ARTIGO
Os Conflitos na Fronteira de Contato entre Pais e Filhos Adolescentes
Conflicts on the Border of Contact Between Parents and their Adolescent’s Son
Rosimere Viana Barbosa da Silva*
SMEL- Secretaria Muncipal de Educação de Luziânia / IGTB - Instituto de Gestalt Terapia de Brasília
RESUMO
O presente artigo tem como objetivo propor uma discussão teórica acerca dos conflitos na relação entre os pais e filhos adolescentes, identificar quais os aspectos que dificultam essa relação, quando os conflitos se instalam e quais os ajustamentos criativos utilizados. São apresentadas as concepções da adolescência, os principais conceitos, a relação saúde e doença em Gestalt-terapia, e a relação entre pais e filhos na visão da Gestalt-terapia. O adolescente e seus pais nesse momento de transformação passam por flutuações que consistem em aceitação e negação diante das mudanças físicas e psíquicas. É uma fase confusa e ambivalente, marcada por conflitos, que vai requerer dos pais e adolescentes novas posturas.
Palavras-chave: Adolescência; Interrupção de Contato; Conflitos; Gestalt-Terapia.
ABSTRACT
This paper aims to propose a theoretical discussion about the conflict in the relationship between parents and teens understand what aspects that hinder this relationship, when conflicts arise and what creative adjustments used. Conceptions of adolescence are presented, key concepts, health and disease in relation to Gestalt therapy and the relationship between parents and children in sight of Gestalt therapy. The teenagers and their parents in this time of transformation undergo fluctuations which consist of acceptance and denial in the face of physical and psychological changes. It is a confused and ambivalent phase, marked by conflicts, which will require parents and adolescents new positions.
Keywords: Adolescence; Interruption of Contact; Conflict; Gestalt Therapy.
Introdução
A família, no decorrer da evolução histórica, passou por várias transformações. Novas configurações familiares levam os pais a assumirem novos papéis, gerando assim contradições tais como pais mais liberais e outros que permanecem numa postura tirana em relação aos filhos.
Mesmo diante das transformações no meio familiar, a relação dos pais com os filhos na adolescência ainda é uma questão não resolvida e com a qual os pais encontram dificuldade. A adolescência, por ser um momento de transformação física e emocional, por apresentar uma vivência do luto do corpo, do luto dos pais da infância, onde espaços ficam restritos e a sensação de lugar sem saída, leva os adolescentes a um embate com seus pais, deixando comprometido o contato entre eles.
Hoje muito se fala de família, da nova configuração familiar e da desvalorização ou não dessa instituição, mas pouco se fala das dificuldades encontradas pelos pais e filhos na busca desta integração, que acabam resultando na interrupção de contato. A proposta deste estudo sobre o referido tema tem como objetivo auxiliá-los na condução de uma constante e criativa reflexão, deste encontro tão especial entre pais e filhos, e é endereçado aos adolescentes que estão passando por esta fase, aos pais, assim como aos terapeutas.
A partir dos conceitos da Gestalt-terapia: contato, bloqueios de contato, ajustamento criativo, fronteira de contato, funcionamento saudável e não saudável, pode-se compreender como os conflitos vividos nessa relação podem ser decorrentes de interrupções do contato e, ao mesmo tempo, favorecer o surgimento indesejável, porém, às vezes, necessárias, dessas interrupções.
Este artigo propõe uma discussão sobre alguns aspectos da relação dos pais com os filhos na adolescência. Para tal, propomos algumas concepções de adolescência, o adolescente em si, seu corpo, sua mente, e a relação adolescente e família Tem por objetivo identificar quais os aspectos que dificultam essa relação, quando os conflitos se instalam e quais os ajustamentos criativos utilizados nesta relação.
I - Adolescência e a relação entre pais e filhos
Adolescência é sinônimo de mudança. Focar essa temática é meramente um exercício didático. O primeiro momento de mudança que determina esse novo tempo é a puberdade. Outeiral (1994) compreende como um processo biológico, que tem seu início entre 9 e 14 anos, caracterizando-se por mudanças corporais e hormonais.
A adolescência, para este autor, também é um fenômeno psicológico e social. Sendo psicossocial, ela terá um desabrochar de acordo com o ambiente vivido pelo adolescente, tais como: contexto social, econômico e cultural.
Outeiral (1994) define a palavra adolescência como sendo “olescer” (crescer), significando o processo de crescimento vivido pelo indivíduo, e “adolescer”, que se origina da palavra adoecer. Esses dois significados levam à reflexão sobre o momento da vida do adolescente. Assim, entendemos adolescência, por um lado, como uma aptidão para crescer no sentido físico e psíquico e, por outro, uma condição de adoecer - em termos de sofrimento emocional- com base nas transformações biológicas e mentais que perpassam essa etapa.
É na fase inicial dos 9 anos aos 14 anos que acontecem as transformações corporais e as alterações psíquicas. A adolescência média vai de 14 a 16 anos, e é marcada por questões da sexualidade. De acordo com o autor, passam de uma bissexualidade para uma heterossexualidade. A adolescência final vai de 17 aos 20 anos: manifestando como elementos característicos o estabelecimento de novos vínculos com os pais, a definição profissional, a aceitação do novo corpo e das mudanças psíquicas para o mundo adulto (OUTEIRAL, 1994).
O adolescente, nesse momento de transformação e aceitação do novo corpo, assiste e sofre passivamente todas essas transformações, criando uma intensa ansiedade. Vive a perda do corpo infantil, com uma mente ainda infantil e um corpo que vai se tornando o de um adulto. Muitas vezes, esse corpo aparece totalmente diferente do corpo idealizado. Há nesta fase a tendência a refugiar-se internamente (OUTEIRAL, 1994).
O adolescente, para lidar com o corpo não idealizado, passa por um processo de identificação grupal, se submetendo a uma aceitação ou rejeição por parte do grupo, que o leva a processos de ajustamento, de adaptação, de afastamento ou isolamento social (OUTEIRAL, 1994).
Para Aberastury & Knobel (1988), além do luto pelo corpo, o adolescente vivencia o luto pela identidade infantil e o luto pelos pais da infância. De acordo com estes autores, pode-se compreender essa identidade infantil como a fase onde a criança vivencia um vínculo de dependência dos seus pais. A criança, diferentemente do adolescente, passa a ter os pais como o seu referencial, ela vai se organizar a partir de uma identificação com os pais, já os adolescentes partem para os grupos e seus pares. Nesta fase, a questão dependência-independência passa a assumir um papel central, caracterizando-se a adolescência pela tendência em direção a uma maior independência.
Quando o adolescente se sente capaz de fazer sua inclusão no mundo com seu corpo novo, assumindo e aceitando a imagem que tem do seu corpo, muda também sua identidade, mas ainda vive um momento de adaptação.
Vão acontecer, nesse período, momentos de flutuações entre dependência e independência. São nesses momentos que dizemos que o adolescente não sabe se é criança ou adulto, vive momentos de extrema dependência dos pais e outros em que se coloca como uma pessoa capaz de tomar suas próprias decisões. Aqui os pais também vão vivenciar essas flutuações, por vezes vão querer ter a sua criança de volta e em outras vão exigir uma postura adulta desse ser em transformação.
A adolescência é uma fase de contradições, confusa, ambivalente, dolorosa, marcada por conflitos com o meio familiar e social, que vai exigir novas posturas, cuja elaboração demanda tempo para o adolescente. Ele vai precisar se refugiar internamente para enfrentar o futuro (ABERASTURY & KNOBEL, 1988). Esse refúgio é aquele momento em que o adolescente faz uma opção pelo isolamento, para refletir e vivenciar a separação dos pais. Este refúgio poderá facilitar-lhe o entendimento enquanto um novo ser
II - Os principais conceitos e a concepção de saúde e doença na Gestalt-terapia
Aqui apresenta-se os conceitos de contato e saúde em Gestalt-terapia, bloqueios de contato como sintoma, ajustamento criativo, fronteira de contato e funcionamento saudável e não saudável em Gestalt-terapia.
O conceito de contato é fundamental no arcabouço vocabular da Gestalt-terapia. Contatar é sinônimo de vida, de existência plena. Assim, “contato é saúde, saúde é contato. Qualquer interrupção do contato implica uma perda da saúde” (RIBEIRO, 2006, p.36).
Saúde em Gestalt-terapia, não é simplesmente ausência de doença, e sim algo mais complexo e holístico. Saúde pode ser explicitada como ‘a forma de se estabelecer contato’. O contato vai ser nutritivo quando o indivíduo diante do ‘novo’ consegue realizar uma boa assimilação com o meio (D’Acri, 2007).
Ainda falando de saúde como processo, o contato pleno pode ser entendido como um modo de favorecer uma relação saudável entre pais e adolescentes. Ribeiro (1997, p. 13) fala das nuances que a palavra contato traz para o encontro pleno: contato não é apenas estar com, “contato é função do campo e obedece às leis que regem o campo”. “A vivência do contato depende da experiência do campo, cuja qualidade altera a experiência imediata vivida pelo sujeito em um momento dado”.
Partindo do pensamento de Ribeiro (1997), uma relação só subsiste a partir do momento em que enxergo o outro, que estou plenamente inserido nesta vivência, pronto a viver o encontro. Um encontro só se torna um contato quando as coisas começam a existir. Esse existir não vai acontecer enquanto não percebo e estou pleno na relação com o outro.
Ribeiro (1997), ainda reforça que, por meio do contato, podemos pensar a nossa existência e a do outro, nos ver de modo separado no mundo e como existimos e funcionamos na relação com o outro.
Para o autor, pensar em contato é pensar em crescimento, e para que isso aconteça, deve-se deixar levar pelo fluxo do encontro com o outro e permitir que isso seja um gerador de mudanças. Em contraponto, o não fluir, o desajuste na relação é uma interrupção de contato.
A interrupção de contato vai estabelecer-se na fronteira de contato, que é o lugar onde o encontro organismo/meio acontece. De acordo com o contato estabelecido na fronteira é que vamos perceber como o organismo foi modificado, “se unindo ou se separando” (SILVEIRA, 2007, p. 116).
O bloqueio do contato pode ser percebido como um sintoma, e também como uma necessidade de autorregulação. Sob esse aspecto, Ribeiro (2006) aponta que o bloqueio existe como uma maneira da pessoa se autorregular e se autoajustar diante do que tem como possibilidades, mesmo que essas não sejam alternativas mais adequadas. O bloqueio pode funcionar como uma das únicas alternativas disponíveis para a pessoa manter um contato tolerável, no aqui e agora.
Os bloqueios e resistências aparecem como um único modo momentâneo da pessoa agir. O sintoma mostra uma perda de confiança em seu potencial criativo e, só após serem cuidadas, conseguirão se ajustar criativamente e se colocar novamente na vida de forma saudável (RIBEIRO, 2006).
O ser humano é um ser que vive em relação e é na relação com o outro que o ajustamento acontece, pois
“(...) o ajustamento criativo é o processo pelo qual o corpo-pessoa, usando sua espontaneidade instintiva, encontra em si, no meio ambiente, ou em ambos, soluções disponíveis, às vezes aparentemente não claras, de se autorregular” (RIBEIRO, 2006, p. 79).
O ajustamento criativo acontece na fronteira de contato e visa sua autorregulação diante de situações diversas. O organismo para se ajustar de forma saudável, vai em busca de uma autorregulação transformadora e necessita descobrir estratégias adaptativas adequadas para o bom funcionamento. Para que isso ocorra, o indivíduo precisa de um contato aware (consciente) na fronteira.
Awareness é “uma forma de experienciar, é o processo de estar em contato vigilante com o evento mais importante do campo indivíduo/ambiente, com total apoio sensório motor, emocional, cognitivo e energético” (YONTEF, 1998, p. 215).
Contudo, se isso não acontece, o ciclo de autorregulação fica interrompido e o indivíduo em desequilíbrio, sem condições de atender às suas necessidades. É pelo ajustamento criativo que a pessoa se mantém ativa e buscando um modo mais saudável de estar no mundo (MENDONÇA, 2007).
O ajustamento criativo se dá quando utilizamos recursos antigos, disponíveis pelo organismo, ou novos, encontrados no contato corpo-meio-ambiente, proporcionando um modo de viver sem adoecimento (RIBEIRO, 2006).
A relação dos pais com seus filhos adolescentes vai adoecer, quando ambos, por não conseguirem, diante do novo, se ajustar criativamente, buscam maneiras de lidar com suas dificuldades de forma não saudável, interrompem o contato pleno, como diz Ribeiro (1997), e deixam comprometido o fluir da relação.
Para Frazão (1999)
Funcionamento não saudável é um fenômeno interativo, que ocorre na fronteira de contato, e que se refere à inabilidade e ou impossibilidade de se relacionar criativamente com o ambiente, relacionando-se ao invés disso através de padrões cristalizados e repetitivos, através dos quais a expressão de necessidades e sentimentos é distorcida ou suprimida, com vistas a manter a relação com o outro, por mais artificial ou inautêntica que uma relação desse tipo possa parecer (p. 30).
Como as necessidades dos adolescentes são diferentes daquelas da infância, estas, portanto, podem rivalizar com a manutenção da relação com o outro. Frazão (1999) explica que quando isso ocorre o indivíduo vai tentar se ajustar, mas se as tentativas falharem, então haverá o conflito.
Com base na minha vivência como psicoterapeuta no atendimento de adolescentes, o conflito vivido por eles na relação com os pais acontece quando falta uma relação dialógica, quando em um dado momento, um deixa de olhar para o outro. Os pais estabelecem as prioridades, determinam o que devem fazer, mensuram o quão deve ser alto seu desempenho intelectual e são incompreensíveis com as falhas e com o insucesso dentro do esperado por eles. “Já os adolescentes, por falta de repertório e de maturidade, entram num embate com seus pais, numa postura de autoafirmação que resulta na interrupção de contato na relação.”
Portanto, para garantir esta relação entre pais e filhos é preciso do diálogo. Numa relação dialógica entre pais e filhos, é preciso que verdadeiramente aconteça um encontro pleno, onde a “presença” seja inevitável neste encontro. É necessário aceitação de ambos e uma reciprocidade como o grande marco da relação (BUBER, 2012).
Os pais, para manterem uma relação dialógica com seus filhos, precisam romper a barreira do medo da fase desconhecida, do medo de perder o filho criança e do medo de não estarem mais no controle.
É importante não se ter reservas e estar aberto um para o outro, encontrar um ao outro como pessoa e estabelecer uma relação mútua, verdadeira e ativa, considerar a pessoa como o foco exclusivo da sua atenção, assim se tem o “diálogo genuíno” (HYCNER, 1995).
A relação dialógica não é entendida como uma simples conversa, é um estar com o outro de forma plena, é olhar, perceber e procurar entender quais são as necessidades do outro. Quando isso acontece, a relação vai ser saudável, as próprias dificuldades do adolescente em lidar com as suas mudanças, como se auto afirmar na relação e de mostrar a sua independização, serão minimizadas, pois se sentirá como participante dessa relação pais e filhos.
No atendimento clínico percebo como os pais tem dificuldade de compreender o crescimento do filho. A mudança corporal vivida pelo adolescente é algo marcante nesse processo, e eles podem não ter mais a mesma liberdade diante dos pais, podem sentir-se invadidos, pois, vivenciam um corpo novo. Já para os pais, acostumados a ver o filho sem roupa, não entendem como uma invasão.
De acordo com Hycner (1995), quando a ênfase dos pais é dada de acordo com as suas necessidades individuais, o relacional fica subjugado, cria uma separação onde um não vai compreender o outro.
Aqui, pode-se também fazer uma referência ao conceito de saúde e doença em Gestalt-terapia, a saúde é compreendida a partir de uma totalidade, e a doença como uma incapacidade momentânea de se autorregular. Os pais e filhos apresentam, nesta fase, dificuldades de se ajustarem diante de todas as mudanças que ocorrem na adolescência. Esta relação se vê muitas vezes adoecida, mas não adoece por inteiro: a totalidade da relação é comprometida, mas apenas uma parte adoece.
A inter-relação saudável dos pais e adolescentes se dá quando o ajustamento criativo acontece de forma criativa na fronteira de contato, atendendo às necessidades de cada um. O funcionamento saudável:
“[...] é um fenômeno interativo, que ocorre na fronteira de contato e que se refere à habilidade de se relacionar criativamente com o ambiente como indivíduo único, com vistas à expressão e atendimento de necessidades, mantendo, ao mesmo tempo, uma relação respeitosa com o outro em sua unicidade” (FRAZÃO, 1999, p. 29).
Fernandes (2013, p. 39) reforça estas reflexões e aponta-nos, do ponto de vista familiar, que
“ [...] as famílias saudáveis apresentam fronteiras flexíveis, selecionam contatos nutritivos e alienam aqueles que podem ser tóxicos, seus membros interagem com mais ou menos apego ou soltura dependendo das necessidades e circunstâncias”.
A adolescência é compreendida e rotulada pelos pais como um problema, muitos antes de iniciarem esse processo, juntamente com seus filhos, de tal forma que já esperam que essa fase seja difícil e, na verdade, esses adolescentes estão vivendo uma transposição, em que se tornarão adultos conscientes na sociedade, e, neste momento, voltarão aos seus pais. “Posso, ainda, reforçar a importância do ambiente familiar favorável e compreensivo ao momento do adolescente, com o objetivo de manter uma relação saudável.”
III - A adolescência e a relação entre pais e filhos na visão da Gestalt-terapia
A passagem da infância para a adolescência é muito incompreendida pelos pais. Segundo Pinheiro (2013), o adolescente já é grande o bastante para fazer várias coisas, mas não tem idade para realizar outras que normalmente eles gostariam. A dualidade vivida pelo adolescente entre o amadurecimento do corpo e o psicológico leva a uma inquietação e instabilidade emocional que, consequentemente, leva a conflitos no relacionamento com os pais. À luz da Gestalt-terapia, Mirabela (2013) fala que o adolescente vive uma crise de adaptação, a variação do seu estado de ânimo e intensas mudanças em seu emocional se dá diante da necessidade de encontrar seu lugar no mundo. Esse novo papel, agora adolescente, num movimento de crescimento, requer escolhas que terão impacto em toda a sua vida, gerando angústia e insegurança.
Mirabela (2013) elucida também a respeito do corpo infantil. Como já apresentado, o adolescente vivencia as mudanças e passa a lidar com um corpo que não obedece a seus controles, passa a ter desejos, necessidades e emoções antes desconhecidos.
Durante a infância, a criança vive sob proteção dos pais e estes buscam supri-la em tudo. Quando estas crianças se vêem adolescentes, querem tomar suas próprias decisões e se afastar dos pais como forma de se colocarem como um ser-no-mundo. E os pais sofrem com a perda da criança que estava sob controle e acabam por ter dificuldade em entender e aceitar esse novo ser adolescente.
Mirabela (2013) cita duas posturas comumente adotadas pelos pais de adolescentes, que pode-se aqui classificar como fatores de interrupção de contato na relação dos pais com os filhos: a) controle excessivo do filho, os pais se sentem inseguros quanto ao que o filho está se tornando e se sentem impotentes; b) A outra postura é a de abandono ou indiferença, negação da responsabilidade, ocorre normalmente diante da dificuldade em acompanhar os filhos.
Mirabela (2013, p. 24) afirma a respeito:
“[...] esses pais muitas vezes negam que foram adolescentes, deixando fora da fronteira de contato as experiências vividas nessa época, dificultando seu acesso aos recursos necessários para o desenvolvimento de um autossuporte que pudesse favorecê-los na comunicação com os filhos”.
Uma das tarefas centrais do adolescente vivida na relação com os pais é a independização, que muitos compreendem como uma ruptura com a família. A independização é a transformação de vínculos infantis de relacionamento por um mais maduro e independente. É um processo doloroso para os pais e adolescentes. O adolescente precisa desvalorizar os pais, para assim se afastar e sentir que não perde muito, e os pais passarão por uma dura prova com essa conduta, mas é necessário aceitar e entender essa postura para que seus filhos possam construir uma visão própria dos mesmos (OUTEIRAL, 1994).
A independização em Gestalt-terapia pode ser vista como um ajustamento criativo. O filho passa de uma fase infantil para uma em que ainda não se reconhece, necessita aqui criar meios para dar conta de um processo de transformação que ainda desconhece. Precisa se afastar dos pais e se aproximar de seus pares em busca da sua própria identidade. O modo como os pais acabam por se adaptarem às mudanças dos filhos, de tentarem vivenciar o afastamento e o funcionamento do adolescente também pode ser um ajustamento criativo para lidar com o novo.
O grupo familiar do adolescente como um todo adoece. Os pais, com seu discurso voltado para o passado, se vêem de frente com o adolescente que só fala do futuro e mantém um crescente desempenho físico, enquanto os pais sentem o peso da idade (OUTEIRAL, 1994).
O autor ainda aponta outra questão importante que traz implicações para essa relação, a projeção que os pais fazem das suas fantasias sobre seus filhos crianças, e estes se assustam com os adolescentes que buscam a independização e seguem novos caminhos, antes não escolhidos por seus pais. A situação de oposição aos pais é um dos momentos de construção da sua identidade. Ao opor-se, o adolescente afirma a si próprio enquanto sujeito único e singular.
Esse processo que estabelece novos vínculos com a família e com a sociedade, passando de uma esfera infantil para um modelo adulto, é uma tarefa básica vivida pelo adolescente (OUTEIRAL, 1994).
O luto vivido pelos adolescentes dos pais da infância é algo também vivenciado pelos pais. Eles precisam fazer o luto pelo corpo do filho pequeno, da sua identidade de criança e da sua dependência infantil. Os pais têm que se desprender do filho criança e aprender a lidar com o filho adulto, se os pais não se dão conta de suas dificuldades, esse momento torna-se ainda mais doloroso. Os pais precisam aprender a fazer renúncias, assimilar a proximidade do envelhecimento, da morte, abandonar a imagem idealizada de si mesmos e aceitar a capacidade de seu filho de tomar decisões e ser capaz de alcançar suas próprias conquistas (ABERASTURY & KNOBEL, 1988).
O processo de mudança naturalmente vivido pelo adolescente também pode ser entendido como um modo de se ajustar criativamente. Ele precisa dar conta de uma transformação corporal, passando de um corpo infantil para um corpo adulto, construir sua própria identidade frente às expectativas de seus pais e lidar com pais que ainda se comportam como pais da infância. Esse ajustamento é que vai permitir que o adolescente se adapte à sua nova identidade e perceba como se colocar no mundo novo.
Em um dado momento – na relação pais e filhos adolescentes – perde-se a capacidade de manter um contato pleno e de compreensão da existência um do outro, dando lugar aos conflitos. Pode-se, ainda, acrescentar que nesta relação o contato está empobrecido. A relação pede um contato de qualidade para que se propicie uma interação indivíduo/ambiente nutritiva e que possibilite mudanças no seu campo relacional (FRAZÃO, 1999).
Os pais têm dificuldades de perceber que ao longo do desenvolvimento as necessidades desses filhos se tornam mais complexas e exigem um modo diferente de agir dos pais da infância. Os recursos disponíveis para o adolescente na forma de autorregulação podem ser entendidos pelos pais como rebeldia e desobediência. A autorregulação organísmica, aqui, acontece de forma não saudável por meio dos bloqueios de contato.
Considerações finais
O presente trabalho perpassou pelas mudanças vividas pelo adolescente, sua postura diante do novo e o momento de um desabrochar de sua maturidade. Ressaltou que os pais também, embora dotados de mais conhecimento e maturidade, se perdem diante desse enfrentamento.
O primeiro momento de dificuldade enfrentado pelo adolescente e pelos pais é a mudança do corpo. Os adolescentes vivenciam o luto do corpo, não entendem como lidar com tantas mudanças, saem de um lugar outrora de proteção e conforto e se deparam com um “quem sou eu”. Os pais, em contrapartida, que detinham o controle sob aquela criança, passam a vivenciar o luto do filho da infância.
É nesse momento confuso e ambivalente que os conflitos se instalam. A capacidade de manter um contato pleno e da compreensão, um do outro, se perde; o contato deixa de ser nutritivo, pois os pais temem a perda do filho criança.
As necessidades dos filhos mudam e exigem dos pais uma nova postura, um ajustamento para lidar com esse ser que quer se individualizar, se reconhecer enquanto pessoa capaz de fazer escolhas e começar a decidir o seu futuro de um vir a ser adulto. É entendido que os adolescentes, na fase inicial, ainda não têm condições de seguirem sozinhos, por isso – a ambivalência (entre dependência e independência) nessa fase é tão citada – precisam de apoio e orientação. Os pais, nesse momento, encontram dificuldades para fazer esse ajustamento, ainda não conseguem perceber e ou aceitar as mudanças, tentam continuar no mesmo lugar dos pais da infância. Os adolescentes, então, vão precisar se afastar desses pais em busca de sua independização, como explica Outeiral (1994), precisam transformar os vínculos infantis de relacionamentos por um mais maduro e independente.
Aqui os bloqueios de contato vão acontecer como um sintoma. Os pais necessitam se autorregular para a nova relação, mas agem de forma não saudável. Não conseguem olhar para o adolescente e ver suas novas necessidades e dificuldades, se preocupam em não perder o controle, temem o ser adulto que surge. Continuam querendo apenas determinar, fazer as escolhas no lugar do adolescente e mostrar o que é mais importante em sua visão, não percebem que esse é o momento de olhar para o outro que busca construir sua própria identidade.
Os pais encontram dificuldade de estabelecerem uma relação dialógica com seus filhos adolescentes. No dialógico, que é onde se institui um contato pleno, os pais conseguem perceber, compreender, valorizar, aceitar e confirmar as necessidades e experiências vivenciadas pelos filhos. Através dessas atitudes, serão capazes de se colocar no lugar dos filhos, deixando de lado suas próprias opiniões, experiências e valores, para entrar no mundo particular de vivências e assim, compreender as necessidades dos filhos. Nesse contexto relacional, pais e filhos se comunicam sem reservas, com a confiança de serem compreendidos e respeitados um pelo outro. Desse modo, o contato e a troca de experiências e de ideias entre eles se torna plena, contribuindo para que um aprenda com o outro, o que favorece o enriquecimento e o crescimento da relação e das partes envolvidas.
Posso, então, afirmar que os fatores que levam pais e filhos a não conseguirem estabelecer um contato pleno e dialógico entre eles estão relacionados à interrupção da expressão aberta de sentimentos e ideias, projetando um no outro as dificuldades e necessidades particulares de cada um, exigindo que o outro (pai e filho) seja ou faça exatamente como é esperado ou desejado.
A esse respeito, abre-se um fértil horizonte de pesquisas sobre a luta de poder existente entre pais e filhos adolescentes; os pais querem impor suas ideias e valores, os filhos querem o direito de ser eles mesmos, diferentes de seus pais, ou descobrir suas verdadeiras identidades por meio da oposição a eles.
Portanto, diante dessa discussão teórico-clínica levantada anteriormente, percebo que ainda há muito a ser estudado em Gestalt-terapia sobre a relação entre pais e filhos adolescentes, e sugiro que sejam realizadas novas pesquisas acerca desse tema.
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Endereço para correspondência
Rosimere Viana Barbosa da Silva
Endereço eletrôncico: rosimereviana16@gmail.com
Recebido em: 04/03/2014
Aprovado em: 14/05/2015
NOTAS
* Psicóloga clínica, atendimento de crianças, adolescentes e adultos. Psicóloga da Secretaria Municipal de Educação de Luziânia. Especialista em Gestalt Terapia pelo Instituto de Gestalt-Terapia de Brasília – IGTB.