a uma abordagem holística em que os componentes da experiência possam emergir da narrativa dos participantes, sem serem, previamente, definidos pelo investigador. Por este motivo se recorre ao método fenomenológico. Este permitirá aceder aos significados atribuídos pelos próprios participantes à sua experiência [...], indo mais além dos benefícios, conhecer e clarificar os processos psicológicos associados a este fenômeno, os constituintes da experiência e quais as relações entre eles. O método fenomenológico [...] procura permanecer tão fiel quanto possível ao fenômeno em estudo, ao contexto no qual ele aparece no mundo e à forma como é percepcionado e vivido pelos participantes da experiência.
O método original de Giorgi, considerado por ele “uma aproximação modificada de Husserl”, é apresentado e discutido no Capítulo 5 de sua tese (GIORGI, 2009, p. 128-130). Os passos concretos do método10, em tradução livre, são os seguintes:
1. Leitura do todo, para captar o sentido.
2. Determinação das unidades significativas.
3. Transformação das expressões de atitude natural dos participantes em expressões fenomenologicamente perceptíveis.Giorgi e Sousa (2010, p. 85 e seg.) acrescentamum quarto passo, conclusivo. Eis os quatro passos do método, no qual se baseia este trabalho, para a análise fenomenológica:
1. Estabelecer o Sentido Geral: leitura do todo, para que se possa obter uma visão geral da experiência vivida.
2. Determinação das Partes: com a visão do todo, o pesquisador relê o texto, destacando pontos específicos focados no objeto da pesquisa e dividindo as descrições em unidades de significado psicológico.
3. Transformação das Unidades de Significado em Expressões de Caráter Psicológico (CP): com as unidades de significado delineadas, o pesquisador irá expressar sua compreensão psicológica, a respeito de cada uma delas. Esse aspecto é revelador do fenômeno considerado.
4. Determinação da Estrutura Geral de Significados Psicológicos: é o resultado efetivo da pesquisa, adquirido a partir da comparação das sínteses específicas, transformando-as em um estado consistente da estrutura do vivido, respeitada a experiência do sujeito.Figura 2 - Método Fenomenoló-gico de Investigação Psicológica, de Giorgi e Sousa (2010).
PARTICIPANTES DO ESTUDO
Este trabalho utilizou, como instrumento de pesquisa, para captar a estrutura do vivido, as respostas a questões que foram propostas pela autora aos psicólogos da EIGT-14, bem como seus relatórios de atendimento individual, no sentido de bem qualificar a relação terapêutica.
Convidados os nove psicólogos dessa turma a participar doestudo, foi possível coletar informações de seis deles (cinco mulheres e um homem). Constituiu-se a amos-tra intencional com pessoas que viveram o processo terapêutico individual, isto é, com 18 clientes (13 mulheres e cinco homens), cujos atendimentos ocorreram entre setembro de 2010 e setembro de 2013.
Aplicaram-se, então, basicamente, dois critérios para seleção dos clientes a adotar para a elaboração inicial do trabalho: em primeiro lugar, os de inclusão; e, em se-gundo, os de exclusão. Consideraram-se critérios de inclusão: contrato burocrático,vínculo, frequência e comprometimento. E, como critérios de exclusão, o não comparecimento às três primeiras sessões do atendimento individual e a participação em outra modalidade de atendimento, que não a individual. Após a aplicação destes critérios, a amostragem de clientes ficou reduzida a 12.
CARACTERIZAÇÃO GERAL DOS CLIENTES
Os doze clientes selecionados (sete mulheres e cinco homens) variavam entre 30 e 59 anos de idade e, em sua maioria, possuíam grau de instrução superior. Havia pelo menos dois/duas “desempregados/as” e uma “advogada/aposentada”, dois “funcionários públicos” e um “militar”. Os demais tinham profissões várias, como “fo-noaudióloga”, “atriz/bailarina”, “psicóloga” e “administradora/tele operadora”. Quanto às queixas, oito dos doze clientes revelaram “depressão”. Dos “dados de convivên-cia”, como “vida afetiva”, “vida familiar” e “religião”, chama a atenção a predominância de “solteiros/as”, em número de cinco, para quatro “divorciados/as” e apenas três “casados/as”, bem como o fato de que a metade (seis em doze) declarou morar com a “mãe” ou com os “pais”, apesar da elevada faixa de idade; uma disse residir com a “tia”, dois com “mulher/esposa e filhos”, duas com “companheiro e filho” e somente um “sozinho”. Quanto à religião, um revelou-se “católico”, enquanto “evangélicos” e “espíritas” empataram: três a três. Houve ainda um que se declarou “budista” e outro “sem religião”, além de três que nada responderam sobre a questão.
A autora formulou duas perguntasbásicas aos psicólogos da EIGT-14, com vistas a bem qualificar a relação terapêutica:
1. Como você descreveria sua implicação com o cliente, nas primeiras sessões de atendimento individual, na CS- IGT?
2. Quanto esta implicação serviu – ou não – para seu desenvolvimento pessoal e profissional?Entende-se por “implicação” a “ligação”, isto é,a “relação” entre os sujeitos, psicólogo e cliente. Em outras palavras, deseja-se explorar, do ponto de vista do terapeuta, a seguinte questão: “o que é que vem do ‘outro’ que me atinge, que me alcança e altera minha disposição em face daquela pessoa que está diante de mim?”. Quer-se saber, portanto, principalmente, como se dá a relação terapeuta-cliente, que estímulos poderiam ocorrer, de parte a parte, de modo a favorecer o desenvolvimento pessoal e profissional do terapeuta.
Dialogando com a literatura, conclui-se que fenômeno e cliente somente se concretizam quando observados, ou seja, dentro do campo relacional do sujeito que observa. A esse propósito, vale a pena recordar a afirmação de Ribeiro (2006, p. 121):
O cliente é um fenômeno, uma aparência pura e simples, e este é o primeiro e talvez o mais importante momento no e do processo terapêutico
[...] Cabe a ele, primeiramente, o desvendar para si do mistério de sua totalidade, depois para o terapeuta.
Na interação acima referida,da autora com os psicólogos da EIGT-14, obstáculos tiveram que ser superados, devido ao desencontro de agendas ou à inadequação de relatórios, tendo em vista o tema que se propunha. Além disso, havia prazos a cumprir, para atendimento das exigências curriculares. Desse modo, eliminados descrições e relatórios que não chegaram a tempo ou não se coadunavam ao estudo em andamento, chegou-se à decisão de adotar a relação de uma psicóloga, que se denominará PSI-1, com dois clientes, que passarão a ser chamados A e B, para apresentação dos quatro passos do método de Giorgi, em forma de amostragem. Para este estudo, foram utilizados todos os relatórios produzidos por PSI-1.
Empregando o método de Giorgi, detalham-se os três primeiros passos aplicados aos clientes A e B, respectivamente, nas tabelas de 1a4, a seguir.
Tabela 1 – Desenvolvimento dos três primeiros passos (cliente A)
Resposta de PSI-1 a questões levantadas pela autora
Sentido geral Determinação das partes Expressões de caráter psicológico Estrutura geral de significados psicológicos Psicóloga 1 (PSI-1): As primeiras sessões com o cliente A foram de bom entendimento, com entrosamento e aceitação, criando-se vínculo e afeto; isto foi importante para meu futuro trabalho fora do IGT: ganhei experiência e segurança. PSI-1 manifesta satisfação com o cliente, enfatizando sentimentos positivos, emergentes, nos primeiros contatos. Realça a importância do vínculo e do afeto criados. Entende que ganhou experiência e segurança para o exercício da profissão. Percebe a criação de vínculo afetivo. Ganha experiência e segurança para o exercício da profissão.Vínculo. Experiência. Segurança.
Tabela 2 – Desenvolvimento dos três primeiros passos (cliente A)
Descrições extraídas dos relatórios
Sentido geral Determinação das partes Expressões de caráter psicológico Estrutura geral de significados psicológicos A mobilização interna foi positiva, pois o cliente precisa de ajuda e está disponível. Desperta curiosidade e expectativa e também inquietação. Afirma que se mobilizou internamente pelo fato de seu cliente buscar ajuda e apresentar-se disponível, refletindo com isso curiosidade, expectativa e inquietação. A relação terapeuta-cliente desperta curiosa expectativa e inquietação. Expectativa. Ambivalência. Atendimento inicial satisfatório. O cliente mostrou-se esforçado, por aproveitar o espaço terapêutico. A mobilização interna é de curiosidade e no sentido de eu estar atenta para não adiantar-me, mas permanecer junto ao cliente. Informa que o cliente mostra-se esforçado e aproveitando o espaço terapêutico. Reitera sua curiosidade e diz-se atenta para acompanhar o cliente, evitando distanciar-se dele. Expressa o fortalecimento do vínculo afetivo pelo cuidado e respeito ao cliente. Vínculo. Cuidado. O atendimento continuou sendo bem avaliado, pois o cliente foi-se apropriando mais de seu modo de ser. Vivencia como terapeuta o amadurecimento do cliente quanto ao seu modo de ser. Reconhece que o cliente apresenta maior consciência sobre seu modo de ser. Vínculo. Agora estou mais tranquila com ele, embora, às vezes, tenha dificuldade de entender o caminho que ele quer percorrer. Em outras sessões, a mobilização interna foi de impotência ou o atendimento cansativo. Percebe-se mais tranquila, mas menciona dificuldades no processo. Cansaço e desconforto são experimentados no atendimento, devido a algumas indefinições do cliente. Sente-se confortável, apesar de dificuldades no processo. Contudo, mantém-se comprometida na relação. Ambivalência. Comprometimento. Passei a ter mais tolerância, apesar de sentimentos negativos, intrigantes, pois o cliente tropeça sempre na mesma pedra. Apesar de tudo, no geral, o atendimento foi satisfatório, pois o cliente mostrou-se aberto, embora confuso, mas disponível para outros encontros. Apesar de perceber e incomodar-se com os tropeços repetitivos do cliente, adota posição de maior tolerância. Contudo, em termos gerais, considera satisfatório o atendimento, devido à abertura e disponibilidade do cliente. Maior tolerância, apesar das dificuldades. Abertura e disponibilidade do cliente são elogiadas. Vínculo. Cuidado. Reconhecimento. Ambivalência. Atendimento tranquilo e com bons resultados. O cliente ficou agradecido e espera ser chamado em breve. Disse, ainda, que é chato olhar e contar a história de novo para outro terapeuta. Mobilização interna triste, pela despedida. Avalia o atendimento como tranquilo e exitoso. Refere o agradecimento e a expectativa do cliente, que teme retomar a terapia com outro psicólogo. Também afirma que ficou triste pelo fim do processo. Terapeuta e cliente revelam mútuo vínculo afetivo no processo de despedida. Vínculo. Ambivalência. O processo terapêutico teve duração de quatro meses. Temas desenvolvidos: depressão, limites, relacionamentos, responsabilidades de escolha, culpa. O processo foi interrompido pelo fim da especialização. O encaminhamento do cliente foi “lista de espera”. Sintetiza a duração, os temas trabalhados, o motivo da interrupção da terapia, bem como o encaminhamento dado ao cliente. Apresenta a síntese da terapia e seus limites. Síntese. Limites. Contrato burocrático. A avaliação foi excelente. Atribuo o bom resultado à disponibilidade, persistência e confiança do cliente, bem como à minha responsabilidade na condução. Acentua o êxito do tratamento, que atribui não só à atuação do cliente, mas também à própria condução. Reconhece o êxito da terapia bem como o vínculo afetivo estabelecido na relação. Apresenta, ainda, a extensão dos limites. Êxito. Vínculo. Contrato burocrático. No ultimo encontro, surgiram elementos novos, pois o cliente disponibilizou mais dias e horários para dar continuidade ao tratamento. Menciona os elementos surgidos no último encontro. Percebe interesse do cliente em estender o tratamento. Vínculo. Contrato burocrático. Enfatizo minha satisfação pelo esforço e pela perseverança do cliente no processo de terapia, assim como por sua vontade sincera de compartilhar experiências. Ao novamente acentuar as virtudes do cliente no processo, revela ter percebido sua sinceridade no intuito de trocar experiências. Reitera a satisfação do processo terapêutico pelo envolvimento do cliente. Entrega. Vínculo. O cliente demonstrou satisfação e agradecimento, afirmando que a terapia lhe fez muito bem. Estive mobilizada positivamente, com sentimento de tristeza pela culminação do processo e, ao mesmo tempo, satisfeita com o trabalho. Palavra: crescimento. Relata que o cliente está satisfeito e agradecido com o tratamento, e consciente do bem que este lhe causou. Diz-se triste pelo fim da terapia, mas satisfeita. Com a palavra “crescimento”, resume o processo. Realça a satisfação do cliente e a própria mobilização. Vínculo. Consciência. Crescimento. Ambivalência.
Tabela 3 - Desenvolvimento dos três primeiros passos (cliente B)
Respostas de PSI-1 a questões levantadas pela autora
Sentido geral Determinação das partes Expressões de caráter psicológico Estrutura geral de significados psicológicos PSI-1: Meu primeiro atendimento à cliente B foi difícil e eu não sabia como lidar com sua personalidade, pois ela falava forte, dizia ser espírita e queixava-se de tudo. Foi difícil. Ela é diferente do cliente A. PSI-1 fala de suas dificuldades no inicio do atendimento. Experimenta impotência ao lidar com a cliente e com os temas que emergiram. Faz comparações com o cliente A. Sente-se impotente, diante da cliente e dos temas. Dificuldades acentuam-se pela comparação com A. Impotência. Comparações. Começou a faltar e o orientador disse que não poderia continuar a terapia; isto me ajudou a conhecer minha falta de fronteiras: eu estava deixando a cliente atuar sem limites, como eu mesma em relação às regras do IGT, ao não poder desvinculá-la, por suas muitas faltas, pois ela já estava “fora”. Menciona a implicação do contrato terapêutico realizado com o instituto, no sentido de obedecer às regras. Reconhece positivamente o papel do orientador e identifica-se com as atitudes da cliente, evidenciando a falta de limites de ambas. Implica-se com o contrato terapêutico. Valora o papel do orientador. Identifica-se com a falta de limites da cliente. Contrato burocrático. Importância do orientador. Identificação da falta de limites.
Tabela 4 - Desenvolvimento dos três primeiros passos (cliente B)
Descrições extraídas dos relatórios
Sentido geral Determinação das partes Expressões de caráter psicológico Estrutura geral de significados psicológicos Por vezes, a cliente era pontual. Falamos a respeito do contrato terapêutico, esclarecendo cada ponto, procurando clarear as regras. Recebi o pagamento do mês e, em comum acordo, assinamos. Observa a pontualidade eventual da cliente, procede à leitura e à discussão do contrato terapêutico e registra o pagamento no decorrer da sessão. Manifesta comprometimento com o contrato terapêutico. Comprometimento. Contrato burocrático. A relação terapêutica com a cliente foi de bom entendimento. O que me cansou foi ouvir a cliente falar do câncer de várias pessoas próximas a ela. Valora o entendimento com a cliente. Revela-se cansada de ouvir as queixas sobre câncer de pessoas próximas. Reconhece a relação terapêutica, mas declara-se cansada e afetada pelo histórico familiar da cliente. Processo terapêutico. Ambivalência. Fiz perguntas para esclarecimento de dúvidas, o que contribuiu para abrir canais de comunicação, permitindo que o processo terapêutico ocorresse com tranquilidade, uma vez que a cliente sentiu-se à vontade para falar dos seus sentimentos. Expressa sentimentos positivos com o início do vínculo, facilitando o processo terapêutico. Sente-se tranquila com o inicio de formação do vínculo e com o fortalecimento do processo terapêutico. Vínculo. Processo terapêutico. Num dos atendimentos, a cliente chegou uma hora adiantada e ficou conversando com a secretária. Fiquei um pouco confusa, porque não soube o que falar sobre o que senti naquele momento. Sente-se intrigada porque a cliente chegou cedo e ficou conversando com a recepcionista. E também confusa, por não conseguir expressar seu sentimento. O adiantamento e a conversa da cliente com a recepcionista intrigam PSI-1. Ela então não consegue lidar com esta situação. Impotência. Insegurança. Ambivalência. Minha mobilização interna foi grande, pois o fato de a cliente falar da história triste da saúde do ex-marido e da situação emocional dela mexeu comigo. Chamou minha atenção o fato de que a cliente até hoje sofre a perda das mortes familiares. Ela diz que “não sabe enterrar seus mortos”. Admite-se afetada pelos temas familiares da cliente e por sua instabilidade emocional. Percebe que B não consegue libertar-se do luto, pela morte dos familiares. Manifesta afetação pelos problemas da cliente. Identifica que suas crenças bloqueiam a capacidade de ver a morte como fato natural. Vínculo. Identificação de crenças. Houve muitos momentos de colocar-me afirmativamente, pois minha mobilização interna levava-me a tomar uma atitude ativa com relação à cliente, que falava muito alto e usava na sua fala muita raiva, palavrões e expressões explosivas. Relata que o comportamento agressivo manifestado pela cliente repercutiu em sua postura e surgiu a necessidade de uma presença mais ativa. Reconhece a agressividade da cliente e reage, afirmativamente, tomando atitude ativa em relação a isso. Agressividade. Ajustamento criativo.. Planejei estar disponível para o atendimento, observando melhor o contato com a cliente, para perceber que atitude minha a provoca. Coloca-se a serviço da cliente como instrumento para seu crescimento pessoal. Exercita sua capacidade de crescer e humanizar-se. Disponibilidade. Crescimento profissional. A cliente trouxe, em algumas sessões, sentimentos negativos, quanto ao passado com a mãe. Falava rápido, sem parar. Senti-me desconfortável, pois ela não disse nada de sua participação, mas colocava todas as culpas na mãe. Expressa desconforto pelos conflitos da cliente com sua mãe e por sua fala acelerada, bem como pelo fato de a cliente não assumir culpa, que transfere sempre para sua mãe. Sente-se desconfortável com os conflitos da cliente com a mãe, no passado, e com o fato de que ela se exime de responsabilidade. Desconforto. Responsabilidade. A cliente expressou cansaço das situações vividas no passado e disse não ter clareza se estão ou não resolvidas dentro dela. Avalia que a cliente sente-se cansada das situações passadas, das quais não sabe se está livre de fato. Identifica cansaço e incerteza da cliente, quanto à solução de problemas passados. Cansaço. Incerteza. Situações inacabadas. No decorrer do processo, passou a existir maior vínculo de confiança e transparência. Contudo, a relação não é fácil, uma vez que envolve a família. Amplia percepção e compreensão sobre o vínculo que, aos poucos, se estabelece. Sente dificuldade de trabalhar com “família”. Percebe o fortalecimento do vínculo e a dificuldade no tema “família”. Autopercepção. Vínculo. Após justificar a ausência em duas sessões, apresentou-se animada, pela possibilidade de trabalhar como cuidadora, por indicação de um conhecido. Disse que naquele momento sentia-se mais encorajada para enfrentar a vida e fazer mudanças. Observa a frequência da cliente na terapia e a animação por esta revelada, pela possibilidade de cuidar de outra pessoa. Exerce controle da frequência da cliente e identifica sua pré-disposição para mudanças. Frequência terapêutica. Mudanças. B declarou que considera esse trabalho honesto e de grande lição para sua vida, pois encontrou uma pessoa muito fragilizada, em quem poderia se espelhar. Para mim foi um momento muito profundo: a cliente falou coisas importantes, com as quais me identifiquei. Ela disse que para dar um passo precisamos de muito esforço e perseverança. Meu sentimento foi de alegria pelo progresso e pelo encontro com a cliente. .Mostra como a cliente valora o novo trabalho de cuidadora, que considera verdadeira lição para si própria. Identifica-se com as trocas e reflexões da cliente. Sente-se enérgica e alegre, pelo fortalecimento do contato e do vínculo. Entende e aprecia a subjetividade da cliente, gratificada pelo fortalecimento do contato e do vínculo. Subjetividade. Contato. Vínculo. Afirmei que as coisas mudam quando se sai da zona de conforto e que é preciso ter atitude e boa motivação. Apesar de eu não estar bem de saúde, o encontro foi muito bom, senti a cliente aberta para oportunidades de entrosamento com as pessoas e o mundo exterior. Senti que ela estava receptiva para o diálogo. .Exorta a cliente a manter atitude e motivação. Utiliza oportunidades para o amadurecimento da relação. Avalia positivamente o encontro. Observa a abertura da cliente para a comunicação. Encoraja a cliente à perseverança. Observa maior disponibilidade para o diálogo, por parte da cliente. Atitude. Diálogo. Ela chegou à conclusão de que nós é que damos solução a nossos problemas, quando nos damos conta de que fazemos parte deles, e que nossa atitude tem consequência, que o outro a nosso lado influencia em nós com suas atitudes e vice-versa. .Revela que a cliente inicia uma tomada de consciência sobre as influências recíprocas de pessoas próximas, para solução de seus problemas. Identifica movimento de autoconsciência da cliente, para enfrentar problemas. Processo terapêutico. A cliente está surpresa, pois encontrou uma pessoa para cuidar e, ao mesmo tempo, percebeu que também precisará de mais ajuda psicológica. Vê a surpresa da cliente por ter sido indicada para cuidar de alguém, bem como sua percepção de que também ela precisa de ajuda.. Percebe a tomada de consciência da cliente, quanto à necessidade de ajuda. Cuidado. A cliente está com pensamentos e atitudes positivas, reconhecendo aos poucos seu potencial. Eu a tenho acompanhado com muito respeito e me esforçando para estar presente, sempre observando suas atitudes. .Observa o crescimento e a tomada de consciência da cliente. Revela o acompanhamento cuidadoso e respeitoso de seu progresso. Revela zelo pelo acompanhamento e identifica o crescimento consciente da cliente. Zelo. Crescimento. Fiz perguntas sobre seu trabalho e sua saúde. Respondeu que anda muito preocupada com a saúde, por não ter bom prognóstico e, além disso, muitas mágoas. .Busca mapear a situação da cliente e obtém resposta clara sobre seu estado, revelando responsabilidade e assumindo mágoas e preocupações. O sentimento de responsabilidade da cliente com a saúde e consigo própria torna-se mais claro. Responsabilidade. A cliente expressou-se com clareza e maior entendimento. Existe um vínculo melhor de confiança. Reafirma evolução da cliente na terapia. Sente fortalecimento de vínculo e confiança.. Expressa a evolução da terapia e o fortalecimento do vínculo e da confiança. Evolução. Vínculo. Coloquei-me no lugar de sofrimento da cliente. Demonstrei interesse de que ela se cuide e deixe de preocupar-se com tantas coisas, que primeiro veja e peça a Deus para dar-lhe um coração perdoador. Ela respondeu que perdoar também é pregado no espiritismo. .Demonstra empatia e cuidado com a situação de vida da cliente. Apela à religiosidade, sugerindo-lhe pedir a Deus um coração que perdoe, obtendo resposta de que também o espiritismo ensina o perdão. Assume o sofrimento da cliente. Sugere pedir a Deus sentimentos de perdão. Recebe resposta de crença no espiritismo. Empatia. Perdão. Crença. A avaliação como um todo foi muito boa, apesar de ser doloroso ver a cliente chorar de impotência e não conseguir libertar-se da mágoa. .Classifica como “muito bom” o atendimento à cliente, embora lamente a impotência e a dificuldade desta em livrar-se da mágoa. Avalia como “muito bom” o processo. Lamenta dificuldades ainda presentes. Avaliação do processo. A terapia teve duração de seis meses. Encerrou-se devido à incompatibilidade de horários. O encaminhamento foi o arquivo morto. Resultados atribuídos: o comparecimento da cliente às sessões foi regular e seu investimento para superar as dificuldades foi muito bom. .Faz um balanço final da terapia, de sua duração, da razão de seu encerramento e do encaminhamento feito. Sintetiza os resultados: regular comparecimento e esforço da cliente para superar-se. Faz a síntese do processo. Comparecimento regular. Muito bom investimento para superar dificuldades. Síntese. Frequência. Investimento.
DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
A partir da análise das descrições, foi possível perceber quatro unidades de sentido semelhantes que, implicitamente, estão contidas na descrição geral feita por PSI-1, na relação com seus clientes A e B:
• Importância do vínculo;
• Implicação com o contrato burocrático;
• Crescimento pessoal versus ambivalência; e
• Processo terapêutico.Importa acrescentar que, embora comuns às várias estruturas, estes constituintes essenciais podem manifestar-se de forma distinta, mas, ainda assim, comoelementos-chaves, componentes fundamentaisda estrutura do fenômeno.
Estrutura da Experiência de PSI-1PSI-1 é psicóloga especializanda da EIGT 14. Descreve como exitosa sua implicação com os clientes, nas primeiras sessões de atendimento individual, na CS-IGT, e considera que esta implicação foi válida para seu desenvolvimento pessoal e profissional. Ressalta a importância do vínculo e do afeto criados com o cliente A, no início do atendimento, e fala de suas dificuldades com a cliente B, experimentando sentimentos de impotência, cansaço e desconforto, ao lidar com os temas trazidos por ela, que compara desfavoravelmente ao outro cliente.
Menciona sua implicação com o contrato burocrático, valorando a importância do orientador, em quem reconhece competência para guiá-la, no tocante a experiências no setting terapêutico, permitindo-lhe identificar seus limites e padrões cognitivos, emocionais e comportamentais, e tornando-a, gradualmente, mais consciente destes. Também se refere ao contrato burocrático, no estabelecimento de regras a serem cumpridas, em termos de pontualidade, frequência, honorários e comprometimento com a relação.
Psi-1, de alguma forma, mesmo que implícita, reconhece a relação intersubjetiva estabelecida, nestes primeiros atendimentos, com seus clientes, o que a impulsiona a uma transformação pessoal e profissional. No estabelecimento de vínculo com o cliente A, assume ganhos de experiência e segurança para o exercício da profissão. Contudo, menciona dificuldades no processo, devido a algumas indefinições do cliente. Apresenta, ainda, dificuldades para ajustar-se aos temas que emergiram na cena terapêutica com a cliente B (crises familiares, instabilidade emocional, doenças, perdas e mortes de pessoas próximas, crenças, além do comportamento agressivo manifestado pela cliente), uma vez que emoções negativas atingiram-na e repercutiram em sua postura, surgindo a necessidade de uma presença mais ativa de sua parte. Em meio a essa ambivalência, a terapeuta colocou-se a serviço dos clientes, como estímulo ao próprio crescimento.
PSI-1 promove a valoração do processo terapêutico, demonstrando empatia e cuidado com a situação de vida dos clientes. Com relação ao cliente A, acentua suas virtudes e revela ter percebido sua sinceridade, no intuito de trocar experiências. Exorta a cliente B a manter atitude e motivação. Utiliza oportunidades para o amadurecimento da relação com ambos os clientes, com o compromisso de avaliar e encerrar o processo.
IMPORTÂNCIA DO VÍNCULO
A implicação dePSI-1,no cenário terapêutico,mostrou-se bastante positiva, de modo geral. Ao descrever suas vivências, ela fala de um vínculo de proximidade, satisfação, disponibilidade, cuidado, comprometimento e expectativa com o cliente A. Ambos estabelecem claramente um vínculo construtivo: ela narra experiências de amabilidade e expressa o constante fortalecimento desse vínculo afetivo, além de cuidado e respeito em relação ao cliente:
[...] As primeiras sessões com cliente A foram de bom entendimento, com entrosamento e aceitação, criando-se vínculo e afeto.
[...] Atendimento tranquilo e com bons resultados.
Fala, também, de sentimentos de impotência, insegurança e desconforto com a cliente B, dificuldades estas que se acentuam quando faz comparação entre os dois clientes.
[...] Meu primeiro atendimento à cliente B foi difícil e eu não sabia como lidar com sua personalidade, pois ela falava forte, dizia ser espírita e queixava-se de tudo. Foi difícil. [...] Ela é diferente do cliente A.
[...] No decorrer do processo, passou a existir maior vínculo de confiança e transparência.
IMPLICAÇÃO COM O CONTRATO BUROCRÁTICO
PSI-1 implica-se com o contrato burocrático e valora o papel do orientador, identificando-se com a falta de limites da cliente B.
[...] Começou a faltar e o orientador disse que não poderia continuar com a terapia. Isto me ajudou a conhecer minha falta de fronteiras.
[...] Eu estava deixando a cliente atuar sem limites, como eu mesma em relação às regras do IGT, ao não poder desvinculá-la, por suas muitas faltas.
Em relação ao cliente A, relata o êxito do contrato burocrático:
[...] O processo foi interrompido pelo fim da especialização. O encaminhamento do cliente foi “lista de espera”.
[...] A avaliação foi excelente. Atribuo o bom resultado à disponibilidade, persistência e confiança do cliente, bem como à minha responsabilidade na condução.
CRESCIMENTO PROFISSIONAL VERSUS AMBIVALÊNCIA
PSI-1 manifesta satisfação com o cliente A, enfatizando sentimentos positivos no tocante aos primeiros encontros, reconhecendo-os como oportunidades de crescimento profissional:
“[...] Isto foi importante para meu futuro trabalho fora do IGT: ganhei experiência e segurança.”
E, simultaneamente, faz menção a sentimentos de cansaço e desconforto experimentados nos atendimentos com A:
[...] Passei a ter mais tolerância, apesar de sentimentos negativos, intrigantes, pois o cliente tropeça sempre na mesma pedra.
[...] Às vezes tenho dificuldade de entender o caminho que ele quer percorrer [...].Em outras, a mobilização interna foi de impotência ou o atendimento cansativo.
Nos encontros com acliente B, a psicóloga desenvolve sentimentos de ambivalência, pois estamostrava-se angustiada e relatava situações do passado, perdas e mortes. Então, preponderavam a instabilidade e a agressividade de B, afetando diretamente a psicóloga, que assume não saber lidar com esses temas conflitantes, tratados entre referências a valores espirituais.
[...] Houve muitos momentos de colocar-me afirmativamente, pois minha mobilização interna levava-me a tomar uma atitude ativa com relação à cliente, que falava muito alto e usava na sua fala muita raiva, palavrões e expressões explosivas. [...] Num dos atendimentos, a cliente chegou uma hora adiantada e ficou conversando com a secretária. Fiquei um pouco confusa, porque não soube o que falar sobre o que senti naquele momento.
[...] Coloquei-me no lugar de sofrimento da cliente. Demonstrei interesse de que ela se cuide e deixe de preocupar-se com tantas coisas. Que primeiro veja e peça a Deus para dar-lhe um coração perdoador. Ela respondeu que perdoar também é pregado no espiritismo.
Pode-se deduzir que houve crescimento pessoal da psicóloga, numa condição em que o ser humano não pode controlar todas as circunstâncias nas quais se sente envolvido, apesar da liberdade de escolher a resposta que deve dar. Observa-se, assim, que a psicóloga, em meio à reconhecida ambivalência, colocou-se a serviço da cliente, promovendo o próprio equilíbrio e crescimento:
[...] Minha mobilização interna foi grande, pois o fato de a cliente falar da história triste da saúde do ex-marido e da situação emocional dela mexeu comigo. [...].Ela diz que “não sabe enterrar seus mortos”
[...] Planejei estar disponível para o atendimento, observando melhor o contato com a cliente, para perceber que atitude minha a provoca.
PROCESSO TERAPÊUTICO
PSI-1 avalia e reconhece o êxito do processo terapêutico e confirma a importância do vínculo formado com seus clientes.Zinker (2007, p. 20) manifesta-se acerca desse vínculo tão peculiar que se estabelece entre terapeuta e cliente, ressaltando a humanidade do primeiro, em forma de afeto, e promovendo a confiança recíproca, base de todo o processo terapêutico. No processo, esta relação é o referencial para integrar novos significados, ampliando o vínculo. Em seus relatos,PSI-1acentua as virtudes do cliente A:
[...] Enfatizo minha satisfação pelo esforço e pela perseverança do cliente no processo de terapia, assim como por sua vontade sincera de compartilhar experiências.
[...] Atendimento tranquilo e com bons resultados. O cliente ficou agradecido e espera ser chamado em breve. Disse, ainda, que é chato olhar e contar a história de novo para outro terapeuta. Mobilização interna triste, pela despedida.
Sobre B, observa a evolução do processo e classifica-o como “muito bom”, ao fazer o balanço da terapia:
[...] Ela [a cliente B] chegou à conclusão de que nós mesmos é que damos solução a nossos problemas, quando nos damos conta de que fazemos parte deles, percebendo que nossa atitude tem consequência, que o outro a nosso lado influencia em nós com suas atitudes e vice-versa.
[...]A terapia teve duração de seis meses. Encerrou-se devido à incompatibilidade de horários. O encaminhamento foi o arquivo morto. Resultados atribuídos: o comparecimento de B às sessões foi regular e seu investimento para superar as dificuldades foi muito bom.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste trabalho,em que se apresenta a questão das primeiras sessões do atendimento individual na CS-IGT,por meio da relação intersubjetiva de PSI-1 com seus clientes, reflete-se a fertilidade que identifica o trabalho em Psicoterapia e a amplitude de solicitações e possibilidades a que está submetido o psicólogo.O uso do método fenomenológico de Giorgi permitiu que os resultados expressassem a articulação dos constituintes essenciais da experiência, tal como vivida pelos participantes.
Algumas respostas podem ser destacadas no processo terapêutico, como resultado deste estudo fenomenológico, acerca da vivência e da eficácia da terapia. Em primeiro lugar, ressalta a importância da formação do vínculo e do estabelecimento de regras claras no contrato burocrático,com sua extensão e seus limites.
No tocante ao fenômeno, o psicólogo é um facilitador do processo relacional. Daí a importância de desenvolver o dom da escuta amorosa, que permitirá ao cliente ouvir-se, com maior acuidade, na medida em que, escutando a si mesmo, ele se redescobre na relação com o outro, tornando-se, ambos, um fenômeno vivo. Por outro lado, em algumas circunstâncias, desejos transformam-se em necessidades, “querer” confunde-se com “poder” e, assim, perde-se a perspectiva dos limites. Terapeuta e cliente, imersos no mesmo processo, não distinguirão se o que emerge vem de necessidades genuínas e transformadoras ou de deslizesde direção do processo e, então, perdem-se os papéis. Neste momento é que se torna fundamental a figura do supervisor.
Outro aspecto relevante é a presença paradoxal de PSI-1,na categoria “crescimento pessoal versus ambivalência”. Levanta-se a hipótese de que a intencionalidade construída em relação ao que se espera no processo seja contraditada pela experiência efetiva do contato. Daí a necessidade de calibrar, clarificar, o ritmo das intervenções realizadas e de esperar um pouco mais a resposta do cliente, sem muitas explicações. E, também, de olhar com cuidado para a relação, buscando dialogar com as diferenças e até mesmo dividir com o outro o caminho que gostaria de seguir, uma vez que estar presente no tempo e no espaço demanda encontros diversos enão há receitas para esses encontros, sempre únicos, singulares.
Desse modo, revela-se a construção do significado de algo que não se conhece, mas que ressoa na experiência presente, transformando a própria maneira de ser-no-mundo, fato que se percebe, nitidamente, quando a psicóloga se coloca a serviço dos clientes, exercitando sua capacidade de crescer e humanizar-se. É um trabalho de extrema delicadeza e de grande amplitude.
O presente artigo trata, portanto, de capturara vivência real do psicólogo, uma vez que, usualmente, os estudos na área tendem a tratar da fundamentação filosófica, técnica ou teórica de cada abordagem e raros investem no modo como o psicólogo percebe seu desenvolvimento, no decorrer do processo terapêutico.
Considero, finalmente, que este breve estudo é apenas o início de uma reflexão, uma vez que o tema explorado é amplo e o que se apresenta, no momento, é uma pequena amostragem.
Agradeço, aqui, em primeiro lugar, à Supervisora Márcia, que exerceu, com proficiência, a orientação necessária para a conclusão deste trabalho. Também agradeço, com empenho, aos colaboradores da EIGT-14, de modo especial a PSI-1, por sua pertinácia e extrema dedicação profissional, sem o que este trabalho não se teria realizado. Estendo ainda estes agradecimentos àqueles que, anonimamente, me estimularam a perseverar na pesquisa, o que permitiu a abertura de espaços, a promoção de encontros e a atualização de possibilidades.
Ao final do processo, constato a riqueza do método fenomenológico, aplicado ao processo terapêutico, dando-lhe sustentação e sentido. E também o quanto os psicólogos construímos conhecimentos, no exercício denossa profissão. Enquanto especialista em Gestalt-terapia, mais uma vez ressalto esta Ciência, que transmite vida, técnica, arte, postura. Neste caminho, tenho rastreado pistas, com curiosidade, tomando como referências minhas escolhas e o diálogo com o outro. É bom olhar o trajeto até aqui e melhor ainda é saber que se está trilhando um caminho que tem coração.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. ESPÍRITO SANTO, Luís Carlos Bandeira, Reflexões de uma Práxis Fenomenológica e Transformadora em Psicoterapia de Base Gestáltica – atuação de um gestalt-terapeuta em formação. Monografia do curso Especialização em psicologia clínica – Gestalt terapia [sic] (Indivíduo, Grupo e Família), Biblioteca do IGT - IGT, Rio de Janeiro, 2012.
2. ESTARQUE PINHEIRO, Márcia E. A Primeira Entrevista em Psicoterapia. IGT na Rede, Rio de Janeiro, RJ, 4.7, 31 ago. 2007. Disponível em: http://www.igt.psc.br /revistas/seer/ojs/viewarticle.php?=169. Acesso em: 23 jul. 2012.
3. GIORGI, Amedeo; SOUSA, Daniel. Método Fenomenológico de Investigação em Psicologia. Lisboa: Fim de Século, 2010.
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5. MORIN, Edgar. Um Terceiro Problema. In:______. Cultura de Massas no Século XX. 2. ed. Rio de Janeiro, RJ: Forense, 1969. Cap. 1, p. 15-23.
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7. PINTO, Ana Paula Cavalcante. O Perfil da Clínica Social do IGT: da primeira entrevista ao início do tratamento. IGT na Rede, vol. 10, no 19, Rio de Janeiro, 2013.
8. RIBEIRO, Jorge Ponciano. Vade-mécum de Gestalt-terapia: conceitos básicos. São Paulo: Summus, 2006.
9. SCHNITMAN, D. Fried (org.) Novos Paradigmas, Cultura e Subjetividade. Porto. Alegre: Artes Médicas, 1996. 294 págs. ISBN 85-7307-167-2. Sumário.
10. SILVEIRA, Teresinha Mello. A Gestalt no Contexto da Psicoterapia: teoria e m e metodologia aplicadas a um caso clínico. In: Presença: Revista Vita de Gestalt-terapia. 1997, ano 3, n. 4, pp. 9-27.
11. TAVARES, Marcelo. A entrevista estruturada para o DSM-IV. In: BASTOS, Adriana. Curso preparatório para o concurso da Prefeitura de Nova Iguaçu: capítulo 8, módulo IV – Estratégias específicas em entrevista. Nova Igua-çu, RJ, 2012.
12. ZINKER, J. Processo Criativo em Gestalt-terapia. M.S.M. Netto, Trad. São Paulo: Summus, 2007.
Endereço para correspondência
Edna Correia da Silva Luciano de Oliveira
Endereço eletrônico: ednalucianodeoliveirapsi@gmail.com
Recebido em: 18/05/2014
Aprovado em: 20/05/2014
Notas
1 Psicóloga, especializanda do Curso de Especialização em Psicologia Clínica – Gestalt-terapia (Indivíduo, Grupo e Família) – do IGT. Artigo escrito para a obtenção do título de Especialista.
2 Psicóloga, Gestalt-terapeuta, especialista em Psicologia Clínica (CFP) e em atendimento de casal e família na abordagem sistêmica (UFRJ), coordenadora pedagógica do Curso de Especialização em Psicologia Clínica – Gestalt-terapia (Indivíduo, Grupo e Família) – e sócia fundadora do IGT.
3Ao longo deste artigo será utilizada a sigla IGT para o Instituto de Gestalt-terapia e Atendimento Familiar e CS-IGT para a Clínica Social do IGT.
4 A equipe de psicólogos que organiza a fila de espera é encarregada também de organizar o arquivo morto, com as fichas inativas, identificadas por código numérico, para eventual emprego futuro. Ela atualiza as informações de dados dos clientes, no banco de dados geral.
5 A recepcionista faz o cadastro e agenda a primeira entrevista, segundo a disponibilidade de horários dos psicólogos.
6 Convênio de divulgação firmado entre o IGT e o psicólogo, para atendimento à faixa de clientes que podem pagar a terapia, a preço de mercado.
7 As demais modalidades – infantil, de grupo, de casal e de família – não são tratadas neste artigo. Indicam-se, como referências, os trabalhos de Espírito Santo (2012) e Pinto (2013).
8 Ver, sobre este assunto, Pinto (2013).
9 Ver documentos citados, como anexos, em Pinto (2013).
10 “The Concrete Steps of the Method: 1. Read for sense of the whole. 2. Determination of meaning units.3.Transformation of participant’s natural attitude expressions into phenomenologically sensitive expressions.”